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ecológico12
INTRODUÇÃO
Figura 1
PESSOA, ESPAÇO VIVIDO E AMBIENTE
p/o = pessoas ou objetos no espaço vivido
Fenomenologia do inconsciente
Com base no conceito de espaço vivido, nós também podemos alcançar
uma compreensão fenomenológica do inconsciente, que é de especial
importância para a psicoterapia. As dificuldades inerentes às teorias
psicodinâmicas tradicionais “de porão” [cellar] do inconsciente são bem
conhecidas; elas o descrevem como um nível abaixo do solo onde todos os tipos de
entidades sinistras são estocados. Tal conceito é baseado em um modelo
cartesiano da mente como um tipo de recipiente interno que conteria distintas
ideias, memórias e representações da realidade externa que foi introjetada,
internalizada como “representações” ou “imagens” de objeto, i.e., como
entidades imutáveis, reificadas, que povoam os domínios claros ou obscuros da
psique. Estes domínios são reificados também, recebendo nomes como
consciência, inconsciente, superego, e assim por diante.
Tudo isto foi veementemente criticado por fenomenólogos (e.g.,
Binswanger, 1963; May, 1964; Ricoeur, 1969; Hersch, 2003). Contudo, na
qualidade de ciência primária da consciência, a fenomenologia teve problemas
em desenvolver uma teoria alternativa do inconsciente. Em todo caso, este último
não pode ser concebido como um lugar ou um cômodo que contenha entidades
mentais atomísticas, reificadas. Não as coisas, os objetos fixos ou as memórias
devem ser vistas como inconscientes, mas, antes, as potencialidades, as
disposições ou as tendências da vida da pessoa. Assim, a abordagem
fenomenológica procurará o inconsciente nas maneiras implícitas nas quais o
paciente está se comportando e vivendo e nas maneiras em que ele não está
vivendo e se comportando. Aqui, a fenomenologia converge com a mais recente
pesquisa sobre a memória que enfatiza o aprendizado implícito ou processual como
subjazendo as nossas maneiras habituais de comportar-se, agir e mesmo de evitar
possíveis ações, sem uma tomada de consciência [awareness] explícita, ou apenas
com uma consciência marginal (Schacter, 1999; Fuchs, 2004).
Merleau-Ponty, com um objetivo similar, já analisou os efeitos colaterais
inconscientes do trauma psicológico. De acordo com ele, o reprimido assemelha-
se ao membro fantasma em pacientes que sofreram uma amputação na medida
em que ele constitui um “espaço vazio” na subjetividade (1962, p. 86) {p. 430:}. O
inconsciente reprimido pode ser considerado como uma fotografia negativa de
uma experiência passada com a qual o sujeito não é capaz de lidar – um negativo
que recobre cada nova situação sem aviso prévio, assim fixando o indivíduo
traumatizado em seu passado ainda presente.
Certamente, esta fixação não se funde com a memória; ela até mesmo exclui a
memória na medida em que esta última se espalha diante de nós, como uma
fotografia, uma experiência anterior, enquanto que este passado que permanece
o nosso verdadeira presente não nos abandona, mas permanece constantemente
escondido por detrás de nosso olhar em vez de ser mostrado diante dele. A
experiência traumática não sobrevive como uma representação no modo da
consciência objetiva e como um momento “datado”; é de sua essência sobreviver
apenas como uma maneira de ser e com um certo grau de generalidade. (Merleau-Ponty,
1962, p. 83; itálico pelo autor, T. F.).
Este inconsciente deve ser buscado não no fundo de nós mesmos, por detrás das
costas de nossa “consciência”, mas em frente de nós, como articulações de nosso
campo. Ele é “inconsciente” não sendo objeto, mas sendo aquilo através de que os
objetos são possíveis; é a constelação a partir da qual o nosso futuro pode ser lido.
5(Merleau-Ponty, 1964, p. 234).
4 Sartre mostrou, usando o termo “má fé” (“mauvaise foi”), que há um componente essencial de
autoengano inerente a esta distorção (Sartre, 1943, p. 86). O sujeito adota uma perspectiva
insincera e ambígua com relação a si mesmo, deslizando em uma “inatenção voluntária” [willful
nonattention]. Uma pessoa não sabe algo e não quer sabê-lo. Uma pessoa não vê algo e não quer
olhar para ele, quer dizer, ela olha para o lado com e sem intenção. Sobre isto, cf. Holzhey-Kunz
(2002, p. 173ff.) e Bühler (2004).
