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SEMINÁRIO DE FUNDAMENTAÇÃO EM PEDAGOGIA WALDORF

THAISE FRANCIELLE DE SOUSA ROTH

A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE PELA AÇÃO GESTUAL DO TRABALHO EM CAMPO:


PERMACULTURA VIVENCIADA EM UMA COMUNIDADE ESCOLAR

Trabalho de conclusão de curso em


fundamentação em Pedagogia Waldorf

Nova Friburgo
2019

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Dedico este trabalho aos meus pais Roberto e Sandra, que mais uma vez me ajudaram depois de
tantos anos de independência voltei para o ninho, eles me acolheram, me deram de comer e
cantaram músicas de esperança, uma doação de corpo, alma e espírito que não há nada no mundo
que se possa fazer para retribuir, recebo todo esse amor com muita gratidão.

A todos meus irmãos e irmãs de caminhada que me ajudaram ora financeiramente, ora
emocionalmente para viver essa transição de vida e contribuíram de alguma forma para que eu
concluísse esse curso na cidade do Recife tudo que tenho buscado dentro da Permacultura.

Dedico a todos crianças, jovens e adultos que eu ainda não conheci e também aos que conheci, por
que ser professor é participar de algo que não se vê, algo acontece na magia do encontro de alma,
seja quaisquer os motivos do encontro, onde tudo muda dentro dos envolvidos e só assim
aprendemos a conviver em harmonia.

Dedico à todos os momentos de trabalho coletivo que vivenciei, todas as percepções que pude ter
acesso a fim de compreender a importância do trabalho em nossas vidas, em busca de plenitude
humana e autoconhecimento, bases na construção de uma renovação social.

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RESUMO

O presente trabalho teve como principal impulso relatar, descrever e compreender os movimentos
de adultos, jovens e crianças, numa vivência diária de trabalho em campo, assim como a atuação
dessa atividade no desenvolvimento da vontade pela ação dos membros humanos. A rotina de uma
escola Waldorf rural localizada em Paudalho-PE, se tornou objeto de estudo a partir de percepções
pontuais e espontâneas realizadas por uma professora, durante a atuação na escola no ano de 2017.
Ao estruturar essas observações e analisar o quanto elas manifestavam a vontade dos envolvidos,
reflexões antroposóficas junto ao que a permacultura apresenta como organização de assentamentos
humanos para renovação social se formou, dando corpo a esse escrito. A permacultura é o nome
dado por Bill Mollison à organização das civilizações humanas durante os períodos de crise, na qual
garantiu a sobrevivência da espécie até os dias atuais seguindo: 3 princípios éticos e 7 pétalas de
design. No trabalho também é possível visualizar em quais situações algumas das vivências
ocorridas na escola já se integram como um contato com novas formas de viver, utilizando
conhecimentos ancestrais da humanidade organizados pela permacultura e cultivando a vivência da
presença do EU, em liberdade e autonomia permitindo que cada força individual reverbere na força
coletiva e vice-versa. Confiando no fluxo que a magia do encontro pode nos proporcionar.

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SUMÁRIO

1. Introdução………………………………………………………………………………….p. 5
2. As atividades com as crianças e atuação do professor (adulto que faz algo sensato).…….p. 6
3. Observações, percepções e reflexões manifestadas em relação ao fazer sensato………….p.8
4. Os membros humanos, atuação individual e reverberação no coletivo…………………..p. 13
5. Reflexões sobre o gestual humano, trabalho, autoeducação e vontade…………………..p. 15
6. As pétalas da permacultura: um paralelo com as vivências da Escola Waldorf Rural
Turmalina…………………………………………………………………………………p. 17
7. Permacultura como um dos elementos de uma educação vivenciada……………………p. 20
8. Conclusões……………………………………………………………………………….p. 23
9. Referências……………………………………………………………………………….p. 25

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A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE PELA AÇÃO GESTUAL DO TRABALHO EM CAMPO

INTRODUÇÃO

Escola Waldorf Rural Turmalina (EWRT) e seu contexto como entorno educativo

Para contextualizar o ambiente em que esse trabalho de observação e pesquisa foi realizado,
apresento um breve relato caracterizando a escola por via de seu histórico. Em 1999 começou o
movimento de escola Waldorf na cidade do Recife -PE, oferecendo atividades para o jardim de
infância utilizando a Pedagogia Waldorf como base, na escola Waldorf do Recife. A partir do ano de
2008 foram iniciadas as atividades das turmas de grau, com a primeira turma de primeiro ano. E no
ano de 2016, a ideia foi a expansão do ensino para o fundamental II, atendendo as turmas de 6º e 7º
anos.
Com isso iniciou-se a procura de uma nova sede para comportar suas atividades, foi então
que uma propriedade em Paudalho – PE foi adquirida por um coletivo empreendedor de pais, que
doou o terreno onde atualmente acontecem as atividades da Escola Waldorf Rural Turmalina. Hoje a
escola atende desde o Jardim de infância até o 10º ano, iniciando o primeiro impulso de ensino
médio Waldorf na região norte e nordeste do país.
Um trabalho de pesquisa é fruto de uma “conversa” do que está sendo pesquisado e o
pesquisador. Há quem analise os dados matemáticos oriundos de fenômenos observáveis da
natureza ou há quem só os observe, faz anotações na tentativa de isolar o fenômeno e analisar o
extrato de que se tomou nota. É certo que a fluidez entre o observador e observado precisa
acontecer. Nesse caso, é um trabalho de pesquisa nas ciências humanas e na ciência espiritual, visto
como o humano em sua complexidade atua ao vivenciar algo. Portanto, existem nuances que
acontecem todas ao mesmo tempo e novos mecanismos de observação e análise precisam ser
criados e exercitados.
Este trabalho de pesquisa teve como principal impulso as observações que fiz durante meu
trabalho como professora de matemática do 7º e 8º ano, jardinagem e desenho da EWRT, localizada
em Paudalho – PE, região metropolitana de Recife, no ano de 2017. E se configura como
estruturante do trabalho de conclusão de curso (TCC) do seminário de fundamentação em
pedagogia Waldorf oferecido pela Associação Waldorf do Recife, na qual pertenço a turma 3 (2015-
2019).
Nas escolas Waldorf o ensino se caracteriza pelas necessidades das crianças conforme a sua
idade, sendo assim no jardim de infância existe o brincar livre, dentro da sala e fora no ambiente
externo, as crianças são convidadas a realizar as atividades junto ao adulto mas nunca obrigadas a
realizá-las. Conforme a criança cresce ela chega até o chamado, ensino de “grau”, na qual o
professor de classe guia a apresentação dos conteúdos do 1º até o 8º ano, onde o ensino é
vivenciado por épocas, além das aulas de música, artes, trabalhos manuais, língua estrangeira e
jogos. A partir do 9º ano, caracteriza-se como ensino médio, onde o professor de classe dá lugar
para o tutor e projetos são elaborados pelos próprios alunos.
A pedagogia do fazer entra nesse cenário como momentos de vivenciar o trabalho em campo
diariamente, percebendo primeiramente no corpo as capacidades humanas de realização,
imaginação e criação, caracterizando como uma forma de educação para vida, na qual nesse
trabalho faz referência também a permacultura.

A rotina da escola

Dentro da organização das atividades da EWRT, descrevo como era a rotina das crianças que
estavam comigo durante o trabalho em campo. As turmas do 4º ao 8ªº ano chegavam e eram
recepcionadas pelos seu professor de classe em suas salas para realizar o verso da manhã e o ritmo,
em seguida se encaminhavam para seu trabalho em campo, espaço específico ou local de ponto de
encontro, no caso da jardinagem, em frente ao bloco das salas do 7º e 8º anos. Após uma hora de
trabalho, 8h30 às 9h30, todos se destinavam às suas classes para o lanche e na sequência

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aconteciam as aulas principais. No último horário da manhã, havia ainda uma aula de matéria e no
período da tarde mais 3 aulas, até o momento de encerramento das atividades da escola com
chegada às 8h e saída às 16h30.
Todos os dias, desde 2016, as crianças da EWRT, e ao menos um adulto por setor, se
dedicam ao trabalho rural por 1 hora. Em 2017, ano no qual as observações contida nesse trabalho
são analisadas, com a expansão da escola, as crianças com idade entre 9 e 14 anos estavam
distribuídas em diferentes tarefas no ambiente rural, caracterizando o trabalho em campo.
Importante salientar que esse adulto que acompanha a atividade advém de uma abundância da
própria comunidade, em apresentar indivíduos com habilidades específicas e que compartilham com
a comunidade escolar, ou seja, adultos que querem se dedicar à atividade e se abrem para ao mesmo
tempo estarem com as crianças.
Toda escola Waldorf, indicada pela federação das escolas Waldorf do Brasil, tem um tutor
que acompanha as atividades da escola, para auxiliar no caminhar do ensino realizado, alinhado ao
proposto por Rudolf Steiner, nas diversas conferências proferidas sugerindo e argumentando o
ensino sob essa perspectiva, baseado também no contexto e nas ferramentas que ele tinha na época,
e principalmente compor o cenário atual da época e da própria comunidade escolar.
No caso da EWRT a proposta de aproveitar o espaço natural apresentado e o contexto de
fazenda, permitindo a construção do que seria a chamada Pedagogia do fazer sensato, com a palavra
em alemão “Handlungspädagogik” conduzidas pelos tutores da escola Peter Biekarck e Peter
Guttenhöfer.
Essa proposta se torna necessária diante a realidade das crianças em sua maioria, nas escolas
convencionais do Brasil, a iniciar sua vida escolar aos 4 anos, pressionadas a adquirir habilidades
para passar em testes, sem movimentar o corpo, vivenciar a arte e brincar. O que é oferecido para as
crianças, o acesso à tecnologia, aumenta a impulsividade, diminui a capacidade de auto regular
habilidades humanas que dificultam a vida em sociedade. Dados que aparecem cada vez mais
juntamente com os diagnósticos de doenças psicológicas, principalmente nos últimos 10 anos,
período que coincide com a ampla utilização dos smartphones.

