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Introdução

Não há forma mais propícia e contextual de iniciar a disciplina de Cultura Religiosa do que
apresentar a riqueza e diversidade do fenômeno religioso que se faz presente nas mais
diferentes expressões culturais da humanidade ao longo dos tempos. Crer ou não crer num
poder transcendente, chamado comumente pelas religiões de Deus, ato que está ligado ao
campo da fé e da experiência religiosa, é apenas um dos tantos aspectos no estudo da
religiosidade humana, que, segundo atestam pesquisas antropológicas e sociológicas, parecem
fazer parte da condição humana. É desse tema, existencial por essência, e que está impregnado
nas bases culturais da nossa sociedade, que iremos tratar nesse primeiro capítulo.

Você já deve ter passado por alguma experiência Religiosa. Se não passou, alguém ao seu lado
já deve ter contado algo que o levou a refletir sobre o assunto. Neste capítulo, vamos ver que a
experiência religiosa é mais rica do que se imagina e é universal.

Paulo Augusto Seifert

Ronaldo Steffen

Douglas Flor

A religião tem estado presente no cotidiano através de diferentes manifestações. Pode-se, sem
entrar em detalhes por ora, mencionar algumas áreas, alguns eventos e algumas práticas
pessoais e sociais marcadas por ideias, ritos e símbolos consagrados ao campo religioso.
De uma forma bem simples, podemos reportar o leitor a algumas práticas familiares ligadas à
tradição religiosa como o casamento, batismo, morte e velamento. São cerimônias religiosas tão
tradicionais, que muitas pessoas acabam se envolvendo nelas sem se darem conta do aspecto
religioso. Também é bastante comum ficarmos sabendo de pessoas doentes ou com problemas
mais sérios que buscam ajuda divina como alternativa para a sua cura.

No esporte, estamos acostumados, marcadamente no futebol, com a cena de uma oração


conjunta antes da entrada no campo. Numa decisão por pênalti, por exemplo, é comum a
imagem de jogadores ajoelhados, rezando ou beijando sua santinha ou apontando os dedos para
o céu após uma defesa ou gol marcado.

No campo musical, não são raras as menções que se fazem a personagens religiosos e até mesmo
a sentimentos de ordem religiosa; no campo das artes somos conduzidos a milhares de imagens
notadamente carregadas de simbolismo religioso dos mais diversos matizes. A literatura não tem
deixado por menos e tem sido o mercado que mais cresce em termos de editoria nos últimos
anos. O cinema tem sido pródigo nas temáticas de ordem religiosa. As novelas, fenômeno
brasileiro que ganha o mundo, jamais têm deixado de lado alguma alusão, personagem e até
mesmo a temática central ligados a fatos eminentemente religiosos.

A alimentação também sofre influências da religiosidade, havendo religiões que proíbem a


ingestão de determinados alimentos e que prescrevem dietas especiais, como a kosher,
dieta judaica. O modo de expressar nossas ideias através da linguagem é, igualmente,
marcado por formas religiosas, especialmente em algumas expressões populares. O turismo
religioso é hoje um grande filão na arrecadação de divisas para um município. A educação é
fortemente marcada pelos valores que ela prega, quase sempre idênticos aos valores de ordem
religiosa. A área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte foi e ainda é construída com
suporte religioso. Nosso calendário, suas datas festivas e grandes eventos, tem sua origem no
meio eclesiástico. As diversas áreas do conhecimento humano, também tem-se ocupado com a
temática religiosa como a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História, a
Medicina, a Física, a Arqueologia, a Geografia e assim por diante.

Apesar das diferentes atitudes de repulsa que caracterizam a negação dos elementos religiosos,
as menções apontam para o fato do ser humano buscar ligar-se ao Transcendente como se
mantivesse uma ligação umbilical da qual retira os elementos vitais para a sua existência.

A questão que se coloca é a de como compreender essas ligações. Qual o fundamento capaz de
sustentar uma avaliação compreensiva da junção ser humano - Transcendente? Há muitas
possibilidades viáveis, tanto a partir das diferentes perspectivas e entendimentos religiosos
quanto de escolas de reflexão filosófica.

Além disso, importa considerar a relação que há, ou pode haver, entre a religião e as
manifestações importantes do espírito humano. A título de introdução, consideremos como se
relacionam religião e filosofia, religião e ciência, religião e moral, religião e teologia.

Religião e filosofia
O que tem a filosofia a ver com a religião? Essa é uma pergunta importante cuja resposta não é
óbvia. Ao longo da história do pensamento humano, vemos cooperação e competição entre
ambas. Em certo sentido, a cooperação e a competição pressupõem a mesma concepção: a de
que compete à razão filosófica provar a veracidade das ideias religiosas. Ou, dito de outra
maneira, que compete à razão filosófica determinar se religião e superstição são a mesma coisa
ou se são coisas distintas e separáveis.

Posta a questão dessa maneira, temos duas respostas possíveis: ou a filosofia apresenta provas
de que a religião é verdadeira ou a filosofia apresenta provas de que a religião não é
verdadeira. Se for o primeiro caso, dizemos que há entre ambas cooperação; se for o segundo,
que há competição. Quando se fala em provas, significa que qualquer pessoa racional deve
concordar com o argumento, mesmo que não seja um argumento demonstrativo ao estilo da
matemática, cujos cálculos, se bem feitos, dão um único resultado, e o sujeito que não percebe
ou não concorda com o resultado é incapaz (um exemplo simples: 3x3 = 9, e não faria nenhum
sentido alguém dizer: "Para você; para mim é 8").

O argumento deveria ser cognitivamente convincente. Aquele que não concorda com a
conclusão, ou não compreende o argumento ou está agindo de má-fé.

Onde, porém, buscar tais provas? Historicamente, têm sido elas buscadas no raciocínio abstrato,
na análise e comparação de ideias, na experiência sensorial, no senso comum, nas explicações
científicas, no sentimento moral. Diversos os pontos de partida, similaridade no modo de
argumentar. Parte-se de elementos geralmente aceitos e, se for o caso, de verdades evidentes
ou necessárias (que não podem ser negadas), aplicam-se as regras básicas do raciocínio lógico,
seja dedutivo ou indutivo, alcançando-se uma conclusão. Tal como se faz nos raciocínios comuns
ou nos científicos. Se o propósito é mostrar que a filosofia justifica a religião e prova a
existência de Deus (ou da realidade última), temos os argumentos ontológicos, teleológicos,
cosmológicos e morais. Se o propósito é mostrar que a filosofia refuta a religião e prova que
Deus não existe, temos os argumentos do mal, os argumentos evidencialistas etc.

Exemplo do primeiro tipo: observamos que a natureza exibe ordem e finalidade, como se fosse,
por exemplo, uma grande máquina na qual as partes se ajustam umas às outras perfeitamente,
de forma a fazer o todo funcionar. Na nossa experiência, sempre que há ordem e finalidade em
algo, tal objeto foi pensado e realizado por uma mente inteligente. Logo, a ordem e finalidade
que observamos no Universo indicam a existência de um criador inteligente. Este se chama
Deus. Logo, Deus existe. Exemplo do segundo tipo: observamos que há muitos e diversos males
no Universo. Se Deus fosse bom, ele desejaria eliminar todo o mal; se fosse onipotente, ele o
faria. Como o mal existe, Deus não é onipotente ou não é bom, ou ambos. Como a religião
afirma que Deus é bom e onipotente, logo Deus não existe.

Mesmo aceitando que essa é a tarefa da filosofia, isso não quer dizer que o filósofo acredita que
é assim que as pessoas aceitam ou recusam uma religião, com base em argumentos. As religiões
seguem seu caminho independentemente disso e a preocupação com argumentos justificadores
é, quando muito, secundária. Mas os argumentos mostrariam se as pessoas são racionais na sua
crença. Por outro lado, pode ser que o pressuposto básico esteja errado, sendo que não
compete à filosofia fundamentar ou provar a verdade das crenças religiosas básicas. A tarefa da
filosofia, em relação à religião, seria mais modesta. Atualmente, muitos filósofos, tendo em
vista o desenvolvimento histórico das explicações filosóficas, julgam que a filosofia pode ajudar
a melhor compreender as ideias religiosas e auxiliar as religiões a se livrarem de alguns
elementos supersticiosos indevidamente acrescentados à fé básica, especialmente aqueles
relacionados a confusões conceituais derivadas de um uso inadequado da linguagem ou à
compreensão equivocada das teorias e hipóteses científicas ou ainda a preconceitos de natureza
não religiosa. Essa abordagem tem se mostrado mais produtiva do que as outras duas opções.

Religião e ciência

E quanto à relação entre religião e ciência? Há quem julgue que certas teorias científicas estão
em direta contradição com a crença religiosa. Um exemplo contemporâneo pode ser encontrado
na discussão entre evolucionismo e a teoria do desígnio inteligente, ou criacionismo. Se
olharmos para o passado, este era o juízo feito por alguns acerca da relação entre
heliocentrismo e o relato bíblico cristão sobre a criação e o papel do ser humano nela. Críticos
religiosos do heliocentrismo, à época, julgavam que a teoria geocêntrica era, essa sim,
compatível com a crença cristã, enquanto sua alternativa, incompatível. Hoje, nem mesmo
grupos fundamentalistas percebem uma contradição, e muito menos as igrejas tradicionais ou os
cientistas ateus ou agnósticos.

A situação com o evolucionismo é, sem dúvida, um pouco mais complicada. Pode-se, no


entanto, dizer que isso se deve em boa parte às consequências filosóficas, morais, teológicas
extraídas por alguns de seus defensores. Se esse tipo de argumento for legítimo, há um conflito.
Por outro lado, também parece que esse conflito é alimentado por uma interpretação literalista
em demasia dos textos sagrados. Essas diferentes concepções hermenêuticas acerca de como
deve ser entendida a revelação bíblica é que vão possibilitar uma postura de aproximação ou
rechaço entre ciência e religião.

Veremos um pouco mais dessa relação entre ciência e religião no próximo capítulo. Passamos
agora a analisar a relação entre religião e moral.

Religião e moral

Algo que chama a atenção de quem participa ou observa as religiões é a íntima conexão destas
com a moral. Muitos procedimentos e discursos religiosos (praticados no âmbito das religiões
organizadas, especialmente) parecem consistir em admoestações para que as pessoas corrijam
seu modo de vida e passem a agir de acordo com códigos morais mais estritos, que não se
restringem a proibir determinados atos, mas também exigem do crente ações positivas, de
auxílio aos doentes e aos necessitados, por exemplo. Mesmo que haja diferença (embora não tão
acentuada) entre os códigos morais professados por diferentes religiões, não há como afirmar
que essa relação seja meramente circunstancial, como parece ser o caso da relação entre
ciência (especialmente as chamadas ciências naturais) e moral. Como podemos explicar essa
conexão íntima?

Uma proposta de explicação procura reduzir a religião à moral. Isso significa dizer que o
significado essencial da religião encontra-se na moralidade. A religião consistiria em uma forma
disfarçada ou mais eficiente de induzir as pessoas a um comportamento ético desejável. Alguns
pensadores sugeriram que há uma similaridade entre o papel das religiões e o ensinamento
moral de uma criança. Assim como se faz necessário, por vezes, ensinar bons modos a uma
criança na base de punições ou estórias fantasiosas, há pessoas (e são elas muitas) que precisam
receber as ideias morais acompanhadas de alguma estória cósmica ou divina. Caso contrário,
não compreenderão e não se submeterão à norma moral. Mas uma vez que se tornam maduras e
autônomas, percebem que a moral se mantém por si mesma. Podem, então, abandonar a
religião.

Esse tipo de explicação pressupõe a falsidade das estórias e/ou ideias religiosas. Se aceita por
alguém, esta pessoa deixa de ser, em um sentido mais forte, religiosa. Esse resultado não quer
dizer que a explicação esteja equivocada. Contudo, podem ser mencionadas outras objeções
que mostrariam a inadequação de tal hipótese. Primeiro, não faz jus ao fenômeno religioso.
Mesmo que a moral seja parte integrante das religiões, não é tida como única, nem como a
principal. Outros elementos importantes são a estética, os ritos, os mistérios, a ação de Deus na
história (no caso das religiões teístas). Prestando atenção ao discurso religioso como tal, o que
parece ser o mais importante está naquilo que se poderia chamar de 'realidade última', o
verdadeiro por trás das aparências, o efetivamente real, o fundamento de tudo que existe
(vamos chamar isso de 'o elemento metafísico'). Por exemplo, no cristianismo considera-se como
o mais importante saber quem é Deus, quais seus atributos, qual sua relação conosco. Se o Deus
cristão fosse apenas um princípio moral, ou o princípio do bem, o cristianismo perderia muito de
seu sentido. Mesmo que alguém julgue ser o cristianismo, em última análise, falso, dizer que
sua essência é a moralidade constitui uma simplificação grosseira; além disso, para dizer que o
cristianismo é falso, é preciso supor a seriedade do elemento metafísico. Acrescente-se ainda
que uma crítica feita constantemente por pessoas que consideram os relatos religiosos como
fantasia refere-se à crueldade e violência que as religiões exibem, ao terror mental que
exercem sobre os crentes, à sua intolerância. Se tal crítica faz sentido, é justamente porque a
conexão entre moral e religião não pode ser adequadamente explicada como se a essência da
religião fosse a moral.

Outra explicação, favorecida pelos religiosos, está em que o elemento metafísico provê o
fundamento da moral. A moral depende da religião e lhe dá o suporte real de que ela necessita.
Como a moral não é descritiva, mas normativa, diz como devemos agir ou que hábitos virtuosos
devemos cultivar, não sendo ela capaz de responder à questão sobre sua própria validade. Se
alguém pergunta por que deve ser moral, é preciso apontar para algo fora da moral, para a
realidade, para as coisas como elas realmente são. Devemos ser morais porque assim é o
mundo. Por exemplo, o cristão deve observar o decálogo porque Deus assim o quer, ou porque
Deus criou o mundo de tal forma que a inobservância dos princípios e regras morais afeta e
perverte toda a natureza.

Mas há outra alternativa de compreender a relação entre moral e religião, pela qual nenhuma
delas serve de razão ou fundamento da outra, embora permaneçam intimamente ligadas. A
religião não é uma forma mítica de impor regras morais, nem necessita a moral de um
fundamento religioso; ambas são autônomas, sem que isso implique qualquer moral ser
compatível com qualquer religião.

Religião e teologia
Muitas vezes, os termos teologia e religião são considerados como sinônimos. Contudo, convém
distingui-los para melhor compreender o fenômeno religioso. Teologia é um termo grego e
significa "conhecimento sobre Deus". Hoje em dia, é comum a distinção entre teologia natural e
teologia revelada. Teologia natural refere-se àquele conhecimento sobre Deus que se baseia na
experiência comum, quando, por exemplo, observamos o mundo ou quando consideramos nossos
sentimentos internos e na racionalidade, enquanto teologia revelada refere-se àquele
conhecimento sobre Deus que se baseia em alguma manifestação direta da divindade. E no que
isso difere de religião?

A diferenciação pode ser especialmente útil para aquelas religiões que têm um texto sagrado
e/ou uma tradição considerada normativa. Assim, religião consistiria no conjunto de verdades
reveladas (por exemplo, no cristianismo, que Deus é triúno, que Jesus é Deus encarnado) de
forma clara e não simbólica, enquanto teologia significaria a reflexão organizada e
sistematizada da revelação. Além disso, haveria os ritos e modos de vida eclesial (de igreja, ou
religião organizada). Assim, poder-se-ia manter um núcleo fixo e uma concepção progressiva da
experiência e reflexão religiosas, consideradas então como teologia. A religião não muda, mas a
teologia sim, especialmente no que se refere a suas relações com a ciência e a cultura.

A palavra Religião

Etimologicamente, o termo Religião surge na história da humanidade através dos autores


clássicos, como Cícero, Lactâncio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que
significa reler, re-ligare, que significa religar, e re-eligere, que significa reeleger. Todos os
conceitos nos dão a ideia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura
com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o Ser Superior, através de um
conjunto de crenças, normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões o fenômeno
religioso propriamente dito (KUCHENBECKER, 2000.).

Apesar de seguidamente ouvir-se que religião é coisa do passado, as menções acima indicam
uma direção contrária. Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-se com o
divino, aqui entendido no sentido daquilo que ocupa lugar de destaque ou o primeiro lugar na
vida.

Conhecimento Religioso

Ainda tentando responder à questão: o que é religião, podemos dizer que religião pode ser
considerada um batismo numa igreja cristã, um ritual sagrado nas águas do Rio Ganges, a
adoração num templo budista, um muçulmano ajoelhado e orando para o Alá ou os mesmos
devotos do Islã peregrinando a Meca, podendo igualmente ser um Judeu diante do Muro das
Lamentações em Jerusalém. São tantas as menções que seria impossível citar todas.

O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da religião procuram responder ao que as
atividades citadas acima têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores, investigar os
rituais de uma perspectiva externa. Buscamos semelhanças e diferenças. Queremos entender
como se dá o processo historicamente e o que isso representa para a sociedade hoje.

Por que estudar as religiões?


Dependendo da experiência de cada um, as respostas serão diferentes. Talvez você seja um
religioso e não precise de tantas explicações. Mas, com certeza, muitas pessoas ainda não se
deram conta da importância do assunto.

Jostein Gaarder, escrevendo O Livro das Religiões, nos ajuda a responder à pergunta acima:

Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bastante
significativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e
protestantes em conflito na Irlanda do Norte, cristãos contra muçulmanos nos Balcãs, atrito
entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budistas no Sri Lanka. Nos
Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo.
Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres
e destituídos do terceiro mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política
internacional sem que se esteja consciente do fator religião. (GAARDER)

Além disso, explica Gaarder, um conhecimento religioso também pode ser útil num mundo que
se torna cada vez mais multicultural. Ainda mais quando falamos em globalização, apesar de
que o termo deva ser usado com cuidado. Muitos de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao
exterior, entrando em contato com as diversas culturas religiosas. Estes povos têm costumes
diferentes que devem ser respeitados pelos seus visitantes. Se uma mulher estiver num país
muçulmano, por exemplo, terá que observar o tipo de roupa que usará nas ruas. É claro que não
precisará andar com uma Burca, mas terá que cobrir seu corpo com roupas decentes.

Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimento
pessoal do indivíduo. As religiões podem responder a várias das perguntas existenciais que
fazemos como: de onde viemos, o que somos e para onde iremos.

Tolerância religiosa

Este é um dos pontos mais importantes na nossa caminhada. Tolerância é o respeito pelas
pessoas que possuem diferentes pontos de vista em relação à religião. Não significa que
precisamos concordar com tudo o que as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais.
Cada um tem o direito de seguir aquilo que é melhor para si. Mas a tolerância não é compatível
com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças contra
quem não concorda conosco. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige
que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros (GAARDER).

O respeito pela vida religiosa dos outros, pelas suas opiniões e pontos de vista, é um pré-
requisito para a nossa aula de Cultura Religiosa. Sem isso, é impossível começar, pois:

Com frequência, a intolerância é resultado do conhecimento insuficiente de um assunto. Quem


vê de fora uma religião, enxerga apenas as suas manifestações, e não o que elas significam para
o indivíduo que a professa (GAARDER).

Sincretismo Religioso

No Brasil, é muito interessante falar sobre religião. Isto porque temos aqui uma pluralidade
religiosa bem interessante. Além disso, encontramos o que chamamos de Sincretismo Religioso.
Isso acontece quando misturamos elementos de várias religiões numa só. Sincretismo é o termo
que os historiadores denominam de fusão ou interpenetrações de religiões, ritos, crenças e
personagens cultuais. Os cultos afro-brasileiros são um exemplo comprovado de sincretismo
religioso. Queremos mostrar como isso acontece através da fala de um personagem sertanejo do
passado: Riobaldo Tatarana, do Grande Sertão: Veredas:

Quem sabe você conhece alguém que se identifica com este personagem. Nas aulas de Cultura
Religiosa, quando perguntamos se nossos alunos têm alguma religião, muitos respondem: Sou
Católico Apostólico Romano, não praticante. Isto significa que eles são Católicos por tradição,
mas não vão à igreja aos domingos. Muitos são católicos, mas não deixam de ir ao terreiro ou ao
Centro Espírita. Essa é uma marca da religiosidade brasileira, um país de múltiplas e variadas
crenças, que coexistem e convivem num clima de certa tranquilidade.
Conclusão

É importante ressaltar aqui a questão da tolerância. Religião sem o devido respeito perde o
sentido. Não é possível pregar algo e praticar outra coisa. Por outro lado, a experiência religiosa
é importante na vida de todo o ser humano. Se você ainda não passou por isso, busque entender
um pouco mais do assunto. Leia e reflita sempre.

CATÃO, Francisco. O fenômeno religioso. São Paulo: Ed.Letras e Letras, 1995.

GAARDER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.

KUCHENBECKER, Walter (org.). O Homem e o Sagrado. 5.ª ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
Introdução

Problematizar a Cultura Religiosa como objeto de estudo acadêmico nos remete


inevitavelmente ao debate histórico entre ciência e religião, no qual também se insere a
discussão entre as relações possíveis entre fé e saúde. O capítulo pretende apresentar um
panorama geral desse debate e aprofundar um subtema, que é o fenômeno da religiosidade
popular conhecido como possessão e exorcismo. Este será analisado sob múltiplas perspectivas,
demonstrando como um mesmo fenômeno pode ser compreendido e interpretado de diferentes
formas, dependendo dos pressupostos que embasam cada uma das explicações. Serve, por isso,
de parâmetro para tantos outros fenômenos no campo da religião que precisam ser analisados
igualmente sob diferentes pontos de vista.

Um das áreas mais instigantes e polêmicas da atualidade é a relação entre religião e ciência ,
fé e saúde, medicina e espiritualidade. Mesmo que essa relação seja muito antiga - em
inúmeras culturas a doença e a cura eram experiências que ficavam ao encargo dos sacerdotes,
dos pajés e dos xamãs -, nos dias de hoje se tem discutido muito quais são os limites de cada
uma das duas áreas. Apesar de haver correntes que veem aí oposição total, tensão constante ou
crítica mútua, outra corrente procura caminhar no sentido de propor uma perspectiva
convergente ou integralista de ambas as áreas, sem desrespeitar as especificidades de cada uma
delas.

Um dos temas que melhor podem exemplificar essa relação ou controvérsia entre religião e
ciência versa sobre o embate entre o Criacionismo Bíblico e a Teoria Evolucionista de Charles
Darwin, que tem gerado posicionamentos por vezes arbitrários de ambas as partes. Opta-se
nesse capítulo por tratar de um tema um pouco menos dualista, que é a relação entre
espiritualidade e saúde.

No artigo de Horta se afirma:

A partir de Einstein, reduziram-se, um a um, os impedimentos de cercania para ciência e


religião, a ponto de João Paulo II afirmar que religião sem ciência não é boa religião, bem como
ciência sem religião não é boa ciência. Uma posição convergente com a do sumo pontífice foi,
recentemente, tomada pela Organização Mundial da Saúde (1998), ao ter acrescentado a
dimensão de bem-estar espiritual ao seu conhecido conceito multidisciplinar de saúde, que,
como se sabe, só entendia uma condição de saúde se existisse a presença de bem-estar nas
dimensões físicas, psíquicas e sociais. (HORTA et al., Psiquiatria na prática médica, a
religiosidade e suas interfaces com a medicina, a psicologia e a educação, 2007)

É possível afirmar que o acréscimo da dimensão espiritual/religiosa à concepção de saúde


integral constitui um aspecto que aponta para uma valorização dessa área no campo das
ciências da saúde. Trata-se de um marco decisivo na aproximação e entrelaçamento da ciência
com a religião ou, de forma mais específica, com a espiritualidade humana.

Dois trabalhos de cunho científico, entre tantos outros que poderiam ser citados, indicam essa
aproximação. O primeiro deles é a tese da psicóloga gaúcha Luciana F. Marques, realizada pela
PUCRS, em que ela procura comprovar que a religiosidade e o bem-estar existencial são fatores
importantes para os indivíduos terem uma melhor saúde física e mental. Em sua pesquisa, as
pessoas que afirmaram não ter religião, em geral, foram as que demonstraram menor bem-estar
existencial.

O segundo trabalho é oriundo da Universidade do Texas e foi citado pela Revista Veja de
08/12/1999. Ele aponta para o fato de que a espiritualidade possui relação direta com
disposição física e mental. As pessoas que praticam uma religião apresentam melhores
condições de saúde. Os maiores ganhos são de fundo psicológico, visto que os religiosos têm
autoestima maior e um círculo de amizades com o qual têm afinidades, prevenindo doenças de
fundo emocional.

Num mesmo caminho, as faculdades de Medicina dos Estados Unidos já têm dado espaço à
relação entre a espiritualidade e a saúde na formação acadêmica de seus alunos. Vários
simpósios, congressos, palestras e cursos na área da saúde também vêm enfocando essa questão
nos últimos anos, o que demonstra o aumento de interesse e preocupação dos profissionais no
sentido de, ao menos, refletir sobre a temática.

Há algum tempo, trabalhos e afirmações que aproximassem a espiritualidade da ciência


pareceriam ideias sentidas como completamente ilegítimas e estranhas aos preceitos religiosos
e científicos, tal como explica Horta.

Ciência e religião eram campos historicamente opostos, pelo menos, na cultura do ocidente. O
apego da cultura ocidental por um pensamento linear (causalista e simplificador) e seu
encantamento pelos avanços tecnológicos e sua crença numa filosofia empirista - em síntese, a
adição ocidental ao positivismo estrito - configuram um conjunto de condições que,
provavelmente, proporcionaram o isolamento e estimularam os conflitos entre religiosidade e
pensamento científico (HORTAet al., 2007).

Para os autores supracitados, defender o pensamento de que a religiosidade de uma pessoa


influencia não apenas seu espírito, mas também seu corpo, sua mente e sua interação com os
outros, já causa bem menos estranheza nos dias de hoje, mesmo que tal concepção ainda
permaneça gerando desconfiança e inquietação em muitos meios acadêmicos.

A partir dessa exposição inicial que introduz o tema, passamos a descrever alguns percursos
históricos trilhados na relação entre ciência e religião, fé e saúde.

Ciência e religião: palco histórico de batalhas

Não há como negar que Ciência e Religião são duas “instituições” detentoras de grande força e
poder. Estas duas forças foram, aos poucos, se colocando em posições opostas e antagônicas,
sendo que o início de seu confronto já data de alguns séculos atrás. Fatos como a retratação
forçada de Galileu ao propor sua teoria heliocêntrica e a morte de Giordano Bruno, ambas
patrocinadas pela Inquisição na Idade Média, exemplificam o cenário conturbado que abrange a
histórica relação entre estas duas áreas.

A Religião, por um longo período da história, deteve o controle quase total e absoluto de toda a
produção de conhecimento. A Igreja abrigou em seus mosteiros e conventos inúmeros cientistas
e pesquisadores ao longo dos séculos. Não que a igreja fosse a (única) fonte produtora de todo
conhecimento, mas era através dela que o conhecimento produzido era filtrado e transmitido.
Havia, assim, um claro cerceamento de tudo aquilo que pudesse pôr em risco as convicções,
crenças e dogmas da religião dominante. Tal época não existe mais. Desde o Iluminismo até os
dias atuais, a religião vem sendo, gradativamente, destituída desse poder, sendo relegada a um
papel decorativo no que tange ao controle da produção do conhecimento científico. O seu poder
agora circula, especialmente, pela esfera espiritual e moral das sociedades.

Segundo o teólogo Gerd Theissen, a modernidade depôs o regime de autoridade e poder que
estava instituído há séculos, dominado pela religião. Se antigamente a religião estava no
governo e a ciência era a oposição, nos dias de hoje se verifica exatamente o inverso (Gerd
Theissen citado por Gottfried BRAKEMEIER, p. 10). Portanto, o grande poder do século XXI está
nas mãos não mais da Igreja ou da religião, mas da ciência, a ponto do teólogo protestante
Brakemeier afirmar a inversão da ordem:

O fulminante dinamismo da ciência acabou atribuindo-lhe, por sua vez, a aura de uma religião.
A ciência tornou-se, ela própria, objeto de fé. Ela ultrapassou a religião tradicional e constitui-
se no credo da pessoa moderna. (Gottfried BRAKEMEIER. p. 18)

Ao definirmos ambos os conceitos, ciência e religião, fica notório que são dois tipos de
conhecimentos bastante distintos. Há uma diferença epistemológica significativa entre ciência e
religião, sendo dois modos diferentes de conhecer o mundo e o ser humano, que envolvem tanto
a fonte do conhecimento quanto os critérios de verificação de cada uma. Para a religião,
especialmente a Ocidental, a fonte é uma revelação transcendente e os critérios de verificação
advêm desta revelação (nela se inserem Cristianismo, Judaísmo e Islamismo). Já para o
conhecer científico a fonte é a força natural da razão e dos sentidos, sendo que os critérios de
verificação são fornecidos por procedimentos empíricos guiados pela lógica. (Geraldo José de
PAIVA, p.16)

Tipologias e modelos de interação entre ciência e religião

Há várias tipologias que procuram estabelecer modelos de interação entre ciência e religião.
Uma das mais utilizadas é a do físico Ian Barbour, que estabelece quatro modelos de relação
entre ciência e religião. Vamos a uma breve descrição das mesmas. (Ian Barbour, citado por
Robert John RUSSEL e Kirk Wegter-Mc NELLY, p.46-7)

O primeiro modelo é o do conflito. Neste modelo, há uma atitude quase bélica entre duas
correntes: o materialismo científico de um lado e os literalistas bíblicos de outro. Não há pontes
possíveis. O materialismo afirma que o mundo é composto apenas de matéria e que a ciência é o
único meio de obter o conhecimento verdadeiro, sendo a religião inútil para se obter algum
conhecimento de valor sobre o mundo ou sobre a humanidade. Em contraposição, os literalistas
bíblicos defendem que a Bíblia precisa ser compreendida literalmente e que é a única fonte de
conhecimento verdadeiro sobre o mundo, o ser humano e Deus. Encaram a ciência como um
desafio à fé bíblica e praticamente descartam tudo o que brota do meio científico, se esse
conhecimento colocar em risco alguma das verdades bíblicas.

Laplace, destacado matemático e físico francês do início do século XIX, traduz bem a posição
desta corrente interpretativa da ciência frente à ideia religiosa. Ao ser perguntado por Napoleão
Bonaparte sobre onde colocaria Deus ao apresentar sua teoria cosmogônica, Laplace responde:
“Excelência, essa é uma hipótese inútil”. Desta forma, coloca a razão como a única fonte do
saber e desconsidera totalmente a hipótese divina, fazendo da própria razão científica a única
fonte de "reverência e referência", num status quase divino da ciência.

GRÁFICO TEXTO
Analisando o modelo conflito pelo lado da religião, os fundamentalistas
bíblicos criticam a ciência, especialmente pelo fato desta desconsiderar
MODELO os relatos bíblicos, interpretados literalmente, acusando a ciência de
querer “brincar de Deus”. A ciência é vista como uma ofensa ao discurso
DE CONFLITO dogmático religioso, da qual as religiões não querem ou, no seu entender
fundamentalista, não podem abrir mão.

Para Brakemeier, a convivência inamistosa ao longo da história criou uma


relação de suspeita recíproca entre ciência e religião:

“A religião temia a destruição da fé mediante a racionalidade científica,


enquanto a ciência se defendia contra o perigo de ver restrita sua
liberdade pela religião ou até mesmo de ver prescritos os resultados de
suas investigações”.[1]
MODELO DE O segundo modelo de Barbour é o da independência. Este modelo afirma
INDEPENDÊNCIA que não pode haver interação ou diálogo entre as duas áreas, porque
ambas utilizam métodos de investigação contrastantes bem como
linguagens distintas. Uma baseia-se na razão e em fatos, tendo um
caráter de objetividade; a outra baseia-se na fé e em valores, sendo de
caráter subjetivo. Seria como duas retas paralelas que não se tangenciam
em momento algum, permanecendo isoladas sem nenhuma contribuição
mútua entre elas.

Segundo Johannes Kepler, astrônomo e teólogo, um dos mais renomados


cientistas do século XVI, seria abusar da Bíblia querer deduzir dela
informações científicas. Para Kepler, a Bíblia trata de assuntos relativos à
salvação e não de informações científicas sobre a natureza.[2] Kepler,
portanto, parece exemplificar o modelo da independência entre as duas
áreas, proposto por alguns estudiosos.
MODELO DE O terceiro modelo é o do diálogo. Para Barbour este modelo pressupõe
DIÁLOGO alguns paralelos metodológicos entre as duas áreas, bem como questões
que não são respondidas pela ciência e podem ser auxiliadas pela religião,
especialmente referindo-se às questões existenciais do ser humano.
Diante da morte, portanto, a religião, fé e espiritualidade encontram
ampla aceitação por parte da ciência médica, especialmente no que
tange ao aplacar da angústia do doente e na inserção da dimensão da
esperança.[3]
MODELO DE O quarto modelo proposto por Barbour é a integração, que envolve a
INTEGRAÇÃO teologia natural (o mundo revela aspectos sobre Deus), a teologia da
natureza (que incorpora as descobertas da ciência que auxiliam a
reformular a teologia à luz destas descobertas) e a síntese sistemática
(que combina ciência e teologia numa única estrutura).[4] Talvez esse
modelo seja quase idealista, sendo dos quatro tipos de integração o mais
desafiante.

[1] Gottfried BRAKEMEIER. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?, p. 17

[2] Apud Gottfried BRAKEMEIER. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?, p. 16

[3] Ian Barbour apud Robert John RUSSEL e Kirk Wegter-Mc NELLY. Ciência e Teologia: interação
mútua. In: Ted Peters e Gaymon Bennet (orgs).Construindo pontes entre a ciência e a
religião, p.46-7

[4] IBIDEM, p. 46-7

Medicina e religião: as origens mítico-religiosas da ciência médica

Quando se trata da saúde humana é possível verificar-se que tanto a religião/espiritualidade


quanto a ciência só têm a ganhar quando se dispõem a dialogar a respeito do conhecimento
oriundo de cada uma delas.

Olhando para as origens dos povos e civilizações, percebe-se que há uma íntima associação
entre a religião e a medicina. As duas áreas estavam simbioticamente ligadas na sua origem,
sendo as funções de médico e religioso, curandeiro ou sacerdote, desempenhadas normalmente
pelo mesmo indivíduo. Mais do que a tipologia da integração, poderíamos afirmar que havia um
modelo de fusão entre as duas áreas.

Para Botsaris, a medicina, antes de ser ciência, é um produto da cultura humana. Como a arte
de curar, ela está presente desde as civilizações mais rudimentares, no momento em que surgiu
a necessidade de alguém assumir a tarefa de curar as pessoas, auxiliando-as a lidar com a dor,
com a incapacidade física, bem como frente à angústia suscitada pela doença e morte. Desta
forma, criaram-se os primeiros “sistemas médicos”, que, nas culturas mais antigas, estavam
ligadas aos sacerdotes e líderes religiosos, como xamãs, pajés, druidas, feiticeiros e
curandeiros, que exerciam ambas as funções, tanto as de religioso como as de médico ou
curandeiro. (BOTSARIS, Alexandros Spyros, p.57)

Maffei, ao definir medicina, aponta para as mesmas origens antropológico-culturais, afirmando:

A medicina é considerada uma arte e uma ciência ao mesmo tempo, sendo considerada um ramo
da Biologia. Se indagarmos: Como e como apareceu a medicina?, verificaremos que a Medicina
nasceu com o homem; de fato, desde o seu aparecimento sobre a Terra, o Homem foi vítima ou
testemunha do sofrimento e, por isso, sempre procurou observar as doenças que o afligiam e
dar-lhes os remédios. (MAFFEI, 1978)

A partir destas duas afirmações, começamos a verificar como a relação entre a prática médica e
a dimensão religiosa-espiritual é marcada pela indiferenciação na sua origem, até porque não
havia ciência como a conhecemos hoje.

Landmann aponta para algumas destas relações ao citar dois deuses. O primeiro é o deus médico
Imhotep, da mitologia egípcia. Já o segundo é um dos deuses gregos mais populares, Esculápio,
o deus da medicina. Aponta para o fato de que no Antigo Testamento, texto sagrado tanto para
judeus como para cristãos, Deus também assume o poder de curar, como diz o livro de Êxodo
“Eu sou o Deus que te cura” (Êxodo 16.26). Portanto, para Landmann, todo carisma, divindade e
santidade dos médicos tem seu nascedouro numa concepção religiosa ou mágica, independente
de sua origem judaica, cristã, muçulmana ou mesmo pagã. (LANDMANN, p.14-15)

Surge então uma pergunta de fundo histórico: a quem pertence o domínio dos processos que
controlam a saúde e a doença? Ela é fruto de alguma área específica? Historicamente falando,
parece ser difícil estabelecer a quem pertencia a cura das doenças. O templo de Epidauro, por
exemplo, ficou famoso na história por dedicar aos doentes tanto cuidados corporais quanto
espirituais, sendo também responsável pelos primeiros registros clínicos dos pacientes, ao
registrar notas sobre o histórico e evolução do tratamento de cada doente. Ali, portanto, parece
começar a haver uma transição entre a simples teurgia (magia baseada na relação com os
espíritos celestes) e a medicina um pouco mais objetiva e científica.

Uma curiosidade na relação entre medicina e religião está no símbolo da medicina, o bastão de
Esculápio (ou Asclépio), que retrata um cobra enrolada num bastão. É curioso observar que não
só na cultura grega, mas também na cultura judaico-cristã há um relato que aponta para
imagem da serpente enrolada num bastão como símbolo da cura, que é a passagem bíblica de
Números 21.7b-9, que diz:
Moisés orou ao Eterno em favor do povo, e ele disse: - Faça uma cobra de metal e pregue num
poste. Quem for mordido deverá olhar para ela e assim ficará curado. Então Moisés fez uma
cobra de bronze e pregou num poste. Quando alguém era mordido por uma cobra, olhava para a
cobra de bronze e ficava curado. (A BÍBLIA na Linguagem de Hoje. Números 21.7-9)

A partir dos relatos acima, seria impróprio ignorar a íntima relação ou origem da medicina com
histórias religiosas ou mitologias. É na busca do significado dos símbolos que se consegue
compreender a própria história. Assim, a medicina não deveria se furtar a este olhar que
desvela a sua própria essência, que é a arte da cura e promoção de saúde, ligada
historicamente a templos, ritos religiosos e sacerdotes.

