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A construção de ilhas artificiais no Mar do Sul da China e a

Convenção sobre o Direito do Mar

Análise das transgressões chinesas ao Direito Internacional

Letícia Eloi Meira Fona – Matrícula: 115059029

Universidade Federal Fluminense – UFF

12/01/2017
 Contexto do conflito no Mar do Sul da China

A disputa no Mar do Sul da China possui raízes históricas que datam da guerra sino-
japonesa, no século XIX. O conflito, que hoje provoca tensões globais, gira em torno da
reinvindicação chinesa de grande parte do Mar do Sul, incluindo os arquipélagos das ilhas Spratly e
Paracels. A região disputada é caracterizada pela presença de importantes recursos naturais como
hidrocarbonetos e gás natural. Além disso, constitui-se numa zona de intenso comércio marítimo,
com uma circulação de aproximadamente cinco trilhões de dólares anualmente.

As reclamações territoriais chinesas baseiam-se na “linha dos nove traços” (ou “mapa dos nove
traços”), elaborada pelo Partido Comunista, em 1947, e endossada pelo mesmo em 2009. A “linha
dos nove traços” reclama a maior parte do território do Mar do Sul da China, abrangendo as Zonas
Econômicas Exclusivas (as ZEE) de outros países da região: Vietnã, Filipinas, Taiwan, Japão,
Malásia e Brunei. Destaca-se, entre esses países, o contencioso entre a China e as Filipinas, tendo
em vista que grande parte do arquipélago das Ilhas Spratly encontra-se na ZEE desse país.

A intensificação da tensão na região deu-se com a construção, pela China, de ilhas artificiais
no arquipélago das Ilhas Spratly. Recifes de corais e pedras da região foram transformados em ilhas
artificiais pela China, desde 2014. Além disso, em cima dessas ilhas artificiais, o governo chinês
construiu pistas de pouso, portos, instalou radares e instrumentos de vigilância, fatos que levaram
ao questionamento, principalmente por parte do governo americano, de uma possível militarização
chinesa da região.

O governo chinês pontua sua reinvindicação do território da “linha dos nove traços” em cima
de um “direito histórico”. Afirma que a região foi dominada pela China em séculos anteriores,
entretanto, o Vietnã afirma ter dominado a região desde o século XVII, afirmando possuir
documentos de comprovação. Seja por motivações econômicas, históricas, militares ou geopolíticas,
o fato é que a China, ao tomar o território de forma autoritária, através da construção das ilhas,
transgrediu as normas do Direito Internacional, mais especificamente, transgrediu as determinações
da Convenção sobre o Direito do Mar, de 1982, tanto na questão da delimitação do território
marítimo dos países da região do Mar do Sul da China quanto na desobediência da proteção
ambiental marítima, ao aterrar recifes de corais no processo de construção artificial das ilhas. É
preciso ressaltar que tal convenção, quando elaborada, foi ratificada pela China.

 Transgressões à Convenção Sobre o Direito do Mar de 1982


A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, realizada em 10 de dezembro de
1982, define, em seu artigo 55, a Zona Econômica Exclusiva como: “(...) zona situada além do mar
territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico estabelecido na presente Parte, segundo o
qual os direitos e a jurisdição do estado costeiro e os direitos e as liberdades dos demais estados são
regidos pelas disposições pertinentes da presente Convenção”. Sua delimitação, definida pelo artigo
57, consiste em 200 milhas náuticas a partir das linhas de base, as quais medem a largura do mar
territorial, não podendo a ZEE ultrapassar o limite mencionado.

Isso posto, torna-se evidente que a reinvindicação de grande parte do Mar do Sul da China,
pelo governo chinês, é inválida, tendo em vista que o território reclamado excede às 200 milhas
náuticas estabelecidas pela Convenção. Não apenas parte de tal território qualifica-se como águas
internacionais, uma zona de livre navegação, como outras partes correspondem a Zonas
Econômicas Exclusivas de outros países asiáticos, já mencionados, como as Filipinas e o Vietnã.
Tendo esses dados em mente, é possível afirmar que a China, ao construir as ilhas artificiais,
infringiu os, já mencionados, artigos 55 e 57 da Convenção cuja ratificação fora realizada por este
país.