As atividades com as crianças e a atuação do professor (adulto que faz algo sensato)

Em diversos momentos durante o trabalho em campo, as situações apresentadas pelas


crianças em seu labor, trouxeram à tona reflexões a respeito da importância desse tipo de trabalho
para a formação humana e na construção de diversos tipos de relação entre os envolvidos, o
trabalho no ambiente rural e o coletivo que se forma, nas seguintes tarefas: preparação do lanche
(cozinha), manejo e montaria em cavalos, manejo de porcos, cabras e coelhos, marcenaria,
jardinagem, horta e almoxarifado.
A fim de ilustrar as atividades em campo realizadas na EWRT, a distribuição das crianças
em atividades em grupo respeitando os critérios:
- A não repetição sequencial do grupo de trabalho em que a criança já estava;
- Atividade de trabalho realizada por um período de 4 semanas pelo mesmo grupo de crianças;
- Algumas crianças iam para um trabalho específico, encaminhadas pelo seu professor de classe ou
pela conclusão da maioria do grupo de professores envolvidos nos trabalho em campo,
determinando o que seria mais adequado naquele momento para aquela criança. Geralmente as
distribuições eram aleatórias, preenchendo o número de “vagas” para a atividade em campo.
Cada atividade era acompanhada por um adulto responsável por delegar as tarefas e destinar
as crianças para realizá-las, organizar as ferramentas de trabalho e realizar a tarefa de seu setor
dentro do tempo destinado ao trabalho em campo.
Os adultos que acompanhavam as crianças nas atividades, em sua maioria eram professores
da escola, porém a ideia que Peter Guttenhöfer (2011) traz é que professores e educadores são o
ambiente a sua autoeducação, trabalham e aprendem juntos, em um entorno íntegro, por exemplo
um sítio onde as pessoas se dedicam à agricultura, onde ocorra a integração das crianças nos
processos de trabalho, a convivência com o fluxo volitivo dos adultos. Sendo assim, o professor é o

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adulto que realiza algo sensato dentro do rol da atividade específica realizada, que se caracteriza
como pertencente a um grupo de atividades que agrega ao coletivo, o entorno educativo.
Nesse cenário, as motivações que levaram às observações e aos questionamentos realizados
por mim, nesse ano de 2017, são frutos do que tenho feito em relação ao ensino convencional desde
2001. Inicialmente como aluna da 2ª série do ensino médio, depois como aluna do curso de
licenciatura em Ciências Biológicas (2003-2007), aluna do curso de especialização em Pesquisa
Educacional (2008-2009), Mestre em ensino de ciências (2012-2014) e atualmente como aluna do
curso de formação em Pedagogia Waldorf (2016-2019). Uma caminhada profissional à procura da
motivação contida em cada ser em desenvolvimento que faz com que ela se mova. Movimentos que
são do corpo, dentro desse contexto escolar e também levam crianças a realizarem algo sensato por
si mesmos. Visto que são experiências ricas e abundantes junto a de pessoas mais experientes, na
qual criam-se nas crianças imagens de adultos atuando em um trabalho significativo digno de
imitação, ou brincar, onde os braços e pernas são movimentados (Guttenhöfer, 2011).
No ano de 2017, a cada mês letivo eu tinha comigo de 12 a 15 crianças com idade entre 9 e
14 anos trabalhando na jardinagem em alguns pontos do espaço escolar, isso envolvia: a entrada da
escola, secretaria, blocos de sala do 7º e 8º anos, 2 cactários, jardins novos (começados da terra
bruta) das salas das turmas do 4º, 5º e 6º anos e abertura do caminho de acesso desse bloco de salas
ao refeitório da escola.
Unindo a minha jornada profissional ao biográfico da escola em questão, moveu-se em mim
como educadora, a observação de quais os impulsos que se manifestaram nas crianças e jovens,
revelando ser uma consequência das atividades diárias realizadas em campo e quais delas estão
relacionadas com o desenvolvimento da vontade de cada um.
Analisando a história da própria humanidade principalmente antes da existência da educação
convencional, a chamada escola, inicialmente a formação humana era impulsionada pela
sobrevivência. Os conhecimentos adquiridos ontologicamente garantiam a sobrevivência daquele
grupo, por exemplo quais espécies de vegetais poderiam ser ingeridas e quais não, onde encontrar
fonte de água etc. Que vem da capacidade humana de reconhecer padrões e vantagens evidentes
aguçado através de eras de evolução (COSMOS, 2014), já que os humanos que mantinham essas
capacidades, tinham mais chance de sobreviver e se reproduzir.
A partir do momento em que a necessidade do “fazer” vem a partir de uma necessidade de
sobrevivência, aprimorar as formas de “fazer” se mostram como especializações, seja na produção
de uma ferramenta e na “replicação” de como fazer essa ferramenta, além do manejo e cultivo de
espécies ao reconhecer a sua utilidade e consequentemente melhoria na qualidade de vida e
sobrevivência do indivíduo, e consequentemente do grupo em que estava inserido.
Sendo assim, a análise a respeito da “sensatez” do fazer no ambiente rural resgata os
princípios da humanidade em relação à manipulação respeitosa da natureza, à transmissão “sensata”
da utilização de ferramentas e da própria atividade a ser realizada pelos humanos atuais a fim de
construir resoluções para os desafios atuais da humanidade.
Em 1981 Bill Mollison ministrou cursos de design em Permacultura e começou a divulgar
os materiais de seu curso gratuitamente deixando para domínio público, a fim de incentivar as
pessoas a criar sistemas de agricultura sustentável. Esse conhecimento também foi sistematizado
por David Hoolmgreen em princípios de design a partir dos estudos sobre como as civilizações se
organizaram para sobreviver a períodos de escassez. Essa sistematização pode ser vista na figura da
página 18 que ilustra a chamada pétalas da permacultura, na qual um exercício de perceber como
elas se fazem presentes no entorno educativo da EWRT foi realizado. Considerando que essas
atividades possibilitam meditar, olhar para si, ao mesmo tempo que ocorre quando olha para o
outro, a relação com o outro e o que se tem disponível no ambiente.
A permacultura é vista nesse caso como um “software” na qual a trimembração humana
(pensar, sentir e querer) é permeada, isso porque o trabalho autônomo que envolve os trabalhos
manuais (terra e arte) movimenta os membros passando pelo querer. Ao se perceber o que deu certo
com o uso da ferramenta, numa sensação que “parece” que ela conversa com o corpo, uma conversa
em que o exercício ao longo do tempo, o movimento pode, se tornar consciente, habitua-se a utilizar
a ferramenta. Aos poucos a consciência que o pensar traz em que é possível refletir sobre um

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problema posto, fazendo uma relação com a permacultura que almeja uma vida autônoma, com esse
tipo de formação exercita-se isso de maneira mais efetiva, o ímpeto de propor soluções novas para
os problemas atuais, quase se tornando um hábito cotidiano. Olhar para o problema, pensar a
respeito dele e resolvê-lo fazendo algo com meus próprios membros.
Portanto, as reflexões apresentadas ao longo desse TCC envolvem também, o processo de
autoconhecimento sobre o meu próprio fazer sensato, apresentado também pela observação do que
se manifestou nas crianças ao longo do ano com o trabalho em campo, especificamente na
jardinagem, atividade do fazer na qual eu era responsável e também em outras situações dentro do
espaço e de atividades da EWRT.

OBSERVAÇÕES, PERCEPÇÕES E REFLEXÕES MANIFESTADAS EM RELAÇÃO AO FAZER


SENSATO

A fim de sistematizar as experiências pedagógicas observadas uso do “diário” de campo vem


como apoio para o registro e resgate do ocorrido, bem como as minhas reflexões mais recentes em
relação ao que observei. O projeto pedagógico da EWRT atrai muitas ideias individuais e coletivas
justamente pelo pionerismo da proposta, então muitos profissionais de diversas áreas estão
envolvidos diretamente com o dia dia escolar, portanto não somente adultos com formação e
carreira na educação convencional e na pedagogia Waldorf participam desse entorno educativo.
Na rotina escolar o trabalho em campo com os adultos responsáveis por cada tarefa e as
crianças estão em campo, separados pelos seus espaços de trabalho, com 1h diária para executá-lo.
Unindo a experiência pedagógica que tenho no ensino convencional a essa potência
pedagógica realizada na EWRT, que ao meu ver resgata hábitos de sobrevivência, cultura e
coletividade da humanidade, indico 7 percepções elaboradas a partir das minhas observações em
campo e vivências:

1- DOMÍNIO DO MANUSEIO DE FERRAMENTAS, MODO DE TRABALHO E SUA


APLICAÇÃO NO TRABALHO EM CAMPO

Nos diversos grupos de trabalho um universo de atividades utilizando ferramentas, a


execução “fácil” dessas tarefas são adquiridas ao longo do tempo pela apropriação do seu uso e
principalmente pela noção do uso do corpo ao manipulá-las. E isso inclui o esforço de repetir os
movimentos, não pensando em um único modo de usar, mas um modo na qual seus membros, corpo
e ferramentas se “conhecem” e conseguem trabalhar. Observei esse domínio principalmente no 2º
semestre, isso porque algumas crianças já se envolviam há um ano e meio com o trabalho em
campo e outras já tinham pelo 6 meses de vivência prática.
EXEMPLO 1: Essa observação ocorria principalmente nas distribuições das tarefas, onde
algumas crianças comentavam: “ah, eu posso fazer isso, porque já sei como fazer”, isso porque já
tinham trabalhado na jardinagem no primeiro semestre, ou então, contribuíam com ideias próprias
“fiz dessa forma, com o professor (a) e deu certo, posso fazer novamente e tentar melhorar”. Em
alguns casos, também se ofereciam para buscar as ferramentas ou guardá-las no final, mesmo tendo
uma sistematização de rodízio entre eles (eu anotava quais crianças já tinham levado e só depois
que todas tivessem feito a tarefa é que repetiam as crianças que guardavam todas as ferramentas
todos os dias), eles se ofereciam para ir “no lugar” do colega, porque gostavam de realizar essa
tarefa.
EXEMPLO 2: Durante as aulas de matemática, realizadas uma vez por semana com a turma
do 8º ano, desenvolvi um projeto que realizou um estudo sobre como captar a água da chuva nos
espaços construídos da escola, assim como direcionar essa água para a irrigação da horta. A
princípio às crianças caminharam pela escola observando e interagindo com o ambiente,
percebendo em quais locais a água naturalmente se acumulava e quais as áreas construídas
próximas à horta poderiam ter em seu telhado calhas de captação dessa água. Na sequência eles
fizeram desenhos próprios de como imaginariam criar soluções para isso e apresentaram para os

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colegas. Nas outras aulas um pai da escola veio até o grupo e propôs uma discussão sobre as ideias
colocadas e a viabilidade da realização do projeto. E em seguida, a parte de irrigação da horta com a
comunicação de água que já existia da escola foi executada pelas crianças e mais dois adultos que
tinham habilidade para tal realização.