Outro passo importante que aponta para a relação entre ciência-religião e medicina-
espiritualidade está ligado ao nascimento dos hospitais no Ocidente, demarcados pelo advento
do Cristianismo. A filosofia cristã de amor ao próximo contribuiu significativamente para a
criação dos hospitais, sendo que o primeiro deles, uma entidade assistencial, foi criado em 360
da Era Cristã, em Óstia, próximo a Roma, Itália, com a finalidade básica de restaurar a saúde e
prestar assistência aos doentes (CAMPOS, p. 16-7).

Nomes importantes nesta nova etapa da criação de hospitais cristãos são os de Constantino e
Justiniano. Constantino por ter decretado, em 335 da Era Cristã o fechamento de instituições
médicas de origem pagã grega, estimulando a criação de hospitais cristãos. Justiniano, por sua
vez, colaborou decisivamente para a construção do grande hospital de São Basílio, em Cesareia,
no ano de 369 da Era Cristã, hospital este dedicado aos doentes velhos e órfãos. No ano de 370
foi construído o hospital católico de Constantinopla e, por volta do ano 500 da Era Cristã, a
maioria das grandes cidades do Império Romano já possuíam hospitais cristãos. A criação da
enfermagem, inspirada pela religião, passou a ser constituída de pessoascarinhosas e dedicadas,
porém os ensinamentos médicos de Hipócrates e outros estudiosos foram sendo abandonados por
suas origens pagãs, fazendo retornar o misticismo e a teurgia, ambos notadamente de influência
cristã (Enciclopédia Mirador Internacional,Volume IV, p. 5856).

Já entre os séculos V e XI a Medicina estava sendo conduzida quase como um monopólio da


Igreja Cristã, e seus praticantes eram, de fato, os religiosos (FILHO, p. 99-100). Na Idade Média,
a influência da Igreja permaneceu no estabelecimento e manutenção de hospitais, porém estes
se mantinham, fundamentalmente, como instituições eclesiásticas e não médicas. Com as
Cruzadas, um novo impulso de desenvolvimento atingiu os hospitais, motivado também pelas
doenças e pestes que dizimavam milhares de pessoas neste período da história ((Enciclopédia
Mirador Internacional,Volume IV, p. 5856).

Um fato que interferiu significativamente no contexto dos hospitais religiosos aconteceu no


século XI, quando o Concílio de Clermont proibiu os clérigos de exercerem a Medicina e de
participarem de cirurgias e intervenções médicas que envolvessem derramamento de sangue.
Tal proibição se deu pelo receio de que os monges estivessem por demais afastados de seus
votos religiosos por razão de seus deveres médicos. Colocou-se aí um ponto final à prática
religiosa médica que se arrastara por mais de seis séculos (FILHO, p. 101).

Na época do Renascimento (séculos XV e XVI) a medicina teve um grande avanço, apesar de que
a Igreja continuava a condenar grande parte das pesquisas científicas que envolviam o ser
humano (mesmo pesquisas em cadáveres). Porém, na busca de compreenderem melhor o
funcionamento do corpo humano, os médicos da época começaram a tentar explicar as doenças
através de estudos científicos e testes de laboratório.

Há certo consenso de que a descoberta de técnicas experimentais de pesquisa no século XVII


encaminhou uma aproximação aos fenômenos do mundo físico, distinguindo-as definitivamente
da visão religiosa e teológica (PAIVA, p.13). A descoberta de William Harvey do sistema
circulatório do sangue, por exemplo, auxiliou muito no desenvolvimento da anatomia e fisiologia
humanas. Com esta e outras descobertas, aos poucos, a desapropriação da religião como lugar
de cura e cuidado físico ficou mais clara, passando a ser quase uma exclusividade da ciência
médica.

Mediações da saúde e religião na atualidade

Mesmo na atualidade, é possível arrolar diversos exemplos em que a medicina e religião estão
intimamente associadas. Como aponta Botsaris, em grupos socialmente desassistidos, que não
têm acesso ao sistema de saúde, indivíduos oriundos de grupos religiosos assumem a função de
médicos e curadores. Entre estes podem ser citados os raizeiros, as rezadeiras ou benzedeiras,
os médiuns no espiritismo e na umbanda, os pais e mães de santo do candomblé
(BOTSARIS, p.58) e até mesmo os pastores de cultos pentecostais e neopentecostais, que
prometem a cura de males e doenças em cultos de cura e libertação.

Inversamente, segundo Botsaris, sempre que um médico está atendendo estabelece-se um


contexto mágico que transcende a questão científica. O paciente despe-se, literal e
emocionalmente diante do médico, solicitando, mesmo que de forma inconsciente, o auxílio de
uma força “sobrenatural” para vencer o obstáculo da doença. Diz Botsaris acerca do ato médico
sobre o paciente:

Nesse momento, entra-se num universo paralelo extremamente amplo. É como se cada xamã,
pajé ou druida, enfim, todo o contexto simbólico da atividade médica, associado ao
conhecimento científico e tecnológico, estivesse presente no instante da consulta, sintetizados
na figura do médico. (...) A atuação do médico, e mesmo a própria evolução científica e
tecnológica do sistema, depende deste arcabouço conceitual e simbólico. (BOTSARIS, p.58)

Porém, é notório que o médico faz questão de se afastar da figura de curandeiro de tantas
culturas, revestido pelo segredo das forças mágicas. Ele faz questão de dizer que é um homem
da ciência, isto é, de que conhece o motivo pelo qual uma determinada técnica de cura tem
êxito, bem como de que entende a relação de causa e efeito (GADAMER, p. 40).

A partir desse breve exposição da relação histórica entre religião e ciência, medicina e
espiritualidade, poder-se-ia afirmar, como diz Paiva, que “religião e ciência podem, portanto,
conviver, e se alguma vez houve empecilho religioso à ciência, isso se deveu à falta de
esclarecimento" (PAIVA, p. 91).

Para trazer essa temática a uma situação concreta, vamos passar agora a analisar um dos
tantos fenômenos religiosos que podem ser interpretados de uma forma interdisciplinar,
apontando justamente para os diversos tipos de relações existentes entre religião e ciência,
medicina e espiritualidade.

Análise de um fenômeno religioso: doença mental ou possessão? Uma interpretação de práticas


de libertação espiritual e exorcismo numa ótica multidisciplinar

Quem de nós já não ouviu falar de filmes como O Exorcista (1973) ou, mais recentemente, O
Exorcismo de Emily Rose (2005)? Ou, ainda, quem de nós já não ouviu falar de cultos de
libertação, sessões de descarrego ou então de pessoas que afirmaram estar "com um encosto" ou
nas quais "baixou o santo"? Transe religioso, mundo dos espíritos ou apenas transtornos mentais?

Todos esses exemplos apontam para um fenômeno que vamos chamar aqui, genericamente, de
possessão. Importa afirmar, desde o princípio dessa discussão, que esse é um tema controverso,
e que estamos cientes de que há diversas formas de nominar e significar o fenômeno,
dependendo do viés religioso ou científico de cada grupo, que constrói a sua própria
nomenclatura e interpretação do fato.

Desde o início da história humana, há indícios de que sofrimento e doença eram considerados
fruto de uma força externa maligna, que atuava negativamente sobre os corpos e as mentes das
pessoas. As curas eram ministradas por meio da expulsão dessa força maligna do corpo do
indivíduo, em práticas que denominaríamos hoje de exorcismos, realizadas por inúmeras tribos
ao longo da história.

Portanto, a ideia do mal, de espíritos ruins ou de "pouca luz", de demônios que atuam no plano
físico e atormentam os seres humanos não é privilégio do mundo cristão, embora a sociedade
ocidental seja muito influenciada pelo cristianismo e sua ideia do mal.

De um modo geral, o que se entende por possessão? Para o cristianismo, demônios são espíritos
ou poderes espirituais contrários a Deus e cujas fileiras são compostas pelos chamados anjos
caídos, que acompanharam Lúcifer na rebelião contra Deus.

Caracterizando de modo geral uma possessão, um ser humano que está "possuído" por uma
dessas entidades espirituais maléficas acaba perdendo sua identidade pessoal bem como sua
liberdade de pensamento e ação, ficando alienado de si mesmo e sob o controle total do
espírito do mal. Normalmente, uma possessão demoníaca é acompanhada de um
comportamento violento e destrutivo contra si mesmo, contra os outros e contra o ambiente.

Para que se levante a possibilidade de um diagnóstico positivo de possessão, é necessário que


um indivíduo apresente, de forma clara e significativa, uma série de sintomas, indicados na
tabela a seguir, levando-se também em conta nesse diagnóstico a frequência, a duração e a
intensidade dos sintomas. O filme Stigmata (1999), mesmo que não trate da questão da
possessão, traz cenas que praticamente sintetizam todos os sintomas descritos neste texto,
dando uma visão concreta (mesmo que exagerada) do que aqui estamos tratando.

FÍSICOS PSÍQUICOS ESPIRITUAIS


Força sobre-humana Clarividência Caráter imoral (profanidade,
nudez, linguajar obsceno...)
Expressãofacial alterada Telepatia Ameaça verbal ou física a tudo
que representa
Cristo/cristianismo
Mudança na voz Habilidade para predizer o Entrar em estado de transe
(aspereza, zombaria, futuro quando alguém ora
rouquidão...)
Convulsões, prostração Habilidade para falar em Incapacidade de confessar Jesus
línguas estrangeiras de forma reverente
desconhecidas da pessoa
possuída
Insensibilidadeà dor Estado de transe Fenômenos poltergeist (ex.:
ruídos inexplicáveis, telecinesia,
odores desagradáveis...)
Mt 8.28; At 19.16; Lc At 16.16-18; Mc 1.21-24, 34; At 13.4-11; Mc 5.1-5; Lc 9.41s; 1
4.33; Mc 9.18-22; 5.1-5 Lc 4.33; 1 Sm 18.10; Mc 9.18- Jo 4.1-6; 1 Co 12.3; 1 Sm 18.10
22

Fonte: Oropez, 2000. p. 131.

É prudente afirmar, porém, que a ciência já consegue provar que muitos desses sintomas podem
ser explicados à luz da fisiologia humana. Em momentos de muita tensão o indivíduo pode obter
extrema força e insensibilidade à dor em função de grandes descargas de adrenalina.

Wegner, ao abordar essa temática, faz referência aos critérios que a Igreja Católica Apostólica
Romana levanta para indicar uma possível possessão, descritos no Rituale Romanum (escrito
séculos atrás). São eles (WEGNER 2004, p. 126):

o possesso deve falar diversas palavras de uma língua estranha ou entender o que alguém
diz numa língua desconhecida;
deve ser capaz de relatar fatos secretos ou acontecidos em lugares distantes;
deve demonstrar forças que excedam a sua idade e transcendam a possibilidade de que a
natureza humana dispõe.

Diante desse tema, que desperta inúmeras dúvidas sobre a etiologia (de onde surgem) dos
sintomas, segue uma série de possíveis interpretações para o fenômeno, que transversalizam a
medicina e a religião.

Doença, espíritos ou apenas fraude? Diferentes interpretações da possessão

Interpretação bíblico-cristã - As Igrejas cristãs têm como fonte de suas doutrinas a Bíblia
Sagrada, enfatizando, de modo especial, o Novo Testamento. A partir desse pressuposto,
as religiões cristãs admitem a existência e a ação de seres espirituais maléficos,
chamados de demônios. Há muitos textos bíblicos que mostram Jesus Cristo e também os
seus discípulos expulsando demônios. Há, porém, diferenças entre as Igrejas cristãs
tradicionais (católica, luterana, batista, metodista, presbiteriana etc.) e as
pentecostais/neopentecostais (Deus é Amor, Universal do Reino de Deus etc.) no que
tange à prática de rituais exorcistas e à própria interpretação do que pode ser
considerado possessão demoníaca. Logo a seguir, trataremos desse aspecto.
Interpretação desmitologizante - Baseia-se na parapsicologia, que procura diferenciar
fenômenos verdadeiros daqueles que não o são, desmascarando e desmistificando fraudes
e truques. Os fenômenos verídicos podem ser produtos de uma mente perturbada, fruto
de uma psicorragia, isto é, uma energia mental que foge ao controle voluntário humano,
gerando fenômenos paranormais que se fazem presentes no indivíduo e no ambiente em
que ele se encontra, tais como tiptologia, telecinesia, xenoglosia, glossolalia,
clarividência etc. Essa linha de interpretação tem como representante conhecido no
Brasil o padre Oscar Quevedo.
Interpretações psicológico-psiquiátricas - As possessões são interpretadas como casos de
transtornos mentais. A psiquiatria, ao descrever as psicoses e as esquizofrenias, elenca
uma série de sintomas que se aproximam dos relatados nas possessões espirituais, como
delírios, alucinações visuais, auditivas, táteis, entre outras. Podemos ainda citar crises
histéricas, dissociações de personalidade e até mesmo crises de epilepsia e convulsões,
que, muitas vezes, foram e ainda são confundidas e interpretadas por alguns religiosos
como possessões. O psiquiatra Rogério Zimpel afirma que os transtornos dissociativos
talvez sejam o grupo de perturbações mentais que mais se confundam com os fenômenos
espirituais, englobando o transtorno de personalidade múltipla (ou dissociativo de
identidade) e ainda o transtorno de despersonalização. É importante afirmar que ainda
existe pouca literatura psiquiátrica e psicológica que trabalhe simultaneamente com os
dois paradigmas, a saber, o psíquico/científico e o espiritual/religioso (ZIMPEL, 2004, p.
79).
Interpretações sociológicas - Nessa interpretação, as possessões são vistas como
comportamentos de protesto por parte de pessoas oprimidas, que não têm condições de
buscar ajuda de cunho profissional, como médicos psiquiatras, psicólogos e outros
terapeutas. Tais indivíduos encontram em igrejas um lugar de livre expressão de sua
condição de opressão e que serve também de espaço terapêutico para elas.
Fenômenos catárticos - Outra interpretação, ligada à anterior, afirma que os fenômenos
observáveis numa possessão nada mais são do que uma descarga externa de muita
opressão, sofrimento e violência reprimida, cuja expressão livre é favorecida pelo
ambiente sugestivo do culto. São os "demônios internos" de um indivíduo, o conjunto de
muitas frustrações que são externalizados, numa catarse que pode ser individual ou
coletiva.
Fraude - Uma das interpretações aponta o fato de que algumas igrejas podem fazer uso
de estratégias teatrais para gerar espanto e admiração do público, treinando indivíduos
para se fazerem passar por endemoniados. Pressupõe má-fé e falta de ética de religiosos.

Não é possível, a priori, dizer qual das interpretações é a mais acertada, até porque cada
situação deverá ser analisada individualmente, podendo ser qualquer uma das propostas aqui
apresentadas.

Visões religiosas diferentes da possessão

Vamos examinar como as diversas religiões tratam do fenômeno que, mesmo não sendo o
mesmo em cada uma delas, estruturalmente se mostra muito semelhante.
A prática do exorcismo nos dias de hoje

Há dois tipos básicos de exorcismo praticados nos dias atuais: o público e o privado.
Um aspecto que chama a atenção dos estudiosos das religiões é o fato de que a manifestação
dos demônios é quase inexistente nos cultos e nas missas tradicionais (não pentecostais ou
carismáticas). Ao compararmos tais eventos com as sessões de descarrego ou libertação, em que
prolifera a manifestação dos casos de possessão, fica em aberto uma grande pergunta: por que
há essa grande diferença?

Entre as possíveis respostas, poderíamos citar: o clima sugestivo dos cultos de libertação, a
quase conjuração à manifestação das possessões nesses cultos e o estado psicoemocional do fiel
que vai a uma sessão de descarrego.

Uma fala de um pastor batista no programa Documento Especial, da extinta Rede Manchete, no
ano de 1989, traduz um pensamento sóbrio a respeito do tema. Mesmo admitindo a
possibilidade e a ação dos demônios sobre a vida das pessoas ele afirma: "Eu acho que muitas
igrejas estão se preocupando demais com os demônios e se esquecendo do principal, que é
Jesus Cristo".

É o anúncio do amor, do consolo, da proteção em Deus que precisa ocupar o centro da


mensagem cristã, e não insistentemente o medo ao demônio. Como diz a Bíblia, "se Deus está
do nosso lado, quem nos vencerá? (...) Em tudo isso, temos a vitória por meio daquele que nos
amou. Pois eu tenho a certeza de que nada nos pode separar do amor de Deus: nem a morte,
nem a vida; nem os anjos, nem outras autoridades ou poderes celestiais; nem o presente, nem o
futuro; nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo. Em todo o universo não há nada que
nos possa separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, nosso Senhor.
(Romanos 8.31, 37-39)

Conclusão

Voltamos a afirmar que tratar desse tema exige prudência, sem abrir mão de um olhar crítico e
interdisciplinar, respeitando-se sempre os diversos pontos de vista e interpretações trazidos
pelos diferentes grupos, científicos e/ou religiosos.

Não queremos aqui emitir juízos de valor ou desconsiderar algumas das interpretações, até
porque a verdade religiosa é uma questão subjetiva, que implica fé e que transcende uma
análise lógica e racional dos fatos.

Muitas ainda poderiam ser as questões a serem discutidas dentro dessa temática, como, por
exemplo, as possíveis consequências para os indivíduos que se submetem aos rituais do
exorcismo, bem como o efeito terapêutico ou neurotizante de tais rituais. Mas isso implicaria
outro estudo, que não é o objetivo desta breve análise do fenômeno possessão.
BONÉ, Édouard. Deus – Hipótese inútil? São Paulo: Edições Loyola, 2003.

BOTSARIS, Alexandros Spyros. Sem anestesia: o desabafo de um médico/ Os bastidores de uma


medicina cada vez mais distante e cruel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

BRAKEMEIER, Gottfried. Ciência ou religião: quem vai conduzir a história?São Leopoldo:


Sinodal, 2006.

COLLINS, Francis S. A linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências de que Ele


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GAARDNER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo:
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GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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CAMINHOS DA MEDICINA OS CONSTRUTORES DA MODERNA MEDICINAJoffre M. de REZENDE XV
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WULFHORST, Ingo (org). Espiritualismo/espiritismo: desafios para a igreja na América Latina.


São Leopoldo, RS: Sinodal; Genebra: Federação Luterana Mundial, 2004- (FLM estudos).

Introdução

O presente capítulo apresentará um grupo de religiões orientais, algumas delas expressivas


também no Ocidente. Elas serão apresentadas na seguinte ordem: o Hinduísmo, o Budismo, o
Confucionismo, o Xintoísmo e o Taoísmo. Mesmo que pareçam muito distantes da realidade
brasileira, o mundo globalizado e sem fronteiras em que vivemos tem permitido que as mesmas
cheguem até nós. Elas acabam se fazendo presentes em influências e expressões culturais,
artísticas ou educacionais, bem como embasando algumas crenças do campo religioso
espiritualista moderno brasileiro.

HINDUÍSMO

Ronaldo Steffen

História

O passado

As origens do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano de 1500 a.C. e o
ano 200 a.C., quando os chamados arianos ("nobres") começaram a subjugar o vale do rio Indo.
As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-europeias, como a grega,
romana e germânica. Sabemos disso pelos chamados hinos védicos (da palavra veda, que
significa "conhecimento"), que eram recitados por sacerdotes durante os sacrifícios aos seus
muitos deuses. É o chamado período védico do hinduísmo.

O sacrifício era importante para o culto ariano. Faziam-se oferendas aos deuses a fim de
conquistar seus favores e manter sob controle as forças do caos.Achados arqueológicos no vale
do rio Indo indicam que houve uma civilização avançada na Índia, anterior à chegada dos indo-
europeus, e é certo que essa civilização também contribuiu para o hinduísmo moderno.

A época conhecida como período védico tardio, de 1000 a.C. até 500 a.C., marcou uma virada
no desenvolvimento religioso da Índia. Importância especial tiveram os Upanishads, que até hoje
são os textos hinduístas mais lidos. Foram escritos sob a forma de conversas entre mestre e
discípulo e introduzem a noção de Brahman, a força espiritual essencial em que se baseia todo o
Universo. Todos os seres vivos nascem do Brahman, vivem no Brahman e, ao morrerem,
retornam ao Brahman.

Os Upanishads introduzem a ideia de Brahman. Todos nascem dele, vivem nele e na


morte retornam a ele.

Hoje

O hinduísmo é uma religião da Índia, mas tem muitos adeptos também no Nepal, em Bangladesh
e no Sri Lanka. Depois de muitos anos de domínio colonial britânico, em 1947, a Índia tornou-se
uma república independente. Passou a ser um Estado secular (não religioso), com uma
constituição que garantia direitos para todas as denominações religiosas e proibia qualquer
forma de discriminação baseada em religião, raça, casta ou sexo.

Em 1947, a tensão entre hinduístas e muçulmanos, em razão da independência da Índia,


resultou na criação do Paquistão como um Estado muçulmano separado, dividido em duas partes
distintas: o Paquistão do Leste e o Paquistão do Oeste. Depois da guerra de 1971 entre a Índia e
o Paquistão, o Paquistão do Leste tornou-se um Estado independente com o nome de
Bangladesh.

Ensinamentos

Deuses

A multiplicidade do hinduísmo também se manifesta em seu conceito de Transcendente. Em sua


forma mais filosófica, o conceito hindu de divindade é panteísta. A divindade não é um ser
pessoal, mas uma força, uma energia cósmica. Os Upanishads introduzem a ideia de Brahman.
Todos nascem dele, vivem nele e na morte retornam a ele, sendo a energia que permeia tudo:
os objetos inanimados, as plantas, os animais e os seres humanos. Já em sua forma menos
filosófica está presente um conceito politeísta, que acredita num grande número de deuses.
Quase todas as aldeias têm a sua própria divindade local. A adoração divina concentra-se em
dois deuses em particular, ambos com raízes védicas. Um deles é Vishnu. É um deus suave e
amigável, normalmente representado como um lindo jovem. Sua maior importância no
hinduísmo moderno deriva de seus avatares ("reencarnação de um deus" ou "revelação") como
Rama ou Krishna. Especialmente popular é Krishna, adorado como o onipresente e senhor do
mundo. Costuma ser retratado como um pastor de ovelhas. Suas aventuras eróticas com as
pastoras são interpretadas simbolicamente como o amor do Transcendente pelo ser humano. O
relacionamento de Krishna com sua amada, Rhada, é explicado da mesma maneira. O amor
entre os dois, sua separação e reconciliação são uma metáfora para o anseio que a alma sente
pelo Transcendente e por sua união final com ele.

O outro deus com grande significado para o culto é Shiva. Ele é o deus da meditação e dos
iogues e, em geral, é retratado como um asceta. É igualmente um deus do desvario e do êxtase,
tanto criador como destruidor, o que o torna, ao mesmo tempo, aterrorizante e atraente. É ele
quem traz a doença e a morte, mas também o que cura. Na devoção bhakti (uma das escolas
hindus) ele é visto como um deus cheio de compaixão, que salva o ser humano do processo de
transmigração da alma.
O importante é o Transcendente. O nome dado a ele pouco importa.

A filosofia religiosa indiana baseia-se na crença de um Transcendente eterno, mas não


especifica se esse deus é Vishnu, Shiva ou algum outro. Deixa-se a cargo do indivíduo decidir de
que maneira o Transcendente deve ser adorado. Nos círculos acadêmicos é comum ver Vishnu e
Shiva formando uma trindade com Brahma. Este é tido como criador, quem faz o mundo. Vishnu
é o sustentador, quem protege as leis naturais e a ordem universal. Shiva é o destruidor que, no
final de cada época, dança sobre o mundo até reduzi-lo a pedaços. Assim ocorrendo, Brahma
tem de criar o mundo novamente. Essas três manifestações do Transcendente representam três
de seus aspectos: o criador, o sustentador e o destruidor. No entanto, esse entendimento tem
pouca relevância na devoção popular.

As deusas

O hinduísmo tem uma série de deusas. Alguns adotam a teoria de que essa abundância de
deusas não passa da expressão de uma grande e poderosa divindade feminina, a "Rainha do
Universo" ou "Deusa-Mãe". Sua manifestação mais conhecida é Kali, a deusa negra, adorada
sobretudo no Leste da Índia, e a quem se sacrificam animais. O alto status de Kali no mundo dos
deuses é evidente pelas imagens que a mostram pisoteando o corpo de Shiva.

A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da "Mãe Índia" (Bhárata Mata
ou Bharthamata) como a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade de Varanasi,
há um templo especial que lhe é dedicado. Ali, em vez de uma representação da deusa, está
exposto um mapa da Índia.

As divindades menores

A maioria das aldeias tem seu templo dedicado a Vishnu ou a Shiva. Esses deuses concentram-se
nas questões maiores, universais, e em geral são homenageados nos grandes festivais. Num nível
mais doméstico, as pessoas costumam visitar pequenos templos dedicados a divindades menos
importantes. Embora estas não sejam tão poderosas como Vishnu ou Shiva, é mais fácil
aproximar-se delas para assuntos de menor importância, tais como solucionar problemas
pessoais.

Há deuses para as questões universais e deuses para as questões pessoais.

Os deuses menores, por vezes, exercem influência em áreas específicas, por exemplo, em
certos tipos de doença. Muitos deles têm origem humana: podem ser heróis que morreram em
batalha ou esposas que se oferecem para serem queimadas na pira funerária do marido.

Ser humano

O entendimento que o hinduísmo desenvolve a respeito do ser humano está intimamente


vinculado a uma compreensão ampla que privilegia os entendimentos sobre carma,
reencarnação e o sistema de castas.
Carma e reencarnação

O ser humano tem uma alma imortal que não lhe pertence. Depois da morte, a alma volta a
aparecer (renasce) numa nova criatura vivente. Pode renascer numa casta mais alta ou mais
baixa ou pode passar a habitar um animal. A partir de uma visão animista, algumas correntes
hindus admitem que a alma pode, inclusive, passar a habitar um vegetal, pois tudo o que existe
no universo seria dotado de "anima", isto é, "alma".

Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O impulso por trás dela
e que a mantém sempre em movimento é o carma ("ato" ou "ação") do ser humano. O ato ou
ação não se refere apenas a ações físicas, mas inclui pensamentos, palavras e sentimentos
humanos.

A ideia de que todas as ações têm consequências, que podem surgir depois da morte, não é, de
modo algum, peculiar do hinduísmo. A originalidade da ideia está no entendimento de que todas
as ações de uma vida, e somente elas, podem formar a base para a próxima vida. Assim, o
carma não é uma punição pelas más ações ou uma recompensa pelas boas. O carma é uma
constante impessoal, como se fosse uma lei natural do ato de existir.

O hinduísmo não reconhece nenhum "destino cego" e nem divina providência. A responsabilidade
pela vida do hinduísta no dia de hoje e por sua próxima encarnação será sempre dele. O ser
humano colhe aquilo que semeou. O resultado das ações deriva, automaticamente, delas
mesmas. Pode-se dizer que a transmigração das almas está sujeita à lei de causa e efeito.

Pesquise: reencarnação e transmigração são conceitos que se referem a mesma coisa?

Em outras palavras, o que a pessoa experimenta nesta vida, em termos de riqueza ou pobreza,
alegria ou tristeza, saúde ou doença, é resultado de suas ações numa vida anterior. É desse
modo que os hinduístas explicam as diferenças entre as pessoas. A doutrina do carma dá
sustentação a um esquema de relações sociais como o sistema de castas.

Embora a pessoa deva submeter-se ao carma que herdou de uma vida anterior, ela também
exerce o livre-arbítrio no âmbito de sua existência atual. O ser humano, portanto, sempre pode
melhorar seu carma e lançar os fundamentos necessários para uma vida melhor no próximo
renascimento.

O sistema de castas

Desde os tempos antigos, a sociedade hinduísta está alicerçada sobre quatro classes sociais (a
palavra empregada é varna, que significa "cor"):

sacerdotes (brâmanes);

guerreiros;

agricultores, comerciantes e artesãos;

servos.
Porém, à medida que a sociedade indiana se desenvolveu, as pessoas foram sendo divididas em
novas castas. No início do século XX havia em torno de três mil castas na Índia.

Não se sabe ao certo como surgiu o sistema de castas. O certo é que as castas em geral se
associam a profissões especiais. Uma aldeia indiana pode conter de 20 a 30 castas e, com
frequência, cada uma ocupa um agrupamento especial de casas. Cada casta tem suas próprias
regras de conduta e de práticas religiosas, que determinam com quem as pessoas podem se
casar, o que podem comer, com quem podem se associar e que tipo de trabalho podem realizar.
A base religiosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. Para um brâmane, por exemplo,
tudo o que tenha a ver com as coisas corporais ou materiais é impuro. Se ele se tornou impuro
como resultado do nascimento, morte ou do sexo, ou ainda por meio de contato com uma
pessoa sem casta ou de casta inferior, há diversas maneiras pelas quais ele pode ser purificado.
O método tradicional mais conhecido de purificação utiliza a água de um dos muitos rios
sagrados da Índia, como o rio Ganges.

Religiosamente, as castas indicam o grau de pureza ou impureza de uma pessoa.

As regras que governam a pureza formam a base da divisão de trabalho na comunidade. Certas
atividades e certos trabalhos são tão impuros que somente determinadas castas podem realizá-
los. Essas castas têm o dever de ajudar os outros a manterem sua pureza. Por outro lado,
apenas as castas que preencham os requisitos da pureza podem aproximar-se dos deuses mais
elevados.

O sistema de castas deu um novo contexto à vida do indiano moderno. Assim, ser expulso de sua
casta é o pior castigo imaginável, e portanto isso só é utilizado para crimes muito sérios. O nível
mais baixo no sistema de castas é o dos intocáveis ou sem casta (também chamados de párias ou
dalits): os criminosos, lixeiros e curtidores de couro de animais, por exemplo.

As complexas regras que controlam o contrato social entre as castas eram muito rígidas. A
Constituição da Índia, de 1947, introduziu, no entanto, medidas com a finalidade de banir a
discriminação por casta. Como não basta mudar a legislação para acabar com antigas divisões
sociais e religiosas, o sistema de castas permanece tendo um papel importante, em especial nas
aldeias do interior da Índia.

Vida e morte

Durante o período védico, a doutrina do carma e dos renascimentos era vista como algo
positivo. Por meio dos sacrifícios e das boas ações o ser humano podia garantir que viveria várias
vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse ciclo como algo negativo, como um
círculo vicioso a ser quebrado. É possível, assim, distinguir três caminhos para a libertação: as
vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.

A via do sacrifício

Como já se viu, a palavra indiana para "ato" é carma. Hoje, ela é usada para denotar todos os
atos humanos e até mesmo a coletividade desses atos. No período védico, o termo referia-se,
basicamente, a atos religiosos ou rituais, em especial aos atos sacrificiais. Estes eram
necessários para incrementar a fertilidade e manter a ordem universal. Esse antigo costume
sacrificial, descrito nos Vedas, continua a desempenhar um papel capital no hinduísmo. Fazendo
sacrifícios e boas ações, muitos hinduístas tentam obter a felicidade terrena. Em última análise,
o objetivo permanece o mesmo de outras correntes do hinduísmo: libertar-se do círculo vicioso
da transmigração do espírito.

A via da compreensão ou do conhecimento

Seguindo uma ideia central dos Upanishads, é a ignorância do ser humano que o amarra ao ciclo
dos renascimentos. Compreender a verdadeira natureza da existência, o oposto da ignorância,
será, portanto, um caminho para a libertação. É apenas quando o ser humano adquire o reto
conhecimento que ele é redimido da implacável roda da transmigração.

O conhecimento que traz a salvação é o de que a alma humana (atmã) e o mundo espiritual
(Brahman) são uma coisa só. O atmã é uma parte integrante não só dos seres humanos, mas
também se encontra nas plantas e nos animais. Isso é conhecido como panteísmo (ligado ao
animismo).

Brahman é o princípio constitutivo do Universo, uma força que permeia tudo, uma divindade
impessoal. Todas as almas individuais (atmã) são reflexos dessa única alma universal.

O ser humano é libertado da transmigração ao adquirir plena compreensão da unidade entre


atmã e Brahman. O objetivo é dissolver-se no Brahman, assim como uma gota de chuva se
dissolve no mar. O ser humano tem uma centelha do Transcendente em seu interior. Mesmo que
ele desapareça enquanto ser humano, sua origem divina permanece e vai unir-se novamente
com o espírito universal.

A via da devoção

Uma terceira rota para a salvação é a via da devoção. Essa proposta começou a se difundir no
Sul da Índia por volta de 600 a. C. e logo se espalhou por toda a região da Índia. Já no século III
a.C. esse caminho para a libertação encontrara sua expressão no Bhagavad Gita, um poema
catequético. Essa terceira tendência do hinduísmo é a que predomina na Índia moderna, e o
livro Bhagavad Gita é o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano
médio.

Cumprir os rituais. Buscar o conhecimento. Contemplar. A religião na Índia oferece a


possibilidade de vários caminhos para a libertação e essa multiplicidade é mais uma
característica do hinduísmo.

Mundo
É plural

O mundo não é uno, mas plural. Há diversos mundos interconectados pela mesma razão. É como
se fossem infinitas galáxias, cada uma com o seu ponto de referência, como a Terra. O
hinduísmo entende que entre esse ponto de referência e o restante da galáxia há diversos outros
mundos mais sutis, acima, e mais grosseiros, abaixo. Os mundos sutis e grosseiros são os espaços
ocupados pelas almas e que por eles transitam, conforme os méritos adquiridos ou não.

É meio

O mundo e suas galáxias têm uma razão. É o espaço onde as almas individuais cumprem a
inexorável lei do carma até sua libertação. Inerente ao conceito de carma, toda decisão do ser
humano terá determinadas consequências. Não há fatalismos no Universo.

É moderado

O mundo e suas galáxias é o espaço onde bem e mal, prazer e dor, conhecimento e ignorância
se entrelaçam em proporções quase iguais. Não faz parte dos propósitos do Universo ser um
paraíso, mas o espaço onde o espírito do ser humano pode viabilizar seu aprendizado de
integração ao Transcendente.

É maya

O mundo e suas galáxias é maya. A palavra maya possui a mesma raiz que mágica. Na mágica, o
que vemos nem sempre é o que pensamos ver. Assim é o Universo. Enquanto em processo de
constantes renascimentos, o ser humano pode cair no ardil de que a materialidade e a
multiplicidade são realidades independentes, quando, na realidade, são Brahman, o todo
inclusivo de tudo o que é e de tudo o que não é.

É lila

O mundo e suas galáxias é o espaço lila ("dança") do Transcendente. É onde ele dança, numa
espécie de jogo, de forma incansável, infinda, irresistível, mas absolutamente benéfica. É jogo
que o Transcendente criou a fim de que o finito seja superado e destruído pelo infinito.

Principais tendências

Entre os séculos II a.C. e IV d.C., surgiram seis escolas ortodoxas da filosofia clássica hindu. Não
eram grupos organizados, mas sistemas de pensamento que apresentavam perspectivas diversas,
porém complementares, de métodos devocionais, interpretação das escrituras e cosmologia.
Correntes hindus modernas no Ocidente

Em meados do século XX, surgiu na Europa e nos Estados Unidos um grande interesse pela
espiritualidade oriental. Entre as muitas razões, pode afirmar-se que o Ocidente materialista,
espiritualmente estéril, percebeu que a vida e o viver iam muito além dos reducionistas
aspectos biológicos. Esse interesse, que atingiu seu ponto culminante nas décadas de 1960 e
1970, concentrou-se no budismo e no hinduísmo, com destaque para a ioga. Surgiram inúmeros
movimentos que apresentaram o modo hinduísta de responder às questões da vida. Eram, em
regra, movimentos centrados na personalidade de algum mestre ("guru") carismático, venerado
como se fosse um avatar.
Conheça os movimentos que permaneceram na ativa após a morte de seus fundadores.

• Meher Baba (1894-1969): foi o primeiro guru moderno de importância a conquistar adeptos no
Ocidente. Nascido na Índia, elaborou uma doutrina que sintetizava várias tradições religiosas,
inclusive os conceitos de carma e samsara ("renascimento cíclico"). Ensinava que o estado de
iluminação que liberta só se alcança através do amor puro, desinteressado.

• Sociedade Internacional da Consciência de Krishna: foi fundada em meados da década de


1960, no Ocidente, por A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada (1896-1977). Seus discípulos de
túnica amarela procuram a iluminação por meio do estudo das escrituras védicas, em especial o
Bhagavad Gita, e do canto de um mantra em louvor a Krishna e Rama (graças ao qual o
movimento é popularmente conhecido como Hare Krishna). Praticam um ascetismo rigoroso que
inclui o celibato. Sexo só é permitido com a finalidade de procriação e dentro do casamento.

• Meditação Transcendental: ensina um método simples de meditação que se baseia em um


mantra pessoal (palavra ou frase) que, constantemente repetido, produz o efeito de reduzir o
stress, promover a integração pessoal e, por consequência, a iluminação que liberta. Foi trazido
para o Ocidente por Maharishi Mahesh Yogi, nascido em 1911, em fins da década de 1950 e
alcançou popularidade quando os Beatles se tornaram seus adeptos.

• Missão da Luz Divina: fundado na Índia, em 1960, e no Ocidente, em 1971, proclamou um


menino guru, Maharah Ji, nascido em 1958, o mais recente avatar do Transcendente. Ensinava
quatro técnicas de meditação que capacitavam os devotos a voltarem-se para dentro de si
mesmos a fim de experimentarem o estado de iluminação: a Luz Divina, a Harmonia Divina, o
Néctar Divino e a Palavra Divina.

• Bhagwan Shri Rajneesh (1931-1990): também conhecido como Osho. Ministrava a doutrina do
amor livre, da sexualidade desinibida e dos atos impulsivos, juntamente com uma forma de
meditação dinâmica que visava a liberar a energia da terra. Uma das técnicas de liberação das
energias reprimidas é o riso. Possui centros de meditação em todo o mundo. Só no Brasil, são
oito centros, além de um jornal de circulação nacional.

BUDISMO
História

O mundo, à época do nascimento de Siddartha era de mudanças. Por volta de 1500 a.C., a Índia
passou a ser influenciada pela religião védica, trazida pelos guerreiros arianos. Possivelmente, o
processo sincrético ocorrido entre os arianos e não arianos tenha originado o hinduísmo após
séculos de evolução. Essas mudanças teriam ocorrido entre os anos 1000 e 200 a.C. Além das
revoltas filosóficas contra o vedismo e bramanismo, duas religiões surgiram na Índia: o jainismo
e o budismo.