5 “Cet inconsciente à chercher, non pas au fond de nous, derrière le dos de notre ‘conscience’,
mais devant nous, comme articulations de notre champ. Il est ‘inconscient’ par ce qu’il n’est pas
objet, mais il est ce par quo ides objets sont possibles, c’est la constellation où se lit notre avenir”
(Merleau-ponty, 1964, p. 234).
é curvado negativamente em torno destas áreas e elas vêm a ser lacunas ou
“pontos cegos”. Aqui, a intencionalidade do inconsciente se torna óbvia: um
contato iminente com uma zona perigosa é antecipada e prevenida {p. 432} sem
atenção consciente [conscious awareness] porque é mais econômico não reativar o
estresse e a ansiedade da experiência traumática de novo e de novo. A resistência
ou defesa da teoria psicodinâmica é, frequentemente, nada mais do que esta
postura atenuante ou de evitação, que se manifesta no contexto da psicoterapia.
Figura 2
“ESPAÇOS REPULSIVOS” DO INCONSCIENTE
Figura 3
“ESPAÇOS ATRATIVOS” DO INCONSCIENTE
Nós podemos abordar outros conceitos psicodinâmicos de maneira
semelhante, mas estes exemplos serão suficientes. De um ponto de vista
fenomenológico, como nós vimos, o inconsciente não é uma realidade
intrapsíquica, localizada em alguma profundida “abaixo da consciência”, mas ele
rodeia e permeia a vida consciente de maneira similar a um quebra-cabeças
pictográfico no qual a figura oculta [blinded out] permeia o primeiro plano. Trata-
se de um inconsciente que {p. 433} não está escondido na dimensão vertical da
psique, mas, antes, na dimensão horizontal do espaço vivido e na
“intercorporalidade” de nosso contato social com outrem6. Isto nos leva adiante
à fenomenologia da interação terapêutica.
6 “[...] a latência da psicanálise é um inconsciente que está abaixo da vida consciente e dentro do
indivíduo, uma realidade intrapsíquica que leva a uma psicologia das profundezas em uma
dimensão vertical. [...] a latência da fenomenologia é um inconsciente que rodeia a vida consciente,
um inconsciente no mundo, entre nós, um tema ontológico que leva a uma psicologia da
profundeza na dimensão lateral” (Romanyshyn, 1977). — Sobre o inconsciente na análise
existencial, ver também Bühler (2004); sobre a “intercorporalidade”, ver Merleau-Ponty (1967, p.
213).
mútua de significado que não é um “estado na cabeça”, mas surge do “entre”, ou
do sistema, paciente e terapeuta. Sobre a base do conceito de espaço vivido e
fazendo uso do termo crucial da filosofia hermenêutica de Gadamer, nós
podemos considerar o processo interativo como uma “fusão de horizontes” do
paciente e do terapeuta (Gadamer, 1995; cf. fig. 4). Os seus mundos fenomênicos
pré-existentes interagem, ou mesmo se fundem parcialmente, o que resulta em
um novo mundo, emergente e diádico, que é nutrido pelo “nicho terapêutico” e
cria um novo horizonte de possibilidades. Ao mesmo tempo, os pontos cegos ou
lacunas no espaço vivido do paciente se tornam visíveis através da iluminação
do campo interativo. Este novo e mais amplo espaço pode atenuar ou mesmo
sobrepujar a constrição de seu horizonte. A intercorporalidade, na qualidade de
esfera da interação não-verbal, corporal e atmosférica, desempenha, aqui, um
papel importante. Ainda que permanecendo no plano de fundo, ela é um
importante veículo da relação terapêutica. {p. 434:}
Figura 4
“FUSÃO DE HORIZONTES” NA PSICOTERAPIA
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Barker, R. G. (1968). Ecological psychological. Concepts and methods for studying the
environment of human behavior. Stanford Univ. Press. {p. 438:}
Beebe, B., Lachman, F., Jaffe, J. (1997). Mother-infant interaction structures and
presymbolic self – and object representations. Journal of Relational Perspectives, 7,
133-182.
Fuchs, T. (2000). Psychopathologie von Leib und Raum [Psychopathology of lived body
and space]. Darmstadt: Steinkopff.
Merten, J., Krause, R. (2003). What makes good therapists fail? In: Philippot, P.,
Coats, E.J., Feldman, R. S. (eds.). Nonverbal behavior in clinical settings. Oxford
University Press, Oxford.
Sartre, J.-P. (1966 [1943]). Being and nothingness. Trans. H. E. Barnes. New York:
Philosophical Library.
Stern, D. (1998). The interpersonal world of the infant: A view from psychoanalysis and
developmental psychology. New York: Basic Books.
Stern, D. (2004). The present moment in psychotherapy and everyday life. New York,
London: Norton & Comp.