2- VONTADE DIRECIONADA

Com a oportunidade de escolher qual a atividade da jardinagem se dedicar, é nítida que a


dedicação ao trabalho escolhido é muito maior. Assim como, em alguns casos, escolhem a tarefa
que sabem dar conta rapidamente a fim de “se livrarem” da obrigação/tarefa. Essas percepções
puderam ser conclusivas com a observação das crianças durante as 4 semanas de trabalho na equipe
de jardinagem e todo o trabalho ao longo de um ano letivo.
EXEMPLO 1: A oportunidade de escolher é porque na jardinagem algumas atividades eram
praticamente fixas já que aconteciam diariamente: a rega e o manejo (tirar mato, poda e
direcionamento de matéria orgânica morta produzida). Então, as outras atividades como preparar
canteiro (que também poderia ser bioconstruído), preparar o solo e colocar mudas, preparar estacas,
coletar sementes etc, poderiam ser escolhidas, porque variavam ao longo do mês os dias que o
grupo se dedicava a elas.
O “livrar”-se da tarefa a meu ver também se caracteriza como a manifestação de uma
vontade, até porque a política de trabalho em campo na jardinagem, em sua maioria, era a liberdade
da realização da tarefa, eu dizia as tarefas a serem realizadas no dia e quantas pessoas eram
necessárias, as crianças e jovens na sequência se colocavam em qual tarefa gostariam de fazer. Essa
tarefa poderia acontecer com ou sem a minha “chamada” de atenção constante, já que a área de
atuação da jardinagem era muito ampla, e principalmente realizar a tarefa de regar, eram 10 pontos
de trabalho espalhados pela área total da escola. Um combinado com o grupo de trabalho desde
quando eles chegavam que funcionava bem. Ou seja, todos precisavam trabalhar, isso aconteceria
comigo chamando atenção o tempo todo se a dedicação não fosse satisfatória. Acontecia em alguns
momentos de realmente insistirem em não realizar, ou “enrolar” por algum motivo, o que foi
proposto fazer, e quando isso acontecia o combinado era que essa criança ficaria responsável alguns
dias consecutivos em levar as ferramentas de volta ao almoxarifado. Esse acordo era uma maneira
de demonstrar como as ações tem causas e consequências, não no sentido de ser um castigo
opressor de vontades, afinal no dia a dia nas relações com as pessoas isso acontece o tempo todo, a
diferença é que nesse ambiente educacional os gestos são objetos de estudos e de vivência.
EXEMPLO 2: A fim de arrecadar dinheiro para comprar os materiais a serem utilizados na
peça de teatro o professor de classe do 8º ano fez a proposta às crianças para elaborarem uma
apresentação de circo, demonstrando as habilidades que eles desenvolvem ao longo do ano com as
aulas. Sendo assim, um pequeno espetáculo com acrobacia mão a mão, tecido e pirofagia foi
realizada por eles e apresentada em um shopping próximo à escola. Antes da apresentação uma das
crianças explicou o que se tratava e que após a apresentação, um chapéu seria passado para que as
pessoas que ali presentes pudessem contribuir para o movimento deles.

3- ATIVIDADES ADEQUADAS AO PERFIL DA CRIANÇA

Muitas vezes uma atividade com determinado uso de ferramenta se caracterizava como tudo
o que a criança “precisava”, visto que a presença do EU na realização dessa tarefa foi bem notável.
Curiosamente são tarefas mais desafiadoras para alguns e isso também foi observado nas reações
das próprias crianças.
EXEMPLO 1: uso do enxadeco para fazer buracos por 2 alunos do 6º ano. Percebi que
naquela situação eles estavam sentindo o corpo, gostaram disso e queriam fazer mais e mais
buracos. Logo no início do trabalho em campo os dois meninos em questão, já vieram perguntar se
poderiam continuar na atividade do dia anterior. Isso porque poderia acontecer da tarefa ser

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direcionada para outras duas crianças para o trabalho do dia, mas eles queriam garantir o término da
atividade por eles mesmos.
Essa “liberdade” de escolha na realização do trabalho em campo da jardinagem ocorria
porque, logo antes do início das atividades, eu dizia quais eram as tarefas daquele dia e quantos
braços seriam necessárias para realizá-las. Então as crianças iam se colocando em qual tarefa
gostariam de estar, ora poderiam ser repetidas como no dia anterior, ora não.
EXEMPLO 2: trabalho com a tesoura de poda para os que têm dificuldade de atenção em
aula. As crianças ficaram compenetradas na tarefa minuciosa dedicando-se ao máximo, desde o
processo de amolar a tesoura com a pedra de amolar, até iniciar de fato a poda da planta. Percebi na
utilização minuciosa das mãos e dos dedos a manipulação com uma das mãos a tesoura de poda e na
outra a pedra de amolar, e os movimentos realizados, o esforço em fazer de uma forma que olhando
fixamente para a tesoura passariam a considerar que ela estava de fato amolada.
No outro dia de trabalho muitos pedem para continuar no trabalho que estavam no dia
anterior. Querem finalizar o que começaram, preocupando-se com o que fizeram. Percebi em duas
situações com crianças de idade bem diferentes, uma de 13 e outra de 9 anos, esse processo de
atenção minuciosa no trabalho em campo, e o gosto por essa minúcia que amolar e podar traziam.
Crianças que em sala de aula têm dificuldades de concentração em uma atividade por muito tempo,
principalmente atividades em que todos os outros colegas estão envolvidos por longos períodos, por
exemplo, copiar do quadro no caderno, fazer aquarela, desenho de forma etc.

4- TEMPO DE RELÓGIO E TEMPO DE TRABALHO

O tempo de 1h de dedicação ao trabalho em campo é pouco tempo para mim. A justificativa


para esse período é o sol muito intenso da região. Na época o colegiado da escola já discutia outras
atividades, que também se caracterizavam como campo, a serem realizadas em outros horários com
maior tempo de duração, desenhando assim um aproveitamento do que seria esse momento de
vivência de trabalho. No caso, caracterizava-se como pouco tempo também, devido a dinâmica de
trabalho:
1- buscar ferramentas para o trabalho;
2- chegar no local de trabalho e distribuir as tarefas;
3- executá-las;
4- reunir ferramentas;
5- devolver e quando necessário lavar as ferramentas.

Nesse cenário o tempo de trabalho efetivo durava de 15 a 25 minutos. Dependendo da


atividade ainda precisava ser preparado algo e “perdeu-se” tempo por não ser possível terminar no
mesmo dia.
EXEMPLO: Havia a construção de um caminho que ligava duas construções (refeitório e
bloco de salas de aula), a equipe de jardinagem desde o inicio do ano se revezava em temporadas
trabalhando no local. Desde a abertura da trilha, tirando o mato e deixando em terra, demarcando
para mais pessoas passassem em sua largura (sem ser em fila), até a delimitação do caminho a fim
de conter o avanço do mato e também cultivar um jardim nesse local, cavando um buraco nessa
delimitação, produzindo a massa de lama e encaixando tijolos em diagonal.
Era preciso tirar a terra de um local diferente do caminho fazendo um buraco, colocá-la no
carrinho de mão, misturar com água até dar um ponto de “liga”, levar até o local onde estava sendo
feito o caminho, encaixar os tijolos e ir colocando a massa de maneira que os tijolos ficassem em pé
na diagonal, dentro dos buracos que delimitavam o caminho.
Foi nessa atividade a principal percepção que me levou a refletir: Quais as consequências
após envolver a criança verdadeiramente no trabalho, e no meio do processo, o adulto responsável
pela atividades diz que acabou a vivência porque o tempo encerrou? Como estruturar o trabalho
com um tempo de qualidade vivenciado? Essa foi a sensação que observei já que a criança se
dedicou a uma tarefa no tempo dela, permitindo que seu corpo vivenciasse aquilo em seu próprio
ritmo, e aconteceu de o “tempo” dado não permitir executar a contento o proposto.

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É claro que isso não ocorria todos os dias, nem em todas as atividades. Até porque no
trabalho em uma fazenda nem tudo que precisa ser feito é finalizado no mesmo dia. Porém, no caso
o que a criança se propôs, em sua vontade dentro do contexto de trabalho daquele dia, estava sendo
realizado em seu ritmo de aprendizagem, aprendendo como manusear a ferramenta, como utilizar
seu corpo para executar as tarefas. E isso foi impedido pelo tempo de relógio. Observei uma certa
frustração como se a oportunidade fosse “arrancada” dela , tanto que na sequência eles já
perguntavam se no outro dia poderia continuar naquela tarefa para terminar.
Existe muito aprendizado também na frustração, assim como no aprendizado do adulto que
conduz a atividade, em propor tarefas em que o “tempo” de trabalho em campo seja o suficiente
para realizar com começo, meio e fim. Desafiador para encontrar atividades satisfatórias
executáveis entre 15 e 25 minutos. O que está sendo colocado, é esse tempo de 60 minutos dentro
da dinâmica de trabalho vivenciada pela equipe de jardinagem na EWRT em 2017.