Nascimento e vida de Siddartha

O príncipe Siddartha cresceu em meio à fortuna e ao luxo. Seu pai ouvira uma profecia de que
seu filho ou seria um poderoso governante ou abandonaria por completo o mundo. Essa última
opção ocorreria caso o príncipe testemunhasse as mazelas e o sofrimento das pessoas. Para
evitar essa situação, o rei tentou proteger seu filho mantendo-o recluso aos limites do palácio e
cercado de delícias e diversões. Casou-se jovem com uma prima e mantinha um harém de
dançarinas.

Aos 29 anos, Siddartha experimenta uma situação que mudaria por completo sua vida palaciana.
Embora proibido pelo pai, arriscou-se a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um
homem doente e um cadáver em decomposição. A contradição se interpôs quando, a seguir, viu
um asceta com uma expressão de radiante alegria. Percebeu que a vida de riqueza e prazer não
traduz uma existência plena e com sentido. Questionou-se sobre a existência de algo que
ultrapassasse a velhice, a doença e a morte. Percebeu-se tocado por um profundo sentimento
de compaixão pelas pessoas e por um chamado, a fim de libertá-las do sofrimento. Ato
contínuo, renunciou à vida prazerosa do palácio, a sua esposa e ao filho, e partiu para uma vida
de andarilho.

Da vida de abundância passou aos extremos dos exercícios ascéticos. Comia cada vez menos.
Chegou a alimentar-se apenas com um grão de arroz por dia. O que esperava conseguir era o
domínio do sofrimento. Sem resultado, adotou o "caminho do meio", a meditação. Após seis anos
de meditação ascética, aos 35 anos, chegou à iluminação (bodhi) à margem de um afluente do
rio Ganges. Agora era um buda, um iluminado. Alcançara a percepção de que todo o sofrimento
do mundo é causado pelo desejo. É apenas suprimindo o desejo que se pode escapar de outras
encarnações.

Continuando sua meditação, alcança a compreensão de uma realidade que não é transitória,
mas absoluta e acima do tempo e do espaço. O nome atribuído a essa realidade é nirvana. A
lógica principia pelo domínio do desejo de viver que prende o ser humano à existência. Esse
domínio para de produzir carma e, sem ele, não se está mais sujeito à lei dos renascimentos.
Encontrara para si uma saída para a superação do sofrimento. Passo seguinte, Siddartha decide
compartilhar sua percepção.

À época, Benares era um grande centro religioso. É para lá que se dirige. Faz sua primeira
pregação e desencadeia o que se denomina de "rodas de instrução". Monges mendigos tornam-se
seus discípulos e, por volta de 40 anos, o seguem pelo nordeste da Índia.

Seus seguidores, desde o princípio, dividem-se em dois grupos: os leigos e os monges. Por volta
dos 80 anos, adoece e despede-se de seus discípulos. Daí para frente, eles poderiam contar
somente com o darma ("instrução") que Siddartha lhes dera nos anos anteriores.

Ensinamentos

Uma vez que o budismo surge dentro do contexto hinduísta, como um caminho individual para a
libertação dos renascimentos, é natural que muitos de seus ensinamentos estejam marcados por
esse pensamento. Destacam-se, de modo especial, os pensamentos referentes às doutrinas do
renascimento, do carma e da libertação (ou salvação).
Deuses

Atualmente, o budismo é considerado uma religião ateísta, ou seja, que não possui um deus a
ser adorado. Buda, todavia, não negou a existência dos deuses. Acreditava, entrementes, que
a existência dos deuses era transitória, assim como a própria existência humana. Embora eles
vivessem mais tempo que os seres humanos, também estavam atrelados ao ciclo de
renascimentos e em nada podiam ajudar os seres humanos a se redimirem de tal ciclo.

Outra característica nesse tema diz respeito à adoração de demônios, espíritos e outras
divindades. Todos são seres vivos e, se cultuados de modo correto, podem trazer vantagens para
a vida neste mundo.

Ser humano

Para o hinduísmo, originalmente, todo ser humano, bem como todo o Universo, possui uma
única alma (atmã) que sobrevive de uma existência a outra e idêntica, total ou parcialmente, ao
Transcendente universal (Brahman).

Buda rompe essa lógica. Nega que o ser humano tenha alma e rejeita a existência de um espírito
universal. A alma é fugaz e fruto da ignorância humana que promove o desejo, fundamental
para a criação do carma individual.

Nessa dimensão, o budismo entende a vida humana como uma série de processos mentais e
físicos que alteram o ser humano de momento a momento. Tudo é transitório.

"Aquilo que você planta é o que colhe." O ser humano é dono de seu destino: o que pensa e faz é
determinante de seu futuro cósmico.

Vida e morte

A lei do carma

Para Siddartha, o Buda, o ser humano é escravizado por uma série de renascimentos. Como
todas as ações têm consequências, o princípio propulsor que está por trás do ciclo nascimento-
morte-renascimento são os pensamentos dos seres humanos, suas palavras e seus atos (carma).

A ideia básica enfatiza que tudo o que se fez em determinada vida, ainda que passada,
repercute e nos alcança no presente. As ações de uma vida estendem-se a outra. O ser humano
irá colher no presente aquilo que plantou no passado. Não há "destino cego" e nem "divina
providência". Daí a impossibilidade de escapar do carma. Enquanto houver um carma, o ser
humano está fadado a renascer e manter-se preso à existência humana, não transcendendo.

Inerente ao conceito de carma está a busca de uma saída, uma "passagem", capaz de conduzir o
ser humano à transcendência, livre de desejos.
As quatro nobres verdades sobre o sofrimento

O denominado "Sermão de Benares", que apresentou as quatro verdades sobre o sofrimento


humano, ocorreu depois que Siddartha obteve o estado de iluminação. As quatro verdades
demonstram o que segue.

Tudo é sofrimento. Para o budismo, o sofrimento implica algo mais do que mero
desconforto físico e psicológico. Toda a existência é manchada pelo sofrimento, pois tudo
é passageiro. Quem não percebe isso é cego. Isso, no entanto, não significa que o
budismo negue toda a felicidade material e mental. Ele reconhece que existe alegria
tanto na família como no mosteiro. Todavia, tudo aquilo que amamos e a que nos
apegamos simplesmente não vai durar.

Para pesquisar e confrontar:

Como o cristianismo explica o sofrimento?

Nirvana e céu são a mesma coisa?

A causa do sofrimento é o desejo. O desejo implica, sobretudo, desejar com os sentidos,


a sede de prazeres físicos. Como essa ânsia nunca pode ser plenamente saciada, ela
sempre irá acarretar um sentimento de desprazer. Até mesmo o desejo de sobrevivência
contribui para manter o sofrimento. Por outro lado, o budismo também rejeita o extremo
oposto. O desejo de anulação - ou desejo de morrer - igualmente amarra o ser humano à
existência, pois não leva em consideração o carma, que impõe renascimento;

O sofrimento cessa quando o desejo cessa. Quando o desejo cessa, começa o nirvana.
Um pré-requisito para suprimir o desejo é que a ignorância deve ser enfrentada. Só o ser
humano que não enxerga sente desejo. A ignorância leva ao desejo; o desejo, à
atividade; a atividade traz consigo o renascimento, e o renascimento origina mais
ignorância.

O desejo cessa seguindo-se o caminho das oito vias. São elas:

entendimento (ou percepção/visão) justo: conhecer a natureza e a origem do sofrimento,


a cessação do sofrimento e o caminho que conduz para a cessação do sofrimento;

resolução justa: renunciar ao mundo e não prejudicar ou eliminar qualquer ser vivo;

palavra justa: abster-se da mentira ou calúnia, da injúria e dos mexericos;

conduta justa: abster-se de tirar a vida, roubar e praticar a luxúria;

sustento de vida justo: abster-se de pegar ou comercializar armas, consumir álcool e


tóxicos, e realizar qualquer atividade que possa trazer prejuízo a outros;

esforço justo: é a vontade necessária para estancar as más qualidades que afloram à
mente, eliminar todas as que ali ainda estão e desenvolver bons estados mentais;

pensamento justo: ter consciência do seu próprio corpo, dos sentimentos e das atividades
da mente;
meditação justa: é quando, privado de luxúria e disposições erradas, a serenidade interna
é desenvolvida através da prática de meditação. Esta é a atividade que, em última
análise, conduz ao nirvana.

Os dois primeiros caminhos falam da necessidade de compreender o mundo: perfeita


compreensão e perfeita aspiração. Os três seguintes discorrem sobre o código de ética do
budismo: perfeita fala, perfeita conduta e perfeito meio de subsistência. Os últimos três
mencionam a maneira como o ser humano pode melhorar a si mesmo e purificar sua mente:
perfeito esforço, perfeita atenção e perfeita contemplação.

Analise os oito caminhos como uma proposta de conduta ética e tire suas próprias conclusões.

Ética

Com a decisão de Buda, depois de alcançar a iluminação, de tornar-se guia do ser humano,
passa a ser fundamental para o budismo o amor e a compaixão. Não só as ações, mas também os
sentimentos e afetos são importantes. A caridade realizada não apenas afeta os outros, mas
contribui para enobrecer o próprio caráter de quem a realiza.

Nessa dimensão, o budismo tem cinco regras de conduta:

não fazer mal a nenhuma criatura viva;

não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar);

não se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais;

não falar falsidades;

não se entorpecer com álcool e drogas.

Mundo

As ideias fundamentais do budismo são profundamente pessimistas. Tudo no mundo é sem


autonomia, transitório e pleno de sofrimento. Não há esperança para o ser humano enquanto
mantiver-se preso ao ciclo dos renascimentos. Há, porém, algo além do sofrimento. É o nirvana.
Significa simplesmente "apagar", uma referência ao fato de que o desejo se extingue quando se
atinge o nirvana.

Uma vez que o nirvana é o oposto direto do ciclo de renascimentos, e uma vez que ele não pode
ser comparado a nada neste mundo, só é possível dizer o que o nirvana não é. Alcançá-lo só é
possível através do estado de iluminação, e de nada adiantam, por si só, as boas obras.

Embora sem autonomia, transitório e pleno de sofrimento, esse é o espaço dado e no qual o ser
humano pode chegar à libertação plena dos renascimentos.
Principais tendências

Os pensamentos de Buda foram transmitidos oralmente. O resultado foi o surgimento de, pelo
menos, 18 escolas diferentes. As escolas relacionadas nolink ao lado representam apenas as
mais importantes ramificações do budismo no mundo moderno.
CONFUCIONISMO, XINTOÍSMO E TAOÍSMO

Apresentamos, na sequência deste capítulo, três grandes religiões. Apesar de não serem
populares no Brasil, consideramos interessante uma leitura e uma análise para nos darmos conta
de como pensam outros povos e também percebermos a diversidade religiosa encontrada no
mundo. Essas religiões, chamadas de sapienciais, buscam o caminho através da sabedoria e do
conhecimento. É bom observar que o pensamento oriental é diferente do ocidental.

CONFUCIONISMO

Você deve estar observando que, hoje, a China está despontando em todo o mundo pelo seu
crescimento econômico e, aos poucos, vem sendo reconhecida como uma grande potência
mundial. Talvez o que você não saiba é que até 1911 a China foi uma potência imperial, onde o
imperador reinava acima de tudo. O imperador era considerado o representante do país diante
do supremo deus Céu.

O que havia por trás de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensamentos,
regras e rituais sociais foi desenvolvido pelo filósofo K'ung-Fu-Tzu. No Brasil, nós o conhecemos
como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e
os rituais.

O confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes
dominantes, a qual, no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais
amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio em Pequim, ficava
remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a grande massa
dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A Religião dos pobres era a adoração dos
espíritos, particularmente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de
outras religiões. (GAARDER, 2000, p. 77)

Quem foi Confúcio

Confúcio nasceu em 551. a.C., sendo filho de pessoas pobres. Desde cedo, demonstrou um
grande interesse no que se referia à vida. Diz a história que, após iniciar sua carreira pública
como um oficial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos, tornou-se professor e começou
a ensinar história, filosofia, ética, música, poesia e boas maneiras. A ideia era mostrar a seus
alunos os princípios que ele julgou necessários naquele momento de decadência da ordem
feudal chinesa.

Embora suas lembranças da infância contenham referências nostálgicas à caça, à pesca e ao


arco, sugerindo com isso que ele foi tudo, menos uma traça de livro, Confúcio dedicou-se cedo
aos estudos e se saiu bem. "Chegando aos quinze anos de idade, forcei a minha mente ao
aprendizado". Com vinte e poucos anos, depois de ter ocupado vários cargos públicos
insignificantes, depois de ter feito um casamento não muito bem sucedido, ele se estabeleceu
como professor particular. Essa era obviamente a sua vocação. A reputação de suas qualidades
pessoais e sabedoria prática espalhou-se com rapidez, atraindo um círculo de discípulos
entusiasmados. (SMITH, 1991, p. 156)
A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos
chegaram a criar a lenda de que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante
administração durante cinco anos, avançando rapidamente de ministro de Obras Públicas para
ministro da Justiça e primeiro-ministro, fazendo de Lu uma província modelo. "A verdade é que
os governantes da época tinham medo da franqueza e integridade de Confúcio, tanto medo que
nunca o designariam para qualquer posição de poder" (SMITH, 1991, p. 156).

Suas obras

O que marca a obra de um líder é seu legado escrito. Confúcio deixou várias obras escritas sobre
sua filosofia de vida: o Shih Ching (livro de poesias), Li Chi (livro dos ritos), I Ching (livro das
transformações), Shu Ching (livro de história) e Ch'um Ch'íu (os anais da primavera e do outono).

A filosofia de Confúcio

A questão central na filosofia de Confúcio está na palavra "li". Significa "cortesia", "reverência",
"ritos e cerimônias" e o "posicionamento ideal na vida pública e privada". "O chinês mais
moderno entende por 'li' uma ordem social ideal, com tudo em seu devido lugar e com todas as
pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social" (STEFFEN, 2000, p. 48).

De certa forma, a ideia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito
desencadeada pela ordem feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar,
poderia haver um comportamento de reciprocidade como um guia de vida. É aqui que vai surgir
o dito "não faças aos outros o que não queres que te façam".

Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado
para ensinar história, poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivinhação e
esportes, ele foi, à moda de Sócrates, um homem-universidade. Seu método de ensino também
era socrático. Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversa sobre os problemas
apresentados por seus alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos
alunos como um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente
humano, mas modesto. Quanto ao ponto a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo
cita:

Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir
ao meu pai, como esperaria que um filho me servisse. Servir ao meu governante, como esperaria
que meus ministros me servissem. Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que meus
irmãos mais novos me servissem. Ser o primeiro a tratar os amigos como esperaria que eles me
tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer.

Provérbios atribuídos a Confúcio

Conheça alguns provérbios que são atribuídos a Confúcio:

• Verdadeiro filósofo não será aquele que, mesmo sendo reconhecido, jamais guarda
ressentimento?

• Não faças aos outros o que não queres que te façam.


• Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me não conhecer os outros.

• Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas vantagens. Se buscares resultados
rápidos, não alcançarás a meta final. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca
realizarás grandes feitos.

• As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois pregam de acordo com a sua
prática. Se quando olhas dentro do teu coração não vês nada de errado, por que te preocupas? O
que há para temeres?

• Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e quando não a conheces, saber
que tu não sabes - isso é conhecimento.

• Ir longe demais é tão mau quanto ficar aquém.

• Quando vês um homem digno, pensa quando poderás emulá-lo.

• Quando vês um homem desprezível, examina o teu próprio caráter.

• Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam; mas se não as conseguirem da maneira
correta, nunca as possuirão.

• Sê bondoso com todos, mas íntimo apenas dos virtuosos.

Pano de fundo

É claro que os provérbios, por si só, não explicam o sucesso de Confúcio.

É necessário compreender o que havia de errado na sociedade em que ele vivia.

A antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao
terceiro século a.C., porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um
governo de paz e ordem. Baronatos rivais ficaram em liberdade para fazer o que bem
entendiam, criando uma situação idêntica à da Palestina no período dos juízes: "Naqueles dias,
não havia rei em Israel; cada homem fazia o que parecia certo aos seus próprios olhos".

A pergunta, nessa época, era: por que continuamos nos destruindo? Talvez aí esteja a resposta
para compreendermos o poder do confucionismo. Confúcio viveu numa época em que a coesão
social havia deteriorado até o ponto crítico. Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar
importante na vida; mas também que o amor deve ser apoiado por estruturas sociais e por um
etos coletivo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mesmo que pregar os fins sem os
meios. Quando perguntaram a Confúcio, certa vez, "Devemos amar nossos inimigos, aqueles que
nos causam mal?", ele respondeu: "De modo algum. Respondei ao ódio com a justiça e ao amor
com a benevolência. Caso contrário, estaríeis desperdiçando vossa benevolência".
Respeito às tradições

O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos cultivam pelos mais velhos.
A idade não é um peso, mas uma bênção. A experiência é importante para os mais novos, que a
buscam nas pessoas de maior vivência. Assim também são conservadas as tradições, transmitidas
pelos mais velhos. Sobre a socialização, o próprio Confúcio ensinou:

Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as ideias devem ser
conservados como uma teia ininterrupta de memória entre os portadores da tradição, geração
após geração. (...) Quando a continuidade das tradições de civilidade se rompe, a comunidade é
ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade se esfacelará em (...)
guerras de facções. Isso porque, quando a continuidade é interrompida, a herança cultural não
está sendo transmitida. A nova geração se defronta com a tarefa de redescobrir, reinventar e
reaprender, por tentativa e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. (...) Essa não é tarefa
para uma única geração.

A tradição deliberada
XINTOÍSMO

Apenas para cultura geral, vamos tecer algumas considerações sobre o xintoísmo, que tem
grande influência sobre a cultura japonesa. A partir dessa religião, poderemos entender a força
de um povo, sua seriedade, seus compromissos e sua devoção.

O caminho dos deuses

Quando falamos do xintoísmo, normalmente, nos reportamos aos japoneses ricos pela sua forma
de pensar, por sua cultura e também pelos seus valores religiosos.

Primitivamente, a religião Xintoísta era chamada de Kamino-michi, que é traduzido por "o
caminho dos deuses". Em chinês, a mesma expressão é shen-tao, de onde procede a palavra
shinto (em português, xinto). O Xintoísmo é uma religião peculiar por sua expressão de amor
japonês pelo seu país e suas instituições. Este aspecto da história sagrada está descrito no
Kojiki, datado do século VIII. (STEFFEN, 2000, p. 50)

O Kojiki diz que as ilhas japonesas foram criadas por Izanami e Izanagi, que também habitaram
a Terra como numerosas divindades, das quais os japoneses são descendentes. A família real é
descendente de Jimmu Tenno (cerca de 660 a.C.), o primeiro imperador humano, neto de Ni-ni-
go, neto de Amaterasu, a divindade feminina Sol. No Shinto, Amaterasu é reconhecida como a
primeira no panteão das divindades, mas não é a única. É apenas uma entre muitos. O xintoísmo
primitivo via o Japão como a terra dos deuses, o que explica o caráter nacionalista da religião.
Acreditam que todos os japoneses têm origem divina, mas, em especial, o imperador, que é
descendente da própria deusa do sol.

O Shinto, "o caminho dos deuses", pode ser descrito como um modo ideal de comportamento. O
seu sistema ético inclui os seguintes preceitos:

lealdade ao imperador;

gratidão;

coragem diante da morte;

serviço aos outros acima dos interesses próprios;

verdade;

polidez até mesmo com os inimigos;

controle das manifestações de sentimentos e honra, que significa o ato de preferir a


morte à desgraça.

Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, quando os pilotos japoneses corajosamente


jogaram seus próprios aviões para atingir os inimigos, mostram um pouco desses conceitos.
Principais ideias

O mito da origem japonesa parece ser uma resposta animista primitiva à natureza. A
multiplicidade de deuses japoneses pode ser atribuída a condições civis primitivas, quando a
nação era habitada por um grande número de clãs independentes, cada um com seus próprios
deuses e práticas religiosas.

As cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes, promovem a cooperação e o contato com os


Kamis, geram o contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade. As cerimônias são feitas
tanto no próprio lar como nas grandes festas anuais do templo - Morada dos Kamis. Quatro
elementos estão sempre presentes nestas cerimônias:

purificação;

sacrifício;

oração;

refeição sagrada.

Os Kamikazes: o vento dos deuses

Os jovens pilotos japoneses deram suas vidas em nome da pátria e do imperador na Segunda
Guerra Mundial. A definição da palavra kamikaze, em português, é “vento dos deuses”. Assim
também eram chamados os jovens pilotos da Marinha Imperial Japonesa (ainda não havia
Aeronáutica) que, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), atiravam seus aviões zero,
abarrotados de explosivos, contra os alvos inimigos.

Um aspecto curioso é que não faltaram jovens japoneses que se dispuseram a dar suas vidas em
nome da pátria e do imperador, que era considerado a divina encarnação da deusa do Sol da
religião xintoísta. Essa devoção fez com que milhares de rapazes, entre 15 e 25 anos, se
alistassem voluntariamente para se tornar pilotos suicidas. Os kamikazes tinham em média 17 e
25 anos e boa parte deles vinha das melhores universidades japonesas. O primeiro ataque desse
tipo ocorreu em 25 de outubro de 1944, quando cinco aviões, cada um carregado com 250 quilos
de bombas, foram atirados contra uma frota formada por navios ingleses e norte-americanos,
nas Filipinas. Em agosto de 1945, quando a guerra terminou, 454 navios tinham sido destruídos e
2158 kamikazes perderam a vida.

Nas cartas escritas pelos kamikazes é possível entender por que esses jovens não hesitavam em
morrer e, surpreendentemente, se sentiram felizes pela escolha que fizeram. A maioria
acreditava que colidir seu avião contra os alvos inimigos representava um momento de glória
para eles e suas famílias. Segundo os ensinamentos das Forças Armadas japonesas, a vida não
deveria ser vista como prioridade, mas sim a pátria e o imperador. Quando os voluntários eram
escolhidos para partir em uma missão suicida, comemoravam, pois tinham a certeza de que
encontrariam a felicidade após a morte.
TAOÍSMO

Os problemas éticos, sociais e políticos estão no centro das discussões da maioria das religiões
orientais. É a opção pelo ser e não pelo ter. Se as ideias de Confúcio são estimulantes para
governantes sérios, o taoísmo apresenta uma visão transcendente das preocupações com a vida.
É uma cultura oposta ao que estamos acostumados a viver no Ocidente. Serão recomendadas
leituras complementares para quem tiver mais interesse em conhecer melhor as ideias de Lao-
Tsé (o grande e velho mestre).

Lao-Tsé

A origem do taoísmo é apresentada com o nome de um homem chamado Lao-Tsé, supostamente


nascido por volta de 604 a.C. As histórias sobre a vida desse homem são muito variadas. Alguns
historiadores não têm nem certeza se ele realmente existiu. Algumas lendas são fantásticas,
como aquela que diz ter sido ele concebido por uma estrela cadente, ter permanecido no ventre
materno por 82 anos e já nascido velho, sábio e com os cabelos brancos (SMITH, 1991, p. 193).

O livro sagrado

Uma boa ideia do início do taoísmo, como conta a tradição, é o que lemos no texto de Huston
Smith, que assim coloca:

A história tradicional conta que Lao-tsé, entristecido com o seu povo pela relutância em cultivar
a bondade natural que ele pregava e buscando maior solidão para os seus últimos anos de vida,
montou nas costas de um búfalo e galopou para o oeste, na direção do atual Tibete. No passo de
Hankao, uma sentinela, percebendo o caráter incomum daquele viajante, tentou convencê-lo a
retornar. Não obtendo êxito, pediu ao velho que, ao menos, deixasse um registro de suas
crenças para a civilização que estava abandonada. Lao-tsé, concordando com o pedido,
recolheu-se durante três dias e retornou com um magro volume de 5.000 caracteres intitulado
Tao Te King, ou O Caminho e o seu Poder. O livro pode ser lido em meia hora ou durante toda a
vida, e continua a ser, até os dias de hoje, o texto básico do pensamento Taoísta. Um livrinho
de apenas 25 páginas e 81 capítulos. (SMITH, 1991, p. 194)

Os significados do Tao

No taoísmo, tudo gira em torno do Tao, que literalmente significa caminho. Este caminho pode
ser entendido de três maneiras:

o Tao é o caminho da realidade última. É demasiado vasto para que a realidade humana
possa sondá-lo. De todas as coisas, o Tao certamente é o maior;
o Tao é o caminho do Universo, a norma, o ritmo, o poder propulsor de toda a natureza,
o princípio ordenador por trás de toda a vida;

o Tao refere-se ao caminho da vida humana, quando ela se harmoniza com o Tao do
Universo.

O Tao Te King tem sido traduzido como O Caminho e o seu Poder.

O taoísmo filosófico tem como objetivo alinhar a vida cotidiana da pessoa ao Tao. O caminho
básico para fazê-lo é aperfeiçoar uma vida de wu wei. Wu wei significa pura eficácia e quietude
criativa. O conceito mais tradicional significa não ação ou inação. Mas devemos cuidar para não
entender como atitude vazia, ócio. O taoísmo, na concepção de muitos, implica passividade e
não atividade. Para um sábio taoista, a ação mais importante é a "não ação". Enquanto Confúcio
desejava educar o homem por meio do conhecimento, Lao-Tsé preferia que as pessoas
permanecessem ingênuas e simples, como crianças. Enquanto Confúcio ansiava por regras e
sistemas fixos na política, Lao-Tsé acreditava que o homem deveria interferir o mínimo possível
no desdobramento natural dos fatos. Confúcio queria uma administração bem-ordenada, mas
Lao-Tsé acreditava que qualquer administração é má. "Quanto mais leis e mandamentos
existirem, mais bandidos e ladrões haverá", diz o Tao Te King.

Para Lao-Tsé, o estado ideal era a pequena comunidade (a aldeia ou a cidade pequena), que,
segundo ele, já existia nos tempos antigos. Ali as pessoas viviam em paz e contentes, sem
interesse em guerrear contra seus vizinhos, como fizeram mais tarde as províncias chinesas. O
líder devia ser um filósofo e sua única tarefa era que sua passividade e seu distanciamento
servissem de exemplo para os outros.

Valores taoístas

O taoísta rejeita todas as formas de autoafirmação e competição. O mundo está cheio de


pessoas determinadas a ser alguém ou causar problemas; pessoas que querem avançar,
destacar-se. O taoísmo não vê utilidade nessa ambição. "O machado abate primeiro a árvore
mais alta".

Aquele que se põe na ponta dos pés/ Não tem firmeza./Aquele que se apressa/Não vai
longe./Aquele que tenta brilhar/Tolda sua própria luz. (Cap. 24)

As pessoas deveriam evitar a estridência e a agressividade não só em relação aos outros, mas
também em relação à natureza. No taoísmo, existe um naturalismo profundo e um respeito
muito grande pela natureza. Tanto que, quando falamos na escalada do Everest, por exemplo,
nós, ocidentais, dizemos que o Everest foi conquistado. Os orientais diriam que esse ato foi o de
fazer amizade com o Everest.
Aqueles que querem dominar o mundo/E moldá-lo à sua vontade /Nunca, percebo, terão
sucesso. O mundo é como um vaso, tão sagrado /Que, à mera aproximação do profano, /Se
danifica, /E quando estendem a mão para pegá-lo, ele se perdeu (Cap. 29)

Yin/yang

Outra característica do taoísmo é a sua noção da relatividade de todos os valores e, como ideia
correlata, a identidade dos opostos. Nesse aspecto, o taoísmo está ligado ao tradicional símbolo
chinês do yin/yang:

Essa polaridade resume todas as oposições básicas da vida: bem/mal, ativo/passivo,


positivo/negativo, claro/escuro, verão/inverno, masculino/feminino. Mas as metades, embora
estejam em tensão, não são francamente opostas; elas se contemplam e se equilibram uma à
outra. Cada uma invade o hemisfério da outra e faz sua morada no recesso mais profundo do
domínio de sua parceira. E, no fim, ambas se resolvem no círculo que os cerca, o Tao em sua
totalidade. A vida não se dobra sobre si mesma, e chega, completando o círculo, à percepção de
que tudo é um e tudo está bem. (SMITH, 1991, p. 210)

O taoísmo segue seu princípio da relatividade até seu limite lógico, colocando a vida e a morte
como ciclos complementares no ritmo do Tao.

Há o globo,
O alicerce de minha existência física
Ele me gasta com trabalho e deveres,
Dá-me repouso na velhice,
E me dá paz na morte.
Pois quem me deu o que necessitei na vida
Também me dará o que necessito na morte. (Chuang Tzu)

As três joias taoístas

As virtudes são uma parte essencial do taoísmo, dado que, mediante seu cultivo, a pessoa se
alinha com o Tao e vira uno com ele. As três virtudes principais que todo taoista deve apreciar e
conservar aparecem no Tao-te-ching.

Eu possuo três gemas preciosas


que tenho ocultas como três tesouros.
A primeira se chama "compaixão”.
A segunda se chama "moderação".
A terceira se chama "humildade".
Porque tenho compaixão, é que sou valente.
Porque tenho moderação, é que sou generoso.
Porque tenho humildade, sou senhor dos vassalos.

Compaixão

Não é surpresa que o taoísmo se oponha firmemente à violência. Somente àquele “que ama o
mundo como seu próprio corpo se lhe pode entregar o comando do império”.
Moderação

O ser humano deve ser moderado e sóbrio não somente com outros seres humanos, e sim
também com a natureza. A atitude geral do ocidente para com a natureza foi considerá-la como
um objeto que deve ser dominado, controlado, conquistado. Já os taoístas buscam a amizade
com a natureza, nunca o domínio sobre ela.

Humildade

Os taoístas rejeitam toda forma de presunção e competição. O mundo está cheio de gente que
quer ser alguém, criar problemas, progredir, destacar-se, porém o taoísmo não compartilha esta
classe de ambições. Muito pelo contrário, os taoístas gostam de sinalizar que o valor dos copos,
das janelas e das portas reside nas partes delas que não estão presentes.

TRÊS TIPOS DE TAOÍSMO

Apesar de nem todos os estudiosos apoiarem esta divisão, parece ser uma tendência
generalizada a de reconhecer três ramos dentro do taoísmo. As duas principais são o taoísmo
filosófico, baseado nos escritos de Lao-tse e Chuang-tse, e o taoísmo religioso, que como foi
adotado por uma grande quantidade de pessoas também é chamado taoísmo popular. O terceiro
tipo de taoísmo é mais heterogêneo e se caracteriza por incrementar e harmonizar a vitalidade
e a energia, sendo chamado de “revitalizador”.

O TAOÍSMO “REVITALIZADOR”

Este ramo do taoísmo é o mais conhecido no Ocidente, ainda que a grande maioria desconheça
sua origem taoísta. Para compreendê-lo, primeiro tem que entender o que significa a palavra
ch’i. Ainda que a sua tradução literal é alento, em realidade significa energia vital. Aclarado
isso, ch’i é o correspondente de prana para o yoga.

Esta correspondência também aparece ao observar ambos os conhecimentos em detalhes: na


Índia, a alimentação e a medicina ayurvédica, o tantra, a meditação, os exercícios de
respiração ou pranayamas, o hatha yoga e outras práticas deste tipo conservam o mesmo fim
que as nascidas do taoísmo, e muitas vezes são semelhantes em seu modus operandi. Para
ambas as disciplinas, o cosmos é energia. Os taoístas desta corrente a utilizavam para referir-se
ao poder do Tao que sentiam passar dentro deles, e tinham como objetivo primordial
incrementá-la ao máximo. Para lográ-lo, utilizavam três elementos: a matéria, o movimento e
as mentes.

Alimentação e medicina holística

Do conceito taoísta do yin e yang (os opostos complementares que permeiam toda a criação)
surgiu a macrobiótica, que propõe uma alimentação equilibrada evitando os extremos.
Foi popularizada no século vinte por um japonês chamado George Ohsawa, que ficou
impressionado ao recuperar a sua saúde graças a um tratamento chinês que aplicava os
princípios nutricionais do yin e o yang. Ohsawa se formou médico e em sua prática pôde
comprovar como a macrobiótica aumentava a harmonia e a saúde do ser humano. Tanto a
alimentação como a medicina chinesa consideram o paciente de forma holística e não como um
portador de sintomas a ser tratados em série.

A habitação

O feng shui constitui outras das práticas baseadas no ch’i ou energia vital. É a arte de canalizar
e conservar o ch’i, numa tentativa de melhorar as condições ambientais que fomentam a vida, a
saúde e a harmonia geral. Segundo esta disciplina, o fluxo vital ou energético se modifica pela
forma e disposição do espaço, as orientações (pontos cardinais) e as mutações temporais.

Os exercícios físicos

Outra das práticas para aumentar a energia são os experimentos sexuais, nos quais os homens
evitam ejacular. Muitos taoístas também levam a cabo exercícios de respiração, e mediante o
controle do ar procuram extrair o ch’i da atmosfera e equilibrar o próprio. Estes esforços de
extrair o ch’i da matéria em suas formas sólida, líquida e gasosa são integrados com programas
de movimentos físicos tais como o t’ai chi chuan e o chi kung, exercícios destinados a extrair o
ch’i do cosmos e desbloquear seu fluxo interno, ação que também constitui o objetivo da
acupuntura.

A mente

Finalmente, os taoistas que se destacavam por serem contemplativos e muitas vezes ermitões,
criaram a meditação taoista, prática que busca desarraigar as distrações e esvaziar a mente.

Para os conhecedores do hinduísmo, a maneira mais rápida de compreender o taoísmo


meditativo é compará-lo com o raja yoga. Não se sabe se a China tomou emprestados seus
conhecimentos da Índia, mas as posturas físicas e as técnicas de concentração da meditação
taoísta lembram muito as do yoga dos quais os estudiosos da civilização chinesa importaram o
termo sânscrito e o chamam yoga taoista.

Também se devem dominar as emoções perturbadoras, porque ao agitar a superfície da mente,


impedem transpassá-la em direção ao manancial da consciência pura que há no fundo. A
limpeza e a calma emocional são os requisitos preliminares para alcançar o pleno conhecimento
do Tao, porém devem levar-se ao ponto culminante mediante a meditação profunda.

Se você deseja obter mais informações sobre os outros dois “tipos” de Taoísmo, o religioso e o
filosófico, além de dados sobre o taoísmo no Brasil, acesse o link ao lado:

O TAOÍSMO RELIGIOSO

A tradição folclórica chinesa lidava com epidemias, fantasmas e chuvas, e as últimas deviam ser
convocadas ou rejeitadas segundo a ocasião. O taoísmo religioso tomou elementos destes rituais
para lidar com a natureza e os institucionalizou. Influenciado pelo budismo, que foi introduzido
na China aproximadamente nos tempos de Cristo, a Igreja taoísta se configurou no século II a. C.
e se entronizou num panteão que, entre três divindades, figura Lao Tsé, ainda que a divindade
suprema seja o Imperador de Jade. Destes personagens sagradas surgiram textos que foram
aceitos, sem reservas, como verídicos.

Os textos desta escola estão cheios de descrições de rituais que, se realizados com exatidão,
têm poderes mágicos. Assim, a Igreja taoísta – compartilhando o território com magos,
exorcistas e xamãs, desenhou formas de dominar poderes superiores para fins humanos. A
divisão interna que muitos estudiosos realizam ao analisar o taoísmo em parte se deve ao fato
que nem estas práticas e nem as divindades figuram no Tao-te-ching.

O TAOÍSMO FILOSÓFICO

O taoísmo filosófico, chamado na China taoísmo escolar, está associado aos nomes de Lao Tsé,
Chuang Tsé e o Tao-te-ching. Podemos relacioná-lo com a energia ou poder se lembramos que o
taoísmo sustenta que a “via de escape” principal de energia é o desejo, e a insatisfação que
este gera. Porém, o objetivo do taoísmo filosófico ou, melhor dito, da sabedoria taoísta, é
adequar a vida cotidiana ao Tao, deleitar-se na sua corrente e finalmente unir-se a ele. A forma
básica de fazer isso é desprender-se dos desejos, e para consegui-lo, certas práticas e conceitos
são necessários.

Wu-wei

Um modo de evitar as dissipações de energia causadas pelo desejo é mediante o wu-wei,


conceito cuja tradução literal é inatividade, mas que para os taoístas significa eficácia pura.

A água

A água é o paralelo mais próximo ao Tao no mundo natural, e também o protótipo do wu-wei.
Uma de suas virtudes é a humildade. A água se compraz com os sítios baixos que a gente
desdenha. Nos rios, a água desgasta as arestas das pedras e as converte em seixos, se abre passo
através de fronteiras e debaixo de muros divisórios. De uma sutileza infinita mas de uma
fortaleza incomparável, as virtudes da água são também as do wu-wei. A água representa
fluidez e flexibilidade, atributos exclusivos da vida.

Elementos Taoístas da Sociedade Ocidental

O Taoísmo possui duas vertentes de pensamento religioso. Uma destas vertentes concentra-se
na meditação sem ritos, seguindo feições metódicas, subsistindo de maneira mais geral como
uma ordem filosófica, enquanto a vertente mais ortodoxa atribui importância fundamental aos
rituais, à renovação cósmica e ao controle espiritual. O termo Tao, significando "caminho",
consiste num elemento fundamental recorrente em todas as tradições filosóficas chinesas, entre
elas o próprio Confucionismo.

O incenso é um elemento constante nos rituais taoístas. Um dos símbolos do Taoísmo é bastante
famoso até entre os ocidentais: o Yin-Yang consiste numa representação do equilíbrio e
complementaridade entre as forças naturais opostas em perfeita harmonia.
Referente à organização clerical, o Taoísmo é constituído de estrutura monástica e sacerdotal.
Os textos sagrados do Tao são: o Dão De Jing (Tao te-ching: "O Caminho e seu Poder") e os
escritos de Chuang Tzu (369-286 a. C.).

A cronologia da origem das bases filosóficas taoístas ainda permanece obscura, podendo ser
bastante anterior a Lao Tzu, considerado o fundador da religião, mas que, na verdade, foi
responsável por um grande impulso à religião sobre a qual já existiam alguns conceitos
primitivos.