Outro artigo da Convenção infringido pela China, com a construção das ilhas, foi o artigo
56, sobre o Direito do mar que determina:

“os direitos de soberania do estado costeiro para fins de exploraçãodos recursos


naturais, vivos ou não vivos, do mar, a exploração e o aproveitamento da zona para
fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos
ventos, bem como a jurisdição no tocante à colocação e utilização de ilhas
artificiais, instalações e estruturas, investigação científica marinha e proteção e
preservação do meio marinho” (ACCIOLY,2012)

Tendo em vista que apenas o Estado costeiro possui soberania para a construção de ilhas
artificiais em sua Zona Econômica Exclusiva e que as ilhas Spratly, onde a China construiu ilhas
artificiais, situam-se em território marítimo das Filipinas, evidencia-se a transgressão do governo
chinês à soberania da jurisdição filipina. A construção das ilhas e das estruturas acima delas
prejudicam a pesca e exploração filipina dos recursos naturais da região encontrados no
arquipélago, fatos que também se enquadram como transgressão à soberania do país costeiro de
exploração de recursos naturais e aproveitamento da zona para fins econômicos.

Outra questão a ser exposta no caso da construção das ilhas é a ambiental/ecológica. O


processo de construção adotado pela China deu-se com o aterramento de rochas e recifes de corais
do arquipélago Spratly, como no recife de Mabini, Calderon, Kagitingan, dentre outros. Muitos
foram os recifes utilizados como fundação para a construção das ilhas, configurando-se em um
grave caso de destruição do ambiente marítimo, de ecossistemas frágeis e seres vivos.

A Convenção sobre os Direitos do Mar determina, em seu artigo 192, que “Estados têm a
obrigação de proteger e preservar o ambiente marinho” (UNCLOS, 1982). Portanto, ao destruir
recifes para a construção de suas ilhas, a China descumpriu e infringiu mais um artigo da
Convenção. Além do artigo 192, outro artigo referente à preservação marinha foi transgredido: o
artigo 194 o qual, no inciso V, pontua que “As medidas tomadas em conformidade com a presente
Parte incluirão as necessárias para proteger e preservar ecossistemas raros ou frágeis, bem como o
habitat de espécies em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo e outras formas de vida marinha”
(UNCLOS,1982). Logo, ao aterrar os recifes do arquipélago Spratly, a China não cumpriu a
Convenção, destruindo um ecossistema frágil que, como agravante, pertence à jurisdição de outro
Estado.

 O caso na Corte Permanente de Arbitragem

Devido às violações chinesas ao território marítimo das Filipinas, o país decidiu recorrer,
unilateralmente, à justiça internacional através da Corte Permanente de Arbitragem, em 2013.
Apresentou quinze pontos para serem julgados pela corte, dentre os quais estava a validade da
reivindicação chinesa em relação ao território, sob alegação de direitos históricos. O país recorreu à
Corte denunciando o descumprimento, pela China, da Convenção sobre os Direitos do Mar, a partir
do artigo 1° do anexo VII do documento, referente à arbitragem que determina: “Sob reserva das
disposições da Parte XV, qualquer parte num litígio poderá submeter o diferendo ao procedimento
arbitral previsto no presente anexo mediante notificação escrita dirigida à outra parte ou às partes na
controvérsia”. A China, entretanto, recusou-se a submeter-se ao tribunal, não reconhecendo sua
legitimidade, permitindo o processo correr de forma unilateral.

A Corte, após meses de deliberação, apresentou o resultado do julgamento em 12 de julho de