5- DOMÍNIO DE FERRAMENTAS NO CONTEXTO DE INTERNALIZAR, CRIAR E SER


LIVRE

Algo que facilitava as minhas percepções sobre esse tópico era porque eu morava dentro da
fazenda em que as atividades da escola aconteciam. Como em todas as escolas Waldorf os pais se
envolvem em todas as atividades que mantêm a escola, portanto muitas vezes, durante os fins de
semana, eu conseguia ver em quais atividades as crianças se envolviam e como se comportavam.
Trago à reflexão a importância de a criança ter tempo para não fazer nada, ter o tempo de se
enfadar, se incomodar com as próprias questões, isso porque o brincar livre aparece como trabalho,
já que elas se dedicam intensamente a essa atividade, é uma alegria libertadora, onde somos
verdadeiramente espontâneos. O brincar livre permeado pela arte resulta em trabalho edificante ao
ser, é como se a educação que permitisse essa liberdade na brincadeira, plasmasse a relação com o
trabalho que será exercido futuramente (Steiner, 1923a).
EXEMPLO 1: Em uma situação a marcenaria estava aberta porque havia pais que
trabalharam uma caixa de madeira bem grande para o teatro da turma do 8º ano. Ela deveria ser
lixada e pintada por eles de branco e assim eles o fizeram. Algumas crianças que frequentavam a
escola estavam por ali, e por interesse próprio começaram a desenhar, produzir e misturar cores para
fazer um lindo trabalho na caixa. A meu ver, como eles já haviam internalizado como poderia
realizar a tarefa, foi trazido para mais perto de si o fazer sensato, existia uma caixa, que estava em
branco, eles observaram e pensaram na possibilidade de realizar algo que poderia embelezar a
caixa, algo que eles poderiam fazer por eles próprios, já que conheciam de quais ferramentas
precisariam para executar, onde essas ferramentas estavam e tinham tempo para se dedicar a isso, e
principalmente, porque quiseram realizar.
EXEMPLO 2: Outra situação foi um menino de 13 anos que almoçava rápido para poder
usar o máximo de tempo livre do intervalo de almoço. Ele pegava a chave da marcenaria com o
professor responsável pelo setor, a fim de se envolver num projeto próprio, resultando após alguns
dias em um escudo estilo viking. Nos dias que se passaram, outros colegas também começaram a
aproveitar o intervalo de almoço para produzir suas ideias no espaço da marcenaria e itens como
skates, espadas, artesanato etc começaram a ser produzidos livremente pelas crianças.

6- FORÇA GESTUAL DE DEVOÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

EXEMPLO 1: O termo força tem a qualidade “volumosa”e “impulsiva”, e escolhi essa


palavra para caracterizar as situações percebidas nesse contexto educacional de trabalho. Durante
aproximadamente 10 dias todas as crianças do grupo da jardinagem se dedicaram a construir o
jardim em volta da sala do 5º ano. Buracos foram feitos a princípio para serem encaixados tijolos, a
fim de delimitar a área desse jardim, preparar essa terra. No início daquela semana comentei que no
final do preparo da área do jardim teríamos uma “surpresa”, que foi poder escolher as mudas do
viveiro que seriam colocadas ali. Todos ficaram bem animados e fomos escolher as mudas para
plantar.

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Uma criança em específico, estava agachada concentrada em tirar com cuidado a muda que
colocaria na terra, afofou cuidadosamente com as mãos depois de ter depositado a planta, ao se
levantar e se afastar um pouco exclamou: “Nossa! Como a nossa sala vai ficar bonita!”, neste gesto
caracterizo a presença da força devocional e de contemplação. Eu pude observar todo gesto que ela
realizou naqueles dias, preparando a terra do jardim, escolheu as mudas e colocou no carrinho de
mão, retirou a muda do carrinho, agachou dedicou-se cuidando da planta para retirá-la do plástico e
colocar no buraco. Ao se afastar e ver a realização do cuidado ornamental com a sala, que por sinal
era a sala da turma dela, além de uma projeção futura imaginária de como ficaria o jardim, com
todas as mudas escolhidas colocadas e as plantas já ali estabelecidas. Claro que muitas crianças que
se dedicaram e trabalharam poderiam ter tido a mesma sensação, porém a espontaneidade gestual
dessa criança pôde ser captada por mim naquele contexto de trabalho.
EXEMPLO 2: as crianças do 4º ano escolheram um local junto à mata e passaram a chamá-
lo de paraíso. Nesse local havia muitas árvores possíveis de serem escaladas, algumas cabanas
utilizando folhas de palmeiras secas foram construídas e um balanço foi instalado. Visitar um lugar
e com o olhar de contemplação, onde o nome “paraíso” foi escolhido, remete às sensações que esse
local proporciona às crianças ao ser visitado.

7- OBSERVAÇÃO DA CRIANÇA E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Essa percepção se caracteriza pela convivência coletiva de trabalho. Entendo como cada
humano que está envolvido na atividade uma possível observação, de sua aprendizagem na vivência
em grupo, além das de manipulação de ferramentas, domínio corporal do fazer já descritas. Isso
porque naquele momento o que temos somos nós, as ferramentas e nossas relações no momento de
trabalho, portanto todo esse contexto se manifesta detalhado em todos os envolvidos.
O comportamento das crianças de uma escola Waldorf já é bem diferente das crianças de
uma escola convencional, já que um tempo dedicado a essa relação é maior e orgânico. No meu
ponto de vista principalmente da forma como elas conversam com os adultos, conseguindo se
expressar espontaneamente, o que remete também à expressão da sua própria vontade.
Muitas se expressavam em relação ao que gostariam de realizar no trabalho em campo na
jardinagem, seja por desejo ao que queria se dedicar por interesse próprio ou por vontade de “se
livrar” da obrigação da tarefa do trabalho. Eu, como adulta que conduzia a atividade, conseguia
identificar ao longo do mês de trabalho com aquele grupo de crianças, as preferências e
comportamentos de cada um.
Durante a primeira semana com o grupo minha observação era o foco e na relação também
eles começavam a entender a minha dinâmica de trabalho: saber quais pontos eram de rega, como
deveriam fazer e em que tempo, quais as ferramentas que mais utilizamos etc. As atividades dessa
semana eram mais de manutenção, fazer a limpeza de uma área e regar. Assim eu já conseguia
observar o comportamento de cada um, saber como se comportavam trabalhando junto, em duplas
ou trios etc. Fato que se caracterizava como “estilo” de trabalho daquele grupo específico e ao
longo do mês essa percepção me ajudaria a construir o modo de trabalho com eles e decidindo quais
atividades da jardinagem realizar e como direcionar as atividades realizadas para cada criança, sem
necessariamente deixá-la fazer somente o que gosta, no ritmo que quer, mas na sutileza da relação
ela poder se perceber, se colocar no seu fazer e perceber a necessidade de seu trabalho do grupo e o
propósito da equipe dentro do coletivo da escola.
Alguns comentários em relação ao meu trabalho me chamaram a atenção como “gosto de
trabalhar com você porque você é organizada” e “você trabalha com a gente”. Ilustrando esse fluxo
continuo de aprendizado nas relações, entre o que é vivenciado durante o trabalho, na qual temos
uma tarefa, temos ferramentas e conhecimento técnico a nosso dispor, podemos criar e imaginar
nesse fazer onde os significados se apresentam dentro daquele grupo, durante aquele mês de
trabalho.
A maioria das crianças modernas não tem em seu dia a dia contato com a natureza, já que a
maioria dos ambientes que ela frequenta são construídos pelos humanos e com a tendência

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arquitetônica da maioria das cidades, a harmonia com o ambiente não é considerada. Além disso, as
relações com alimentação saudável e produção lixo também são bem distantes da perspectiva de
preservação. Portanto uma relação destrutiva com a natureza é construída, diante os hábitos e a
visão sobre a integração do que é natural de todos que tem vida no planeta e suas relações com os
outros elementos fica comprometida.

OS MEMBROS HUMANOS, ATUAÇÃO INDIVIDUAL E REVERBERAÇÃO NO COLETIVO

Ao vivenciar, observar e relatar um tipo de educação que envolve a ação dos membros
humanos a compreensão dos elementos que compõem essa estrutura física, assim como as
instâncias humanas que o envolvem precisam ser esmiuçadas.
Na trimembração humana a compreensão das relações do pensar, sentir e querer, envolvem
qualidades anímicas e principalmente o movimento que indica a fluidez nas polaridades do que se
apresenta. Em tudo isso, ação do EU na configuração dessas instâncias, a isto está ligado muito
mais do que costumamos pensar. A isto está ligado o ato de trazer à tona determinado processo
físico por intermédio do EU, que faz do ser humano rastejante um ser que anda. É o eu que coloca o
ser humano em posição ereta, é o corpo astral que age na sensação da fala do ser ereto, é o corpo
etérico que permeia tudo isso com a força do pensar. Todos eles agem no corpo físico. (Steiner,
1923,b)
As considerações da qualidade humana a respeito da posição ereta do ser humano estão
relatadas e estudadas em virtude de tudo que o período educacional relatado nesse trabalho oferece,
as relações estabelecidas entre o que é observado no ser humano em desenvolvimento e cuidado
com o que se propõe enquanto trabalho com os membros e desenvolvimento da vontade. Até porque
observando-se um animal que tem sua espinha paralela à superfície terrestre, as atividades, o
movimentar-se, o agir, tudo que provém do astral é algo completamente diferente no ser humano,
que como ser volitivo, age conforme sua natureza ereta e vertical. O que no ser humano são estados
que transcorrem no eu, no corpo astral e no corpo etérico, no corpo físico são uma espécie de
combustão (Steiner, 1923b). Por isso quando o adulto está com o grupo de crianças e jovens, elas
podem ter uma referência volitiva presente, em como realizar aquela tarefa, um impulso místico de
ação naquele momento naquela atividade.
Ao considerar as qualidades das ações do querer com o movimento dos membros, vivificam-
se atividades que fazem com que os membros se movam. Esses movimento vem à tona em diversas
esferas, os processos encarnatórios se apropriando das capacidades humanas pela utilização do
corpo físico. Sendo assim, além do movimento de fora, existem o movimento de dentro, percebido
interiormente, na qual nada percebemos exteriormente. (Steiner, 1916). Então, as experiências
oferecidas para crianças e jovens num ambiente como a EWRT permitem que, em liberdade, essas
experiências ocorram, mesmo que elas tenham um desenho amplo e coletivo, as relações e
significados que são construídos por eles são respeitados e cultivados.
A partir do momento em que as capacidades humanas se revelam pelo que o corpo e os
membros são capazes de fazer, a autonomia de vida almejada pelo que a permacultura propõe
aparece como possibilidade de vivência educacional. Claro que não no sentido de “limitar” as
aprendizagens durante o período escolar estudado, com a capacidade que os membros humanos são
capazes de fazer, mas antes de mais nada apropriar-se do que o corpo é capaz de fazer, onde essas
instâncias se revelam e são exercitadas. Por isso a religação com a natureza, e o trabalho em campo
satisfazem a condições de capacidades físicas serem vivenciadas.
Pensando em um ensino gradativo, no qual os outros elementos são apresentados ao longo
do tempo, principalmente os eletrônicos, para que não sejam prejudiciais. Então, o homem sofrerá
menos doenças se, por meio dessas coisas insignificantes, fortalecer a influência do eu sobre o
corpo astral, do corpo astral sobre o corpo etérico e do corpo etérico sobre o corpo físico (Steiner,
1912). Os próximos passos de como os elementos modernos são introduzidos ainda se fazem em
construção, assim como a própria proposta pedagógica que a EWRT realiza.