O Candelabro de Sete Estrelas é um instrumento criado pelos mestres taoístas para atrair a
força de proteção das divindades. É composto por 7 lanternas principais e de 2 lanternas
complementares, cuja disposição reflete o formato da constelação Ursa Maior. Para o Taoísmo,
a influência destas estrelas interfere no nosso mundo e em nós mesmos, representando uma
força espiritual que nos traz proteção contra enfermidades, acidentes e outros infortúnios que
possam nos acometer.

A Sociedade Taoista do Brasil possui um Candelabro de Sete Estrelas no Templo da


Transparência Sublime, no Rio de Janeiro. Qualquer pessoa que tenha interesse em ser
beneficiada pela proteção do Candelabro pode solicitar a sua inclusão. Basta informar seus
dados de nascimento e fazer uma contribuição para a Sociedade Taoísta do Brasil. Este
procedimento é repetido anualmente, próximo ao Ano Novo Chinês, quando acontece uma
renovação no Candelabro.

Taoísmo no Brasil

No Brasil, existem vários ramos ligados ao Taoismo, tanto o religioso (Taochiao) quanto o
filosófico (Taochia). Uma das vertentes religiosas mais importantes é representada pela
Sociedade Taoista do Brasil. A Sociedade Taoista do Brasil foi instituída no Rio de Janeiro/RJ,
em 15 de janeiro de 1991 com o objetivo de difundir o ensinamento do Taoismo em todas as
suas formas de expressão - religiosa, filosófica, científica e cultural - e contribuir para o
aperfeiçoamento espiritual dos frequentadores.

O caminho taoista propõe a restauração do estado pleno de vida e consciência, chamado Tao.
Para isso, utilizam-se vários meios, como as práticas que promovem a boa saúde física e mental,
o estudo de clássicos escritos pelos grandes mestres do passado, os métodos místicos para a
restauração da ordem interna e, fundamentalmente, a meditação como caminho de
autotransformação e elevação espiritual.

A Sociedade Taoista do Brasil foi fundada por Wu Jyh Cherng (1958-2004), sacerdote taoista Kao
Kon Fa Shi (Alto Ofício, Mestre da Lei). Mestre Cherng escreveu diversos livros sobre artes
taoistas e traduziu o Tao Te Ching, o livro do Caminho e da Virtude, o Yi Jing (I-Ching), o livro
das Mutações entre outros clássicos do taoismo. Em março de 2002 inaugurou a sede de São
Paulo, um espaço adequado para a prática e estudo do Taoismo, suas artes e sabedoria, e onde
se tem palestras abertas ao público, rituais, meditação e diversos cursos. Entre as atividades de
São Paulo, enfatiza-se as práticas de Meditação, Yi Jing (I Ching), Feng Shui, Astrologia
Chinesa (Zi Wei Dou Shu), Tai Ji Quan (Tai Chi Chuan), e Qi Gong (Chi Kun), e o atendimento
deacupuntura e massagem.
Wu Jyh Cherng, Sacerdote Taoista, fundador e regente da organização denominada Sociedade
Taoísta do Brasil, era o pontífice máximo do Taoismo no Brasil e na América Latina. Recebeu de
seus superiores, em Taiwan, o título de Kao Kon Fa Shi (Sacerdote de Alto Ofício, Mestre da
Lei). Mestre Cherng nasceu em Taiwan, em 1958, e em 1973 mudou-se com seus pais para o
Brasil, onde foi viver no Rio de Janeiro. Seu pai, Wu Chao Hsiang, médico formado pela
Faculdade de Medicina de Taipei (Taiwan) e Mestre em Tai Chi Chuan pela Sociedade Chinesa de
Tai Chi, foi um dos primeiros introdutores daacupuntura e das artes marciais no Brasil, Rio de
Janeiro, onde fundou o Instituto de Cultura Chinesa.

• BARKER, Tenente Coronel A. J. - MIDWAY. 1984 © Bison Books Limited, Troy, Michigan, E.U.A.

GAARDER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo.
Companhia das Letras, 2000.

• MOORE, Charles. A. (organização). Filosofia: Ocidente e Oriente. Editora Cultrix. Editora da


Universidade de São Paulo, 1978. Capítulo VI – Xinto: O Etnocentrismo Japonês – Shunzo
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• ROCHEDIEU, EDMOND. Xintoísmo e As Novas Religiões do Japão. Ed. VERBO Lisboa/São Paulo
Junho 1982.

• ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Ed. eBookLibris. Edição Eletrônica.


2001 www.ebooksbrasil.org/eLibris/contratosocial.html

• YAMASHIRO, JOSÉ. História da Cultura Japonesa. Ed. IBRASA. São Paulo 1986.
Introdução

No presente capítulo serão apresentadas duas das mais importantes religiões monoteístas que
exercem predominância no Oriente Médio e que encontram representação em praticamente
todos os continentes do nosso planeta. Trata-se das religiões consideradas como “proféticas” ou
“reveladas”, ou seja, que teriam surgido a partir de uma profecia ou de uma revelação especial
de seu deus. Falamos do Judaísmo e Islamismo, religiões que também são importantes para a
compreensão da história do Cristianismo no Ocidente.

JUDAÍSMO

Ronaldo Steffen
História

O judaísmo é uma religião inteiramente ligada à história. As narrativas bíblicas começam com
Adão e Eva e os relatos que descrevem a origem e as consequências do pecado, manifestadas no
desejo humano de rebelar-se contra Elohim (Deus). Segue-se a expulsão do paraíso. Mais tarde,
o mundo inteiro é destruído pelo dilúvio, salvando-se apenas Noé e sua família, além dos
animais que embarcaram na sua conhecida Arca. Em seguida, há os relatos da destruição de
Sodoma e Gomorra, cidades sem Elohim, e da construção e derrubada da torre de Babel,
destruída por representar a tentativa humana de chegar até o céu por conta própria.

De Abraão a Moisés

A fase histórica seguinte tem seu ponto de partida com Abraão, quando este sai da cidade de
Ur, localizada no atual Sul do Iraque, por volta de 1700 AEC. Seguindo orientação divina, Abraão
saiu de sua terra e foi em direção à terra indicada por Elohim, a fim de formar um grande povo.
Esse povo ganhou um nome após uma dramática luta entre um anjo de Elohim e Jacó, neto de
Abraão. Ao ser derrotado, o anjo dá a Jacó o nome de Israel (o que venceu a Elohim). Os filhos
de Jacó, mais tarde, vieram a ser identificados como as doze tribos de Israel.

Com José, um dos filhos de Jacó, as narrativas bíblicas mostram como os israelitas foram parar
no Egito. Após serem escravizados, foram retirados do Egito com a ajuda de Moisés, numa
jornada de 40 anos pelo deserto antes de chegarem à Canaã, a terra prometida.

Confira esses relatos no Livro de Êxodo, disponível emwww.sbb.org.br.

Fato marcante da travessia dá-se no monte Sinai quando Elohim dá a Moisés as duas tábuas da
Lei, que passaram a ser conhecidas como os Dez Mandamentos.

Por volta de 1.200 AEC, os israelitas conquistaram parte de Canaã, convivendo com povos não
israelitas. Foi a época dos juízes que cuidavam para que o povo respeitasse as leis dadas por
Elohim. A luta com os filisteus, nesse período, foi o episódio determinante da necessidade da
criação de um poder político centralizado.

O reino de Israel

O ano 1.000 AEC marca a introdução da monarquia através do rei Saul. Davi e Salomão são os
expoentes desse período. Com Davi, nascido em Belém, dá-se a unificação das tribos de Israel.
Com Salomão, dá-se a construção do Templo de Jerusalém no século X AEC.

A prática de sacrifícios no templo, espécie de oferendas, passou a ser a forma mecânica de


adoração. Surgem daí os profetas. Destaca-se Amós, que viveu por volta de 750 AEC. Amós
condenava os males sociais, como a opressão dos pobres pelos ricos.

O exílio na Babilônia

Advertidos pelos profetas do juízo e sofrendo punição em razão do descumprimento das leis
divinas, os israelitas, sem retroceder, viram o seu reino dividido em dois: o reino do Norte
(Israel) e o do Sul (Judá). Em 722 AEC, os assírios invadiram e devastaram o reino do Norte, que
deixa de ter importância política e religiosa.

O reino do Sul foi conquistado pelos babilônios em 587 AEC, deixando como marca da ocupação
a destruição do Templo de Jerusalém. Os habitantes do reino do Sul tiveram a permissão de
voltar a sua terra em 539 AEC. Daí em diante, passaram a se tornar conhecidos como judeus.

O Templo de Jerusalém foi reerguido em 516 AEC.

Ocupação estrangeira

Seguidas vezes, após o retorno da Babilônia, os judeus caíram sob o domínio político
estrangeiro. Foi assim que, em 70 EC (Era Comum), uma revolta contra os romanos levou ao
saque de Jerusalém. O Templo, que recentemente havia sido ampliado pelo rei Herodes, foi
outra vez arrasado. Dessa época em diante, tem-se um novo formato do judaísmo, desvinculado
do templo e centrado na sinagoga. Muitos judeus estavam agora dispersos pelas terras do Mar
Mediterrâneo, no que foi chamado de Diáspora judaica.

História mais recente

A dispersão dos judeus, provocada pelas diversas ocupações, permitiu-lhes, em muitas ocasiões
e em diferentes lugares, assumir papel de grande importância e destaque, tanto nas letras como
na economia (a religião permitia-lhes ganhar juros emprestando dinheiro).

No entanto, o que mais tem marcado a dispersão dos judeus é a constante campanha que
diferentes países e culturas têm desencadeado com o fim de afastar os judeus de seus limites
geográficos, em especial a partir da Baixa Idade Média. Por muito tempo, o cristianismo
encabeçou a perseguição aos judeus, sob a alegação de terem sido os judeus os culpados pela
morte de Jesus. Nos séculos XIII e XIV os judeus foram deportados da França e da Inglaterra; na
Espanha, a perseguição deu-se no século XV, com a expulsão em 1492. Na Noruega, em 1687, os
judeus foram proibidos de entrar em seu território. Culmina o cenário de perseguição, na
história recente próxima, com o avanço nazista na Europa, entre 1933 e 1945,onde ocorreu o
maior genocídio judeu da história. Os números normalmente falam de seis milhões de judeus
mortos no holocausto da guerra, apesar de que correntes revisionistas da história considerem
esse número exagerado, falando de cerca de dois milhões de mortos.

Mesmo em épocas em que as perseguições explícitas não ocorriam, os judeus continuavam


sofrendo restrições: eram tratados como párias sociais; eram obrigados a adotar nomes de fácil
identificação e a residirem em lugares específicos (os famosos guetos); eram proibidos de
possuir terras e assim por diante.

Apenas em 1948 veio o reconhecimento mundial de Israel como nação, através do ato pelo qual
a ONU criou o Estado de Israel. Os primeiros passos foram dados no fim do século XIX. Muitos
judeus consideraram a possibilidade de voltar para sua antiga pátria e, assim, fugirem das
constantes perseguições de que eram alvos. Essa ideia foi chamada de sionismo. A princípio,
muitos sionistas desejavam criar um Estado laico, secular, mas os judeus ortodoxos conseguiram
realizar o seu desejo de que o país fosse fundado com base na religião judaica.

Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito com o mundo árabe, também por causa dos
milhares de palestinos que foram deslocados de suas propriedades na época da fundação de
Israel.

Hoje, as terras israelenses abrigam apenas cinco dos quinze milhões de judeus. Apesar de
estarem espalhados em diversas nações do mundo, outra grande parte reside nos Estados Unidos
da América.

Ensinamentos
Deus

O judaísmo é uma religião monoteísta. Elohim, o deus único, é o criador do mundo e o senhor da
história. Toda vida depende dele e tudo o que é bom flui dele. É um deus pessoal, que tem
preocupação com as coisas que criou e nelas intervém.

Elohim é algo que não pode ser expresso em palavras. O nome de deus é representado pelas
letras IHVH, um acrônimo que significa "eu sou o que sou" em hebraico. Esse acrônimo costuma
ser lido como Jeová ou Javé, porém o nome real é tão sagrado que sempre se usa algum
sinônimo, como "o Senhor" ou "o nome". Jeová é o criador e o sustentador do mundo. A ideia de
que Elohim possa não existir é totalmente alheia a um judeu, pois ele é o centro da vida
judaica.

Particularmente específica na concepção de Elohim, é a expectativa nutrida pela vinda de um


messias ("o ungido") que virá criar um reino de paz na Terra. Historicamente, a expectativa
remonta à época do rei Davi, quando os reis eram ungidos ao subir ao trono. Desde o exílio
babilônico, os judeus alimentam a expectativa da chegada de um messias, saído da linhagem de
Davi. Esse rei ideal restabeleceria Israel como uma grande potência e seu povo passaria a
desfrutar de eterna felicidade.
MESSIAS
- Alguns esperam a vinda de uma pessoa;
- Outros esperam uma era messiânica;
- Outros identificam que essa era já chegou com a criação do Estado de Israel em 1948.

Até hoje, essa expectativa continua viva. Nem todos os judeus, porém,identificam o Messias
como uma pessoa; alguns falam numa "era messiânica", que seria um estado de paz na Terra,
com destaque especial para Israel. Há alguns judeus que identificam a criação do Estado de
Israel, em 1948, como o cumprimento dessa expectativa.

Ser humano

O fato de que Elohim é um, e apenas um, reflete-se na existência humana. Toda a vida do ser
humano deve ser consagrada a Deus. Não há linha divisória que separe o sagrado do profano.

Enquanto ser biológico, o ser humano faz parte do cosmo. No entanto, de tudo o que há no
cosmo, o ser humano foi escolhido como parte da essência divina, criado à imagem e
semelhança de Deus, ultrapassando os limites biológicos. Por isso, faz parte da missão divina no
cosmo, realizando a mediação entre o criador e a sua criação. A tarefa mais importante do ser
humano é cumprir todos os seus deveres para com Elohim e para com seus semelhantes.

O ser humano, embora biológico, faz parte da essência divina e deve cumprir a missão de
Elohim aqui na Terra.

Vida e morte

Com relação à vida após a morte, os judeus não estabelecem um dogma rígido ou fechado,
sendo este tema da teologia judaica sujeito a diversas interpretações. Porém, os judeus, de
modo geral, creem na imortalidade da alma. Para os judeus ortodoxos a noção de “vida após a
morte” é uma declaração da crença na vinda do Messias, que ressuscitará fisicamente os
mortos. Para os judeus liberais, por outro lado, a ideia é mais figurativa do que literal, existindo
"a terra dos vivos" e “a terra dos mortos”, sendo que a ponte entre elas é o amor.

Os escritos sagrados

O chamado cânone judaico foi fixado por um concílio em Jabne, por volta de 100 EC. São 24
livros divididos em três grupos:

Torah (a Lei): os cinco livros de Moisés;

Nevim (os Profetas): os livros históricos e proféticos;

Ketuvim (os Escritos): os demais livros.

Além da Torah (ou Torá), os judeus obedeciam a regras transmitidas oralmente. Conforme a
tradição, no monte Sinai Moisés teria recebido a "Lei Escrita", bem como a "Lei Falada". A Lei
Falada era proibida de ser escrita, pois deveria adaptar-se às condições reais da vida em
diferentes lugares e épocas. Após a dispersão dos judeus, com o risco de perder-se a tradição
oral, decidiu-se registrar as orientações. Esse material chama-se Talmude. Não é em si um livro
de ensinamentos e sim um texto usado pelos rabinos em seus ensinamentos, para orientação dos
fiéis em situações concretas.

A sinagoga e o sábado

Desde o exílio, a sinagoga tem desempenhado papel primordial na preservação das práticas
religiosas dos judeus. É nesse espaço que se encontra a Arca da Aliança, uma espécie de armário
colocado sistematicamente na direção de Jerusalém, onde são guardados os rolos da Torah. Nas
manhãs dos sábados (shabat), das segundas e quintas-feiras, os rolos são lidos de tal forma que
todo livro é lido no decurso de um ano. A sinagoga pode abrir suas portas para os serviços
religiosos três vezes por dia, desde que dez homens estejam presentes. As mulheres não
desempenham parte ativa no serviço religioso, pelo menos nos grupos ortodoxos. No entanto,
encontram seu espaço nos rituais do shabat.

O shabat dura do pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado. É uma relembrança do
ato criador de Jeová, que descansou no sétimo dia. O sábado tornou-se uma festa semanal de
renovação que ocorre em família. A esposa abençoa as velas do shabat na mesa já posta. O
marido abençoa o vinho e o pão. É um importante momento para a união familiar judaica.

As regras alimentares

É responsabilidade da mulher zelar pela alimentação da família, devendo ser respeitadas as


regras definidas nos livros sagrados. O judaísmo possui o que se chama de
dieta kasher (ou kosher). Kasher significa correto, justo, bom. Aplicado à comida, refere-se
apropriada ao consumo, isto é, que preenche todos os requisitos da dieta judaica.

A carne só pode provir de animais que ruminam e que têm o casco partido, o que exclui o porco,
o camelo, a lebre, o coelho e outros. Das aves, podem-se comer as não predatórias. Dos peixes,
podem-se comer os que possuem escamas e barbatanas, excluindo-se polvos, lagostas, mariscos,
caranguejos, camarões etc.

Toda comida feita de sangue também é proibida, já que, para os judeus, a vida está no sangue.
Os animais com sangue, e permitidos para alimentação, devem ser abatidos de forma que o
máximo possível de sangue seja extraído. Há ainda outras restrições alimentares, como comer
derivados de carne juntamente com derivados de leite. As frutas, verduras, bebidas alcoólicas e
não alcoólicas são permitidas.
A ética

O religioso e o ético fundem-se na vida de um judeu. Tudo pertence à Lei de Elohim. Além das
248 ordens afirmativas e das 365 proibições, a vida do judeu ainda deve respeitar os costumes e
práticas que se consolidaram ao longo de sua história.

Entre as qualidades éticas recomendadas, estão a generosidade, a hospitalidade, a boa vontade


para ajudar, a honestidade e o respeito pelos pais.

O dízimo (10%) faz parte do comportamento de muitos judeus. Com relação aos pobres e
necessitados, é curioso notar que o ato de dar esmolas não é considerado caridade, mas justiça.
O dever de combater a pobreza é preceito bíblico a fim de cumprir-se a palavra de que jamais
haverá pobre no povo escolhido. A mesma concepção é mantida em relação às viúvas, órfãos e
estrangeiros.

Refletir:

Dar esmola não é caridade, mas ato de justiça.

Quando, em determinada situação, não houver clareza sobre o que fazer, ou se a atitude gerar
conflito, diante desse dilema ético deve sempre prevalecer a vida humana sobre os demais
valores.

As fases da vida

Nascimento, juventude, casamento e morte são fases da vida, marcadas por costumes antigos e
ainda mantidos.

Circuncisão: oito dias após o nascimento, os meninos são circuncidados e recebem


formalmente seu nome. Na circuncisão, o prepúcio dos recém-nascidos é cortado
ao oitavo dia como símbolo da aliança entre Deus e o povo de Israel. A menina, mesmo
que não possa receber a circuncisão, também recebe seu nome na sinagoga uma semana
após o nascimento.

Bar mitsvá e bat mitsvá: no primeiro sábado após completar 13 anos, o menino é
recebido como "filho do mandamento" (bar mitsvá). No ano precedente, ele é instruído
nas leis e nos costumes judaicos, bem como aprende a ler o trecho da leitura da Torah
que fará no sábado de sua recepção. Já a menina, torna-se "filha do mandamento" (bat
mitsvá), automaticamente, ao completar 12 anos. Por volta dos 15 anos, ela aprende o
principal da história e os costumes judaicos e, particularmente, empenha-se em aprender
as regras alimentares, que é sua responsabilidade doméstica.

Casamento: a família tem papel primordial na manutenção da cultura e da educação


judaica. O casamento é o modo de vida ideal e o único tipo de coabitação permitido. Por
princípio, judeu deve casar com judeu. O divórcio é permitido, mas, para que seja
legítimo, deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à
esposa a carta de divórcio.

Enterro: o enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte. A cremação não
é permitida. No cerimonial de sepultamento, não se usam flores e nem música. O
cemitério é sempre muito bem cuidado em razão de ser o lugar onde os mortos
descansam até a ressurreição.

Os festivais

As festas judaicas marcam não apenas momentos de alegria. Elas trazem consigo uma forte
conotação histórica e religiosa, servindo para marcar eventos que ressaltam a intervenção divina
na vida do povo judaico, tanto no passado como no presente.

Rosh há-shaná (Ano-Novo): celebrado em setembro ou outubro, rememora Jeová como


criador e rei, conduzindo as pessoas a se concentrarem na autoanálise e no
arrependimento.

Iom Kippur (Dia do Perdão): é o fim do período de dez dias de arrependimento, iniciado
no Ano novo.

Sukot (Festa dos Tabernáculos): ocorre alguns dias após o Dia do Perdão e procura
relembrar o período em que os judeus, durante sua peregrinação pelo deserto, residiam
em tendas.

Chanuká (Festa da Inauguração): realizada em novembro ou dezembro por oito dias,


comemora a reinauguração do Templo de Jerusalém, ocorrida em 165 AEC.

Pessach (Páscoa): Celebrada em março ou abril, relembra a passagem da dez pragas do


Egito, quando na décima praga o anjo do Senhor passou "por cima" das casas dos
israelitas, poupando os filhos judeus e matando todos os demais primogênitos da terra do
Egito. Tem a duração de oito dias e só se come pão sem fermento.
Shavuot (Festa das Semanas): ocorre em maio ou junho e comemora a ocasião em que a
Torah foi dada ao povo no monte Sinai.

Mundo

Registra o texto sagrado em Gênesis, capítulo 1, que Elohim criou o "céu e a Terra" (o Universo),
sendo o ápice da criação o ser humano. Tendo concluído sua obra criadora, emanada
exclusivamente de sua inexplicável vontade, constata que o Universo é bom. A força da qual flui
o ato criador é sua ordem, a partir do nada e concretizada por suas palavras. A soberania divina
está realçada. Ele é o Criador.

Uma vez criado, o Universo continua a existir por vontade divina e não por motivo próprio. A
força vem de fora, não de forma impessoal, mas pessoal. Ainda que o Universo possua
características materiais evolutivas, percebe-se, nesse processo, a vontade divina presente no
ato criador que lhe deu essa característica.

Principais tendências

O judaísmo é tanto uma identidade hereditária e um modo de vida quanto um sistema religioso.
Essa colocação faz perceber a existência de uma diversidade de entendimentos.
ISLAMISMO

Ronaldo Steffen
História

Com origem na Arábia, o islã está profundamente relacionado com a cultura árabe. Ressalte-se,
no entanto, que hoje apenas uma minoria de seus seguidores é árabe. O islã está difundido por
regiões da África e Ásia, além de outros continentes, sendo seguido por cerca de 15% da
população mundial.

A palavra árabe islam significa submissão. É pertinente ao seu conteúdo que o ser humano deve
entregar-se a Deus e submeter-se a Sua vontade em todas as áreas da vida. Esse entendimento
sugere que, enquanto religião, o islã abrange todas as áreas da vida humana, pessoal e social.

É a terceira e última das religiões originadas com Abraão, após o judaísmo e cristianismo. Fruto
de um "segundo casamento" de Abraão (visto que sua esposa Sara não lhe dava filhos), Hagar
gerou o filho primogênito de Abraão, chamado de Ismael, cuja descendência gerou o povo
árabe de onde nascem os muçulmanos.

De importância capital para a compreensão do islã é a figura de Muhammad, ou Mohammed, ou,


ainda, Maomé.

A formação religiosa de Maomé

Meca era um importante centro comercial e religioso da Arábia. Tribos nômades já adoravam,
bem antes de Maomé, a pedra preta, objeto de muitas peregrinações de beduínos e conhecida
hoje como kaaba. Era também prática comum na região cultuarem-se muitos deuses e seres
sobrenaturais, quase sempre ligados a práticas animistas. Em geral, os cultos eram tribais. Aliás,
a tribo e a família eram estruturas centrais para o modo de vida dos nômades. Todo o sistema
legal estava vinculado à tribo, originada e mantida pelos laços de sangue. Era recorrente a
prática da lei do "olho por olho", quando um dos membros de uma tribo era assassinado por
membro de outra. Um cenário de constantes e sangrentas rixas fixou-se como prática comum.

Já à época de Maomé, apresentava-se um quadro de transição. A sociedade beduína nômade


começava a dar lugar a uma sociedade urbana mais fixa. Com isso, a religião e as práticas
tradicionais passaram a ser revistas. Nesse hiato, aumentou em muito a influência do judaísmo e
do cristianismo. Com toda certeza, Maomé foi fortemente influenciado pelo monoteísmo e pela
noção de fim de mundo acompanhado de juízo final.
O judaísmo havia se estabelecido em toda a Arábia depois da queda de Jerusalém em 70 d.C.
Aos poucos, os judeus incorporaram a língua e o estilo de vida dos árabes, mantendo, porém,
sua própria crença e seu culto mosaico.

O cristianismo, por sua vez, também havia avançado por muitas regiões do Oriente Médio.
Estados tornaram-se cristãos, como a Abissínia (atual Etiópia), bem como muitas tribos
beduínas. Com certeza, o grupo que mais influenciou Maomé em sua formação religiosa foram os
monges e eremitas cristãos, que viviam isolados nos desertos da Arábia. Devotos e generosos,
eram pródigos na ajuda aos viajantes.

Alá revela-se a Maomé

Era costume de Maomé retirar-se todos os anos para uma caverna aos arredores de Meca com o
fim de meditar. Este hábito também era prática corrente dos eremitas cristãos que,
diferentemente de Maomé, fundamentavam sua meditação em algum texto sagrado, em geral os
evangelhos da tradição cristã.

Aos 40 anos, Maomé teria tido uma revelação, na qual aparecera-lhe o arcanjo Gabriel com um
pergaminho ordenando-lhe que o lesse. Maomé não sabia ler e, em vista disso, o arcanjo
incitou-lhe a recitar o que ouvia.

As recitações transmitidas por Maomé foram reunidas num livro, o Qu´ran, o Corão, coligido
apenas após a sua morte. Assim como no judaísmo e no cristianismo, o islamismo também passa
a ter seu livro sagrado, considerado a revelação de Alá aos seres humanos.

De Meca a Medina

Após a revelação, Maomé começa sua pregação em Meca. Proclama-se profeta e mensageiro de
Deus. As famílias abastadas entenderam essa pregação como manobra para usurpar o poder
político da cidade. As famílias assentadas no tradicionalismo religioso também se lhe opuseram
por entender que se abandonassem suas antigas crenças, estariam reconhecendo que seus
antepassados foram pagãos.

A crise estava instalada. A situação de Maomé piora após a morte de seu tio e sua esposa. Alguns
de seus seguidores, residentes em Medina, mostraram-se dispostos a aceitá-lo na cidade. Assim,
em 622, Maomé sai de Meca e vai para Medina. Esse episódio é conhecido como hégira, que
significa rompimento ou partida, mas jamais fuga.
Líder religioso e político

Em Medina, Maomé torna-se um líder religioso e político. Sem perder de vista seu futuro retorno
a Meca, procura estabelecer-se financeiramente através de assaltos a caravanas pertencentes às
famílias ricas de Meca. O conjunto das atividades desenvolvidas por Maomé com vistas ao
retorno a Meca é conhecido como jihad, um termo que hoje também é empregado para
designar a guerra santa.

Jihad atribui-se ao conjunto das ações que Maomé desenvolveu para voltar a Meca.

Na década seguinte, ele toma a cidade de Meca por meios militares e diplomáticos. Conquistou ,
a seguir, grande parte da Arábia. Antes de morrer, em 632, tinha conseguido unir o país e
transformá-lo num só domínio, onde a religião tornara-se mais importante que os antigos laços
familiares e tribais.

O cisma no Islã após Maomé

Após a morte de Maomé, a liderança do movimento foi assumida pelos califas, ou sucessores. Os
três primeiros califas eram parentes de Maomé. O quarto califa, Ali, genro de Maomé, casado
com sua filha Fátima, era filho de seu tio, Abu Talib, que o havia criado.

O cisma no mundo islâmico começa na época de Ali, cuja liderança foi repleta de controvérsias.
Ali acabou sendo assassinado por seus adversários. Seus seguidores defendiam e acreditavam
que, por ser o parente mais próximo de Maomé, ele era o seu sucessor natural. Esses seguidores
eram identificados como sendo os Shiat Ali (o partido de Ali), ou xiitas, que formam a base da
religião oficial do Irã de hoje.

Surgem os xiitas e os sunitas

Os xiitas defendiam que a liderança do movimento deveria ser concedida a um descendente


direto de Maomé, enquanto que o grupo divergente, facção bem maior que os xiitas,
identificados como sunitas, julgava que a liderança cabia ao indivíduo que de fato controlava o
poder.

Após a morte de Ali, o califado teve sede em Damasco por algum tempo. A seguir instalou-se em
Bagdá, onde permaneceu por 500 anos. Depois disso a liderança passou para o sultão turco de
Istambul. O último sultão foi derrubado em 1924. Desde então, o mundo islâmico deixou de ter
um califa como líder.

Ensinamentos
Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta. Esse é o resumo da fé islâmica: o monoteísmo e
a revelação dada a Maomé.

Monoteísmo

Alá não se trata de um nome pessoal, mas é a palavra árabe que significa Deus.
Etimologicamente, a palavra alah relaciona-se com a palavra hebraicael, que é utilizada na
Bíblia para nomear o Deus dos hebreus.

O termo alah, árabe, e o termo el, hebraico, referem-se a Deus.

O politeísmo é atacado com veemência no Islã, ressaltando a crença num só Deus, que é criador
e juiz. Ele criou o mundo e tudo o que há nele. No último dia irá trazer todos os mortos de volta
à vida para julgá-los.

Há também uma forte ênfase no amor e na compaixão divinas. Embora Deus seja aquele a quem
todos devem submeter-se, também é o que perdoa e auxilia o ser humano. O ser humano não
merece nada de Deus e nem pode invocar direitos sobre nada. A salvação e a fé brotam somente
da graça de Deus e são coisas que os seres humanos podem apenas ter esperança de conseguir.

Revelação

Deus falou ao ser humano por intermédio de seu profeta Maomé. Ele é o último dos profetas
enviado por Deus à humanidade. Embora de início Maomé estivesse próximo às tradições
judaico-cristãs, delas se distancia em razão de controvérsias tidas com os judeus sobre
narrativas do Antigo Testamento.

O fundo histórico do movimento desencadeado por Maomé é encontrado em Abraão e seu filho
Ismael, antepassado dos árabes. Maomé ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a
sagrada Kaaba, que fora erigida por Adão e destruída pelo dilúvio. Para Maomé, tanto os judeus
como os cristãos distanciaram-se do monoteísmo de Abraão.

Quando, em Medina, Maomé ensinara que, ao se orar, o rosto deveria estar voltado para
Jerusalém. Depois de rompidas as relações com os judeus a orientação mudou: o fiel, agora,
deve estar de frente para Meca ao orar. Por essa época, também se designou a sexta-feira como
dia sagrado da semana.

Em relação ao cristianismo, a diferença acentuou-se na questão da trindade. Além disso, houve


divergência no papel de Jesus que, para o cristianismo, é o Verbo (Palavra) revelado, enquanto
que para o islamismo a revelação é o próprio Qu´ran (Corão).

Ser humano

O ser humano possui um estatuto especial e uma posição privilegiada no Universo. A vida é
dádiva divina. O ser humano é criatura divina perfeita e possuidora de uma alma que perdura
após a morte.
A bondade lhe é inata por graça divina e não se perde por qualquer meio ou motivo. Não há a
noção de um pecado herdado. O ser humano é sempre bom. Quando muito, ele se esquece de
sua origem divina e da bondade que lhe é inerente. Para que isso não ocorra, o ser humano
necessita constantemente reavivar suas origens e qualidades divinas.

O fato de ter sido escolhido por Deus para revelar-se, dá a dimensão exata dos grandes valores e
das qualidades humanas.

Vida e morte

Os Cinco Pilares

A vida de um seguidor do islamismo está marcada por cinco passos bem definidos, denominados
de Os Cinco Pilares.

Credo: "Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta". É a primeira coisa que se
deve sussurrar ao ouvido da criança recém-nascida e a última a ser sussurrada no ouvido
do moribundo.

Oração: deve ser feita cinco vezes ao dia. O pressuposto é estar ritualmente limpo das
impurezas causadas pelas funções corporais, o que é obtido pelo banho em água
corrente.

Caridade: é uma espécie de taxa sobre a riqueza e propriedade, fixada em cerca de 2,5%
sobre o montante. Ela é destinada a usos sociais, objetivando diminuir as desigualdades
entre ricos e pobres, sem interferir no princípio da propriedade privada. O Islã não proíbe
que se desfrute a vida na terra, mas lembra de que se deve ter sempre em mente o fato
de que esta não passa de uma preparação para a vida que começará depois do
julgamento divino.

Jejum: o Corão proíbe comer carne de porco e beber álcool. De resto, nada se proíbe. A
exceção é o jejum durante o Ramadan, mês em que Maomé teve sua primeira revelação.
Nesse período, entre o nascer do sol e o pôr do sol, é proibido comer, beber, fumar ou
ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as crianças e as mulheres grávidas ou que
estão amamentando são liberados dessa restrição, mas são exortados a cumprir o jejum
numa data posterior.

Peregrinação a Meca: todo muçulmano adulto que dispõe de meios financeiros deve
realizar, pelo menos uma vez na vida, uma peregrinação a Meca. Os peregrinos que para
lá se dirigem passam a usar vestes brancas e caminham em torno da Kaaba por sete
vezes. Outro momento importante é quando os peregrinos vão ao monte Arafat e lá
ficam, sem cobrir a cabeça, do meio-dia até o pôr do sol. Foi no monte Arafat que Adão e
Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim do Éden. O ponto alto
das festividades é o sacrifício de algum animal (carneiro, bode, camelo, boi etc.). A
finalidade é relembrar que Abraão foi tão obediente a Deus que se dispôs a sacrificar seu
próprio filho, Ismael. Deus foi misericordioso com Abraão e enviou-lhe um animal para
que ele o sacrificasse em lugar do filho.
Relações humanas - ética e política

Não há, no Islã, distinção entre religião e política, tampouco entre fé e moral. O Corão é
suficiente para resolver todas as questões que envolvem os relacionamentos humanos. Quando
as instruções do Livro não forem suficientes, recorre-se a dois princípios:

princípio da similaridade ou analogia: busca-se no Corão um exemplo semelhante e


capaz de sugerir uma decisão;

princípio do consenso: uma decisão de consenso pode ser vista como lei a ser observada.

Os xiitas adotam um terceiro princípio: o da revelação. Acreditam que a revelação não está
concluída e que seus líderes são os instrumentos divinos para as novas interpretações. Essa
posição contraria a dos sunitas, que afirmam que a revelação veio apenas uma vez, em sua
forma final.

As mulheres no islã

Há profundos contrastes no tratamento de homens e mulheres na vida social e nas leis relativas
ao casamento. Deve-se, no entanto, afirmar que o Corão, em relação às mulheres, tanto
determina obrigações ("os homens têm autoridade sobre as mulheres") quanto direitos (o dote
pago pelo marido por ocasião do casamento é propriedade da mulher e não pode ser usado sem
o consentimento dela).

A mulher só pode ter um marido. Já o homem pode ter até quatro esposas, desde que as possa
sustentar. A poligamia é proibida na Turquia e na Tunísia. Outra particularidade, com relação ao
casamento e pouco conhecida, embora bastante difundida, é o casamento por contrato com
tempo determinado. É utilizado, em especial, quando o marido fica por muito tempo fora de
casa e tem por fim preservar a sustentabilidade da mulher.

O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado pelo marido, que é o responsável pelo lado
financeiro do casamento. O marido tem o direito de punir fisicamente a mulher se ela for
desobediente.

A excisão do clitóris (mutilação genital feminina) não é obrigatória, mas, mesmo assim, é
praticada com frequência no Norte da África. Não há, no Corão, menção a essa prática, bem
como não se menciona a tradição de usar o chador, o véu. São questões muito mais ligadas à
cultura do que à religião.

A morte

Após a morte, a alma do fiel muçulmano vai a um paraíso desfrutar dos seus deleites e
contemplar o rosto de Alá. A alma do infiel, por seu turno, vai ao inferno. Aguardar-se-á o dia
do juízo, quando as ações dos seres humanos serão definitivamente julgadas e receberão a
devida paga. As almas dos mártires e dos profetas não passarão pelo juízo final, pois já estão no
paraíso. O ato final será a proclamação do Islã como religião mundial, liderada por Jesus.
A crença num julgamento final após a morte é necessária, segundo muitos muçulmanos, para
que o ser humano assuma a responsabilidade sobre seus atos. A ideia de um julgamento cria um
senso moral de dever que é relevante para a comunidade.

Mundo

O mundo foi criado por um ato deliberativo de Alá. Dois aspectos emergem em decorrência: o
mundo da matéria é real e importante e por ser obra de Alá, que é perfeito em bondade e
poder, o mundo material também o é.

GAARDER, J.; NOTAKER, H.;HELLERN, V. O livro das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1998.

LUCCHESI, Marco (coord.). Caminhos do Islã. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002.

SIAT, Jeannine. Religiões Monoteístas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora Cultrix, [s.d.].


Introdução

O tema deste capítulo apresenta um sentimento comum a todos os indivíduos e sociedades: o


sentimento de culpa. Além de identificarmos a origem, os tipos e as consequências da culpa
para o ser humano, trataremos do tema também sob a perspectiva das diferentes religiões.
Pretende-se dar um destaque para a proposta libertadora do Cristianismo, que reflete
diretamente sobre a tríade culpa-pagamento-perdão, procurando mostrar a questão existencial
que permeia o tema.

A universalidade da culpa

Uma das primeiras questões que introduzem a nossa discussão diz respeito a por que abordar a
temática da culpa na disciplina de Cultura Religiosa. O texto base que nos conduz nessa
discussão encontra-se na obra do psiquiatra suíço Paul Tournier, cujo sugestivo título é Culpa e
graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho (TOURNIER, 1985).