2016, com uma decisão favorável às Filipinas. Dentre as deliberações, destacam-se as referentes ao
desrespeito da soberania filipina, a falta de base jurídica da reclamação do “direito histórico “
chinês e aos danos causados ao meio ambiente. Com a construção das ilhas e com o não
impedimento da atuação de pescadores chineses na região, o governo chinês interferiu diretamente
na pesca filipina e sua exploração de petróleo, desrespeitando a soberania filipina em sua Zona
Econômica Exclusiva, descumprindo o UNCLOS, no que se refere aos artigos 55, 56 e 57,
mencionados anteriormente.
Quanto aos alegados “direitos históricos” chineses na região a partir da “linha de nove traços”,
o tribunal concluiu como extintos na medida em que eram incompatíveis com a estipulação das
Zonas Econômicas Exclusivas pela Convenção sobre o Direito do Mar de 1982. Além disso,
observou que apesar do uso comprovado de pescadores chineses e de outros Estados na região, não
há provas do domínio efetivo chinês do território. Em suma, o tribunal concluiu que não há base
jurídica que comprove o direito da China do território reclamado no Mar do Sul. Além disso, o
tribunal concluiu, com o uso histórico das ilhas Spratly apenas de modo extrativista, que as mesmas
não poderiam gerar zonas marítimas alargadas.

Ao construir suas ilhas artificiais por cima de vários recifes das ilhas Spratly, o tribunal
também concluiu que a China infringiu, como já mencionado anteriormente, os artigos 192 e 194,
ao não preservar o ambiente marítimo e também ao não proteger os ecossistemas frágeis e raros.
Isso se deu não só com a construção das ilhas como também na omissão do governo quanto à pesca
predatória, por navios chineses, de espécies raras e em extinção, como tartarugas marinhas e corais.
O caso agrava-se com a participação direta do governo chinês nos danos irreparáveis causados ao
ecossistema das ilhas Spratly e ao terem destruído provas da disposição natural da região em
disputa pelas Partes.

O tribunal determinou a obrigatoriedade (força obrigatória) do cumprimento, pela China, das


suas deliberações. Entretanto, não existe forma de garantir a execução da sentença (força
executória) devido à “(...) ausência de uma autoridade internacional à qual incumba assegurar a
execução das decisões arbitrais” (ACCIOLY, 2012). Isso posto, o governo chinês afirmou que não
cumpriria a sentença determinada pelo tribunal, unilateralmente acionado pelas Filipinas. Afirmou
ainda que os interesses territoriais chineses no Mar do Sul da China não seriam afetados pela
decisão do tribunal.

 Conclusões finais

A construção de ilhas artificiais pela China, na região do Mar do Sul, configura-se em uma
transgressão ao Direito Internacional, em destaque à Conferência sobre o Direito Internacional do
Mar. Como já citado, o comportamento chinês e suas ações infringiram diversos artigos da referida
convenção a qual fora ratificada pelo país. Destacam-se os artigos 55, 56, 192 e 194 que
comprovam a transgressão ao direito de jurisdição e soberania das Filipinas na região e, também, o
descumprimento do compromisso de preservação e proteção do ambiente e ecossistema marinho da
região.
O resultado da Corte Permanente de Arbitragem em relação ao referido caso demonstra a
responsabilidade chinesa quanto ao desrespeito à soberania das Filipinas e à destruição do ambiente
marinho das ilhas Spratly. A recusa chinesa em aceitar as deliberações do tribunal gera ainda mais
tensão na região, proporcionando imprevisibilidade quanto à geopolítica local. O descumprimento
de acordos e convenções internacionais assinados pela China afetam negativamente sua projeção
global como superpotência. Mais grave ainda é o dano que tal desobediência, tanto à Convenção
sobre o Direito do Mar quanto à Corte Permanente de Arbitragem, ocasiona à instituição do Direito
Internacional, abalando sua estrutura como um todo, apontando seu ponto fraco: a inexistência de
uma autoridade que garanta seu cumprimento.
 Bibliografia:

ACCIOLY, Hildebrando. “Manual de Direito Internacional Público”. São Paulo, SARAIVA,


2012.

http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/UNCLOS-TOC.htm

http://www.cfr.org/asia-and-pacific/chinas-maritime-disputes/p31345#!/p31345

http://www.bbc.com/news/world-asia-pacific-13748349

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/07/1790822-tribunal-de-haia-decide-em-favor-das-
filipinas-em-arbitragem-sobre-mar-do-sul-da-china.shtml

https://globalnation.inquirer.net/140947/key-points-arbitral-tribunal-decision-verdict-award-
philippines-china-maritime-dispute-unclos-arbitration-spratly-islands-scarborough

https://globalnation.inquirer.net/140990/china-artificial-islands-spratly-illegal-arbitral-tribunal-
decision-verdict-west-philippine-sea

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