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Wiedmann descreve o processo do sistema de membros no qual durante a puberdade o
anímico espiritual da criança se liga progressivamente à organização física etérica, membros se
ligam aos tendões e ossos, esse processo tem um significado decisivo para o pensar, assim como a
relação com o mundo material e com o trabalho. A alma se liga ao sistema muscular, mas a
mecânica dos movimentos só será bem apreendida quando a criança tiver permeado com sua alma o
sistema ósseo no etérico dos membros. Todo ser humano passa a se adaptar ao mundo exterior de
forma mais intensa do que ocorria antes, o ser humano se coloca dentro dos ossos e, que se haja
tornado maduro sexualmente, ele se coloca dentro do mundo todo e só então é que se encontra
dentro do mundo da realidade. Portanto, as vivências ocorridas na EWRT possibilitam essa
transformação de atuação dos membros na vida do ser humano em desenvolvimento, isso também
significa entrar gradativamente em sua encarnação presente como um ser humano capaz de realizar
coisas que seu pensamento traz.
No corpo, indo até a periferia das atividades sensoriais, há uma interligação dos elementos
volitivos, ideativo ou cognitivo, os membros motores servem ao querer e em nosso querer, em
nossos movimentos penetra pelos nervos o elemento volitivo, pelas veias o elemento volitivo.
(Steiner, 1919) o sangue circula por todo o corpo transportando a força do EU e calor:

“O esforço próprio é uma conquista do corpo astral espiritualizado que


molda e transforma o sangue em substância etérica, e o sangue
carregado por essa moralidade conquistada, age como alimento, senão
como um remédio para a terra. Hoje vivemos num momento que essa
moralidade , não é mais carregada pelo sangue físico, mas pelo
“sangue anímico”. É na vida social que essa moralidade se
desenvolve.” (Cairello e Moraes, 2015).

Essa relação entre o fazer corporal, a circulação do sangue físico, a força do eu e a


moralidade do sangue anímico que se forma com a vida social, caracteriza esse ambiente em que
crianças e adultos aprendem junto “fazendo” coisas sensatas para o coletivo, dedicando seu tempo e
força de trabalho dos membros para algo que formativo em seu desenvolvimento enquanto
humanidade. Vivências coletivas que transformam a realidade estabelecida via educação
convencional, na qual apenas os melhores pensadores são selecionados e podem atuar no mundo, o
mundo concorrido do vestibular, o mundo concorrido do trabalho, as vagas que são preenchidas
somente pelos melhores. Cria-se um ambiente como se não houvesse espaço para todos atuarem em
suas potencialidades, sua liberdade e capacidades de utilizar a própria essência, força e natureza
para viver e atuar no mundo.
Por isso o intuito de discutir sobre a realização de atividades do trabalho humano no
ambiente rural envolve muito o resgate da transmissão de conhecimento prático dos adultos para os
crianças e hoje, se tornam os habilidosos. Onde as atividades eram realizadas em conjunto conforme
a necessidade para o grupo e a partir da observação do posicionamento do corpo, das mãos, das
ferramentas, todos tem a oportunidade de realizar as atividades com assertividade.
Dessa forma, os mais jovens imitam e vão aprimorando o seu fazer cada vez que repetem os
movimentos. Até que então conquistam a destreza de realizar a tarefa, de realizar podendo inclusive
criar e se especializar a seu modo ao longo do tempo, além de também aprender novas habilidades a
partir deste fazer vivenciado. Rudolf Steiner apresenta como a criança vive entre a seu ambiente até
por volta dos 7 anos, ao inspirar o oxigênio existente no ambiente ela vincula de imediato ao seu
próprio ser corpóreo, fazendo com que parte do mundo exterior passe a pertencer a seu mundo
interno, por isso ele chama a atenção que o ser humano aprende a se entrosar no mundo através da
imitação.
Então, considerando a natureza dos membros humanos, a formação humana da criança pela
imitação, as habilidades adquiridas pelos indivíduos durante as observações que fiz na escola e as
potenciais possibilidades de trabalho no ambiente rural, constrói-se a conclusão dessas ações
enquanto humanidade, espíritos atuantes na terra que por natureza é fria, dura, onde sentimos sede,

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fome e frio, mas podemos, plantar, cuidar, colher e produzir nosso alimento (Cairello, e Moraes,
2015).
Guttenhoffer caracteriza o professor como um adulto que realiza algo sensato e não mais
aquele especialista em desenvolver determinadas habilidades, que pela educação convencional
consideram apenas o pensar, desconsiderando o sentir e o querer que fazem parte do ser humano.
Então, se a humanidade fez e faz o ensino das atividades que envolvem os membros a partir
do envolvimento das crianças no fazer, podemos afirmar que proporcionar um entorno educativo
sensato promove a manifestação da vontade nos aprendizes?
Essa pergunta se fez dentro de um microcosmo, já apresentado, uma escola Waldorf rural.
Porém, como se trata de estudos envolvendo o desenvolvimento humano, em que medida os estudos
apresentados pela antroposofia e outros saberes indicam essa relação?

REFLEXÕES SOBRE O GESTUAL HUMANO,TRABALHO, AUTOEDUCAÇÃO E VONTADE

Atualmente ocorre que os professores são pagos e se dedicam exclusivamente à educação


das crianças e as pessoas que trabalham de forma produtiva como agricultores e artesãos são
excluídos da educação (Guttenhöfer, 2011). A meu ver essa especialização formativa conduz
também a própria formação do professor para uma visão utilitária do próprio ensino, sendo no caso
atual na nossa sociedade, habilidade cognitivas para ser aprovado em um vestibular. Guttenhöfer
comenta, essa formação do ser humano se torna objeto de socialização e não do próprio ser em
desenvolvimento. Sendo assim, a própria formação do professor conduz a um aparelho sistemático
que reduz as possibilidades de atuação no mundo, não permitem vivências para o próprio ser. Isso
pode ser observado somente com a visualização das disciplinas que são trabalhadas e a carga
horárias delas, artes, trabalhos manuais, música e dança, quando se fazem presentes sua carga
horária é reduzida comparada com outras disciplinas, isso que na maioria dos casos essas
disciplinas nem se fazem presentes dentro da escola.
Apresento uma parte da minha trajetória formativa pessoal e profissional, a fim de ilustrar e
reforçar a importância que o trabalho com as mãos e a sua influência na minha própria visão de
mundo e consequentemente visão sobre educação, o que também reflete na atuação com as crianças,
principalmente atuando como adulto que faz algo sensato dentro de um entorno educativo.
Antes de trabalhar na EWRT, em nenhum momento da minha vida eu trabalhei com
jardinagem e durante o ano de 2017, tive orientações esporádicas de especialistas ou pessoas mais
experientes para realizar o manejo nessas áreas. Eu perguntei para a professora que estava nessa
atividade no ano anterior, sobre as necessidades das áreas que ela julgava ter um manejo mais
urgente, principalmente para iniciar os trabalhos.
No decorrer do ano, o meu trabalho com os grupos de crianças foi construído com a
observação das demandas de manejo das áreas que citei, também forças criativas e imaginativas
nas áreas em que o jardim precisava ser construído por inteiro.
Essas observações me permitiram construir esse TCC, ressignificar e ampliar as
possibilidades do mundo educativo. Nesse interim conheci a permacultura e escolhi vivê-la, além de
compreender a necessidade de saber fazer “coisas” com as mãos. Pensando nas habilidades
necessárias para justamente realizá-las, em coletivo, observando e interagindo com o espaço. No
caso, a infraestrutura da escola sendo levantada e outras necessidades que iam surgindo, como o
projeto de irrigação e aproveitamento da água da chuva nas aulas de matemática. Em muitos
momentos eu tinha ideias, mas me faltava conhecimento técnico para ter autonomia em sua
execução e então, precisava deslocar alguém de outra função para me ajudar. O que atrapalha em
um local onde tem muito trabalho e poucas pessoas para realizar. Eu sentia em um determinado
momento que não tinha muito mais o que oferecer para as crianças em relação às habilidades
técnicas e práticas necessárias, a fim de poder avançar e realizar tarefas mais elaboradas naquele
espaço. Essa noção particular como uma necessidade de “ter” habilidade não está relacionada
diretamente com o que comumente se trata nessa relação, “uma” pessoa sabe e os outros obedecem,