A culpa é, indubitavelmente, um dos aspectos fundadores e estruturantes de muitas religiões, o


que não invalida analisar tal sentimento de maneira mais criteriosa, que aponte para as
interfaces da culpa com aspectos psicológicos, sociológicos, antropológicos e existenciais do ser
humano. É nessa visão interdisciplinar que nos propomos a seguir.

Alguns poderiam perguntar: será que é relevante abordar a questão do sentimento de culpa?
Será que a culpa diz respeito a minha vida ou faz parte do meu cotidiano? Poderia tentar-se
responder de muitas maneiras, mas duas delas já são suficientes para fundamentar nossa
posição de concordância. A primeira delas faz menção a uma reportagem da revista Veja
(31/07/2002), cuja capa trazia o título: "Culpa: por que esse sentimento se tornou um dos
tormentos da vida moderna". Nessa reportagem, a revista procura apontar para "as culpas
cotidianas de cada um". Estas parecem não ser mais uma questão de escolha pessoal, mas sim
de imposição aos indivíduos que vivem na sociedade moderna: competição no emprego, filhos
ou carreira, desempenho sexual, comer demais, insucesso financeiro são apenas algumas das
culpas listadas.

Uma segunda forma de fundamentar a universalidade da culpa é fazer um exercício de


autoanálise. Cada um pode olhar para seu passado, recente ou remoto e tentar listar todos os
momentos, vivências e situações em que se sentiu culpado, seja na última semana, no último
mês ou ano. Poderíamos perguntar se é possível um sujeito saudável psiquicamente olhar para o
seu passado e dizer que nunca sentiu algum tipo de culpa. Uma resposta adequada precisaria ser
negativa, pois a culpa parece fazer parte da dimensão humana, sendo uma questão inclusive
civilizatória.

Não se quer aqui dimensionar a culpa ou medir a sua intensidade, pois sabemos que as culpas
são diferentes para cada uma das pessoas: o que para um pode ser motivo de culpa, para outro
pode ser motivo de riso. A culpa é um sentimento muito pessoal, particular e subjetivo. Isso não
quer dizer, porém, que as culpas também não possam ser questões de caráter cultural, religioso
e familiar, ou seja, o que para determinados grupos, sociedades ou culturas pode ser rotulado
de culpa (ou ato culposo), para outros pode ser um costume normal ou natural. O que se pode
afirmar, categoricamente, é que a culpa é um sentimento humano universal, existencial, que
precisaria estar presente em todos os seres humanos ditos saudáveis, no sentido de que a
ausência completa e a falta de qualquer sentimento de culpa é uma das marcas da psicopatia,
de uma mente não saudável.

Origem da culpa

De onde, afinal, surge a culpa humana? É um fator externo ou interno ao ser humano? Ela brota
de dentro para fora, sendo um aspecto humano inato, ou é incutida de fora para dentro, como
um produto do meio social? Observa-se que as duas visões não se excluem mutuamente, pelo
contrário, são complementares. Há, portanto, um duplo caminho na formação da culpa humana:
interno e externo.

Que a culpa é incutida exteriormente, prova-se a partir de uma rápida análise do meio em que
se vive. Quanto mais regras, leis e mandamentos uma sociedade tiver, tanto mais culpa gerará
nos indivíduos que dela fazem parte. Mesmo que os indivíduos não se sintam culpados em
transgredir determinadas regras sociais, a culpa existe e é reputada a eles. Há inúmeras
espécies de regras ou leis que regem a convivência em sociedade: civis, religiosas, sociais,
profissionais e pessoais. Todas elas são praticamente "impostas" aos indivíduos que desejam
viver e conviver em coletividade.

Nesse sentido, precisamos fazer aqui uma diferenciação entre dois tipos de culpa: culpa
objetiva e culpa subjetiva, conforme descreve Gary Collins (Aconselhamento Cristão, 1995).
A culpa objetiva existe em separado de nossos sentimentos. Ela ocorre quando uma lei ou norma
foi violada. O transgressor é culpado perante essa lei (pela transgressão desta), mesmo que
talvez não se sinta culpado. Já a culpa subjetiva é o sentimento pouco confortável de pesar,
remorso, vergonha e autocondenação que surge, com frequência, quando fazemos e pensamos
algo que sentimos estar errado, ou quando deixamos de fazer algo que julgamos que deveria ter
sido feito. A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada aos sentimentos humanos e
remete-nos à segunda fonte da culpa: a nossa própria consciência. É possível afirmar que o ser
humano é dotado de uma capacidade inata, uma voz interior que lhe dá uma intuição íntima e
pessoal do que é certo ou errado. Vamos exemplificar: você pode ter feito algo que todas as
pessoas ao seu redor julgam como correto, mas, mesmo assim, brota no seu coração o
sentimento de culpa. Dois exemplos concretos: uma mãe que precisa aplicar um castigo ao filho
por um erro que ele cometeu, ou ainda um gerente que precisa despedir um mau funcionário,
que, entrementes, está com dificuldades de saúde na família. Tanto a mãe quanto o gerente
fazem o que é socialmente esperado, agindo corretamente, porém, mesmo assim, podem sentir-
se culpados pela decisão que tomaram. Isso confirma que a culpa subjetiva pode brotar no
indivíduo mesmo quando não há uma culpa objetiva ou exterior imposta a ele.

Um dos grandes questionamentos na análise do sentimento de culpa é se ele é um aspecto


negativo ou positivo na vida de um indivíduo e da própria sociedade. A resposta dependerá de
alguns critérios, como frequência, quantidade, intensidade e duração da culpa ou ainda do uso e
do abuso que alguns indivíduos fazem dela.

Numa primeira análise, pode-se dizer que os aspectos negativos da culpa prevalecem. A culpa é
vista como produtora de neuroses, geradora de angústias e até promotora de doenças de cunho
psicossomático. Aprofundaremos tais questões mais adiante.

Vamos olhar, porém, para os aspectos positivos da culpa. Ela pode, sim, cumprir uma função
positiva e construtiva, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Vamos a elas:

prevenção: antes de cometer um ato ilícito, a culpa já pode surgir, evitando que o
indivíduo cometa o ato que está pensando. Ou seja, a culpa antecipatória age prevenindo
um possível erro moral ou legal, podendo evitar um eventual prejuízo de terceiros;

reflexão: após cometer uma ação ou omissão que a sua consciência apontou como errada
ou má, a culpa surge e leva o indivíduo a refletir sobre tal comportamento. A culpa leva,
portanto, a uma autoanálise crítica das próprias ações;

reparação: quando a culpa brota e se instala no indivíduo, pode levá-lo a reparar seu
erro, seja no pedido de perdão e desculpas ou na restituição concreta do que lesou o
outro;

retificação de vida: como última função positiva, a culpa pode levar o indivíduo a não
mais cometer um ato que sua consciência julgou ilícito, isto é, a culpa faz com que o
sujeito não reincida no erro, gerando uma mudança positiva de comportamento.
Olhando para as funções positivas acima, pode-se afirmar que um indivíduo que não sinta
nenhuma culpa diante de algumas atitudes e decisões pessoais pode tornar-se uma ameaça para
si e para a própria sociedade. A ausência da culpa, que parece indicar a inoperância da
consciência moral, faz com que o indivíduo perca a noção dos limites e da liberdade do outro,
tornando esse indivíduo "perigoso" socialmente, pela falta do princípio de alteridade
(reconhecimento e respeito pelo outro).

Outro aspecto negativo da culpa é o uso nocivo que alguns indivíduos fazem dela, no sentido de
manipular as pessoas, no que é comumente chamado de chantagem emocional. Normalmente,
quando fazemos as pessoas sentirem-se culpadas, passamos a ter certo controle sobre elas.
Essas pequenas chantagens fazem parte de nosso repertório comportamental: é um filho que diz
que a mãe não gosta dele caso não lhe pague uma viagem; é um pai que simula ao filho choro,
caso ele não lhe der um abraço; é o rapaz que se faz de vítima diante do término do namoro,
dizendo que vai se matar etc. Cabe aqui um alerta: precisamos tomar cuidado para não
pautarmos os nossos relacionamentos sobre o sentimento de culpa, pois este leva a sentimentos
não construtivos, como pena, comiseração, rancor, indiferença, gerando um ambiente não
saudável e gerador de sofrimento aos envolvidos.

Ainda com relação aos aspectos negativos, a culpa pode cobrar um alto preço do indivíduo,
podendo provocar crises de ansiedade, angústia, preocupação, insônia, mau humor, baixa
autoestima, melancolia, depressão e, inclusive, levar um indivíduo a cometer o suicídio.
Doenças como úlceras, gastrites, impotência, frigidez, enxaquecas, entre outras, também
podem ter um forte componente emocional ligado às culpas individuais. Culpas reprimidas e não
resolvidas certamente se tornarão sintomas neuróticos. Vamos aprofundar agora a questão
desses pagamentos, conscientes e inconscientes, que a culpa nos impõe.

Culpa e pagamento

Na obra do psiquiatra Paul Tournier, já citada na introdução deste trabalho, lê-se que a culpa
traz como consequência quase inevitável uma ideia de pagamento: "tudo deve ser pago", diz o
autor. "Parece-me que isto surge, pelo menos em grande medida, de uma atitude psicológica
que eu agora quero enfatizar, a saber, a ideia profundamente enraizada no coração de todos os
homens, de que tudo deve ser pago"(TOURNIER, p.200).

Esse sentimento de dívida constante, mesmo que tenha sido valorizado na perspectiva judaico-
cristã, não fica circunscrito ao mundo cristão tradicional. Como diz Tournier, basta lembrar as
multidões inumeráveis de fiéis hindus que mergulham nas águas do rio Ganges, a fim de serem
lavados de suas culpas e até nas ofertas votivas e no ouro que cobrem as estátuas de Buda.
Igualmente, são inúmeros os penitentes e peregrinos de todas as religiões que impõem a si
mesmos sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer forma de prazer) ou duras jornadas
como formas de pagamento, seja por culpas cometidas ou até por graças alcançadas. Tais
pessoas parecem ter uma necessidade interna de pagar, de expiar as suas culpas (TOURNIER,
p.201).
Basta observarmos as relações humanas cotidianas para comprovar a assertiva acima. Muitos
exemplos podem ser dados. Uma falha leve com a namorada (deixar de acompanhá-la à
liquidação no shopping para ir ao jogo com os amigos) pode ser paga com um buquê de flores e
um convite para jantar. Já uma falha mais grave (uma "traição"), certamente, exigirá um
pagamento mais "caro" para a conquista de um eventual perdão.

A típica frase "Essa ele me paga!", muitas vezes repetida por nós em inúmeros e variados
contextos e situações expressa o que estamos aqui afirmando. Todas as faltas, os erros, delitos
e pecados exigem um pagamento, que normalmente implicará uma proporcionalidade, isto é, o
tamanho (preço) do pagamento é proporcional ao tamanho do erro. Exemplo: no Direito, um
crime leve normalmente demanda uma pena leve, já um crime grave demandará uma pena mais
longa e severa. Na prática da confissão católica, a penitência normalmente é dada ao fiel de
acordo com a gravidade do seu pecado.

Continuando nessa abordagem psicológica, muitos dos problemas e das neuroses trazidos pelos
pacientes nos consultórios estão ligados diretamente ao sentimento de culpa, como já foi dito
anteriormente. Algumas vezes, essa culpa é claramente identificável e manifesta, estando no
plano consciente. Outras vezes, porém, as culpas surgem como um sentimento vago e
indefinido, ligadas a uma esfera semiconsciente, cujo prejuízo na saúde psíquica pode ser até
mais grave do que a culpa consciente.

A própria psicanálise afirma que muitas doenças nervosas e físicas e até mesmo acidentes, bem
como frustrações na vida profissional, podem ser tentativas de expiação da culpa que é
totalmente inconsciente. Seriam formas de punição que o sofredor administra a si mesmo e
continua repetindo indefinidamente como uma espécie de fatalidade inexorável Um exemplo
hipotético de como isso pode acontecer: uma mãe, muito irritada com seu filho de oito anos,
acaba dizendo a ele que o seu nascimento a impediu de concluir o curso de Medicina, levando-a
a abdicar de sua realização pessoal e profissional e que hoje se vê frustrada por ter feito tal
escolha. Esse filho pode internalizar essa crítica e, por um sentimento de culpa reprimido, não
conseguir concluir nenhum curso superior, como forma inconsciente de pagar a culpa pela
frustração profissional da mãe. A culpa, portanto, sempre cobra algum preço, muitas vezes, um
preço altíssimo, que pode incapacitar o indivíduo de ser uma pessoa realizada e feliz. Essa é
uma crítica também reputada às religiões, como veremos a seguir.
Culpa e religião

A culpa é um dos aspectos fundantes ou estruturantes de muitas religiões. Por mais ácida que
seja essa afirmação, ela não é de todo injusta, pois, analisando grande parte das religiões
existentes, é possível observar-se que a culpa foi e ainda é utilizada como um dos mais eficazes
instrumentos de domínio das igrejas sobre os fiéis. Porém, ao final desta análise, queremos
apontar para uma proposta religiosa que vai num caminho contrário, ensinando a total
erradicação da culpa por intermédio de Jesus Cristo.

O próprio Sigmund Freud, fundador da psicanálise e um dos maiores críticos da religião, afirma
que o sentimento de culpa é que deu origem às religiões, fazendo referência ao totemismo, que
se configura como uma das mais antigas e primitivas formas de religiosidade. Na sua obra Totem
e tabu, Freud faz referência ao mito do parricídio, em que os filhos se unem e matam o pai,
chefe do clã, que era invejado e temido por eles. Após o assassinato, os filhos devoram seu
cadáver (antropofagia) e, identificando-se com o pai, apropriam-se de sua força. Após o
parricídio a culpa dos filhos se estabelece em virtude dos sentimentos ambivalentes: ódio ao
pai, que representava um impedimento de alcançar o poder e satisfazer os desejos sexuais, em
contraposição ao amor e à admiração pelo que ele representava. Essa afeição, antes recalcada,
surge em forma de remorso. A partir daí, os filhos criam uma representação totêmica desse pai
morto, que se torna ainda mais forte do que quando estava vivo. Essa, portanto, seria, para
Freud, a base estruturante das religiões: a culpa que deu origem aos rituais religiosos totêmicos.

Saindo dessa abordagem antropológica, podemos apontar para diversas religiões que fazem uso
cotidiano da culpa na sua relação com os fiéis. Como diz Tournier, para apagar o passado de
culpas e pecados, uma expiação (pagamento) deve ser feita, sendo esse o sentido de quase
todos os ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões. Atos de culto não deixam de ser
uma forma de pagamento, ao menos do ponto de vista psicológico. Espera-se que eles garantam
a libertação da culpa descartando o débito que deu origem a ela (TOURNIER, p.202). Vamos
traduzir isso em exemplos práticos.

Em tribos primitivas, quando aconteciam tragédias, derrotas ou cataclismas (furacões,


terremotos, temporais,...), normalmente, se acreditava que alguém da tribo havia cometido um
grave pecado. Quando se achava o culpado este era punido e sacrificado aos deuses. Portanto,
aplacar a ira dos deuses através de oferendas, rituais e sacrifícios era prática comum em
inúmeros povos, tribos e culturas da Antiguidade.

No Hinduísmo, cuja base doutrinária está na doutrina da transmigração das almas e na lei do
carma, o indivíduo só evolui espiritualmente se "pagar" as suas faltas através de práticas rituais.
A sua evolução ou involução dependerá da observância correta de ritos e outras práticas, que
determinarão a sua condição na próxima reencarnação. Também no budismo prevalece a lei do
carma, ou lei de causa e efeito, em que o aprendizado espiritual ou a busca pela iluminação
implica abdicar de determinadas práticas e desejos. As reencarnações tornam-se necessárias até
o ponto em que o indivíduo fique liberto de toda forma de desejo.
Para o islamismo, as culpas podem e devem ser pagas através de ritos, como as cinco orações
diárias, realização de boas obras, a prática da esmola e até mesmo a peregrinação do fiel à
cidade sagrada de Meca.

Na realidade brasileira, temos a doutrina espírita que se aproxima muito da expressão utilizada
por Tournier de que "tudo deve ser pago". Mesmo que o conceito "pagamento" não seja
nomeado, sendo substituído por palavras como resgate, missão ou aprendizado, está implícito
na doutrina espírita de que cada indivíduo é responsável pelo seu aprimoramento e pelo
"resgate" de suas culpas passadas. Muitos problemas, dificuldades, doenças e tragédias que
surgem na vida das pessoas são interpretados pelos espíritas como uma forma de "pagamento"
de um carma anterior. Sem esse resgate, não há evolução.

Por um longo tempo, o cristianismo também se estruturou sobre a prática do pagamento por
culpas e pecados cometidos. Na Idade Média, era comum a venda de indulgências,
representando a compra do perdão e da salvação, além da veneração de relíquias sagradas,
encomendas de missas pagas, realização de votos e promessas, práticas de autoflagelo, tudo
como forma de expiar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e ganhar algum mérito pessoal
diante Dele.

A colunista Martha Medeiros, numa de suas crônicas publicadas em Zero Hora (12/09/1999) ,
intitulada Prometa não sofrer, ressalta que algumas religiões cristãs têm na culpa o seu maior
alicerce. O rito das promessas seria a maior prova de que, aos olhos de Deus, o ser humano não
é merecedor da felicidade, ao menos não de uma felicidade gratuita. A autora faz referência a
ritos penosos, como subir 300 degraus de uma igreja, caminhar vários quilômetros para pagar
uma graça alcançada, dar uma soma polpuda para a caixa de coleta etc. "Como sofrem esses
fiéis", diz Martha Medeiros, afirmando que eles se sentem devedores da própria fé, impingindo a
si próprios inúmeros sofrimentos e privações para pagar o que julgam dever a Deus. Ao almejar
a felicidade, finaliza a autora, torna-se implícito que se pagará muito caro por ela. Se não
financeiramente, ao menos através de bolhas nas mãos e calos nos pés.

Não é essa proposta, porém, que o Cristianismo comprometido com os evangelhos bíblicos e com
a obra de Jesus Cristo oferece aos seres humanos. A igreja cristã tem o compromisso de
proclamar a salvação, a graça e o perdão de Deus à humanidade oprimida pela culpa: a salvação
conquistada em Cristo, por Cristo e através de Cristo. Essa salvação não tem preço, não pode
ser comprada por ninguém, até porque, para o Cristianismo, sacrifícios expiatórios ou esforço
moral não são suficientes para pagar a dívida com Deus. Na realidade, o cristão não precisa
pagar nada, pois Cristo já pagou em seu lugar. Como lembra Tournier:

... é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o preço de uma vez por todas, o preço mais
caro que ele poderia pagar: a sua própria morte, em Jesus Cristo, na cruz. A obliteração
(destruição/eliminação) de nossa culpa é livre para nós porque Deus pagou o preço. Jesus Cristo
veio "para salvar o que estava perdido" (Mt 18:11)(TOURNIER, Culpa e Graça:... p.212-3)

Como consta na Bíblia Sagrada: "O sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado" (1
João 1:7), "no qual temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados" (Efésios 1:7),
"Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos" (1 Pedro
3:18). Em síntese, a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma ideia remota de
perfeição, para sempre inacessível; mas é uma pessoa - Jesus Cristo - que veio a nós, veio para
ficar conosco, em nossas casas, em nossos corações. O remorso é silenciado pela sua absolvição.
Jesus substitui o remorso com uma simples pergunta, aquela que fez ao apóstolo Pedro, que o
tinha negado por três vezes: "Tu me amas?" (Jo 21:15). Precisamos responder a essa questão e
achar em nossa ligação pessoal com Jesus Cristo paz para as nossas almas (TOURNIER, p.214).

Todos os homens podem beneficiar-se dessa expiação única; todos os homens, de fato, "todo o
mundo", como João afirmou (1 João 2:2). Jesus Cristo morreu por todos sem qualquer distinção,
para homens de todas as idades e regiões, para hindus, para budistas, para muçulmanos, para
pagãos e para ateus; basta que nele creiam (TOURNIER, p.215).

Culpa e perdão

Para um indivíduo orgulhoso, assumir o erro e pedir perdão é quase uma impossibilidade. Para
um indivíduo com pouca confiança em Deus, aceitar o perdão de Cristo também é difícil. Agora,
perdoar realmente aos que nos fizeram algum mal parece ser a mais árdua das tarefas. Não é à
toa que se diz que "errar é humano e perdoar é divino".

Hoje já há estudos que comprovam que a prática do perdão tem um efeito benéfico sobre a
saúde humana. O psicólogo americano Frederic Luskin faz uma relação entre o bem-estar
trazido pelo perdão e a saúde do ser humano. Luskin afirma que guardar ressentimentos, culpar
os outros ou apegar-se às mágoas estimulam o organismo a liberar na corrente sanguínea as
mesmas substâncias químicas associadas ao stress, que prejudicam o corpo. Outro estudo de
Luskin indicou que as pessoas mais inclinadas ao perdão sofriam menos enfermidades e tinham
menos doenças crônicas diagnosticadas (TARANTINO, Revista Isto É. 08/01/2003, edição
n.1736).

Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da saúde na dimensão emocional, física
e espiritual. São ações que precisamos aprimorar em nossa vida. O primeiro passo para isso é
aceitar que as nossas culpas e os nossos erros já estão perdoados por Deus. Acabamos de ver que
esse perdão divino é concedido a nós gratuitamente, sem qualquer barganha com Deus. Ele nos
oferece o perdão a todas as nossas culpas. Diante dessa verdade bíblica, vem-nos à mente um
ditado popular: "Quando a esmola é muita, o santo desconfia". O ser humano parece ter uma
grande dificuldade de se apoderar do perdão oferecido pelo evangelho bíblico. Mesmo
participando de rituais como a Comunhão (Santa Ceia), a Confissão e Absolvição nas missas e
cultos, o ser humano não consegue libertar-se de suas culpas, presas a ele como sanguessugas a
retirar a sua alegria, bem-estar, autoestima e paz de espírito.

Como diz Tournier:

Parecia-lhe impossível (ao ser humano) que Deus pudesse remover a sua culpa sem que ele
tivesse de pagar alguma coisa. Pois a noção de que tudo tem que ser pago está profundamente
arraigada e atuante em nós, tão universal quanto inabalável por qualquer argumento lógico.
Portanto, as pessoas que anseiam ardentemente pela graça são as que têm maior dificuldade em
aceitá-la. Seria uma solução muito simples, e uma espécie de intuição se lhe opõe.(TOURNIER,
p. 200)

Precisamos crer e confiar que Deus nos perdoa. O grande privilégio que temos é saber que
somos perdoados e que o perdão nos alcança através de Jesus Cristo. Foi para pregar a
transformação radical, o despertar da consciência de culpa e a erradicação desta culpa: a
humilhação do orgulhoso e a restauração dos angustiados. Não que a salvação tenha de ser
conseguida. Ela já foi de uma vez assegurada a todos os que creem. Tudo já foi consumado em
Jesus Cristo.

Vale uma reflexão final para o tema em questão: o processo que leva a uma verdadeira
libertação da culpa, que parte da confiança no perdão divino oferecido a nós, implica três
momentos. Primeiro, o reconhecimento dos nossos erros, que leve a um verdadeiro e sincero
arrependimento. Segundo, o firme desejo de corrigir a nossa vida, transformando-nos
positivamente como pessoas. Como diz a Bíblia, os frutos e as obras do cristão acompanham a
verdadeira fé, mas obras feitas como símbolo de gratidão, como consequência natural da
morada de Cristo em nossos corações e mentes e não como forma de pagar alguma culpa ou
ganhar mérito diante de Deus. Finalmente, libertar-se da culpa implica também uma disposição
interna constante em perdoar aos outros, num compartilhamento mútuo e recíproco do perdão
que nos é oferecido por Deus em Cristo Jesus.

Culpa e perdão! Questões existenciais que permanecerão atuando, afligindo e ressoando nos
corações humanos enquanto o indivíduo viver, mas cuja resolução está mais próxima do nosso
alcance do que podemos imaginar. A resposta está na pessoa que se tornou a encarnação viva do
amor, da paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus Cristo. Crer e apoderar-se desse perdão,
é a ferramenta terapêutica por excelência, fonte de vida e alegria, da qual todos, sem exceção,
podem fazer uso.
COLLINS, Gary R. Aconselhamento Cristão. São Paulo: Vida nova, 1995.

TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho.
São Paulo: ABU, 1985.

Introdução

O Cristianismo permanece sendo a maior e mais influente religião do mundo. A fundação da


religião cristã é demarcada pela vida e obra de Jesus Cristo. Jesus, que é considerado pelos
cristãos como o próprio Deus encarnado, dividiu a história humana, a ponto do calendário
ocidental se referir a fatos históricos utilizando a abreviatura antes ou depois de Cristo (a.C. ou
d.C.) A importância do Cristianismo, especialmente na construção do mundo ocidental como o
conhecemos hoje, é inquestionável, sendo sua influência não só sentida em aspectos religiosos
mas também políticos, sociais, culturais, ético-morais entre outros. Nesse capítulo, portanto,
será descrita a origem dessa religião bem como o seu processo de expansão e fortalecimento,
numa abordagem mais historiográfica do tema.

História

O contexto na Palestina

Depois da época dos reis Davi e Salomão, Israel entrou em decadência. Das doze tribos originais,
só restavam duas: Judá e Benjamim. As outras haviam sido extintas desde 722 a.C. As duas
tribos restantes, por sua vez, foram submetidas, sucessivamente, aos impérios babilônico,
persa, grego e, em 63 a.C., reduzidas a províncias romanas. No decorrer desses fatos, os judeus
continuaram a ter esperança que um novo rei ou messias, da linhagem de Davi, haveria de vir.

Acrescenta-se ao quadro da época uma condição econômica desfavorável. A saída era buscar
fora da Palestina os mecanismos necessários para a sobrevivência. Era a diáspora que perdurava
desde o cativeiro babilônico (587-539 a.C.). O desejo, com certeza, de estarem novamente
juntos na mesma terra não tinha desaparecido entre os judeus.

Desfavorável ainda era a presença de Herodes como rei. Embora semita, era visto como uma
extensão do poder imperial romano que governava com mão de ferro. Imperdoável para o judeu
foi a destruição do templo que Herodes promoveu na conquista de Jerusalém. Um rei judeu,
ungido a exemplo de Davi e Salomão, era uma esperança latente do povo.

Jesus

Jesus de Nazaré

Os evangelhos dizem pouca coisa sobre a vida que Jesus levou durante 30 anos em Nazaré com
seus pais, José e Maria. Somente dois Evangelhos narram fatos relativos ao seu nascimento. Em
contrapartida, os quatro Evangelhos têm a preocupação de apresentar os três anos de sua vida
pública, centrando-se na proclamação da mensagem salvadora.

Jesus nasceu em Belém antes da morte de Herodes, o Grande, provavelmente no ano romano de
754, correspondente ao ano 6 a.C. Durante sua juventude o reino judaico estava sob o controle
direto de um oficial do Império Romano. Aos 30 anos, idade em que inicia sua pregação pública,
suas ideias baseadas nas escrituras judaicas despertaram interesse nuns e provocaram rejeição
noutros.

Aos 33 anos foi acusado de blasfêmia por um tribunal religioso judaico. Sentenciado à morte por
um funcionário romano, Pôncio Pilatos, foi crucificado publicamente nos arredores de
Jerusalém.

Jesus, o messias

A palavra messias significa "o ungido", numa referência à maneira como o rei de Israel era
ungido com óleos ao subir ao trono. A palavra messias traduzida para o grego é christos. Dessa
forma, Jesus Cristo é o nome que reconhece em Jesus o esperado messias.

Desde o princípio, sua mensagem esteve centrada no reino de Deus, no conceito de um pai
amoroso, no seu próprio sacrifício expiatório, no arrependimento e na fé.

Só quando a hora da morte se aproximou é que assumiu sua messianidade, pois via nessa morte
sacrificial a sua glória suprema, enquanto o Cristo de Deus, ou seja, o Messias prometido e
profetizado já no Antigo Testamento.

Jesus, o ressuscitado
Nascer e morrer integram o ciclo normal da existência humana. Ressuscitar, porém, constitui
algo totalmente fora da experiência das pessoas. A ressurreição de Jesus quebra, assim, a
sequência natural dos fatos existenciais e inaugura um novo ciclo no existir do ser humano,
sendo a garantia da nova vida que nasce em função de um mundo amado e redimido por Deus.

A ressurreição do Cristo garante nova vida ao mundo amado por Deus.

Jesus, a ascensão

Uma vez ressuscitado, Jesus subiu ao céu e está à direita do Pai. A expressão "subiu ao céu" não
significa estar num lugar geograficamente definido. Igualmente, estar "à direita do Pai" não é
algo literal, mas busca representar a posição de honra e glória que é dada a Jesus após seu
período de humilhação e morte. A ressurreição e sua posterior ascensão marcam um novo
momento da revelação de Jesus, a do Jesus glorioso e vencedor. Dessa forma, Jesus está em
toda parte e em qualquer lugar com sua divindade e humanidade completas, enchendo os céus e
a Terra, como mesmo prometeu "Lembre-se de que estarei com vocês todos os dias, até o fim
dos tempos" (Mateus 28.20)

Origens e primórdios
Em Jerusalém

A partir da manifestação do Espírito Santo no dia de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa e 10


dias depois da Ascensão de Jesus, os discípulos de Jesus passam a testemunhar os
acontecimentos relacionados à vida e obra de Jesus Cristo, passando a pregar o que Jesus fizera
e o que lhes ensinara.

Após o Pentecostes, a mensagem cristã passa a ser mediada pela atuação de Deus Espírito
Santo, que continua a obra de anúncio da promessa de Salvação que já havia brotado da boca de
Deus através de Jesus Cristo. Desde a promessa a Adão e Eva e a repetição da mesma para Noé,
para Abraão e seus descentes, até chegar a Jesus Cristo, novamente Deus faz ouvir da boca de
seus discípulos e apóstolos a mensagem da obra salvadora de Jesus Cristo.

No relato do Dia de Pentecostes, Pedro, um dos discípulos de Jesus, toma a palavra e anuncia
esta mensagem a pessoas de diversas regiões do mundo. Muitos até são judeus, identificados
pela observância de certas obrigações legais que agora deixam de ser requisitos para ser cristão
(por exemplo guardar o sábado e ser circuncidado). A promessa de nova vida a partir da
presença física e pessoal do Filho de Deus mostra que a antiga promessa tem seu valor e que
agora a igreja cristã viverá até os fins dos tempos com esta certeza. Uma das marcas dessa
presença é o Batismo e a Santa Ceia (Eucaristia), os quais colocam o ser humano novamente em
relação com Deus e com seu semelhante na igreja cristã.

Em Antioquia e por toda a parte

Logo surgiram obstáculos ao Cristianismo. Podem ser enumerados pelo menos três, sendo um de
ordem interna e dois de ordem externa. Internamente, os primeiros cristãos, de tradição
judaica, julgavam que os novos convertidos deveriam ser circuncidados antes de receberem o
batismo. A questão foi resolvida no Concílio de Jerusalém, cuja decisão, que contou com a
presença dos apóstolos, foi a de passar a aceitar o batismo cristão sem a exigência da
circuncisão.

Porém, duas situações externas também criaram embaraços ao avanço do cristianismo. A


primeira delas provinha das lideranças judaicas da época, que identificavam o cristianismo
como apenas mais uma das seitas nascidas no meio judaico, que deveria ser desestimulada e
banida. O segundo obstáculo externo veio do próprio Império Romano. A ênfase dada pelo
cristianismo à igualdade entre todos os seres humanos, inclusive a dos escravos, interferia
diretamente na relações sociais, econômicas e de trabalho do império, visto a escravidão ser
uma prática natural naquela época. O discurso e práticas cristãs, portanto, estavam gerando
um incômodo a quem detinha o poder.

Impedimentos à expansão cristã:

o a exigência da circuncisão aos convertidos;

o a compreensão de que seria apenas mais uma seita;

o o entendimento cristão da igualdade de todos os seres humanos, que interferia na


relações sociais e econômicas do império.

A consequência imediata foi a saída dos cristãos de Jerusalém. Espalham-se por toda a Palestina
e Síria e fazem de Antioquia o novo centro expansionista do cristianismo. Jerusalém conservaria
uma comunidade judaico-cristã até o ano de 66 d.C.

As primeiras comunidades cristãs desenvolver-se-iam em torno da bacia do Mediterrâneo


durante o período apostólico. Éfeso, Filipos, Tessalônica, Corinto, Roma e Alexandria foram os
primeiros grandes centros do cristianismo, reconhecidos como núcleos apostólicos.

De importância decisiva para a difusão do cristianismo foi a conversão do fariseu Saulo,


renomeado depois de Paulo, por volta de 32 d.C. Não é por demais afirmar que o espírito
missionário de Paulo fez do cristianismo uma religião mundial. A contribuição de Paulo ocorre
em dois níveis: em primeiro lugar, viajou pelo mundo greco-romano proclamando Cristo entre os
não judeus. Em segundo lugar, estabeleceu os fundamentos da teologia cristã, tratando o
cristianismo como religião independente e apontando Jesus como o salvador de todos os seres
humanos.

Paulo fez do cristianismo uma religião mundial.

Os escritos do Novo Testamento

À tradição oral dos ensinos de Cristo acrescentaram-se os escritos identificados como Novo
Testamento, consolidados até o ano 100 d.C. O conjunto da obra é formado por:

quatro evangelhos - Mateus, Marcos, Lucas e João;

Atos dos Apóstolos;


21 cartas - Romanos, Coríntios (1 e 2), Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses,
Tessalonicenses (1 e 2), Timóteo (1 e 2), Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, Pedro (1 e 2),
João (1, 2 e 3) e Judas;

Um texto apocalíptico - Apocalipse.

A evolução até Constantino A organização

Do século II ao século IV, o cristianismo estendeu-se a todas as cidades da costa do Mediterrâneo


e inseriu-se no interior dos continentes. Implantou-se, assim, tanto no Oriente como no
Ocidente. Os grandes centros cristãos do século I tornaram-se modelos para a organização das
comunidades que iam surgindo. Como liderança de cada comunidade (igreja) estava o bispo,
uma espécie de vigilante, que também era o pastor e o mestre. Seus auxiliares eram os diáconos
e os presbíteros. De início, todos os bispos eram denominados de papa, sendo que somente a
partir do século IV o termo é atribuído exclusivamente ao bispo de Roma.

No início, todos os bispos eram chamados de "papa".

As perseguições

Ainda que mal compreendido, o cristianismo era tolerado ao lado de outras religiões existentes
no império romano. As perseguições aos cristãos eram esporádicas, em especial na Ásia.

O culto ao imperador foi um dos grandes determinantes das perseguições ao cristianismo.


Prestar culto ao imperador era considerado gesto de civismo, sendo exigido de todos súditos que
viviam sob o domínio romano. A recusa representava uma ameaça ao equilíbrio religioso,
rompendo as relações entre os deuses e o império. Como os cristãos se negavam a prestar o
culto e a oferecer sacrifícios aos imperadores, tornaram-se alvo de perseguição.

Causa das perseguições: os cristãos não cultuavam o imperador. Isso punha em risco as relações
entre os deuses e o império.

De forma sistemática, as perseguições ocorreram por volta de 249, com Décio, ocorrendo depois
com Galiano e Valeriano. As ações faziam-se principalmente contra os bispos e os cristãos de
alta posição, a fim de privar o cristianismo de seus dirigentes. A última perseguição geral foi
ordenada em 303 por Diocleciano em nome da união imperial. Ele temia, possivelmente, que a
organização cristã viesse a tornar-se outro estado dentro do império. Em 311, um edito de
tolerância, liderado por Constantino, concedeu uma trégua ao cristianismo, estabelecendo a
proteção legal aos cristãos que viviam sob o império romano.

Em 313, sob Constantino, chegam ao fim as perseguições.

Por fim, em 313, ainda sob o comando de Constantino, o Edito de Milão concedia a liberdade
religiosa aos cristãos e punha fim às perseguições.

O império cristão

Desde 305, Constantino já era senhor da Gália, Espanha e Bretanha, tornando-se imperador em
312. Sua aproximação com os cristãos remonta a seu pai, que protegeu e salvou muitas pessoas
durante o período de perseguição de Diocleciano. Os dois editos, o de 311 e o de 313, além de
terem a clara intenção de proteger os cristãos, também traziam um ingrediente político
bastante forte. O fato é que, livre das perseguições, o cristianismo cairia sob o controle do
imperador.

Na aproximação com o cristianismo, Constantino vislumbrava a culminância do processo de


unificação do império. Havia uma só lei, um só imperador e uma só cidadania. Por que não
também uma só religião? Protegida por Constantino, a Igreja Cristã cresceu rapidamente.
Constantino isentou o clero dos encargos públicos, concedeu à igreja o direito de receber
legados, proibiu o trabalho aos domingos, proibiu o sacrifício pagão em casas particulares,
erigiu-se grandes templos em Roma, Jerusalém e Belém. Além disso, transferiu a sede do
império para Bizâncio (depois chamada de Nova Roma e, por fim, Constantinopla), no Oriente, a
parte mais cristianizada do império. O laço imperial com o ocidente era a figura do bispo de
Roma, ao redor do qual gravitava a vida religiosa.

Com Constantino, uma só lei, um só imperador. Por que não só uma religião, a fim de unificar o
império?

Após a morte de Constantino, em 337, o processo de aproximação entre Igreja e Estado foi-se
consolidando, tendo tomado sua forma final com o imperador Teodósio, em 381, com a
declaração do cristianismo como a religião oficial do império.

Em 381, o cristianismo é declarado religião oficial do império.

De Constantino ao grande cisma

Embora unificado, o cristianismo tinha suas diferenças regionais. Uma das mais marcantes foi
entre o Oriente (sede em Constantinopla) e Ocidente (sede em Roma). Várias razões podem ser
alinhadas para o afastamento progressivo entre as duas sedes cristãs.

A língua

Até o século III, o espaço geográfico formado pela bacia do Mediterrâneo conhecia o grego. O
avanço do latim no Ocidente teve como consequência inevitável o recuo do grego. Ao fundar sua
nova capital, Bizâncio (mais conhecida hoje como Constantinopla), o imperador Constantino
queria fazer dela uma nova Roma, com uma administração que utilizasse o latim. Não deu
certo: o oriente não se latinizou. Sem uma língua comum, os problemas emergiram, esbarrando
não só nas questões linguísticas, mas também nas teológicas.