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mas no sentido de executar com sensatez a ação individual, ter ferramentas para perceber as
necessidades das crianças, do espaço trabalhado em específico e o desenho do entorno educativo.
Essa minha reflexão enquanto educadora permeia esse entorno educativo coletivo, visto que
os envolvidos se relacionam, e eu ao mesmo tempo pude vivenciar no meu próprio EU um processo
volitivo (Steiner, 1919), até porque o eu está ligado a cada movimento feito com a mão, com cada
gesto, pegar, de segurar um objeto qualquer, em que encontro a outra pessoa e por meu
relacionamento com ela, expresso ser ela tal qual meu eu, exerço uma atividade que decorre na
reciprocidade entre eu e o outro. Todo trabalho que realizei na jardinagem era a inteireza do meu ser
ao vivenciar a educação que faz sentido para mim enquanto educadora, e como apresentado por
Steiner (1923a) o amor por outro ser humano brota do conhecimento sadio do homem, no qual
reconhecemos ao mesmo que somos, reencontramos-nos no outro ser humano. Este conhecimento
se torna uma vivência interior imediata da vida prática, pois em sua transformação, este
conhecimento flui para a força do amor e dessa forma o conhecimento humano, transformado em
amor atuante, se torne ensino e educação espontâneos. Entendo como fazer da essência essa
consciência no executar, onde os caminhos vão se construindo com sentido corporal, capacidade de
pensar e agir, percepção das necessidades de tudo que essa experiência pode promover a todos os
envolvidos.
Os movimentos relacionados ao meu atuar reverberam naquele ambiente educativo, e isso
fica evidente nos estudos da antroposofia sobre o desenvolvimento humano. O fato “querer” ser
professor diferencia do fato de querer “estar” professor, visto que o contexto educativo da EWRT se
diferencia na proposta educacional formativa, não só no impulso das crianças, mas de todos os
envolvidos nesse movimento. Então, eu me permitia agir conscientemente o meu eu, durante a
vigília ligado ao sistema dos membros (Steiner, 1923b). Unindo os processos que observei em mim
e nas crianças e jovens, entendo como essa vivência permitiu o nosso desenvolvimento anímico
espiritual considerando, todos nós como seres humanos em desenvolvimento. Assim como, o corpo
astral está ligado à região peitoral e do peito sai a fala, da mesma maneira o eu está ligado a tudo
que o ser humano executa com os membros o que o homem realiza desde o despertar até o
adormecer, ao fazer está ou aquela trajetória, ao realizar isto ou aquilo com seus braços e mãos
(Steiner, 1923b). Toda ação dedicada nesse espaço, se torna parte do viver integral, integrativo e de
aquisição de habilidades para a vida em comunidade sejam elas quaisquer natureza que envolva
esse viver. O espírito é acordado através dos movimentos dos membros, a conclusão se forma e se
expressa no espírito despertando a consciência. (Steiner, 1919)
Os membros estão relatados, porque as atividades de campo envolvem todo o tempo o
trabalho com os membros e se nós, trabalhávamos juntos a atuação formativa também é conjunta.

“O que ali está unido ao nossos membros, aos nossos movimentos, o eu


retira de dentro do nosso corpo físico e corpo etérico ao adormecer e conduz
ao mundo espiritual. Não é apenas a ressonância do movimento das pernas e
dos braços que é extraída no sono, também é extraída a satisfação ou
insatisfação, um aspecto anímico-espiritual acrescentado pelo eu ao que ele
extrai dos membros do ser humano no estado de sono. Contudo, isso se
destacará ainda mais se contemplarmos o estado adormecido do eu, o eu
leva consigo para dentro do estado de sono a satisfação e a insatisfação a
respeito do que os membros realizaram (Steiner, 1923b).

Ao longo dos meses de atividades e caminhando já para o 4º ano de atividade, a EWRT


apresenta gestos e ações realizadas por todos envolvidos, trazem reflexão sobre a influência do
trabalho com os membros sob a força de vontade dos envolvidos nesse projeto. Em que todos os
dias se disponibilizam para trabalhar nesse espaço coletivo em prol da própria comunidade. Seja no
manejo de animais, cultivo de plantas, construção de casas, móveis etc.

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A realização das tarefas em campo se caracteriza como vivências relacionadas a vida real
nesse ambiente, considerando a criança como um ser que brinca, existe um problema quando os
adultos assumem o controle sobre as brincadeiras e os jogos das crianças, eles necessariamente
subtraem a capacidade delas de reinventar sua experiência (Elkind, 2016). Por isso quando a
educação diária torna um exemplo de realidade, visto que ela é apresentada pela experiência, algo
construído pelo próprio ser que realiza a atividade.
Considerando o pensamento como conteúdo da experiência, percebi como o entorno
educativo promove o desenvolvimento baseado na trimembração humana, onde a experiência pura é
a forma em que a realidade nos aparece quando nos defrontamos com ela com completa renúncia a
nós mesmos. Por isso o mundo dos sentidos não é, em sua manifestação, realidade para a
contemplação humana, ele tem sua realidade em conexão com o que se revela no homem sob forma
de pensamentos. Os pensamentos pertencem à realidade do que se contempla sensorialmente, só
que o que é pensamento na existência sensorial, não se manifesta fora, mas dentro do homem
(Steiner, 1886).
No entanto, o pensamento e a percepção sensorial são uma existência só, até porque o
espirito quer se manifestar através do movimento, no caso, pelo corpo utilizando o sangue. Ao
começar a contemplar o mundo sensorialmente, o homem separa o pensamento da realidade; este,
porém manifesta-se em outro lugar: no interior da alma. A alma capta experiências realizadas pelo
corpo e o espírito vive conscientemente o presente, exercendo seu eu e sua liberdade. O pensar é a
manifestação do espirito em total liberdade. Nesse ambiente educativo, é fornecido a causa
oportuna para que o conteúdo do pensamento possa desenvolver-se de acordo com sua própria
natureza, o espírito efetua a combinação dos blocos de pensamentos apenas em conformidade com
o conteúdo dele (Steiner, 1886). Ainda pode ser observado nas atividades diárias da EWRT, por
meio da atividade o mundo das ideias manifestar-se. O pensar individual nada mais é do que uma
familiarização do nosso ser, da nossa personalidade individual, como centro pensamental do mundo
(Steiner, 1886).
No decorrer do tempo, pode-se observar nas crianças uma evolução em sua maneira de lidar
com os materiais e as ferramentas. Quando se espera isso deles, eles podem vir a julgar as leis de
cada material. Cresce a capacidade de formar julgamentos sobre o mundo exterior, julgar de que
modo e com qual velocidade se pode lidar com um aparelho, com uma substância; de certo modo
esse julgamento de percepção pode ser evocado que traz uma transformação dos gestos congênitos.
O corpo astral, em conexão com o EU, é um transformador. É-lhe inerente a força de transformação,
e é isto que o jovem vivencia na puberdade: uma profunda transformação dos dados do mundo
material. Não desempenha qualquer papel quanto ele realiza em cada dia, nasce da vontade de uma
outra maneira de julgamento, que não é nem um pouco menos importante do que a formação de
juízos na esfera conceitual (Wiedemann, 1983).
Assim temos duas formas de manifestação do nascimento da vontade, uma se relaciona com
a faculdade de formar pensamentos de forma nova; a outra está ligada a aprender a julgar as leis do
mundo exterior por meio da atividade da vontade, de modo a se colocar na situação de poder
estruturar e transformar o mundo físico material (Wiedemann,1983).

AS PÉTALAS DA PERMACULTURA: UM PARALELO COM AS VIVÊNCIAS DA EWRT

Retomando o conceito em que a permacultura é uma resposta efetiva às limitações no uso de


energia e dos recursos naturais, visto que o modelo atual de consumo e relação com a natureza é
organizado para isso, existe a tendência da corrente social e econômica dominante da era pós-

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industrial ser organizada pela permacultura. Por isso essa transformação do mundo físico citada por
Wiedemaan se desdobra na possibilidade que a educação vivenciada para “novo” modo de viver
influenciada pela visão de mundo das pessoas envolvidas nesse tipo de educação. Portanto, ao
compreender o microcosmo da EWRT como um entorno educativo coletivo, realizei o exercício de
encaixar atividades realizadas na escola as pétalas de design da permacultura. Um exercício
relacionado ao que tomei nota, observei e descrevi nesse TCC, durante o trabalho em campo com a
equipe de jardinagem, entendendo que as relações existentes no dia dia acontecem amplamente
vivenciadas por outros adultos que fazem algo sensato juntamente com as crianças.

FONTE: Pétalas de design permacultural. HOLMGREEN, 2013 p. 34

FERRAMENTAS E TECNOLOGIA

As crianças e adultos começam a ter essa relação diária com as ferramentas, principalmente
manuais de lida com o manejo da terra, além dessa apropriação corporal de uso, permite a análise
em quais situações utilizá-las, escolher como se relacionar com as ferramentas de trabalho. Por
exemplo, leitura de paisagem da área onde um novo jardim seria implantado, quais ferramentas
seriam necessárias para tal ação, construção de um caminho que liga dois blocos de construções,

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redirecionamento dos restos de comida produzidos durante o lanche e o almoço, como transportá-lo,
idealização e realização de um projeto de aproveitamento de água da chuva e irrigação etc.

CULTURA E EDUCAÇÃO
A partir do momento em que uma nova área de jardim será implantada, é necessário realizar a
observação do estado do solo, como o sol bate naquele local a fim de decidir quais espécies serão
colocadas ali, ou seja a leitura de paisagem do local. Assim como, no trabalho de abrir um novo
caminho que ligava dois blocos de construção, analisar como os buracos de delimitação de área
seriam feitos para desenhar esse local e quais materiais disponíveis na escola para a melhoria desse
local ao longo do tempo.

A própria proposta educativa da escola por ser alinhada à pedagogia Waldorf, proporciona o contato
com produção musical, com instrumentos e principalmente o canto, então essa formação humana
diária também ocorre nesse espaço educacional da EWRT. Vertentes formativas profundas
considerando o ser humano pleno e sua educação em todos os âmbitos do pensar, sentir e querer
também apresentados pela antroposofia. A arte traz a possibilidade de criar, imaginar e concretizar
produções próprias, habilidade exercitada que poderá ser solicitada quando problemas que não
existe a solução pronta se apresentarem na vida dos indivíduos, principalmente aqueles relacionados
a nova forma de viver autonomamente.