A tentativa de implantar uma única língua no império, o latim, fracassa.

Os concílios

A partir do concílio de Niceia (325), as discussões teológicas tornaram-se constantes. Os


concílios de Éfeso (431), Calcedônia (451) e Constantinopla (553) foram ocasiões de confronto
em detrimento da conciliação. As discussões religiosas eram agravadas em razão da primazia da
sede de Roma, que Constantinopla queria compartilhar. Podem ser acrescentadas as questões
das imagens (controvérsia iconoclasta), normais no Ocidente, mas rejeitadas por parte dos
cristãos orientais, e do celibato do clero, obrigatório no ocidente, porém exigido no oriente
apenas para os bispos.

As discussões sobre temas teológicos como a controvérsia iconoclasta e o celibato clerical


começam a distanciar a religião do Oriente da religião do Ocidente.

A política fiscal

O imperador Justiniano (482-565) contribuiu muito para o agravamento das divisões religiosas.
Nas províncias ocidentais reconquistadas aos bárbaros, ele impôs o fisco e a administração
detalhista do Oriente. O Ocidente não apenas rejeitou essa prática, mas também o poder
imperial. As populações passaram a adotar como prática comum tratar diretamente com os
bárbaros, rejeitando todas as orientações e obrigações impostas por Constantinopla.

O cisma

Finalmente, em 1054, ocorre o episódio final da separação em decorrência de uma recusa de


reconhecimento mútuo entre os legados do papa e o patriarca Miguel Cerulário. Essa recusa
provocou uma excomunhão mútua, sendo que cada uma das partes do cristianismo passou a
construir sua própria tradição. O cisma de 1054 foi a primeira grande divisão do Cristianismo.

Tentativas de reunificação

Mesmo após o cisma, os contatos entre ambas prosseguiram. Os imperadores do Oriente (ou
bizantinos) solicitaram ajuda ao Ocidente para lutar contra o avanço do islamismo. O apelo às
cruzadas, lançado pelo papa Urbano II, em 1095, foi motivado, em parte, para atender às
solicitações orientais.

As primeiras cruzadas foram organizadas com a ajuda oriental. No entanto, logo se percebeu
que os orientais ora apoiavam o ocidente, ora os muçulmanos. Uma tentativa de corrigir essa
distorção ocorreu em 1204, durante a quarta cruzada, quando o ocidente saqueou
Constantinopla e estabeleceu um passageiro império latino. Na medida em que se concretizava
o avanço islâmico, fortalecia-se a esperança de um retorno à unidade religiosa do cristianismo.
As esperanças, no entanto, dissiparam-se em 1453, quando a capital do Oriente caiu nas mãos
dos otomanos. Era o fim da igreja cristã bizantina, que se divide, a partir daí, em igrejas
nacionais independentes.

Do cisma ao século XVI

A cisma deu origem à Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma, e às Santas Igrejas
Católicas Ortodoxas Orientais, com sede em Constantinopla.

A unidade ocidental, por sua vez, não era consistente, não tardando a surgir vozes discordantes
aqui e acolá, envolvendo não só questões teológicas mas também políticas, na complexa relação
entre Igreja e Estado. Vislumbrava-se a necessidade de reformar a igreja cristã ocidental. Nesse
contexto, surge com força a Santa Inquisição, que foi uma tentativa da Igreja Romana de
controlar, reprimir e eliminar todas as vozes discordantes.
No Ocidente, continuam as vozes discordantes. A Inquisição passa a servir como instrumento de
repressão dos dissidentes.

O desejo de reforma deu lugar à indispensabilidade desta, especialmente após a Guerra dos
Cem Anos (1337-1453) e da abertura da sociedade a um novo mundo que se descortinava:
redescoberta da Antiguidade, descobrimento de novas terras, renascimento do grande
comércio, surgimento da imprensa. A esse clima de efervescência contrapunha-se a pouca
instrução dos ministros religiosos, a ausência constante dos bispos de suas dioceses e o cisma, já
mencionado, provocando um enfraquecimento cada vez mais acentuado do cristianismo
ocidental.

Não bastasse isso, durante todo o século XIV, os monarcas europeus enfrentaram-se e tomaram
como refém a hierarquia da igreja. De 1309 a 1327, os papas instalaram-se em Avignon, sob
influência francesa. A volta do papa a Roma, em 1378, provocou uma eleição pontificial
dissidente em Avignon. Os Estados da Europa, e com eles a cristandade, dividiram-se em torno
desses dois papas sem poderes.

A crise chegaria ao fim em 1417. Os Estados conseguiram entender-se, convocando o concílio de


Constança, sob a presidência do imperador da Alemanha. Houve concordância em restabelecer a
unidade da igreja, depondo os papas em exercício e propondo um único papa para a cristandade
ocidental. Ainda assim, a reforma necessária e mais profunda era constantemente adiada.

No início do século XVI, os papas deixaram-se levar, a exemplo de outros príncipes, pelas lutas
políticas e pela renovação arquitetônica em Roma. O projeto de reforma da antiga basílica
impunha despesas consideráveis. Para suprir as necessidades, o papa Leão X (1513-1521)
recorreu ao sistema de indulgências, criado no ano 1000.

De forma reducionista, com o pagamento de uma quantia em dinheiro, os fiéis podiam substituir
as penas impostas pelo confessor aos pecados cometidos após o batismo, como o jejum, as
rezas, peregrinações e assim por diante. Não tardou e os excessos na venda das indulgências
apareceram. Em 1476, outro decreto papal determinava que a indulgência também tivesse o
poder de remir as almas do purgatório.

Unir ideias religiosas para garantir projetos financeiros mostra-se uma alternativa inadequada.

Explodiam por toda a Europa movimentos que exigiam um retorno às Escrituras. Assim foi na
Grã-Bretanha com John Wyclif e na Boêmia com João Hus. Nos Países Baixos, Erasmo dedicou-se
à revisão da Bíblia, partindo do texto grego. O momento era de reforma e nesse cenário eclode
a reforma protestante do século XVI, destacando-se a figura de Martinho Lutero, um monge
católico da ordem dos agostinianos.

Ensinamentos

Atualmente, há três grandes matrizes do cristianismo: catolicismo romano, catolicismo ortodoxo


e protestantismo. Internamente, cada uma dessas três matrizes desdobra-se em inúmeras outras
correntes. Essa é uma dificuldade em afirmar um único pensamento cristão.
Apesar das divergências, há, em linhas gerais, algumas concepções que transversalizam os
grupos cristãos: a figura de Jesus, a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo iguais em natureza e
dignidade), a criação divina do mundo a partir do nada, a vinda do reino de Deus no fim dos
tempos e o amor a Deus sobre todas as coisas, entre outras. Apenas alguns desses temas serão
aqui mencionados.

Deus

O cristianismo herdou do judaísmo a crença na existência de um único Deus (monoteísmo),


criador do Universo e que pode intervir sobre ele, conforme a Sua vontade. Por essa razão, os
principais atributos de Deus são: onipotência, onipresença e onisciência. Porém, o grande
atributo do Deus revelado na Bíblia é o amor incondicional de Deus em Jesus Cristo que se
estende sobre todas as pessoas, estabelecendo uma relação pessoal entre o Criador e a criatura.

A relação de Deus com suas criaturas é pessoal, por meio do amor.

A Trindade

A tradição cristã professa a crença na Trindade: Deus é um só ser eterno que existe em três
pessoas distintas e indivisíveis: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esse pensamento cristão, que
difere de várias tradições religiosas, como o judaísmo e o islamismo, foi consagrado no Concílio
de Nicéia (325 a.D.). A falta de unanimidade em torno da doutrina de Trindade gerou algumas
dissidências em grupos cristãos, havendo grupos que defendem a existência de apenas duas
pessoas: o Pai, que deve ser adorado, e o Filho, que não tem nenhum direito à adoração.

Jesus

O monoteísmo cristão difere das demais religiões por ser o único que defende e proclama a
realidade de um homem-Deus, Jesus Cristo, possuidor de duas naturezas iguais entre si: a divina
e a humana.

Fazem parte das crenças no Cristo Jesus a importância de Sua mensagem de amor ao Pai e ao
próximo, e Sua encarnação que vem libertar os seres humanos de seus pecados por meio de Sua
morte expiatória na cruz e oferecer a vida eterna por meio de Sua ressurreição.

Ser humano

É único

De acordo com o cristianismo, o ser humano foi criado por Deus juntamente com a natureza e os
demais seres vivos. Nesse sentido, é parte integrante dela. Todavia, ele foi feito de forma
única, à imagem e semelhança de Deus, o que o distingue do restante da criação. A imagem de
Deus implica, entre outras coisas, que o ser humano foi dotado de inteligência e, portanto, pode
interpretar as leis do mundo e prover os meios de preservá-lo.

Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano recebeu a alma vivente.


É mordomo da criação

Gênesis 2.15 assim descreve: "Tomou o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden
para cultivá-lo e guardá-lo". Deus colocou o ser humano no mundo como seu gerente e lhe deu
alguns mandatos: cuidar, proteger, preservar e conhecer a criação, de onde tiraria seu sustento.
O ser humano é o mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e déspota, mas o
responsável diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais, pelo seu próprio
desenvolvimento de forma sustentável e pela preservação dos demais seres vivos.

Cuidar, proteger e cultivar toda a criação divina é tarefa do ser humano. O que você tem feito
em relação a isso?

É livre

Deus correu o risco, por assim dizer, de criar um ser passível de rebelar-se e recusar a
existência que lhe foi dada. Ainda assim, dotou o ser humano de livre-arbítrio, tornando-o
completamente livre e responsável pela sua liberdade.

Incentivo: pesquise e discuta com os colegas o tema do livre-arbítrio.

Pode transcender

As promessas de Deus conduzem o ser humano à certeza de que pode ir além de suas naturais
limitações físicas. Com base nessas promessas é que o cristianismo pode propor novos objetivos,
sentidos e conquistas ao ser humano, como a da ressurreição e a posse de um assento no reino
de Deus que está por vir.

A dimensão de pertencer a uma realidade que ultrapassa a materialidade conhecida faz dessa
vida uma passagem obrigatória na direção da vida eterna.

Nesse contexto, a morte deixa de ser o fim e transforma-se numa fronteira. Deixa de ser um
muro e torna-se uma passagem. Deixa de ser um abismo e torna-se uma ponte. O cristianismo
afirma que o ser humano não morrerá para sempre, mas que ressuscitará assim como Jesus
ressuscitou e viverá num "novo céu e numa nova terra".

Vida e morte

A vida do seguidor de Jesus, o Cristo, é pautada pela sua resposta ao amor de Deus, que lhe
aceita em razão da expiação e morte de Jesus.

Em retribuição à bondade e gratuidade da salvação oferecida por Deus, o cristão procura guiar
sua existência pelos princípios morais e éticos descritos no Novo Testamento, que se somam aos
Dez Mandamentos, recebidos por Moisés no Antigo Testamento. A diferença é que agora o
cristão cumpre não mais por obrigação, mas sim por agradecimento à salvação concedida sem
nenhum merecimento de nossa parte. A moralidade cristã encontra sua fundamentação na ética
do amor, assunto que merecerá um capítulo à parte para aprofundamento.
As festas

Como em outras tradições religiosas, há no cristianismo festivais que promovem a relembrança


dos feitos divinos em favor dos seres humanos. Muito embora haja divergência sobre esse tema
em algumas tradições cristãs, o que se percebe é que o cristianismo é festivo. De uma forma
geral, e ressalvadas as interpretações divergentes, as principais festas cristãs podem ser
apontadas como as que abaixo se seguem:

Advento: período constituído pelas quatro semanas antes do Natal, entendidas como
época de preparação para a celebração do nascimento de Jesus Cristo;

Natal: celebração do nascimento de Jesus;

Epifania: celebra a adoração de Jesus Cristo pelos Reis Magos, enquanto que, para os
cristãos ortodoxos, o seu batismo. Acontece 12 dias após o Natal;

Sexta-Feira Santa: relembra o sofrimento e a morte de Jesus;

Domingo de Páscoa: celebra a ressurreição de Jesus e a vitória sobre a morte;

Ascensão de Jesus ao céu: acontece 40 dias após o Domingo de Páscoa e celebra a


presença de Cristo junto ao Pai como intercessor;

Pentecostes: celebração do aparecimento do Espírito Santo aos cristãos. Ocorre 50 dias


após o Domingo de Páscoa.

Os símbolos

A simbologia cristã é muito rica. Procura remeter o fiel à lembrança das promessas divinas e que
o conduzem à fé nessas promessas de salvação e cuidado. Abaixo, seguem alguns dos principais
símbolos.

O Bom Pastor: representa Jesus como aquele que guarda, protege e dá a vida pelas
ovelhas; a ovelha representa o ser humano frágil e dependente de Deus.

A cruz - O símbolo mais reconhecido do cristianismo é, sem dúvida, a cruz, que pode
apresentar uma grande variedade de formas de acordo com a denominação: crucifixo
para os católicos, a cruz de oito braços para os ortodoxos e uma simples cruz para os
protestantes.

O peixe - Outro símbolo cristão, que remonta aos começos da religião, é oIchthys, ou
peixe estilizado (a palavra Ichthys significa peixe em grego, sendo também um acrônimo
de Iesus Christus Theou Yicus Soter, "Jesus Cristo filho de Deus Salvador").

Alfa e Ômega - O Alfa e o Ômega enfatizam, conforme alfabeto grego, que Cristo é o
princípio e fim de todas as coisas.

A pomba branca: representa o Espírito Santo, que se manifestou em forma de pomba no


batismo de Jesus.

Pesquise: Por que a tradição católica romana utiliza o crucifixo e a protestante a cruz vazia?
A vida depois da morte

A visão cristã sobre a vida depois da morte envolve, de uma maneira geral, a crença no céu e no
inferno, vistos como eternos. A igreja católica considera que, além dessas duas realidades,
existe o purgatório, um local transitório de purificação para alguns pecadores. Segundo define
a Igreja Católica, o " Purgatório é o estado dos que morrem na amizade de Deus, com a certeza
de sua salvação eterna, mas que ainda têm necessidade de purificação para entrar na felicidade
do céu".

A plenitude da vida dar-se-á apenas após o Juízo Final, quando o Cristo voltará para julgar os
vivos e os mortos e dará a vida eterna a todos os que creram nas Suas promessas.

Mundo

É criação divina e entregue ao ser humano para que este o administre, zele e promova a
vontade do Criador. É bem verdade que se criou, no decorrer dos tempos, uma concepção
segundo a qual o mundo é ruim, bem como tudo o que esteja ligado à materialidade. O mundo
torna-se o espaço do diabólico, como expressão do ódio. Isso, de certa forma, provocou uma
tendência ao afastamento do mundo e o consequente isolamento marcado pela negação em
benefício das coisas do espírito. Muito embora ainda haja correntes da tradição cristã que
adotam esse comportamento, há uma maioria que vislumbra o mundo não mais como diabólico,
mas como o espaço da expressão do amor divino. Revitaliza-se a materialidade como criação
divina e a consequente responsabilidade do cuidado e da proteção desse mundo.

O cristianismo, de modo geral, reconhece o mundo como o espaço onde ocorre a história
humana. Segundo essa crença, é o local onde o ser humano exerce a sua liberdade de filho de
Deus, necessitando, muitas vezes, reparar erros cometidos por si mesmo, por cristãos e não
cristãos, sempre motivado pelo amor de Deus que o alcança e envolve.

DREHER, Martin N. A Igreja no Império Romano. São Leopoldo: Sinodal, 1993.


GAARDER, J.; NOTAKER, H.;HELLERN, V. O livro das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1998.

KUCHENBECKER, Walter. O Homem e o Sagrado. 5.ª ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora Cultrix, [s.d.].

Introdução

O objetivo desse capítulo é apresentar a mensagem cristã contida na Bíblia Sagrada,


considerada pelo Cristianismo como a revelação de Deus aos seres humanos. A atualidade da
Bíblia, que é o maior best-seller do mundo, será aqui exposta a partir de alguns ensinos de
Jesus, enfocados a partir das parábolas, do Sermão do Monte e da oração do Pai-Nosso. Iremos
perceber que esses textos abordam temas profundamente significativos para a vida
cotidiana. Para aqueles que não são cristãos, pode ser um bom momento para refletir sobre as
práticas do dia a dia, visto os temas trabalhados serem de caráter existencial e não apenas
religioso.

Ronaldo Steffen (ADAPTAÇÃO E ACRÉSCIMOS PAULO G. PIETZSCH)

A Bíblia, o livro sagrado do cristianismo


A palavra Bíblia significa conjunto de livros - o que ela, na verdade, é. A Bíblia divide-se em dois
grandes blocos, o Antigo Testamento (AT) e o Novo Testamento (NT). A palavra testamento
lembra aliança ou acordo estabelecido entre Deus e os seres humanos. No caso do AT, a aliança
está ligada a Abraão, que recebeu de Deus a promessa de que, a partir de sua descendência,
seria formada uma grande nação, de onde mais tarde viria o Messias, o Redentor da
humanidade. O AT também lembra a libertação da escravidão do Egito através do sangue do
cordeiro, uma prefiguração do que Jesus faria no NT, visto ser chamado de o "cordeiro de Deus".

Quanto ao NT, é lembrado o cumprimento da promessa, a saber, que o Messias veio na pessoa
de Jesus, que ele salva os homens da morte eterna com o derramar do seu sangue, o sangue da
nova aliança, e envia seus mensageiros ao mundo para pregar seu evangelho. Para facilitar a sua
leitura, a Bíblia foi dividida em capítulos e versículos (SEIBERT, 2002):

Antigo Testamento - Conteúdo

Dados do AT:

formado por 39 livros, escrito em hebraico e aramaico pelos profetas;

escrito aproximadamente de 1260 até 400 a.C.;

Livros da Lei (Pentateuco ou Torah - cinco primeiros livros da Bíblia);

Históricos - Josué até Ester;

Poéticos - Jó até Cantares de Salomão;

Profetas maiores - Isaías até Daniel;

Profetas menores - Oseias até Malaquias;

Do conteúdo do AT destacam-se:

a criação do mundo em seis dias;

a queda em pecado pelos primeiro homens;

a promessa do Messias, Redentor;

a formação e história do Povo de Israel;

as profecias sobre Jesus - Gn 3.15; Gn 12.2; Is 7.14; Mq 5.2; Is 53.4-11; SI 16.10;

Novo Testamento - Conteúdo

formado por 27 livros, escrito em grego pelos evangelistas e apóstolos entre 50 até 100
d.C.

Do conteúdo do NT destaca-se:
os quatro evangelhos que narram a vida, os ensinos, os milagres, o sofrimento, a morte, a
ressurreição e a ascensão de Jesus;

Atos dos Apóstolos: iniciando pela ascensão, narra o Pentecostes, formação da igreja
cristã, seu desenvolvimento, suas atividades, e perseguições sofridas;

Cartas: Paulo (13), Pedro, Judas, Tiago; Hebreus, João;

Profecia: Livro de Apocalipse - Revelação.

Lei e Evangelho

Do ponto de vista do conteúdo teológico, a Bíblia é dividida em duas grandes doutrinas: Lei e
Evangelho. Os dois termos são utilizados na Bíblia em sentido lato e estrito. Em sentido lato,
qualquer um deles designa toda a revelação de Deus. No sentido estrito e próprio, lei é a lei dos
mandamentos. Já o Evangelho é a boa-nova da graça divina. O que Lei e Evangelho têm em
comum é que ambos são a palavra de Deus, ambos dizem respeito a todos os seres humanos e
ambos devem ser ensinados lado a lado na igreja. Porém, são fundamentalmente distintos,
devendo ser aplicados cuidadosa e corretamente no trato com as pessoas, como veremos no
quadro a seguir.

Quadro - Lei e Evangelho- duas grandes doutrinas da bíblia

Lei Evangelho
1) Ensina o que nós devemos fazer ou deixar de 1) Mostra o que Deus fez e ainda faz
fazer. pela nossa salvação.
2) Manifesta o nosso pecado e a ira de Deus. 2) Manifesta o nosso Salvador e a graça
de Deus.
3) Exige, ameaça e condena eternamente quem 3) Promete, dá e sela o perdão, vida e
não cumpre os mandamentos. Salvação ao que crê em Jesus.
4) Provoca a ira no homem e o afasta de Deus. 4) Chama e atrai para Cristo, opera a
fé.
5) Deve ser pregada aos impenitentes (aos que não 5) Anuncia-se aos atemorizados (aos
reconhecem seu pecado e não se arrependem). que estão arrependidos e em busca do
perdão de Deus).
6) A lei serve como freio (impedindo que o mal 6) O Evangelho é a boa-nova da graça,
tome conta do mundo), espelho (revelando os do amor de Deus em Cristo Jesus (João
erros humanos) e norma (mostrando ao ser humano 3.16) e motiva o cristão à prática das
como agir). ações que agradam.

A Bíblia e seus diferentes estilos literários

A Bíblia é um livro bastante diversificado no que tange aos seus estilos literários. Nela se
encontram narrativas, poesias, salmos, cânticos, provérbios, literatura profética, literatura
apocalíptica, cartas pessoais, cartas a igrejas, bem como estórias que tratam de temas
teológicos e existenciais. As parábolas contadas por Jesus se inserem nesse último estilo.
Descreveremos algumas delas.
As parábolas

A divindade de Jesus é percebida pelos cristãos, não por meio de suas curas e milagres, mas
também por meio de suas mensagens, consagradas nos quatro evangelhos. Entre as mensagens
de Jesus, o Cristo, sempre se dá um especial destaque às parábolas. Foram usadas por Jesus
para dar um sentido às perguntas dos discípulos e demais seguidores, utilizando-se de uma
contextualização concreta capaz de ser compreendida pelos seus interlocutores.

Há, nos evangelhos, cerca de 30 parábolas contadas por Jesus e que estão relatadas nos
chamados evangelhos sinópticos (listados na tabela abaixo). Algumas das parábolas são
encontradas nos três evangelhos, outras em dois e outras em apenas um. Os títulos das
parábolas podem variar de acordo com as diferentes traduções da Bíblia. Dentre as parábolas
podemos citar algumas.

Parábola Mateus Marcos Lucas


A candeia debaixo da vasilha 5:14,15 4:21,22 8:16; 11:33
O construtor prudente e o insensato 7:24-27 6:47-49
O remendo de pano novo em roupa 9:16 2:21 5:36
velha
O vinho novo em odres velhos 9:17 2:22 5:37,38
O semeador e os solos 13:3-8,18-23 4:3-8,14-20 8:5-8,11-15
As ervas daninhas 13:24-30,36-43
O joio 13:31,32 4:30-32 13:18,19
O fermento 13:33 13:20,21
O tesouro escondido 13:44
A pérola de grande valor 13:45,46
A rede 13:47-50
O dono de uma casa 13:52
A ovelha perdida 18:12-14 15:4-7
O servo impiedoso 18:23-34
Os trabalhadores na vinha 20:1-16
Os dois filhos 21:28-32
Os lavradores 21:33-44 12:1-11 20:9-18
O banquete de casamento 22:2-14
A figueira 24:32-35 13:28,29 21:29-31
O servo fiel e sensato 24:45-51 12:42-48
As dez virgens 25:1-13
Os talentos (minas) 25:14-30 19:12-27
As ovelhas e os bodes 25:31-46
A semente em crescimento 4:26-29
Os servos vigilantes 13:35-37 12:35-40
O credor 7:41-43
O bom samaritano 10:30-37
O amigo necessitado 11:5-8
O rico insensato 12:16-21
A figueira infrutífera 13:6-9
O lugar menos importante no banquete 14:7-14
O grande banquete 14:16-24
O custo do discipulado 14:28-33
A moeda (dracma) perdida 15:8-10
O filho perdido (pródigo) 15:11-32
O administrador astuto 16:1-8
O rico e Lázaro 16:19-31
O senhor e seu servo 17:7-10
A viúva persistente 18:2-8
O fariseu e o publicano 18:10-14
Fonte: Bíblia de Estudo NVI.

A título de exemplificação, serão apresentadas três parábolas que resumem alguns importantes
ensinos de Jesus e que tratam de temas do nosso cotidiano relacional.

Sobre o amor ao que retorna arrependido - Lucas 15. 11-32

Essa parábola é mais conhecida como A parábola do filho pródigo, ou aindaA parábola do Pai
amoroso. Ela pode ser lida na íntegra no evangelho de Lucas 15.11-32, cujo texto está
disponível no link abaixo, na tradução da Bíblia na Linguagem de Hoje.
A parábola nos apresenta três personagens:

O filho mais moço, que pede ao pai sua parte na herança que lhe seria devida (conforme
os costumes da época, ele tem direito a 1/3 dos bens paternos, porém abdica do direito
dos bens que o pai adquirir após o recebimento). Ressalta-se: o pai não tinha a obrigação
de atender a vontade do filho, mas o atende. O jovem sai de casa e gasta tudo o que
recebeu de forma irresponsável. Quando o dinheiro acaba, o jovem percebe que está em
meio a uma grande crise: a região está assolada pela fome. Procura, em vão, empregos,
sendo que o que lhe sobra é tornar-se cuidador de porcos. Aceita o emprego por
imaginar que ali pudesse alimentar-se das vagens que eram dadas aos porcos. Ninguém,
no entanto, lhe dá coisa alguma. Caindo em si, lembra-se da casa de seu pai, onde a vida
dos empregados era bem melhor que a sua. Toma uma decisão: voltar, pedir desculpas e
suplicar que o pai lhe aceite de volta como um de seus empregados.

O pai. Chama a atenção um registro na parábola: o pai estava aguardando a volta de seu
filho. Tanto é que, ao vê-lo vindo pela estrada, não apenas o reconhece, mas corre ao
seu encontro. Expressa sua compaixão abraçando-o e beijando-o. Diante da expressão de
tanta bondade paterna, o filho reconhece sua situação, sem nenhum direito a exigir, mas
apenas uma súplica: "Aceita-me como um de seus empregados".

A surpresa: o pai reintegra o filho à família e expressa essa aceitação providenciando as


melhores roupas, colocando o anel em seu dedo, dando-lhe sandálias para seus pés,
promovendo uma recepção com festa, comida e dança. A razão? O próprio pai explica:
"Este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado".

O irmão mais velho estava no campo trabalhando. Ao retornar para casa, ouve o som da
música e gritos de alegria. Intrigado, pergunta o que estava acontecendo. Ao tomar
ciência de que se tratava de uma festa para o irmão que retornara, recusa-se, indignado,
a participar da festa. Não bastasse, ainda repreende seu pai e aponta uma razão lógica:
"Estou há tanto tempo contigo e nem um cabrito preparas para festejar comigo. Mas esse
teu filho, que foi embora e gastou tudo, volta e é recebido com festas? Até um novilho
cevado é abatido para festejar?" O pai justifica sua atitude: "Tudo isso aqui é teu. Nada
perdeste; a herança continua sendo tua. Mas era preciso que nos alegrássemos, pois este
teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado".

O ensino desta parábola: Jesus narra de forma clara que Deus é o Pai amoroso que recebe o
pecador que o busca em arrependimento. Os que retornam, por piores que tenham sido as suas
ações do ponto de vista humano, serão por Ele recebidos. Ele, porém, aponta para as atitudes,
por vezes hipócritas, de quem se julga de sua família e que se dá o direito de discriminar quem
errou e que, arrependido, deseja voltar a esse convívio. Ao invés de lamentar e até estranhar
que o arrependido é aceito por Deus, em sua família, os cristãos devem alegrar-se, pois o que
Deus mais deseja é que todos se arrependam dos seus pecados e vivam sob o perdão e amor de
Deus.

Deus aguarda sempre e de braços abertos o retorno de seus filhos dispersos.

Sobre o perdão ao próximo - Mateus 18. 21-35

Esta parábola é conhecida como O credor incompassivo ou ainda O empregado mau.


O empregado mau

Então Pedro chegou perto de Jesus e perguntou:

— Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão que peca contra mim? Sete vezes?

— Não! — respondeu Jesus. — Você não deve perdoar sete vezes, mas setenta vezes sete.
Porque o * Reino do Céu é como um rei que resolveu fazer um acerto de contas com os seus
empregados. Logo no começo, trouxeram um que lhe devia milhões de moedas de prata. Mas o
empregado não tinha dinheiro para pagar. Então, para pagar a dívida, o seu patrão, o rei,
ordenou que fossem vendidos como escravos o empregado, a sua esposa e os seus filhos e que
fosse vendido também tudo o que ele possuía. Mas o empregado se ajoelhou diante do patrão e
pediu: “Tenha paciência comigo, e eu pagarei tudo ao senhor.”

— O patrão teve pena dele, perdoou a dívida e deixou que ele fosse embora. O empregado saiu
e encontrou um dos seus companheiros de trabalho que lhe devia cem moedas de prata. Ele
pegou esse companheiro pelo pescoço e começou a sacudi-lo, dizendo: “Pague o que me deve!”

— Então o seu companheiro se ajoelhou e pediu: “Tenha paciência comigo, e eu lhe pagarei
tudo.”

— Mas ele não concordou. Pelo contrário, mandou pôr o outro na cadeia até que pagasse a
dívida. Quando os outros empregados viram o que havia acontecido, ficaram revoltados e foram
contar tudo ao patrão. Aí o patrão chamou aquele empregado e disse: “Empregado miserável!
Você me pediu e por isso eu perdoei tudo o que você me devia. Portanto, você deveria ter pena
do seu companheiro, como eu tive pena de você.”

— O patrão ficou com muita raiva e mandou o empregado para a cadeia a fim de ser castigado
até que pagasse toda a dívida.

E Jesus terminou, dizendo:

— É isso o que o meu Pai, que está no céu, vai fazer com vocês se cada um não perdoar
sinceramente o seu irmão.

Nessa parábola Jesus é colocado diante de uma questão intrigante: quantas vezes alguém deve
perdoar seu próximo? Alguns argumentavam que até sete vezes e ficam espantados com a
dimensão dada por Jesus: setenta vezes sete, ou seja, sempre. É nesse contexto que Jesus
conta a parábola para ensinar a sua vontade a respeito do perdão.

Um rei ajusta suas contas com seus servos. Um lhe deve dez mil talentos. (Na Bíblia de Estudo
de Genebra encontramos o seguinte comentário: “Um talento era a mais alta unidade monetária
da moeda corrente e era equivalente a seis mil denários ou dracmas. Uma tal soma de dinheiro
era praticamente incontável”, ou seja, equivalia a uma dívida incalculável e impagável). Como
o devedor não tem como pagá-lo, o rei ordena que todos os seus bens sejam vendidos, bem
como sua família e ele mesmo. Desesperado, lança-se aos pés do rei e suplica-lhe clemência.
Não é que o rei o atende?! Tocado por tamanha generosidade, sai aliviado da presença do rei.
No caminho de sua casa, encontra um servo que lhe devia cem denários (Na Bíblia de Estudo de
Genebra encontramos o seguinte comentário: O denário romano era o salário de um dia para o
trabalhador (Mateus 20.2) e era equivalente à dracma grega (Atos 19.19). A soma devida pelo
segundo servo ao primeiro nada é quando comparada à divida do primeiro servo para o rei, e era
menos do que uma parte numa centena de milhares.). Intransigentemente, insiste no
recebimento da dívida. Como não a recebe, vai às últimas consequências e conduz seu servo à
prisão.

Amigos desse pobre infeliz dirigem-se ao rei e delatam a situação. Irado, o rei chama o servo
devedor à sua presença, manda prendê-lo e entrega sua vida às mãos dos carrascos.

Há um ensino central nessa parábola: nossa vida é sobrecarregada de dívidas (erros e pecados
cotidianos), que não podem ser pagas diante de Deus. Nossa dívida é impagável, mesmo que
alguns ainda tentem efetuar o pagamento a partir de práticas e ritos religiosos. Porém, é
impossível! O valor é alto demais. A bondade, generosidade e o amor de Deus, no entanto, vêm
ao encontro de nossas necessidades. Tal como o rei da parábola, Deus perdoa bondosa e
graciosamente toda a nossa dívida. Estamos livres!

Dessa forma, livres pelo perdão, cada ser humano também pode e deve perdoar as faltas
daqueles que lhe são próximos. Deus espera que também perdoemos todos que têm dívidas a
nos pagar, sejam elas de quaisquer naturezas.

É fácil perdoar? Com certeza, não! Mas, assim como somos perdoados por Deus, espera-se que
também perdoemos aos que nos ofendem.

Sobre o amor ao próximo - Lucas 10.25-37

Essa parábola é mais conhecida como O bom samaritano.

A parábola do bom samaritano

Um mestre da Lei se levantou e, querendo encontrar alguma prova contra Jesus, perguntou:

— Mestre, o que devo fazer para conseguir a vida eterna?

Jesus respondeu:

— O que é que as Escrituras Sagradas dizem a respeito disso? E como é que você entende o que
elas dizem?

O homem respondeu:

— “Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças e com
toda a mente. E ame o seu próximo como você ama a você mesmo.”

— A sua resposta está certa! — disse Jesus. — Faça isso e você viverá.

Porém o mestre da Lei, querendo se desculpar, perguntou:


— Mas quem é o meu próximo?

Jesus respondeu assim:

— Um homem estava descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o


assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Acontece que um
sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, tratou de passar
pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo
outro lado da estrada. Mas um samaritano que estava viajando por aquele caminho chegou até
ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele. Então chegou perto dele, limpou os seus
ferimentos com azeite e vinho e em seguida os enfaixou. Depois disso, o samaritano colocou-o
no seu próprio animal e o levou para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou
duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo:

— Tome conta dele. Quando eu passar por aqui na volta, pagarei o que você gastar a mais com
ele.

Então Jesus perguntou ao mestre da Lei:

— Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado?

— Aquele que o socorreu! — respondeu o mestre da Lei.

E Jesus disse:

— Pois vá e faça a mesma coisa.

Um intérprete da lei perguntou certo dia a Jesus o que deveria fazer para herdar a vida eterna.
Diante da pergunta "Quem é o meu próximo?", Jesus contou-lhe a parábola do bom samaritano.

Um homem foi assaltado e deixado semimorto na estrada que ligava Jerusalém a Jericó. Por ele
passam um sacerdote e um levita (que era um assistente religioso nos cultos judaicos). Nenhum
dos dois o assiste. Passa também pelo assaltado um samaritano, grupo inimigo dos israelitas,
etnia do assaltado. Este, contrário ao senso do contexto, cuida do ferido e ainda o conduz a uma
pousada, paga as despesas iniciais e se compromete com despesas posteriores do tratamento, se
houvesse.

A pergunta de Jesus é retórica: "Quem foi o próximo do homem assaltado?" O intérprete da lei,
contrariado, precisa reconhecer que fora o que usara de misericórdia em favor do assaltado.
Diante disso, Jesus finaliza: "Vai e procede tu de igual modo."

O ensino dessa parábola: o amor ao próximo foi sempre uma das características dos primeiros
cristãos. Havia entre eles, especialmente em Jerusalém, muitos pobres. A comunidade cristã,
através de ofertas voluntárias, sustentava seus pobres, especialmente os órfãos e as viúvas.

A certa altura, no contexto das primeiras comunidades cristãs, surge um problema concreto. As
viúvas de origem grega sentem-se prejudicadas na medida em que começam a receber auxílio
menor que as de origem judaica. Pedro, líder da comunidade cristã, convoca as lideranças e
ordena que sejam eleitos sete diáconos, homens fiéis, para que cuidem da distribuição do
alimento entre os necessitados, enquanto ele e os demais apóstolos iriam dedicar-se ao ofício
da oração e da pregação do evangelho.

A ideia de próximo é ampla: amar não só os amigos, mas também os inimigos.

Hoje denominamos esse serviço de diaconia. É o serviço amoroso que o cristão presta ao seu
próximo em resposta ao amor de Deus. A diaconia lida com as causas e consequências do
pecado: doenças, sofrimentos, pobreza, miséria, ganância, preguiça, exploração, luto, violência
(assaltos, estupros, homicídios), guerra, catástrofes naturais, fome, vícios, insensibilidade,
solidão e morte.

Abaixo seguem algumas sugestões de como se pode demonstrar amor ao próximo:

visitar doentes em seus lares e hospitais;

visitar asilos, casas-lares, creches, orfanatos, dando especial atenção aos idosos e órfãos;

visitar os que sofrem (enlutados, viúvas, órfãos);

visitar os presos;

auxiliar os pobres (alimentos, roupas, remédio, estudo, emprego);

encaminhar dependentes de drogas ou de álcool às instituições especializadas, bem como


acompanhar o seu processo de recuperação;

acolher e integrar as pessoas com deficiências físicas e mentais;

lutar contra a poluição, preservando a natureza (ética e sustentabilidade, coleta seletiva


de lixo, reciclagem, produtos biodegradáveis, energias limpas);

lutar pela justiça social e contra qualquer tipo de discriminação, seja ela étnica, racial,
social, religiosa, sexual, física etc.;

lutar pelo direito à vida (ter consciência das questões bioéticas);

apoiar o pacifismo (não à violência, luta pela paz);

lutar contra a corrupção - não agindo como corruptor nem sendo corrupto;

ajudar e orientar migrantes e desempregados;

organizar palestras sobre higiene, saúde, drogas em associações de bairros;

participar ativa e conscientemente da vida política do País.

Um desafio incentivador: em razão do amor motivante, mobilize seu grupo de estudo, olhe ao
seu redor e descubra formas e meios de poder exercitar o amor ao próximo.
Muitas outras parábolas poderiam ser exploradas em nosso texto, merecendo serem lidas e
comentadas pela riqueza de seus ensinos. Você pode fazer isso a partir de uma leitura pessoal
da Bíblia, pois pretendemos agora fazer referência a um segundo grupo de mensagens,
conhecido pelo Sermão do Monte ou da Montanha. Vamos a alguns destaques desse importante
ensino de Jesus, proferido ao longo de seu ministério terreno.