SAÚDE E BEM ESTAR ESPIRITUAL

A alimentação realizada na escola incluem os produtos ali produzidos e todo o cardápio pensado a
fim de oferecer alimentos de qualidade, com produtos da época ao preparo com temperos naturais.
Além disso, todo espaço natural da fazenda em que a escola realiza suas atividades, permite uma
integração direta com a mata, inclusive em locais onde a atividade humana é mais reduzida, como a
“roça” onde o milho, feijão e outras espécies eram cultivadas, possibilidades de trilhas durante os
intervalos com o “encontro” com lugares místicos que passam a ser frequentados pelas crianças.

ECONOMIA E FINANÇAS
Durante as aulas de circo outras habilidades corporais são desenvolvidas, no caso as crianças do 8º
ano e seu professor de classe se sentiram motivadas a criar um espetáculo de circo, realizar uma
apresentação em um shopping próximo à escola e passar o “chapéu” para arrecadar recursos para
adquirir itens necessários à realização da peça de teatro. Refletindo em observar quais habilidades
eles já possuem e como podem reverter em recursos para necessidades que o próprio grupo julga
como prioridade.

POSSE DA TERRA E GOVERNANÇA COMUNITÁRIA


No trabalho em campo da jardinagem, os acordos realizados eram discutidos em coletividade, por
exemplo as crianças que não realizavam suas tarefas a contento precisariam se dedicar por mais de
um dia seguido a guardar as ferramentas de trabalho. Normalmente esse trabalho era realizado por
um rodízio diário entre eles, igualmente distribuídos nessa tarefa. A resolução desses conflitos e a
reflexão a respeito dele envolve todo o grupo de trabalho em equipe e isso traz experiências de
decisões e reflexões coletivas às crianças e jovens envolvidos.

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MANEJO DA TERRA E NATUREZA
Colher e estocar sementes observando a época para realizar esse tipo de ação, observar como
realizar a poda das espécies, entender quais precisam ter suas sementes estocadas de um período
anterior para serem cultivadas no futuro, identificar quais podem ser reproduzidas por
estaqueamento, quais estruturas da natureza podem servir de cobertura vegetal, como realizar o
preparo dessa cobertura e sua importância para proteção do solo. Ações aprendidas baseadas em
observação das áreas de trabalho em campo e sua vivência nelas ao longo das estações do ano.

AMBIENTE CONSTRUÍDO
Na EWRT as salas que são construídas na área da escola são feitas utilizando técnicas diversas de
bioconstrução (superadobe e tijolo frio). As obras são executadas em cursos e mutirões organizados
pelos pais e professores da escola, justamente por existir uma máquina de produção de tijolo à
disposição e participantes da comunidade que apresentam conhecimento técnico para realizar a obra
e conduzir as pessoas no mutirão. Além disso, utilizam-se da leitura de paisagem a fim de
identificar o que tem de abundante na terra para poder fazer as construções.

PERMACULTURA COMO UM DOS ELEMENTOS DE UMA EDUCAÇÃO VIVENCIADA

O movimento interno que ocorria em mim, reflexão sobre educação, visão de mundo,
atuação sensata no ambiente educativo, além do que era realizado ao ter o contato com a terra, nessa
manipulação consciente e respeitosa, aparenta ser “captada” pelas crianças, como esse processo de
combustão relatado por Rudolf Steiner ao se referir aos movimentos realizados pelo ser humano em
virtude da sua posição ereta, o volitivo.
A partir do momento que a atividade realizada se caracteriza como um fazer sensato,
considera-se essas vivências aberturas para a consciência do eu (Steiner, 1923b). Também na
existência moral, isto nos proporciona um sentimento de responsabilidade perante o mundo
espiritual, e é desse sentimento que advém para o ser humano o seu correto senso de
responsabilidade perante o mundo físico.
Esse olhar diferenciado cuidadoso que permite a todos envolvidos nas atividades do fazer
sensato olhar sua atuação no mundo de outra forma. Transmutando suas ações à própria realidade. É
a visão sobre o mundo que está e ter o poder de atuar. Saber quais ferramentas são necessárias para
transformação. Membros que em gesto manifestam algo digno de ser imitado (Guttenhöfer, 2011).
O que vive dentro do outro e em mim é algo almejado de ser vivenciado. O que é produzido pelos
gestos e mãos é observável pelas outras pessoas e nessa atmosfera de força de trabalho, ação,
dedicação são forças abundantes que no que pude observar se manifestam na força de vontade das
crianças. Em realização não somente as atividades do entorno educativo rural, mas nas que são
propostas curriculares da organização da proposta pedagógica da própria escola e das quais elas
conhecem as ferramentas e tem liberdade de criar e se manifestar em liberdade.
Nesse momento existe uma fluidez autônoma individual entre o pensar, o movimento e a
consciência promovidos pelas experiências e o ímpeto de tentar fazer coisas novas. Modo de
trabalho, de relações com as pessoas e relação com o mundo que transformam todos os seres
humanos envolvidos nesse entorno educativo.
Por isso quando conheci a permacultura o seu modo de operar com design e relações, me
remeteram ao que estávamos vivenciando no microcosmo da escola. E então percebi que desde que

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o termo permacultura e as ações começaram a ser realizada, os “assentamentos humanos” já
estavam com essa visão de integração e ressignificação da relação homem natureza.
Na 4ª conferência do arte e educação Rudolf Steiner (1919) começa dizendo: “na educação e
no ensino do futuro, deverá ser atribuído um valor muito especial do cultivo da vontade e da vida
afetiva.” E mais à frente traz:

“Mesmo quando temos motivos, há algo mais que atua constantemente na


vontade: é o desejo...aquele tênue latejo de aspirações que acompanham
todos os nossos motivos estando presentes. Percebemos com particular
intensidade essas aspirações quando depois de executado algo, resultante de
um motivo de nossa vontade, passamos a refletir sobre o nosso ato e
reconhecemos que poderíamos ter feito muito melhor. (Steiner, 1919, p. 30)

“A pessoa forma uma espécie de ideia de como executar melhor a ação se


esta tivesse de ser repetida. Contudo, não atribuo grande valor a essa ideia,
mas aos elementos emocionais e volitivos que acompanham todo o motivo,
no sentido de aprimorar algo numa próxima ocasião. Aí entre em função o
chamado subconsciente do homem. Em sua consciência habitual, quem
realiza uma ação baseada na vontade nem sempre concebe a ideia de como
executar melhor uma ação baseada na vontade. Nem sempre concebe a ideia
de como executar melhor uma ação semelhante em outras circunstâncias.
Mas existe em nós uma outra pessoa, uma segunda pessoa que sempre
desenvolve, não de forma imaginativa, mas volitiva, uma imagem nítida de
como executaria a ação se estivesse mais uma vez na mesma situação. Não
substimem tal conhecimento! Não menosprezem de forma alguma essa
segunda pessoa que vive em nós. (Steiner, 1919. p. 31)”

Na sutileza das observações que fiz do trabalho realizado em 2017, pude presenciar essa
execução melhor delas em diversas circunstâncias. E tento por esse trabalho de conclusão de curso
trazer à tona a influência do trabalho diário em campo movendo os membros, trabalhando em
atividades sensatas dentro de um entorno educativo coletivo integrativo, refletindo sobre o que de
fato moveu a vontade daquelas crianças e jovens de tal forma em tão pouco tempo?
Considero pouco tempo, comparando o ensino convencional em que as crianças e jovens
precisam se dedicar por 13 anos a fim de se obter um “bom desempenho” e conseguir uma vaga na
universidade. E pelos moldes da sociedade, da educação familiar e escolar ser um ser humano bem
sucedido. Porém, nesses moldes o mundo do trabalho não aparece para a criança antes de fato ela
estar no mercado de trabalho, até mesmo em situações mais extremas da vida, a organização do
Brasil, educacional e formativa, é para alimentar o mercado.
Guttenhöfer comenta que as crianças são despojadas do trabalho para aprenderem somente
em sala de aula até os 25 ou 30 anos. Desconsiderando que elas vivem o presente como seres
espirituais e sensoriais e não se projetam no futuro. Portanto, refletir sobre a manifestação em
crianças que têm contato diariamente com o trabalho em campo auxilia na ressignificação do que é
educação e qual atmosfera formativa é construída a partir do chamado entorno educativo.

“Não é dizendo uma vez à criança que é o correto que os senhores


provocarão o acertado desempenho do impulso volitivo, mas à medida em

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que levarmos a fazer algo hoje, amanhã e depois de amanhã. O certo não
consiste em impingir à criança admoestações e preceitos de moral, mas em
dirigi-la a algo que considere capaz de despertar-lhe o sentimento para o
correto, deixando-a fazê-lo repetidamente. Tal ação deve tornar-se um
hábito. Quanto mais ficar entre os hábitos sub-conscientes melhor para o
desenvolvimento do sentimento, quanto mais a criança estiver consciente de
repetir a ação dedicadamente porque esta deve ser executada, tanto mais
estaremos levando isto ao real impulso volitivo. Sendo assim, mais
repetição inconsciente cultiva o sentimento de repetição plenamente
consciente, cultiva o autêntico impulso volitivo, porque realça a força de
resolução. E a força de resolução que normalmente fica apenas no
subconsciente cultiva é aguçada pela repetição consciente de certas ações
pela criança. (Steiner, 1919, p.33)”

Nas situações de aprendizagem humana a minha percepção sobre esse ímpeto, que pode ser
chamado de vontade em estar naquela situação e interessado pelo que está sendo apresentado. O que
move principalmente o interesse importa igualmente, por exemplo uma realização de um curso que
se deseja realizar, ou a obrigatoriedade de estar naquela situação porque a lei exige a presença da
criança e jovem na escola. Ou seja, o caráter educativo individual que cada situação apresenta.
Sendo assim, o que tento ilustrar nesse trabalho é o entorno educativo, juntamente com os impulsos
individuais e as possibilidades que as ferramentas apresentadas aos envolvidos nesse momento
podem despertar. Se o intuito educativo é proporcionar o desenvolvimento de saberes em que a
liberdade, criatividade, imaginação, autonomia possam ser exercitados e vivenciados. A vida
naturalmente apresenta diversos desafios, e exercitar essas ferramentas vem de encontro à
possibilidade de construção de uma sociedade em um novo formato.
Para que seja mantido esse formato, a vontade como força volitiva humana se apresentará
como mantenedora desse movimento e sua relação com a movimento do corpo, principalmente dos
membros traz de volta a reflexão sobre a importância da experiência vivida no corpo físico. Afirmar
a Vontade, portanto, é afirmar o corpo. A vida ordinária constituída por um conjunto de sensações
(amor, alegria, ódio, sofrimento) torna-se a matéria filosófica por excelência, são afirmações
precisas no campo das artes que, antes de tudo, põem em evidência a perspectiva de uma estetização
da vida como valor agregado ao pressuposto ético do “querer”. Nessa direção: “Pode-se ainda dizer,
num certo sentido: a vontade é o conhecimento a priori do corpo, o corpo é o conhecimento a
posteriori da vontade.” (S CHOPENHAUER , 2001, §18, p. 110). Ora, se “a Vontade é o
conhecimento a priori do corpo” é porque ela está fora dos domínios da razão. Ela é sem
fundamento (grundios) e, por isso, não pode ser predeterminada apenas por uma força externa
(como o esforço emancipatório da modernidade, por exemplo), embora tenha consonância com a
realidade física e espacial a que pertence. O filósofo costuma usar a metáfora das marionetes, ou
seja, mesmo sendo puxado por fios externos, existe um esforço interno que é determinante nas suas
motivações. E são essas motivações interiores que proporcionam o conhecimento a posteriori da
vontade. A grande experimentação, nesse caso, é a manifestação individual de cada sujeito em
relação ao tensionamento dessas forças. Com efeito, é possível compactuar com a seguinte
afirmação: “Só existimos para nós mesmos dessas duas maneiras: como seres produtivos, criadores
de nossa vida prática a cada instante, e como reflexos de consciência desse Ser originário e criador
[...]”. (SIMMEL , 2011, p. 39). Tal afirmação, partindo de uma interpretação da obra de

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Schopenhauer, sinaliza para o rompimento da tradição metafísica ocidental. A condição do presente
demarca a conversão do passado e do futuro numa dinâmica de ações desencadeadas a partir do
‘querer’, o que significa dizer que não há atmosfera ideal na representação. Ao contrário, o real é
constantemente elaborado pelo esforço da Vontade enraizada na vida humana.
A vontade é o conhecimento a prior do corpo real é constantemente elaborado pelo esforço
da vontade enraizada na vida humana. Então se a vontade é exercitada através das ações do querer,
pelo esforço a realidade terrena se apresenta. Consequentemente, uma Pedagogia da Vontade
considera o pressuposto da experiência do educador. Em contraponto ao saber científico, os saberes
da experiência não são definidos por sua profundidade (técnica, filológica), mas pelo olhar
perspectivista que se afirma na evolução das forças plásticas (de um povo ou indivíduo). Trata- se
da capacidade de desenvolver um sistema de ensino voltado para a reflexão filosófica das condições
vitais, no sentido de renovar o pensamento crítico na educação. Quando subjugado pelos interesses
do mercado de consumo e da economia política, o conhecimento pedagógico perde sua capacidade
de se reinventar na formação.
A lógica produtivista e reprodutivista de nosso tempo se preocupa com números, tabelas
estatísticas, formulários padrão, jogo de interesses, porém esquece a dimensão estética do saber.
Nietzsche persegue essa dimensão a partir do conceito de Vontade em Schopenhauer até dissolvê-lo
no seu próprio conceito de Vontade de Potência. Desse modo, a Pedagogia da Vontade se constitui
numa herança da cultura trágica, que encontra na paixão pela arte razões para fortalecer o
desdenhoso jogo da vida e do viver.
Assim, entendo a permacultura, reflexões da antroposofia, pedagogia da vontade e muitos
outros recursos disponíveis serem elementos de estudos de todos os adultos sensatos que queiram se
dedicar à atividade de estar com as crianças e jovens.

CONCLUSÕES
Ao longo do tempo muitos sentimentos que geraram todo esse trabalho de pesquisa vieram a
tona, foram anotados, refletidos, incorporados à observações detalhadas, uma mistura de reflexão,
análise e autoconhecimento necessários para formação de um professor. Porém, vou além dessas
projeções de educador, frente a situações e simulações a fim de atingir determinados objetivos, mas
ser observadora sensível, com olhar crítico e responsável sobre um processo educativo moral e de
vida que permite as vivências do entorno educativo, da comunidade e da realidade viva.
Refletir sobre a relação das atividades realizadas na EWRT com o que está sistematizado nas
pétalas da permacultura certifica aquilo que vive de mais puro dentro de cada ser humano, capaz de
no seu processo encarnatório, passando pela experiência do corpo atuar e ser luz pela ação da
espírito, do coração através da capacidade de se sentir capaz pela ação dos próprios membros.
Desde o desenvolvimento da vida moderna, o ser humano se organiza em confinamento,
vivendo em apartamentos, usando automóveis para se locomover, almoço no intervalo do trabalho
dentro de restaurantes, retorno para o confinamento do trabalho, retorno para casa no transporte e
isso leva a não mobilidade do corpo em sua potência, menos ainda à mobilidade dos membros.
Além disso, existe a supervalorização da sociedade em certificados, onde algum órgão emite nota
dizendo quais habilidades aquele ser humano tem, baseado novamente em limites que o sistema
educacional instituiu.

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Os limites necessários para o caminhar saudável de iniciativas formativas com esse caráter
se constroem dentro da própria comunidade, a princípio se propor a realizar esse tipo de trabalho,
que traz a força imaginativa e criativa de cada um dos envolvidos à tona, levando a força do EU
para o movimento dos membros e concretização de ações do querer seja nas relações construídas,
nas experiências individuais, seja na percepção da própria comunidade sobre si mesmo. Esse
sentimento que gera ao se sentir parte de algo feito coletivamente, algo edificante para os processos
individuais e caminhos edificantes para o estabelecimento da comunidade autônoma.
Durante a realização do trabalho, ao ar livre, em contato com a natureza, sensatez no corpo,
mente e fazer acontecer o reconhecimento da ação da fraternidade, irmandade e igualdade,
exercitadas no cuidado diário desse espaço comum, cuidado das pessoas envolvidas e do tipo de
relações estabelecidos entre elas. Por isso, esse paralelo do que acontece dentro de uma escola
Waldorf rural para a proposta dos assentamentos humanos permaculturais tem o propósito de criar
novos tipos de relações e forma de viver.
A intereza do indivíduo se observa nos momentos de exposição e desenvolvimento prático
de ideias e vontades próprias, onde a criatividade é exercida nos relatos que fiz sobre o que observei
nas crianças é possível ver isso claramente. Além da criatividade exercida pelos adultos para
conseguir fazer com que esse espaço de vivência possa acontecer. A leveza de estar realizando algo
que faz sentido para sua vida e seu propósito no mundo, onde é possível caminhar e aprender com
os erros porque existem outros fazedores (as), sonhadores (as), artistas, agricultores(as),
marceneiros (as), educadores(as), irmãs, irmãos, mães, pais, filhos, filhas dispostos a realizarem
esse trabalho juntos preservando a Terra e aprendendo a viver em harmonia com ela e consigo. É o
brincar leve e livre de aprender a viver, é o fortalecimento do indivíduo em suas relações
horizontais de respeito, que pela ação gestual do trabalho, se transforma em potência de força
colaborativa e coletiva de ação em prol da renovação social, promovendo uma sociedade mais justa
em harmonia.

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REFERÊNCIAS
STEINER, Rudolf. O método cognitivo de GÖETHE. Linhas básicas para uma gnosiologia da
cosmovisão goethiana. Tradução. Bruno Callegaro, Jacira Cardoso, 1886.
STEINER, Rudolf. PEDAGOGIA ARTE E MORAL. Tradução Christa Glass – 1ª ed. - São Paulo:
São João de Barro editora, 2008, palestras de 25 e 26 de março de 1923a Dornach
STEINER, Rudolf. OS DOZES SENTIDOS E OS SETE PROCESSOS VITAIS. Conferência em
Dornach, Suiça, 12 de agosto de 1916.
STEINER, Rudolf. Nervosismo e autoeducação: amor, poder, sabedoria. 11 de janeiro de 1912
Munique e 17 de dezembro 1912 em Zurique.
CAIRELO, Ana, MORAES, Maria Lúcia. TECENDO A VIDA: trabalhos manuais para crianças de
7 a 10 anos – 1ª ed. - Florianopólis: Pandion, 2015
STEINER, Rudolf. OS TRÊS APRENDIZADOS DA PRIMEIRA INFÂNCIA e a configuração do
destino, conferências 04 de abril de 1923 em Berna e 28 de abril de 1923b em Praga. Tradução
Rudolf Wiedmann, Karin Glass, Christa Glass, Edith Asbeck. Editora Antroposofia, São Paulo,
2017
STEINER, Rudolf. ARTE E EDUCAÇÃO I: estudo geral do homem, uma base para a pedagogia
(curso de antropologia geral para professores Waldorf) conferências em Sttugart de 21 de agosto a 5
de setembro de, 1919 – tradução Rudolf Lanz e Jacira Cardoso
GUTTENHÖFER, Peter, Salvando a infância: um memorando para Pedagogia do fazer. Kassel
(Alemanha), 2011
DRUYAN, Ann e SOTER, Steven. Cosmos: uma odisséia do espaço-tempo. Episódio 3, 2014
HOLMGREEN; David. tradução Luzia Araújo. Permacultura: princípios e caminhos além da
sustentabilidade. / – Porto Alegre: Via Sapiens, 2013.
WIEDEMANN, Hans Müller. A puberdade e o sistema dos membros. Revista arte médica ampliada;
Ano XXIV- nº 1 e 2 – outono -inverno/2004
Corrompendo o modo de brincar das crianças David Elkind. 19 de outubro de 2016 disponível em:
https://espacosercrianca.com.br/o-brincar/corrompendo-o-modo-de-brincar-das-criancas/ acessado
em 11 de março de 2019

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