A VERDADEIRA FELICIDADE (As “bem-aventuranças”)

A palavra “felizes” pode também ser traduzida como “abençoados”, “afortunados” ou “bem-
aventurados”. Jesus Cristo, ao proferir o seu Sermão da Montanha, afirma que, aos olhos de
Deus, o que importa não são as aparências ou os valores estabelecidos pelas pessoas. O discurso
de Jesus aponta para alguns paradoxos: A verdadeira força, riqueza, conforto e felicidade não
estão nas coisas finitas e perecíveis, mas em Deus, de quem recebemos a verdadeira riqueza, a
verdadeira força, perdão, consolo e felicidade. Eis porque Jesus afirma no Evangelho de
Mateus, capítulo 5:

Jesus mostra que, para receber a verdadeira felicidade, misericórdia e perdão que só Deus pode
dar, o ser humano precisa esvaziar-se de todo o orgulho, autossuficiência e confiança nas coisas
finitas e passageiras. Sua total confiança e dependência devem estar em Deus.
A questão das Riquezas e da Ansiedade

As riquezas materiais, o dinheiro e os bens, devem estar a serviço das pessoas, e não o
contrário. Fazer das riquezas o objetivo da sua vida pode resultar em frustrações, pois, se a
nossa confiança for depositada em valores finitos e passageiros, só poderemos viver em
ansiedade diante do amanhã.

Jesus demonstra aos seus seguidores que a ansiedade diante do futuro não ajuda em nada, ao
contrário, faz com que as pessoas deixem de viver o tempo presente. A ênfase está na total
confiança de que Deus não irá abandonar seus filhos e filhas. O planejamento e o trabalho não
são reprovados por Jesus, mas sim a falta de confiança e de esperança em Deus. Em outras
palavras, as pessoas precisam planejar o seu futuro e trabalhar para alcançar os seus objetivos
sem, no entanto, esquecerem de Deus. É reconhecer que Ele é quem abençoa o trabalho de
nossas mãos e dará os frutos no devido tempo, para o nosso bem. Tudo o que for para o nosso
bem, segundo as palavras de Jesus, Deus nos concederá no tempo certo.

É por isso que Jesus insiste que não se pode servir a dois senhores. Somente quando Deus estiver
em primeiro plano na vida das pessoas, tudo o que estas alcançarem sob a bênção do Senhor
será para a sua felicidade e bem-estar.

No Sermão da Montanha, Jesus também aborda a questão das riquezas e da ansiedade. Clique no
link abaixo e veja o que Jesus afirma no Evangelho de Mateus, capítulo 6:

(Deus e as riquezas)
A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO - Jesus ensina a Orar

A oração é o meio e instrumento de comunicação da pessoa com Deus. As pessoas são


incentivadas na Bíblia a orar (rezar) sempre: quando estão tristes, quando estão alegres, quando
estão doentes e quando estão saudáveis, na pobreza ou na riqueza, quando se sentem fracas e
quando estão fortalecidas. A promessa de Jesus é de que a oração daquele que confia em Deus
jamais ficará sem resposta. É evidente que nem sempre a resposta de Deus é exatamente
aquela que nós esperamos, mas de uma coisa podemos estar certos: Deus sempre dará aos que
nele confiam o que for para o bem destes. Deus não quer jamais nos dar coisas para o nosso
mal. A sua resposta para a nossa oração pode ser um vigoroso SIM; também pode ser um ESPERA,
sem nos abandonar, enquanto não recebemos o que pedimos. Às vezes, quando o que pedimos
poderá nos fazer mal e nos levar a esquecer Deus, ele talvez responderá com um NÃO. No
entanto, para quem confia Nele, a negativa, normalmente, é substituída por algo melhor e que
será para o nosso bem. Então, não teremos um NÃO, mas um RECEBE ISTO EM LUGAR DAQUILO
QUE VOCÊ PEDIU.

Quando os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse a orar, Jesus lhes apresentou a oração
modelo, que contém tudo aquilo que as pessoas necessitam para a sua vida: A Oração do PAI
NOSSO. O Pai Nosso é evidentemente uma oração, porém, mais do que isso, é uma singela forma
de orar (Lutero), tão singela que se distingue das formas eloquentes e repetitivas, precisamente
pela sua incrível simplicidade, pois ela não quer apresentar fórmulas, mas apenas dizer o que o
suplicante espera. Há duas versões conhecidas do Pai Nosso. Uma é utilizada comumente pelos
evangélicos protestantes; a outra é usada pelos católicos. O conteúdo é exatamente o mesmo
nas duas versões. A versão Protestante do Pai Nosso é mais pessoal e informal.

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua
vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as
nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em
tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]!
(Tradução: Almeida Revista e Atualizada, ARA)

A Versão Católica usa o “Plural Majestático”, ou seja, o plural de majestade. O sentido da


oração é o mesmo, só muda a forma de tratamento, que é mais formal.

Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso Nome, venha a nós o Vosso reino, seja feita
a Vossa vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos
as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, e não nos deixeis cair
em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.

O Novo Testamento é rico em detalhes sobre a vida e obra de Jesus Cristo e de tudo o que ele
fez em favor da humanidade. As parábolas, bem como os ensinamentos do Sermão do Monte e
da Oração do Pai-Nosso aqui destacados, apontam para a realidade do Reino de Deus e de seu
amor para com toda a humanidade. Jesus Cristo não apenas ensinou a respeito desse amor, mas
ele próprio é a personificação do amor de Deus. Cristo não apenas veio falar de uma mensagem,
mas ele próprio era a mensagem, que pode ser resumida nas palavras “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim”.
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 8ª ed. São Paulo: Paulus, 1997.

LUTERO, Martinho. Catecismo Menor. 13ª ed. São Leopoldo, Sinodal, 1995.

WARTH, Martim Carlos. A ética de cada dia. Canoas: Ed. ULBRA, 2002.

Introdução

As reformas religiosas do século XVI são um marco histórico no mundo ocidental. Popularmente
dizendo, a Europa nunca mais foi a mesma após os eventos que sucederam o 31 de outubro de
1517, data em que as 95 teses de Lutero foram afixadas na porta da Catedral de Wittenberg. De
acordo com os historiadores, as Reformas Protestantes, lideradas principalmente por Martinho
Lutero, Zwinglio, Calvino e Henrique VIII provocaram mudanças não só no campo religioso, mas
também tiveram impacto significativo no cenário político, econômico, social, cultural e
educacional dos diversos países europeus. São essas reformas que esse capítulo procurará
apresentar. Não podemos, porém, perder o foco de que o eixo central das reformas permanece
sendo a questão teológica, com a redescoberta de um Deus amoroso e perdoador, que substitui
o Deus punitivo e vingador proclamado pela igreja da Idade Média. "O Justo viverá por fé", lema
da Reforma Protestante, traz a ideia da salvação gratuita ofertada por Deus à humanidade,
sendo esse o grande legado teológico para o mundo cristão Pós-Reforma.

Lutero e a Reforma Luterana

O meio familiar e a educação

Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, Alemanha. Sua família não era
abastada, e a educação familiar era pautada por padrões de severidade, próprios da época.

Os primeiros anos escolares (1488-1497) foram marcados pelo aprendizado do latim, do canto e
dos princípios básicos da fé cristã. O método empregado para o ensino era marcado pela
memorização e, não raro, por castigos físicos. À fase escolar seguinte, até 1501, conhecida
como escola do trívio (estudo da gramática, retórica e dialética), seguiu-se o quadrívio
(geometria, aritmética, música e astronomia). Cumpridas estas etapas, Lutero estava apto para
ingressar na faculdade de Direito, um antigo sonho acalentado pelo seu pai.

Curiosidade: compare as ênfases dadas à educação da época com as de hoje. Compartilhe suas
conclusões.

Da universidade para o mosteiro

A continuação dos estudos em Direito acabou nem ocorrendo, tendo sido interrompida em julho
de 1505. Em razão de um raio que quase o atingira e apavorado com a proximidade que teve da
morte, Lutero promete abandonar tudo e tornar-se monge. Há outras duas versões para sua
decisão. Uma comenta que pouco antes de quase ser fulminado pelo raio, um amigo teria sido
acometido de um mal súbito e morrera, deixando Lutero profundamente assustado com a
possibilidade da morte. Outra versão relata que Lutero teria sido ferido nos meses precedentes
por um golpe de espada.

O que transparece, em qualquer dos três relatos, é a forte presença de um sentimento de medo
pelo castigo associado à culpa. Essa percepção, aliás, não era exclusividade de Lutero. O forte
sentimento de culpa, por causa do pecado, era a tônica de todo um movimento de renovação
religiosa na Alemanha da época. É assim que, ainda em julho de 1505, Lutero ingressa no
convento da ordem dos agostinianos.

Reflita: qual seu parecer sobre movimentos religiosos que oprimem as consciências com o pavor
da condenação eterna?
Sacerdote e monge

Seguindo a tradição dos monges agostinianos, Lutero tornou-se um sacerdote e, em 1507, oficia
sua primeira missa. Durante uma das orações, é tomado por enorme angústia, provocada, ao
que parece, pelo temor de aproximar-se diante de Deus. A forte certeza de ser pecador, aliada
à angustiante sensação de culpa, faz Lutero perceber-se diante de um Deus severo, esboçado
essencialmente como juiz.

A entrada na vida monástica não foi o suficiente para acalmar Lutero e nem lhe trazer a
desejada paz interior. As penitências constantes, precedidas de confissões diárias, não foram
suficientes para lhe afastar a imagem de um Deus punitivo e vingador.

Os estudos em Teologia e a paz interior

Em sua busca de paz, resolve estudar Teologia (1507-1512). Muda-se para Wittenberg e obtém
ali o título de doutor. Passa a lecionar na faculdade de Teologia sem, contudo, abandonar sua
busca por um Deus que lhe desse a paz desejada.

Na universidade, foi auxiliado por um de seus professores, que lhe pondera que a verdadeira
penitência começa com o amor a Deus e não com o temor pela punição. O estudo de Agostinho o
fascina, e em especial o significado da vida e morte de Cristo para a salvação. Ao proferir suas
conferências sobre os Salmos (1513-1515), Lutero se convence de que a salvação é uma nova
relação com Deus, fundamentada na absoluta confiança nas promessas divinas. No final de 1516,
ao preparar sua preleção sobre os Romanos, detém-se na palavra que "o justo viverá por fé". Era
a chave que lhe faltava. Passa a defender que a salvação é dádiva divina, presenteada,
gratuitamente, em amor pelo próprio Deus através da pessoa de Jesus Cristo e sua obra na cruz.
A justiça humana, que poderia significar o direito e merecimento de quem age de modo correto,
e por isso apto a ser chamado de justo, é percebida por Lutero isenta de direito e merecimento,
ainda que esse indivíduo tenha agido de modo correto. Para Lutero, o ser humano não merece a
identificação como justo em função de suas próprias obras. Essa justiça lhe é atribuída tão
somente em razão das promessas divinas, só podendo ser recebida por fé pelo simples fato de já
ter sido dada pelo próprio Deus. Era o achado teológico da salvação ou justificação pela fé,
independentemente das obras. Estas passam a ser vistas não como meritórias, mas como fruto
ou consequência natural do amor divino que passa a atuar no ser humano.

Na universidade, após estudos bíblicos em Salmos e Romanos Lutero "descobre" que a vida
eterna é dada unicamente pela fé em Jesus Cristo. Salvação é consequência do amor divino e
não do merecimento humano.

As 95 Teses e o conflito com a igreja

Lutero não era contra a ideia das indulgências, muito embora suas 95 Teses (1517) tenham tido
como alvo exatamente as indulgências. Na teoria, as indulgências constituíam um perdão
relativo às penas impostas pela própria igreja. Com os abusos, muitos passaram a entender que
o perdão podia ser estendido à diminuição das penas do purgatório.
A indulgência contra a qual Lutero se rebelava havia sido promulgada em 1506 e renovada em
1517. As somas recolhidas estavam destinadas a financiar a construção da basílica de São Pedro,
em Roma. Soma-se a esse episódio especial a figura de Alberto de Brandemburgo, decisivo no
desenlace dos fatos que se sucederam.

O abuso das indulgências: verbas para construção da Basílica de São Pedro e compra de
dioceses.

Alberto era membro da nobreza e também já bispo alemão. Nesse período, vagou o arcebispado
de Mainz (Mogúncia), cujo cargo era um desejo antigo de Alberto. A importância dessa diocese
estava no fato dela ser uma das que tinham direito a voto na eleição para imperador (três bispos
e quatro príncipes do Sacro Império Romano-Germânico, após a morte do imperador, reuniam-se
para eleger o novo imperador). Ao solicitar essa diocese ao papa, este estipulou uma alta soma
para dá-lo a Alberto. O problema agrava-se porque Alberto já era supervisor de duas outras
dioceses, o que era proibido pelo Direito Canônico. Sem recursos suficientes para "comprar" a
diocese vaga, Alberto recorre aos Fugger, uma família de banqueiros. Resolvido o pagamento ao
papa, Alberto tinha uma enorme dívida financeira com os Fugger. A solução? Utilizar as somas
recolhidas com as indulgências, incrementando sua venda quase à banalização, além de
inflacionar os valores (1 florim para artesão e 25 para o clero e nobreza; nota-se que 1 florim
era o necessário para uma semana de subsistência de uma pessoa). Alberto repassava a Roma
apenas a metade dos recursos angariados, sendo que a outra metade ia diretamente para a
instituição bancária dos Fugger.

O documento de Lutero, dado a público em 31 de outubro de 1517, não tinha como alvo as
negociatas de Alberto, das quais, segundo alguns historiadores, Lutero nem tinha conhecimento.
Seu foco eram as questões doutrinais e religiosas. Lutero propunha uma reforma nos costumes
da igreja e um retorno às Sagradas Escrituras, em especial, no que dizia respeito à salvação. A
reação às 95 teses foi tão imediata que em pouco tempo o debate já circulava por boa parte da
Europa. Ainda que não imaginasse tanto, já que pretendia que ela fosse uma discussão
acadêmico-teológica, estava demarcada a deflagração do conflito que marcaria toda a história
do mundo ocidental.

A reação da igreja

As afirmações de Lutero encontraram terreno fértil para se ampliarem. Alguns não apenas o
defendiam como também se admiravam que alguém desconhecido tivesse ousadia para
enfrentar a igreja. Já outros o condenavam, irritando-se com sua pretensão de sugerir mudanças
na igreja.

Um dos primeiros a responder a Lutero foi João Tetzel, nomeado por Alberto de Brandemburgo
para ser o responsável pela venda das indulgências. Logo a seguir outro oponente, João Eck,
também se manifesta através de um texto. Lutero replica através de um sermão. Corria o início
de 1518. A situação de conflito estava assim deflagrada, sem aparente solução.

É então que entra em cena mais uma vez Alberto de Brandemburgo, que se associa aos
dominicanos, ordem à qual Tetzel pertencia. Encaminham à Roma denúncias contra Lutero,
sendo que, a partir desse fato, os acontecimentos que levaram à Reforma se precipitam.
Intimado pelo papa Leão X a comparecer em Roma, Lutero é protegido pelo príncipe-eleitor
Frederico, o Sábio, que consegue trazer a audiência para a Alemanha, em Augsburgo, como
forma de proteger Lutero de uma iminente prisão em Roma.

Instado a retratar-se, Lutero apela a instâncias superiores. Sucedem-se outros encontros, sendo
que as discussões tornam claro que as posições são cada vez mais contrárias. Por fim, é
solicitada à Roma uma bula condenatória contra Lutero, publicada em junho de 1520. A bula
concede-lhe 60 dias para a retratação.

Sem a retratação, Lutero é excomungado e perde seus direitos religiosos.

Nesse mesmo ano, e em meio às discussões que continuavam, Lutero produziu o escrito À
nobreza cristã da nação alemã, sugerindo que o poder temporal devesse assumir suas
responsabilidades sociais e políticas. Ainda nesse mesmo ano, publicaria mais duas obras que
provocariam um aprofundamento nas diferenças. A primeira foi Cativeiro Babilônico da Igreja,
onde ataca diversos ensinamentos da igreja. A segunda foi Sobre a liberdade cristã, enfatizando
que o cristão é o indivíduo mais livre de todos, não estando sujeito a ninguém, mas ao mesmo
tempo é o mais devoto servo de todos, e a todos está sujeito, pelo amor.

Livres pela fé em Cristo. Servos pelo amor.

Sem a retratação, em janeiro de 1521, é publicado o decreto da excomunhão de Lutero. Estava


posto fora da Igreja Católica Apostólica Romana, perdendo todos os seus direitos religiosos,
inclusive os sacerdotais. O império precisava confirmar a excomunhão, cassando os direitos civis
e políticos de Lutero. Para tratar do assunto, foi convocada na Alemanha a Dieta de Worms,
ainda no mesmo ano. Sem acerto, Carlos V, recém eleito imperador, confirma a excomunhão em
maio de 1521. Lutero era agora considerado um fora da lei, um criminoso.

Confirmada a excomunhão pelo império, Lutero perde os direitos civis. É agora um criminoso.

O exílio

Temerosos pela vida de Lutero, alguns de seus amigos o "sequestram" e conduzem-no ao castelo
de Wartburgo, onde fica sob a proteção de Frederico. Nos dez meses de reclusão, produziu
inúmeros escritos teológicos. A sua maior obra foi a tradução do Novo Testamento grego para o
alemão, fato que contribuiu para a afirmação da língua alemã e também para a socialização
dos conhecimentos bíblicos ao povo alemão, visto que só o clero tinha acesso à Bíblia, ainda nas
línguas originais.

Considerado como desaparecido, a ausência de Lutero desencadeou muita confusão. Radicais e


fanáticos mostravam muita imprudência na condução das reformas. A volta se impunha como
necessária e foi a própria Câmara Municipal de Wittenberg que fez a solicitação. O episódio
marcou a volta de Lutero ao cenário público, ocorrida em março de 1522.

Sem a presença e mediação de Lutero, o movimento reformista torna-se caótico e incontrolável.


Embora a interdição contra Lutero nunca tenha sido suspensa, ela também não se cumpriu. A
razão maior encontra-se na ausência de um poder central forte, o que permitiu a Lutero
conduzir as reformas religiosas por ele pretendidas.

O andamento das reformas

Até 1524, as reformas prosseguiram sem maiores desassossegos. É a partir dessa data que
principiam as divisões. Os humanistas, liderados por Erasmo, separam-se de Lutero. Radicais
espiritualistas pregavam a necessidade da experiência religiosa. Outros radicais, os sociais,
desejavam reformas mais rápidas e desencadearam a guerra dos Camponeses, considerada por
Lutero como rebelião contra Deus. Por essa sua postura, Lutero acabou fortalecendo o poder
temporal dos príncipes perdendo, por consequência, o seu prestígio popular.

A reação aos avanços das reformas e posteriores divisões fizeram com que os opositores de
Lutero, mais uma vez, em 1524, se organizassem na tentativa de cumprir o interdito imperial.

Humanismo, espiritualismo e radicalismo social impunham reformas em outros rumos.

Em meio a tudo, Lutero, aos 42 anos, surpreende ao casar-se, em junho de 1525, com Catarina
Von Bora, uma ex-freira com 26 anos.

Até 1526, todas as tentativas de aplicação da interdição de Lutero fracassaram. Nesse ano, uma
abertura maior nas discussões introduziu um adendo ao texto original da Dieta de Worms, que
dava aos príncipes a responsabilidade pela escolha da religião a ser seguida em sua área
administrativa. Em 1529, novo encontro restringe essa resolução e quer fazer a situação voltar
ao que era antes. Os príncipes luteranos reagiram através de um documento, no qual
começavam suas afirmações sempre com a palavra "protestamos". Isso passou a identificar como
protestantes todos os que se opunham à Igreja Católica Apostólica Romana.

Sem cumprir o interdito contra Lutero, o império amplia a liberdade religiosa: cada príncipe é
responsável pela escolha da religião.

A Dieta de Augsburgo (1530)

Convocada originalmente por Carlos V, para estabelecer os parâmetros de defesa do império


contra a invasão dos turcos otomanos, liderados por Solimão, os príncipes "protestantes"
aproveitaram-se para entregar uma declaração de fé em defesa de Lutero e seus seguidores,
conhecida comoConfissão de Augsburgo.

Em vista da necessidade de ter a seu lado todas as forças militares disponíveis, inclusive as dos
príncipes protestantes, Carlos V firmou a Paz de Nuremberg, assegurando a liberdade religiosa
aos príncipes e suas cidades que haviam assinado o documento, mas impedindo que outros
príncipes adotassem a Reforma em seus territórios. Era 25 de junho de 1530.

Somente em 1555, a controvérsia sobre a liberdade religiosa chega ao fim, através da


conhecida Paz de Augsburgo, ainda sob Carlos V. A Paz de Augsburgo concede direitos iguais
tanto a católicos quanto a protestantes, mas enfatiza que a responsabilidade da escolha
religiosa era prerrogativa dos príncipes. Ao súdito que não concordasse com seu príncipe,
restava-lhe apenas a emigração para outro principado.

A Paz de Augsburgo (1555) concede direitos iguais a católicos e protestantes.

A morte de Lutero

Aos 62 anos, em fevereiro de 1546, Lutero falece em Eisleben, onde nascera. Apesar da morte
de Lutero o processo da Reforma já estava consolidado e teve sua continuidade mesmo sem a
presença do reformador.

Reflita: no Oriente, o pluralismo religioso, embora regionalizado, já era prática corrente; no


Ocidente, a Reforma propiciou a mesma prática.
Posicione-se: a liberdade de culto contribui ou não para o exercício pleno da humanidade do
ser humano?

OUTRAS REFORMAS NA EUROPA

Após a descrição do movimento reformista de Lutero e dos alicerces que deram origem à
tradição cristã luterana, quer-se aqui mencionar, ainda que rapidamente, outras reformas
ocorridas, de tradição cristã reformada.

Zwínglio e a Reforma na Suíça

Ulrico Zwínglio, (1484 – 1531), integrou, juntamente com Lutero e Calvino, a primeira geração
de reformadores. Zwínglio desenvolveu seus estudos acadêmicos na Basileia, onde obteve o
grau de Mestre em Artes. Fortemente influenciado por um de seus professores, que se voltara
contra as indulgências, ensinava que a única autoridade nos assuntos da Igreja é a Sagrada
Escritura e que o perdão dos pecados se encontra em Cristo. Foi ele quem deu início ao
movimento da Reforma na Suíça.

Chamado para pastorear em Zurich (1519), o humanista bíblico e líder político nacionalista se
insurgiu contra o engajamento de mercenários suíços no serviço estrangeiro e os exércitos que o
papado organizava para defender seus interesses pela força das armas. O contato com as ideias
luteranas levaram-no a uma experiência de conversão e ruptura com o catolicismo. Foi nesse
ano que Zwínglio levantou a primeira bandeira da Reforma, quando declarou que os dízimos
pagos pelos fiéis não eram exigência divina, sendo, pois, o seu pagamento uma questão de
voluntariedade.

Quando os cidadãos deixaram a prática do jejum quaresmal, fundamentados no ensino de


Zwínglio sobre a autoridade exclusiva da Bíblia, as autoridades católicas resolveram promover
um debate público, no qual um grande grupo de teólogos foi enfrentado apenas por Zwínglio.
Nesse debate, defendeu a autoridade da Bíblia e de Cristo e o direito dos sacerdotes ao
casamento. A partir daí, os líderes civis, eleitos pelo povo, escolheram a fé que a cidade e o
cantão passaram a adotar. Em 1525, a Reforma se completou em Zurich com a supressão da
missa. O ensino de Zwínglio, de que a última palavra pertencia à comunidade cristã, que
exerceria sua ação com base na autoridade da Bíblia, frutificou na Reforma suíça.
O ano de 1529 ficou marcado por dois acontecimentos significativos para os rumos do
movimento reformista da Suíça. O primeiro deles ficou assinalado pela irrupção da guerra entre
cantões de fé católica e protestante, que acabou com a decisão da maioria de cada cantão
escolher a sua religião. Também neste ano Lutero e Zwínglio tentaram aproximar os seus
movimentos, uma iniciativa que foi impedida pela discordância com relação à Eucaristia (Santa
Ceia). Zwínglio perdeu o apoio de Lutero no Colóquio de Marburgo, depois de não concordarem
sobre a natureza da presença de Cristo na Ceia. O zwinglianismo prosseguiu, então, separado do
luteranismo.

Em 1531, eclodiria a segunda guerra religiosa, na qual Zwínglio pretendia conquistar a adesão
de Genebra para a sua causa. Essa batalha acabou causando a sua morte. Após a morte de
Zwínglio, seu sucessor, João Calvino (1509-1564), liderou o movimento, ao qual emprestou seu
nome (Calvinismo) até 1561, quando os seus seguidores passaram a ser identificados como
"reformados".

Calvino e a Reforma na Suíça

João Calvino (1509 – 1564) nasceu na França, filho de um respeitado cidadão, a quem era
possível proporcionar uma boa educação ao filho desde os seis anos de idade. Em sua vida
acadêmica, frequentou as Universidades de Paris, Orleans e Bourges e também o Colégio de
França, onde estudou Grego e Hebraico (Latim ele já dominava pelos seus estudos
universitários). Formou-se em Direito.

Calvino, em 1534, passou a adotar as ideias da Reforma. Em 1536 publica a obra que se tornaria
um clássico: “Instituição da Religião Cristã”. O pequeno livro era dirigido a Francisco I, da
França, numa tentativa de defender os cristãos protestantes daquele país, que sofriam
perseguições por sua fé, além de pedir que o Rei aceitasse as ideias da Reforma.

Querendo radicar-se em Estrasburgo, Calvino faz a passagem por Genebra, onde o movimento da
reforma era liderado por Guilherme Farel, que bem cedo aceitou a doutrina luterana da
justificação pela fé. Este, ao tomar conhecimento da presença de Calvino, foi procurá-lo para
que lhe auxiliasse na implantação da reforma na cidade. Calvino se recusou, pois gostava da
vida de estudioso e escritor de teologia. Pensava que podia melhor auxiliar a Reforma através
da produção de literatura teológica. Tendo sido convencido a ajudar Farel, no entanto, Calvino
iniciou como ministro de ensino da Bíblia. Logo a seguir foi nomeado pregador. Em 1537, Calvino
e Farel conseguiram a aprovação de um decreto estabelecendo a celebração da Ceia do Senhor
em datas preestabelecidas, a criação de um catecismo para as crianças e um livro de canto
congregacional. Também propuseram que pessoas que estavam sob disciplina severa da igreja
fossem excomungadas. Os dois elaboraram um catecismo e uma pequena declaração de fé.
Como eles se recusavam a dar a Ceia do Senhor a alguns, isso gerou uma controvérsia que
acabou levando-os ao exílio em 1538.

Entre 1538 e 1541, Calvino pastoreou refugiados franceses em Estrasburgo. Quando as forças
reformadoras novamente obtiveram controle de Genebra, Calvino foi convidado a voltar.
Enquanto esteve engajado, a Reforma avançou por todos os cantões franceses da Suíça. Em
1564, Calvino morreu em meio aos árduos combates pela causa do Evangelho.
A maior contribuição de Calvino à fé reformada foram as suas Institutas, aceitas como
expressão acabada da teologia reformada. Nessa obra, ele pôs os fundamentos de duas ênfases
reformadas: a importância da doutrina e a centralidade de Deus na teologia cristã.

Calvino também incentivou a educação. Em substituição à Academia, ele criou em Genebra um


sistema de educação em três níveis, hoje conhecida como Universidade de Genebra, fundada
em 1559. Sua ênfase sobre a educação chegou aos Estados Unidos, quando, algum tempo depois,
os puritanos e os calvinistas criaram escolas no novo mundo.

Sob sua liderança, Genebra tornou-se uma inspiração e um modelo para os de fé reformada de
outros lugares e um refúgio para os perseguidos por causa de sua fé. Seus muitos comentários
sobre os livros da Bíblia são até hoje estudados pelos seguidores de suas ideias. A administração
da igreja genebrina tornou-se modelo para as igrejas reformadas.

Calvino também influenciou o avanço da democracia, porque aceitou o princípio representativo


da direção da Igreja e do Estado. Ele entendia que a Igreja e o Estado foram criados por Deus
para o bem do ser humano e que, portanto, deviam ambos cooperar para o progresso do
Cristianismo.

Reforma na Inglaterra

O Terreno

Desde o século XII, estava se formando na Inglaterra uma igreja estatal e nacional, com a
tendência de eliminar a influência romana em sua vida.

Os Decretos parlamentares de 1343, de 1351 (Act of Provision) e 1553 (estatuto Praemunire)


declararam ilegítimas as nomeações papais e vetaram, com castigos severos, a introdução de
bulas papais, sentenças e reservas.

Sob o rei Eduardo III, o Parlamento proibiu, de uma vez por todas, o pagamento do imposto
cobrado pela Santa Sé. A Igreja inglesa estava unida à de Roma, mas numa independência quase
que total.

O Precursor

John Wycliff, o precursor (1328-1384), sacerdote, estimado professor de teologia e filosofia em


Oxford, não só aprovou as decisões de independência frente à Igreja romana, mas foi muito
além: desejava uma verdadeira reforma. Afirmava que o poder temporal e as riquezas eram a
ruína da Igreja. Melhor entregar tudo ao Estado e ser uma Igreja pobre.

Por ocasião do grande cisma de 1378, negou a existência do Papado, da hierarquia, das ordens
monásticas e da tradição, o culto dos santos, relíquias e imagens e as missas pelos defuntos.
Admitia apenas os sacramentos do batismo e da eucaristia. Mas, tendo convocado os pobres a
uma revolta contra os poderosos, perdeu o apoio oficial. Wycliff permaneceu no ofício de
pároco até sua morte. Estavam lançadas as sementes da reforma de dois séculos depois!
Em pleno século XVI, a memória e os legados de John Wycliff (1328 – 1384) ainda permaneciam
vivos na Inglaterra. Wycliff morreu em 1384, em consequência de uma embolia. Anos depois, foi
condenado pelo Concílio de Constança, sendo seu corpo exumado e queimado. As suas
doutrinas foram sementes de reforma para quem o lia.

Henrique VIII e a Separação das Igrejas

Henrique VIII subiu no trono inglês em 1509. Casou-se aos 11 anos de idade com Catarina de
Aragão, 17 anos, viúva de seu irmão Arthur, por motivos políticos, logo após a sua coroação.
Católico devoto, chegava a assistir cinco missas por dia, exceto na época de caça. Não
simpatizava com Lutero. Em 1521, Henrique defendeu o catolicismo das acusações de Martinho
Lutero, em um livro que escreveu com a ajuda de Thomas More, intitulado "A Defesa dos Sete
Sacramentos". Por essa obra literária, ele foi premiado com o título de "Defensor da Fé" pelo
Papa Leão X.

Apesar do título de “Defensor da Fé” e de sua devoção à fé católica, o Rei Henrique VIII
solicitou a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão. Seu pedido foi negado pelo Papa
Clemente VII. Em razão da recusa, Henrique tomou a decisão de proclamar-se chefe supremo da
Igreja da Inglaterra e, por razões de ordem pessoal e política, provocou o rompimento entre a
Inglaterra e a Igreja Romana.

Favorecido pelo espírito nacionalista da época e pelos movimentos reformistas em outras


nações, pode dizer-se que a causa principal da Reforma na Inglaterra encontra-se no desejo de
Henrique ter um filho homem para o substituir no trono, além do pedido de anulação de seu
casamento com Catarina, negado pelo Papa. Estes elementos constituíram-se nas principais
causas da separação e consequente Reforma da Igreja na Inglaterra. Após ter sido declarado,
em 1533, chefe supremo da Igreja, Henrique VIII anulou o seu casamento com Catarina e
consumou um novo casamento com Ana Bolena, com quem já mantinha um relacionamento, às
escondidas.

Em 1535, a ameaça de excomunhão feita pelo papa Clemente VII, em razão do seu casamento
com Ana Bolena, se concretizou: Henrique VIII foi excomungado. Em represália, ele manda
confiscar os mosteiros e conventos a favor do rei e da nobreza. Henrique VIII morreu em 1547.
Seu rompimento com Roma foi, na verdade, um cisma, pois, doutrinariamente, a Igreja na
Inglaterra permaneceu católica. As mudanças doutrinárias só foram alteradas após a sua morte,
sob o reinado de Eduardo VI (1547 – 1553).

Eduardo VI nasceu do terceiro casamento de Henrique VIII e Jane Seymour. Sob o seu reinado e
a regência do tio, Duque de Somerset, a Santa Ceia passou a ser celebrada sob as duas espécies
(hóstia e vinho). Foi também permitido o casamento do clero, as imagens foram retiradas dos
templos e foi publicado o “Livro Comum de Oração”.

Após a morte de Eduardo VI, assumiu o trono Maria (1553 – 1558), filha de Henrique e Catarina
de Aragão. Como católica fervorosa procurou restabelecer o catolicismo. Agiu com extrema
crueldade contra os adeptos da Reforma. Um dos exemplos mais claros envolveu o arcebispo de
Cantuária, Tomas Cranmer, um dos líderes da Reforma, que foi preso e sofreu o martírio da
fogueira. No seu breve reinado cerca de 300 pessoas foram martirizadas e por isso passou à
história como “Maria, a sanguinária”.

Com a morte de Maria, subiu ao trono Isabel (1558 – 1603), que promoveu a volta do
protestantismo, não tanto por convicção pessoal, mas por razões de Estado. Inteligente,
determinada, diplomata sagaz e astuta, não deixou se envolver por propostas de Felipe II da
Espanha, viúvo de Maria, que lhe propôs casamento, nem pelas promessas do papa, que
prometeu declará-la filha legítima, caso renegasse o protestantismo e reconhecesse a fé
católica. Quando o Parlamento aprovou o “Acto de Supremacia” que declarava a rainha o único
governo supremo em assuntos temporais e espirituais da Inglaterra, tratou de formar uma igreja
nacional independente, incorporando todas as correntes teológicas. Pois o seu ideal era uma
igreja uniforme num reino unido, porém, com liberdade de opinião, nem católica, nem
protestante de linha extremada. Segundo Isabel, a Igreja na Inglaterra não deveria ser nem
luterana, nem reformada, nem católica, mas sim Anglicana.

Consolidação da Reforma

A obra reformista protestante de Henrique VIII só foi completada no reinado de Isabel


(Elizabeth I), sua filha com Ana Bolena. Mesmo com a mescla de elementos calvinistas, a Igreja
Anglicana garantiu a independência de Roma. Ainda que mantivesse preceitos católicos, como a
hierarquia do catolicismo e um culto de aparência católica, no plano doutrinário, no entanto,
aproximou-se mais do protestantismo, adotando dois sacramentos, batismo e eucaristia e
concordando com a salvação pela fé.

Houve ainda outras reformas na Europa dos Séculos XVI e XVII, tais como a dos Huguenotes na
França e a Reforma na Escandinávia.

A Reforma Católica – A Contra Reforma

A Contra Reforma, também conhecida por Reforma Católica, é o nome dado ao movimento que
surgiu na Igreja Católica e que, segundo alguns autores, teria sido uma resposta à Reforma
Protestante. Em 1545, a Igreja Católica Romana convocou o Concílio de Trento que, em três
fases distintas, estendeu-se até o ano de 1563.

O grande movimento da Reforma, que espalhou as ideias do protestantismo pela Europa, exigia
igualmente uma resposta equivalente da Igreja romana para recuperar-se do duro golpe que a
fez perder o status de igreja única do Cristianismo.

Fica claro que a ação da Igreja Católica não se constituiu simplesmente num grande movimento
religioso que se propunha a reagir e combater a Reforma protestante. O fato é que os
movimentos reformistas, nos diversos países da Europa, causaram uma ruptura e dividiram os
cristãos entre católicos e protestantes. A inquietação existia dos dois lados. Também entre
católicos havia muitas pessoas sinceras e que pleiteavam por uma reforma na sua igreja. Por
isso, as decisões emanadas do Concílio de Trento, convocado pelo papa Paulo III, tiveram como
objetivo apurar as causas e colocar um fim nos abusos, que originaram e motivaram os
movimentos reformistas protestantes.
Paulo III, pelos seus atos e decretos, parecia entender a necessidade da Reforma na Igreja
Romana, porque foi ele quem autorizou a criação da Ordem dos Jesuítas em 1540, estabeleceu a
inquisição Romana em 1542 e promulgou a bula de 1544 convocando o Concilio de Trento. Paulo
III queria discutir a doutrina da Igreja de Roma, a reforma dos abusos clericais e a possibilidade
de uma cruzada contra os infiéis.

Do ponto de vista da moralidade, o Concílio fortaleceu e trouxe novo ânimo à Igreja Romana,
mas, do ponto de vista doutrinário, o resultado deste Concílio pode ser considerado como uma
reforma conservadora pelas posições assumidas e proclamadas ao final do conclave. Concluíram
que não só a Bíblia, mas também os escritos da tradição da igreja constituíam a fonte e
autoridade para os fieis. A discussão a respeito da justificação pela fé concluiu que a pessoa é
justificada pela fé e também pelos méritos de suas obras subsequentes, diferente dos
protestantes que defendiam a salvação apenas pela fé.

Este concílio também estabeleceu, entre outras medidas, a retomada do Tribunal do Santo
Ofício (Santa Inquisição), que tinha como objetivo vigiar e punir aqueles que não estivessem
seguindo a doutrina católica. Também foi criado o Index Librorum Prohibitorum (Índice de
Livros Proibidos), com uma relação de livros proibidos pela Igreja, por serem contrários aos
dogmas e ideias defendidas pela igreja. Foi dado grande incentivo à catequese dos povos do
Novo Mundo, com a criação de novas ordens religiosas, dentre elas a Companhia de Jesus, os
jesuítas, enviados como missionários catequistas, para transformar os nativos em novos
católicos. Outras medidas incluíram a reafirmação da autoridade papal, a manutenção do
celibato clerical, a reforma das ordens religiosas, a edição do catecismo tridentino, reformas e
instituições de seminários e universidades, a supressão de abusos envolvendo indulgências e a
adoção da Vulgata como tradução oficial da Bíblia.

Esse período da reforma e suas consequências encerrou-se com a assinatura do tratado de Paz
de Westfalia, em 1648, que pos fim a um longo e triste período de embates entre católicos e
protestantes (Guerra dos Trinta Anos – 1618 a 1648), estabelecendo limites territoriais e a
liberdade de expressão religiosa.

Liberdade Religiosa

A Paz de Augsburgo (1555) foi um avanço na época, porém ainda manteve nas mãos dos
príncipes o direito de escolha da religião a ser seguida por seus súditos. Somente em 1648, com
a Paz de Westphalia, documento que poria fim à guerra dos Trinta Anos, é que se chegou à
liberdade religiosa individual. Caberia a cada indivíduo escolher livremente sua fé religiosa. A
data marca, ainda, o fim do período histórico da Reforma na Europa.

A partir dessa liberdade, surgem, em diversos lugares, líderes religiosos, pastores, profetas, e
com eles diferentes interpretações bíblicas, bem como costumes e práticas, o que dá origem a
novas tradições religiosas cristãs.
Igreja Luterana e Educação

É preciso contextualizar este tema dentro do processo das Reformas Protestantes. Discorrer
sobre o vínculo existente entre a Igreja Luterana e a educação requer, inicialmente, uma volta
ao passado. Buscar as raízes, compreender o presente e vislumbrar a caminhada futura.

O passado

Em 1517, acontecimento já visto em tópico anterior, os fatos não se sucederam ao acaso, por
duas razões: a primeira e fundamental, é a compreensão de que no Universo, como na vida, as
coisas não acontecem ao acaso. Deus, o criador e mantenedor é quem conduz a bom fim todas
as coisas. A segunda, decorrente da primeira, é que os acontecimentos que cercaram aquela
data prepararam o evento hoje denominado de Reforma.

Lutero desejava à época, com a publicação de suas 95 Teses, sustentar que a libertação das
almas do purgatório dava-se por obra e graça divina, em Cristo Jesus, e que nenhum valor em
dinheiro era capaz de fazer isso.

Os fatos foram sendo desencadeados, à medida que as discussões ocorriam. Foi inevitável que
viesse à tona o debate sobre o poder do papa e dos bispos sobre o sacramento da penitência.
Acirravam-se as divergências.

Para Lutero, a situação teológica definiu-se com a compreensão de que o justo é salvo pela fé
nas promessas e realizações divinas já garantidas. A justiça é ato divino e sem nenhum
merecimento por parte do ser humano. Se assim é, como ficam as boas obras?

Num escrito de 1520, Sobre as boas obras, Lutero define o novo rumo do agir humano. A fé é
certeza de que a promessa divina de salvação será cumprida, sendo que Deus faz isso como
favor aos seres humanos. Receber um presente dessa natureza, ser considerado justo e salvo
sem merecer, provoca uma reação de agradecimento, a única possível: amar quem nos
presenteou e aos outros presenteados, também tornados justos por puro favor. Não é preciso
mandar agradecer. É espontâneo, a partir do amor que Deus teve com a humanidade. Para
agradar o benfeitor, não se eximirá de esforços agradecidos.

Boas obras não obtêm a salvação. Elas são agradecimento pela salvação já dada na promessa
divina.

Numa sociedade fortemente regulada pelas orientações emanadas das autoridades religiosas e,
por vezes, cumpridas ou à força ou contra a vontade, as implicações sociais e políticas
decorrentes de que as boas obras não eram definidoras nem da justiça e nem da salvação logo
se evidenciam.

Em outro escrito, também de 1520, À Nobreza cristã da nação alemã sobre a Reforma da
cristandade, Lutero propõe reformas no corpo cristão composto por todos os cristãos,
independentemente dos papéis que desempenham. Sejam príncipes, senhores, artesãos,
camponeses ou clérigos, todos, pelo batismo, fazem parte do corpo de Cristo, e nele são
integrados pelo mesmo favor divino.
Todos os seres humanos, independente de sua função, receberam a graça da salvação e podem
agir, também na vida da cidade, por agradecimento.

Todos estão no mesmo barco e na mesma direção: agem por agradecimento. As autoridades
religiosas, cuja competência é veicular a Palavra de Deus e aplicar os sacramentos, agem com
amor por terem sido amados primeiro. Da mesma forma, as autoridades seculares, cuja
competência é manter em boa ordem o corpo cristão, agem igualmente com amor, por terem
sido amados primeiro. Quando uma parte falha, é preciso que a outra intervenha. Naquele
momento, Lutero entendia que as autoridades religiosas estavam falhando e as autoridades
seculares deveriam intervir, empreendendo as necessárias reformas, movidas por amor ao corpo
de Cristo.

Reflita: diante de Deus, autoridades religiosas e civis têm a mesma direção: agir por
agradecimento. Quando uma falha, a outra deve intervir. Qual sua opinião?

Entre as reformas necessárias, insere-se a das universidades e escolas. Sugere que a Sagrada
Escritura constitua a matriz do currículo. Nas séries iniciais, meninos e meninas estudariam o
Evangelho, em latim ou alemão. Continuariam os estudos superiores aqueles alunos que se
destacassem nesse período, escolhidos pelos príncipes e conselhos das cidades. Nas escolas
intermediárias, propõe-se estudos que remetam à reflexão e à observação da natureza, além do
estudo das línguas (latim, grego, hebraico), da matemática e da história. Aos cursos superiores
de direito, sugere-se ênfase no direito civil, e aos de teologia, enfatizarem as Escrituras como
objeto principal dos estudos.

Ensino religioso nas escolas, inclusive públicas? Discuta com seus colegas e tome posições.

A dimensão política do amor será ampliada em outro escrito, em 1523, sobre a autoridade
secular. Lutero torna mais transparente que existem dois reinos ou regimes, o de Deus e o do
mundo. O reino de Deus é integrado por todos aqueles que, agradecidos pelo favor recebido, já
atuam movidos por amor. Em tese, não precisam do regime secular, mas a ele se submetem e
preservam, a fim de que seu próximo seja beneficiado. O reino do mundo é integrado por todos
aqueles que também receberam o favor, muito embora alguns ainda ajam movidos pelo egoísmo
e precisem ser controlados, para que exista dignidade no corpo cristão.

Cabe à educação, nos diferentes níveis, um papel de relevância. Orientar as consciências para
que as pessoas saibam como se conduzirem é tarefa que cabe não somente aos religiosos, mas
também às autoridades e aos pais.

Na medida em que se aprofundam as diferenças entre Lutero, seus seguidores e a Igreja Católica
Apostólica Romana, também seus escritos com referência à educação vão se tornando mais
específicos. É assim na carta aberta Aos prefeitos das cidades alemãs, escrito em 1524.

A Reforma provocara um desestímulo à entrada nos mosteiros, justamente onde se encontravam


as escolas. Sozinhos, os pais não conseguiriam educar seus filhos. Lutero apela às autoridades
civis cristãs para que tomem para si a responsabilidade da educação, movidas por amor.
Zelar pelo bem-estar da cidade inclui a formação de cidadãos instruídos, hábeis e sábios que
tenham condições de adquirir e aumentar terras e propriedades. Daí que investir em educação e
na formação de cidadãos é concretizar a ética do amor.

Educação por amor, na vida secular; habilita homens e mulheres ao governo das cidades e
famílias. Educação por amor, na vida religiosa, habilita a uma melhor compreensão das
Escrituras.

Ao nível de reino do mundo, Lutero entende que o estudo das artes e línguas é que proporciona
homens capazes de reger domínios e mulheres habilitadas para governar filhos e empregados.
Quanto ao reino de Deus, entende que, igualmente, é preciso estudar as artes e línguas, a fim
de melhor entender as Escrituras e saber conduzir os negócios seculares.

Recomenda, ainda, que, ao criarem escolas, os conselhos municipais devem ter o cuidado de
formar boas bibliotecas em torno das Escrituras, das línguas e das artes.

A preocupação de Lutero com a educação não se limita às autoridades civis. Se essas realizarem
a sua parte, resta, ainda, aos pais fazerem a sua enviando seus filhos à escola. Em 1530, numa
pregação conhecida comoSermão sobre o dever de mandar os filhos à escola, Lutero alerta os
pais que preferiam colocar seus filhos no trabalho, ao invés de enviá-los às escolas criadas pelas
autoridades civis. Entende que há proveito ou prejuízo em educar ou deixar de educar os filhos.
Em ambos os casos, os pais estão beneficiando ou prejudicando o próprio Deus, que rege o
mundo. O mundo precisa de pessoas que se apliquem ao estudo e ensino das Escrituras, bem
como de pessoas que se apliquem ao estudo a fim de assegurarem a sobrevivência e harmonia
da sociedade tanto com relação às leis como com relação à medicina e às artes liberais.

A educação dever de pais e do Estado e o progresso dela decorrente devem assegurar a


sobrevivência e a harmonia da sociedade. A compreensão está na direção do bem-estar coletivo.

Este é o entendimento teocêntrico da educação: é meio e instrumento de Deus. Mais uma vez, é
a ética do amor decorrente da fé que fundamenta a responsabilidade dos pais pela educação
cristã das novas gerações. Nem os pais, nem os filhos podem viver para si mesmos. Sendo
cristãos, precisam engajar-se na obra de Deus neste mundo e promover tanto a salvação dos
homens como a paz da cidade.

O desencadeamento do movimento reformatório tornara evidente a necessidade de uma


reforma educacional. O sistema educacional medieval estava em crise em virtude das
transformações pelas quais passava a sociedade, em especial o surgimento do mercantilismo.
Estava surgindo um novo tipo de sociedade, na qual o comércio começava a ter uma importância
muito grande. As escolas, nas quais se estudava Filosofia e Teologia em altíssimo nível, eram
escolas monásticas. A educação superior era toda ela eclesiástica. Mas o novo tipo de sociedade
que surgia estava a exigir novo tipo de educação.

Necessário se fazia que houvesse formação para as áreas do comércio, para a direção dos
negócios do Estado, pois também um novo tipo de Estado, mais centralizado, estava surgindo.
Era necessário que se formassem conselheiros, administradores e juristas. O crescimento do
comércio, principalmente, requeria economistas.
Havia, porém, outro motivo que requeria a reforma do ensino. Até agora, o ensino fora
religioso; seu alvo era o céu. Pais que optassem pelo "estudo" para seus filhos faziam-no no
sentido de garantir e alcançar méritos para si e para seus filhos. O filho ia "estudar" para se
tornar sacerdote e, assim, garantir sua própria salvação e a salvação dos pais. A salvação do
mundo pouco ou nada importava. Quando Lutero descobriu a salvação gratuita, a justificação
por graça e fé, esse tipo de educação não tinha mais fundamento e ruiu. O alvo da ética não era
mais o céu, mas a Terra, a preservação das coisas criadas por Deus. A descoberta da justificação
por graça colocaria, além disso, a ênfase do estudo teológico na pregação e no estudo da Bíblia,
e não mais no aspecto sacerdotal. Outros, pois, deveriam ser os conteúdos preparatórios para o
ensino superior.

A educação não garante a vida eterna. A educação garante a preservação das coisas criadas por
Deus. A finalidade da educação cumpre-se no cuidado com o mundo e com tudo o que nele há.

Os príncipes haviam aproveitado o movimento reformatório para se apossar dos bens


eclesiásticos. Das rendas dos bens eclesiásticos havia sido mantida até então a educação dos
sacerdotes. Agora, não havia mais recursos para manter a educação. A educação fora privilégio
de minorias religiosas. Lutero, em contraposição, vai anunciar a necessidade de um sistema
educacional que esteja ao alcance de toda a população. Daí vem seu apelo para que as cidades
criem e mantenham escolas. Se antes se gastava dinheiro com a salvação, é necessário que
agora se use o dinheiro para a educação, considerada por ele a atividade mais importante.
Fundamentalmente, para ele, a educação é de responsabilidade da autoridade civil e não da
autoridade eclesiástica.

A argumentação de Lutero vai mais longe. Centro da Reforma é a redescoberta do Evangelho.


Essa redescoberta não deveria ser deixada de lado na reforma educacional. Aliás, assim pensa
Lutero, se não acontecer uma reforma educacional que dê acesso ao ensino para toda a
população, a redescoberta do Evangelho estará sendo posta em perigo! Caso a população não
puder educar-se, ter acesso à leitura do Evangelho, em pouco tempo o Evangelho estará
encoberto novamente.

Interessante é a fundamentação de Lutero. A educação é, para ele, uma ordem de Deus. Deus
quer que existam e sejam criadas escolas, pois é nelas que poderão ser aprendidas as profissões.
Lutero entende que é através da profissão que Deus chama as pessoas para o Sacerdócio
Universal de Todos os Crentes. Essa é a base para a educação universal.

Profissão é sacerdócio! A afirmação enquadra-se na ideia do Sacerdócio Universal de Todos os


Crentes. Proveitosa é a leitura de A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max
Weber. Confira!

Resta a pergunta: Quem será o sujeito da reforma educacional? Segundo Lutero, é dever dos
pais enviar os filhos à escola. As pessoas com recursos nas cidades são por ele convocadas a
financiar e a manter escolas. Mas não só elas. A educação deve ser tarefa política. Quem deve,
então, criar e manter escolas? Lutero propõe que os conselheiros das cidades, os vereadores,
assumam essa tarefa. Educação é tarefa do Estado.
Segundo Lutero, sempre que for investido um florim em gastos militares, devem ser investidos
cem florins em educação. Os conselhos municipais devem obrigar os pais a enviarem os filhos à
escola. Aqui há uma exigência da obrigatoriedade escolar, mas também a orientação precisa
quanto às prioridades da política. Para Lutero, está claro que governar é criar escolas e mantê-
las.

Compare o percentual do produto interno bruto (PIB) que os países desenvolvidos investem em
educação em relação ao que se aplica no Brasil.

Fica a pergunta: quem é que se beneficia com a educação, segundo Lutero? A resposta é
simples: a igreja e o Estado. A igreja se beneficia em sua tarefa de pregação. É necessário que
se formem pregadores que anunciem o Evangelho. Os pais devem enviar os filhos à escola para
que sejam pastores ou professores. Ambos se dedicarão à tarefa mais nobre: a de pregar o
Evangelho. Lutero pensa, em seu tempo, que se devem ensinar as línguas bíblicas, para que
todos tenham acesso à Bíblia no original. A Bíblia é, aliás, o livro escolar mais importante. Além
das línguas, deve-se estudar a história, pois se aprende com as experiências, os êxitos e os erros
do passado. Estudando história, evita-se a repetição dos erros do passado.

O outro beneficiário da educação é o Estado. Haverá cidadãos preparados para assumir as


tarefas na sociedade. O Estado necessita de funcionários (homens e mulheres). É verdade que
Lutero ainda limita a função pública da mulher ao magistério. As professoras ensinarão nas
escolas de meninas. Mas ele cria espaços para os estudos da mulher. O Estado, pensa Lutero,
precisa ainda de juristas e médicos.

Como deve ser a educação? Lutero nega a educação repressiva (surras, pressão...). A educação
deve ser lúdica, isso é, deve-se aprender jogando, cantando e dançando. Mas a escola também
deve estar vinculada ao trabalho. Ao lado das matérias comuns a todos os alunos, deveria haver
aprendizado artesanal. Nas escolas, devem existir boas bibliotecas que deveriam ter a Bíblia e
outras obras básicas.

Finalmente, Lutero propõe uma escola cristã, gratuita e obrigatória. Os professores não são
apenas funcionários públicos, mas também pessoas que exercem um ofício espiritual.

Discuta: escola cristã, gratuita e obrigatória.

Quais os valores da proposta de Lutero? Fundamental na proposta de Lutero é que, com a


educação, se mantenha a liberdade evangélica. Através da educação, tem-se acesso à verdade
do Evangelho e à liberdade dele decorrente. É a liberdade evangélica que possibilita a
participação crítica na sociedade. Depois, Lutero advogava pela popularização da educação. Ela
não é questão de elite leiga ou religiosa. É direito fundamental de todo cristão. Finalmente, é
importante ver que Lutero propõe um novo tipo de pedagogia: aprender brincando.

Lutero considera que a atividade do(a) professor(a) é, ao lado do ministério da pregação, a


atividade "mais útil, maior e melhor" que existe. O mundo é dádiva de Deus, mas para que haja
paz e ordem na Terra, é necessário que existam muitos professores e cientistas crentes e sérios.
Essa necessidade é para ele uma das razões de se enviarem filhos à escola. Ao mencionar essa
razão, está falando dos professores dessas escolas que são pessoas crentes e sérias a exercer a
maior função que existe. São eles que levam seres humanos a Cristo. Educar é levar a Cristo.
Por isso, educação é dádiva de Deus, oferecida através dos professores, nas escolas.

Reflita e discuta: qual o valor que se atribui ao magistério hoje?

É verdade que Lutero falava em tempos de regime de cristandade. É também verdade que seus
ideais eram humanísticos. Não vivemos mais em regime de cristandade. Os ideais humanísticos
também foram abandonados. A tarefa do educador cristão, porém, continua: preparar pessoas
para a salvação do mundo; preparar cidadãos capazes de remar contra a correnteza, bons
políticos, bons administradores, pessoas capazes de tornar o mundo mais humano.

BECK, Nestor. Igreja, Sociedade & Educação – Estudos em torno de Lutero. Porto Alegre:
Concórdia Editora Ltda., 1988.

DREHER, Martin N. A Igreja no Mundo Medieval. São Leopoldo: Sinodal, 1994.

GAARDER, Jostein, HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo.
Companhia das Letras, 2000.

JAHSMANN, A. H. Filosofia luterana da educação. Porto Alegre: Concórdia, 1987.

KUCHENBECKER, Walter. O Homem e o Sagrado. 5.ª ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1967, vols. I e II.
Introdução

O Brasil é um país que possui uma enorme diversidade religiosa. Mesmo tendo sido por muitos
anos um país oficialmente católico, a miscigenação cultural originada por constantes processos
imigratórios fez do nosso território um terreno muito fértil religiosamente, fazendo surgir
inúmeras religiões que hoje coexistem, num clima de plena liberdade religiosa. Além de
religiões tradicionais como judaísmo, islamismo, budismo, protestantismo, evangélicos das mais
diversas correntes, pentecostais e neopentecostais, o Brasil também congrega hoje um grande
número de outras religiões como espíritas e cultos afro-brasileiros. Mesmo sabendo que é
impossível abarcar todas as denominações existentes no país, vamos agora passar a conhecer
pelo menos um pouco do cenário religioso brasileiro.

Ronaldo Steffen (Revisão e ampliação: Bruno Müller e Paulo G. Pietzsch)

Tratar da religiosidade brasileira exige que iniciemos nosso percurso pela primeira e maior
religião que chegou ao nosso país junto com o descobridores, em 1500: o Catolicismo.

Não queremos dizer com isso que em nosso país já não houvesse religiosidade. É notório que os
índios que aqui habitavam já possuíam as suas crenças e ritos religiosos. Porém, sem
desconsiderar esse, fato o nosso foco de estudo se volta para o processo histórico de catolização
que o Brasil passou a ter com a colonização portuguesa.

Catolicismo
Desde sua descoberta, em 1500, passando pela conquista, colonização e estendendo-se até a
Proclamação da República, são quase quatro séculos em que o Brasil é reconhecido oficialmente
como católico.

A presença católica no Brasil deve-se a um fato ocorrido décadas antes do descobrimento,


denominado de o "Direito de Padroado". Essa era uma concessão do papa sobre as igrejas
instaladas nas terras conquistadas por Portugal. A descoberta de novas terras e sua colonização
era acompanhada de conversão compulsória de suas populações, nem sempre pacífica.
Portanto, junto com a ocupação era imposta a religião dos conquistadores

Direito de padroado. Você sabe o que é isso? Pesquise outras fontes e aprenda um pouco mais
sobre a formação religiosa e moral do povo brasileiro.

Como surgiu essa prática? Era uma recompensa dada ao Estado português pelo seu empenho na
conversão de "infiéis". Cabia ao rei de Portugal conquistar novas almas junto com a conquista de
novas terras. Era da responsabilidade do Estado construir os templos e mosteiros, dotá-los de
padres e religiosos e, ainda, nomear os bispos. Dessa forma, o clero católico presente no Brasil
fazia parte do funcionalismo público, remunerado pelo Estado.

A igreja submetida ao Estado tornou-se mais visível no período colonial brasileiro. Toda e
qualquer orientação oriunda do Vaticano para os religiosos presentes no país era repassada
através da administração portuguesa, que podia revisar os documentos e considerar se era ou
não viável publicá-los, conforme os seus interesses.

Com o estabelecimento do Império, o padroado passou a ser direito do imperador D. Pedro I, no


ano de 1827. O catolicismo torna-se a religião oficial do Estado brasileiro, sendo que a
ingerência deste sobre a igreja torna-se maior. Eram os funcionários públicos das províncias que
regulamentavam o funcionamento da igreja em âmbito local.

A Proclamação da República, em 1889, é que vai abolir o caráter de religião oficial do


catolicismo no Brasil. Dessa forma, o Estado brasileiro torna-se religiosamente neutro e abre os
caminhos para outras tradições religiosas organizarem-se e expressarem com liberdade seus
ritos e suas crenças.

A partir de então, o Vaticano passa a ter a responsabilidade de manutenção e sustento da igreja


católica em território brasileiro. É verdade que perder o caráter de religião oficial não foi um
processo fácil, muito menos rápido. As autoridades eclesiásticas, duma ou doutra forma, umas
mais e outras menos, ainda insistiam em manter laços de aproximação e influência religiosa
sobre as autoridades civis, determinando, por vezes, apoio religioso a atos políticos com o fim
de não perder a influência que até então tivera sobre a população. O efeito imediato foi um
distanciamento das realidades e necessidades do cotidiano religioso e espiritual do povo
católico.

A reaproximação ampla com os seguidores do catolicismo ocorre na década de 1960, com a


realização do Concílio Vaticano II. Numa clara reaproximação com as classes populares, na
chamada "escolha pelos pobres", dá-se uma série de conformações e acomodações que visavam
a estar mais perto da população e a atendê-la mais adequadamente. Outro motivo dessas
mudanças internas da Igreja Católica foi o de evitar a evasão de seus fiéis para outras tradições
religiosas emergentes, especialmente os movimentos evangélicos pentecostais.

Ao "abrir-se" e adequar-se às necessidades do seu povo, a igreja católica permitiu a emergência


interna de diversas tendências, entre as quais se destaca a Teologia da Libertação, que foi
buscar no materialismo histórico marxista possibilidades de nova práxis religiosa. Outra
importante tendência católica foi a emergência dos Movimentos Carismáticos, que buscam,
através dos dons carismáticos, uma confirmação do status de maior proximidade com Deus e do
Seu poder de ação sobre Seus filhos.

Aprofunde sua compreensão sobre a Teologia da Libertação e os Movimentos Carismáticos na


Igreja Católica Romana conversando com o sacerdote de sua localidade.

É mais que evidente que esses avanços não obtiveram a concordância de todos. Muitos religiosos
se opuseram e deflagraram movimentos que visavam a um retorno aos princípios anteriores ao
Concílio. Uma dessas vozes fortes foi Dom Lefebvre, que, em 21 de novembro de 1974, assim
declara:

“Aderimos com todo coração, com toda nossa alma, à Roma católica, guardiã da fé católica e
das tradições necessárias à manutenção dessa mesma fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e
de verdade. Por outro lado, recusamos, e temos sempre recusado, a Roma de tendência
neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II e, depois
do Concílio, em todas as reformas que saíram dele.”

Protestantismo de imigração

O protestantismo chegou ao Brasil de forma massificada e efetiva a partir da chegada dos


imigrantes que, junto de suas tradições e seus costumes, traziam as práticas religiosas oriundas
de seus países.

Isso ocorreu a partir de 1824, com a chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, dando origem à presença luterana no Brasil. Os primeiros que aqui chegaram,
entre 1824 e 1864, tinham atendimento religioso desempenhado por leigos. Só a partir de 1886
é que as igrejas alemãs passaram a enviar pastores para atenderem às colonizações germânicas.
Era a Igreja Evangélica Alemã no Brasil. Em 1904, uma missão luterana vinda dos Estados Unidos
daria origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (à qual a ULBRA hoje está ligada a partir de
sua mantenedora). Após a Segunda Guerra Mundial, os grupos que formavam a Igreja Evangélica
Alemã no Brasil formam a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

Já os anglicanos e uma parte dos metodistas também começam seu enraizamento no Brasil a
partir dos imigrantes americanos confederados que se estabelecem no interior de São Paulo. Os
primeiros anglicanos chegam por volta de 1810, tendo como característica não apenas a
continuação de sua tradição religiosa, mas também a preservação da língua materna, as
tradições e vínculos de dependência política e financeira com as igrejas de origem.
Protestantismo de conversão

Outros grupos protestantes também foram chegando ao Brasil, mas com a característica de que
vinham não para atenderem imigrantes, mas a fim de converter os brasileiros.

Diferentemente do protestantismo de imigração, esses grupos procuravam rapidamente


adequar-se ao jeito brasileiro, pois disso dependia o crescimento do número de convertidos.
Enquadram-se nessa perspectiva os presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais vindos dos
Estados Unidos.

O movimento missionário protestante tem seu início na metade do século XIX. Boa parte de sua
rápida expansão deveu-se ao trabalho de propaganda desenvolvido pela sociedade bíblica de
origem inglesa e norte-americana. Aliados à Sociedade Bíblica, os metodistas, que aqui
chegaram em 1835, distribuíram milhares de Bíblias entre os brasileiros nos anos 1850-1860.

Por volta de 1850, havia nos EUA a ideia corrente de unicidade do continente americano.
Embutiu-se nessa concepção a de também haver uma só religião. Será que isso favoreceu o
avanço no Brasil das religiões ligadas ao protestantismo de conversão? Leia mais sobre o
assunto.

A partir daí, proliferaram os movimentos missionários, todos de procedência norte-americana.


Em 1858, dá-se a criação da Igreja Congregacional; em 1859, chega a primeira missão
presbiteriana; em 1868, outra missão presbiteriana, dessa vez do Sul dos Estados Unidos; a
missão metodista aporta em terras brasileiras em 1870; os batistas, em 1881, e os episcopais,
em 1889.

No final do século XIX, já apareciam implantados no Brasil os movimentos protestantes de


tradição luterana, anglicana ou episcopal, metodista, presbiteriana, congregacional e batista.
Pentecostalismo e Neopentecostalismo

O movimento pentecostal chega ao Brasil nas primeiras décadas do século XX. A primeira igreja
formalmente criada foi a Congregação Cristã do Brasil, em 1910, no Paraná e em São Paulo. No
ano seguinte, no Pará, é criada a Assembleia de Deus.

O crescimento das igrejas pentecostais efetivamente ocorre a partir dos anos de 1950. Em 1953,
surge em cena a Igreja do Evangelho Quadrangular; em 1955, a Igreja Pentecostal, o Brasil para
Cristo; em 1962, a Deus é Amor, e, em 1964, a Casa da Bênção.

A partir dessas denominações, o movimento pentecostal dá origem a outros grupos,


denominados neopentecostais, entre os quais se destacam: Igreja da Nova Vida (1960),
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Igreja
Internacional da Graça de Deus (1980) e Renascer em Cristo (1986).

Características

Pentecostais

Crê-se nos milagres exatamente como ocorridos em Pentecostes.

Não há grande apreço pela organização hierárquica e sacerdotal (a ênfase está no pastor
que possui os dons recebidos do Espírito).

Nega-se o batismo infantil (o benefício do batismo é recebido de forma consciente).

Culto baseado na Bíblia e com interpretação livre conduzida pelo Espírito Santo.

Ausência de imagens e proibição de seu uso e adoração.

Grande importância à inspiração interior e liberdade para expressá-la.

Neopentecostais

Ênfase nos dons espirituais, especialmente os mais extraordinários (línguas, profecias,


curas); forte emotividade, especialmente nos cultos; ênfase à pessoa e atividade do
Espírito Santo; valorização da figura do líder (o “ungido do Senhor”); preocupação
constante com as forças do mal; e grande ênfase no conceito de “poder.
Todavia, os grupos neopentecostais distinguem-se da sua matriz, ou por darem uma
ênfase incomum a determinados aspectos da herança pentecostal (por exemplo, curas,
revelações e exorcismo), ou por adotarem novas ideias e práticas, muitas delas provindas
dos Estados Unidos (como batalha espiritual, o “evangelho” da prosperidade, maldição
hereditária e assim por diante). Aliás, um dos traços mais marcantes do
neopentecostalismo é sua criatividade, sua capacidade de inovação.
Ênfase na batalha espiritual contra o diabo e contra o mal, com práticas comuns de
exorcismo.
Os dons espirituais ainda ocorrem como em Pentecostes, como o dom de línguas,
profecias e curas divinas.
Religiões midiáticas, com grande capacidade de inovação criativa na forma de
divulgação.
Liderança carismática, onde os líderes são considerados "ungidos do Senhor".
Discurso e ações voltados ao bem-estar físico, emocional e material, denominada de
"teologia da cura e prosperidade".
Pobreza, problemas sentimentais e pessoais são ações do diabo, que deve ser expulso.

Outras tradições religiosas no Brasil

Entre os grupos fora do cristianismo, os mais representativos e que merecem ser mencionados
são o judaísmo, o Islã, o budismo, o Hare Krishna, o xintoísmo, a Seicho-no-iê, a Soka Gakkai e a
igreja messiânica.

Há ainda outro grupo, denominado por alguns estudiosos de "neocristão" ou "paracristão", que
também tem representação no Brasil, como os mórmons, os adventistas, as testemunhas de
Jeová, a Ciência Cristã e o Racionalismo Cristão. São assim chamados por parecerem igrejas ou
seitas protestantes, mas já terem sua origem um pouco afastada da Reforma Protestante de
1517.

Espiritismo

Os meados do século XIX foram particularmente revolucionários para o campo da biologia. Em


1859 era publicada a 1ª edição do livro Origem das espécies, de Charles Darwin, no qual o
pesquisador defende a evolução das espécies pelo processo de seleção natural. Não é propósito
discutir os méritos das colocações de Darwin, porém constatar que ocorreram grandes mudanças
provocadas pelos seus estudos ao asseverar que o universo dos seres vivos está absolutamente
colocado dentro dos domínios exclusivos da lei natural. Essa forma de enxergar a vida, que já
vinha sendo construída em séculos anteriores passa, agora, a influenciar muitos conhecimentos
e pensamentos nos séculos seguintes, inclusive no campo religioso.

O espiritismo parece enquadrar-se nesse quadro. Até então, de uma forma generalizada,
aceitava-se, teológica e religiosamente, que o corpo humano, embora criado por Deus, era
matéria física passível de análise pelas ciências naturais. Já a alma ou espírito, embora também
criada por Deus, não era matéria física e, portanto, ficava distante do alcance das ciências
naturais. Essa perspectiva é alterada pelo espiritismo, que teve sua origem na França.

Definido por Leon Hippolyte Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido como Allan Kardec,
como um movimento científico, filosófico e religioso, o espiritismo contesta a existência de
apenas um mundo material, afirmando não só a existência, mas a própria materialidade de um
mundo sobrenatural. A dicotomia corpo-alma deixa de existir para afirmar-se uma unidade
inseparável, podendo a alma, como o corpo, ser percebida e estudada em sua materialidade.

A essa análise Allan Kardec acrescenta em sua sistematização os milenares conhecimentos


evolucionistas (reencarnação e carma) e os de pluralidade de mundo. Essa pluralidade implica a
existência de vários planos habitados, sendo que a Terra é apenas mais um dos planetas
habitados, mas distante da perfeição. Essas crenças já são encontradas no hinduísmo antigo
(vedismo e bramanismo), sendo uma entre as muitas causas que estabelecem o distanciamento
entre o espiritismo e o cristianismo.
Ainda no decorrer da segunda metade do século XIX, logo após sua criação, o espiritismo chega
ao Brasil, país no qual hoje possui o maior número de adeptos. As primeiras organizações
espíritas surgiram por volta de 1870, na Bahia e no Rio de Janeiro. No início, o traço distintivo
do espiritismo no Brasil, assim como na França, era sua proposta de terapia mediúnica, por meio
de "passes", para combater todos os tipos de enfermidade e desconforto. De lá para cá, ocorreu
uma mudança de direção, de forma que o espiritismo hoje, no Brasil, realça mais o seu lado
religioso de moralização da conduta.

De modo genérico e a título de exemplificação, seguem-se alguns dos principais conceitos


espíritas.

Ser humano

A visão que o espiritismo possui de ser humano é denominada de tridimensional. São três
dimensões do mesmo elemento: o corpo, o perispírito e o espírito.

O corpo é sem valor em si mesmo e a parte menos nobre do ser humano, valorizada apenas na
medida em que possibilita ao espírito uma relação com o planeta Terra. O perispírito é a
condensação de um fluido universal normalmente invisível, que possibilita e explica as aparições
nas sessões espíritas; é como se fosse um envoltório do espírito, necessário para a união das
dimensões do corpo e do espírito e, por isso, não é só material e nem só espiritual. O espírito é
de criação divina e é o princípio inteligível responsável pelo pensamento, pela vontade e pelo
senso moral. Portador do livre arbítrio, o espírito une-se ao corpo a partir da concepção,
iniciando a possibilidade de decidir por atos que permitirão ou não a evolução da dimensão
espiritual.

Mundo
O mundo é concebido em dois grandes planos.

a) O material: não se restringe à Terra, pois nesse plano há diversos níveis de materialidade,
determinados pela pureza ou grau de desenvolvimento moral a que se consegue chegar.

b) O espiritual: também marcado por graus de moralidade e perfeição, onde habitam os


espíritos desencarnados - aqueles cujo perispírito, já gasto e não realizando mais suas funções
de unir o corpo ao espírito, deixa o espírito separar-se do corpo, provocando o que se chama de
morte ou desencarne.

Espíritos desencarnados, por meio dos médiuns, são responsáveis pela intercomunicação entre os
diversos planos de mundo, tanto espirituais quanto materiais.

A comunicação entre os dois planos é possível graças ao médium, cuja função é intermediar e
interpretar os espíritos por meio de diferentes aptidões que o tornam capaz de captar e
transmitir as mensagens recebidas. Entre as aptidões, podem ser destacadas as percepções de
efeitos físicos (como batidas ou levitação ou transporte de objetos), auditivos (como sons),
artísticos (como pintura, desenho, poesia, romance, musica) e psicográficos - a captação da
escrita desenvolvida por um espírito desencarnado.

Passe

É uma espécie de exorcismo leve, dado individualmente por um dirigente ou pelo médium em
transe durante a sessão espírita, com o objetivo de afastar as influências negativas, as más
vibrações, os "encostos", as "demandas" e transmitir energia espiritual positiva. A energia
positiva é sempre pensada como sendo "luz".

Deus

É exaltado como Ser e Fim Supremo e meta de perfeição de todo o processo evolutivo dos
espíritos. É inacessível ao ser humano. O mais perto que o ser humano chega é dos espíritos
desencarnados, para os quais o espiritismo disponibiliza o principal meio de expiar suas
obrigações cármicas - a caridade. Ajudar a humanidade é um meio eficaz de expiar as faltas
passadas e, assim, progredir rumo à perfeição.

Evolução dos espíritos

Os seres humanos encontram-se num extenso processo de evolução, que não se limita ao tempo
curto de uma encarnação, mas prossegue por reencarnações sucessivas, indefinidamente. As
vidas passadas explicam a atual situação e condição dos seres humanos aqui na Terra a partir
da lei do carma, que determina a causalidade moral - toda ação, boa ou má, recebe a devida
retribuição, numa lei de causa e efeito.

No longo percurso da evolução, os espíritos passam por diversos mundos habitados. Esses se
localizam em diferentes planos, escalonados de acordo com os princípios evolutivos, distribuídos
numa escala que vai dos planos mais próximos à matéria, os andares inferiores, até o plano mais
elevado, o da suprema perfeição espiritual. Os planos elevados são atingíveis, acima de tudo,
através da prática constante da caridade e pelas orações dos espíritos de luz já desencarnados.

Cultos afro-brasileiros

São assim chamados em razão das ações religiosas praticadas pelos negros que vieram trazidos
para o Brasil como escravos. Essas práticas, aqui reprimidas, buscaram adaptação às
religiosidades já existentes.

De início, as práticas religiosas dos negros serviam mais como elemento de coesão da raça e de
preservação de suas tradições culturais. Não houve um movimento organizado. As coisas foram
acontecendo. Inicialmente, eram tradições religiosas praticadas exclusivamente pelos negros.

A organização das religiões negras no Brasil é recente. Deu-se, em especial, ao final do século
XIX, quando as grandes levas de negros traficados eram assentadas nas cidades. A aproximação
uns dos outros e a relativa liberdade de movimentos no espaço urbano, sem dúvida, favoreceu
não apenas a sobrevivência dos costumes culturais mais amplos, mas também a das práticas
religiosas. Começavam a surgir os primeiros grupos organizados de culto. Ainda assim, essa
organização ocorria de forma localizada, o que veio a favorecer a formação de grupos com
diferentes formas rituais e até diferentes formas de interpretação das forças transcendentes
que conduzem o Universo e a vida.

Uma observação faz-se necessária. Em regra, os fenômenos religiosos são estudados a partir de
suas estruturas de pensamento. Com relação aos cultos afro-brasileiros, observa-se a
impossibilidade de perceberem uma estrutura única e universal. Falta-lhes a concepção de
essências imutáveis, bem como a ideia de um ser que se possa captar intelectualmente. A força
vital ou primeira dos fenômenos religiosos não é para ser pensada, mas vivida e manipulada, o
que geralmente se dá através do transe. Com essa dimensão, é potencialmente impossível
estabelecerem-se regras, normas, pensamentos e comportamentos absolutamente iguais. A
experiência vivida vai ser diferente de pessoa para pessoa e de grupo para grupo.

As crenças e rituais de origem africana possuem características comuns:

a religião não é para ser entendida, mas vivida;

forte presença de sincretismo;

ausência de uma estrutura religiosa única;

ausência da concepção de essências imutáveis;

concepção de certo e errada variável de pessoa para pessoa e de divindade para


divindade.
Você ainda lembra o que é sincretismo? Falamos disso no primeiro capítulo. Procure revisar!!

Candomblé

O candomblé, enquanto religião, é um processo sincrético intertribal africano, formado


basicamente por quatro grandes nações africanas, nomeadamente Kêtu, Fan, Jejê e Angola.
Geograficamente essas nações podem ser situadas no atual Sudão, Nigéria e na cidade de
Daomé. As três primeiras nações são de origem sudanesa, os nagôs. A quarta nação é angolana,
os bantos, caracterizando-se por um espírito menos tolerante diante do sincretismo
desenvolvido por outras nações africanas no Brasil.

O termo candomblé designava a dança, o instrumento e a música utilizados pelas quatro nações
em seus rituais. Só mais tarde é que o sentido ampliou-se para indicar a própria vivência
religiosa. Ainda assim, não existe unanimidade quanto ao uso do termo. Na Bahia, o termo se
mantém, bem como em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Pernambuco e Alagoas, é denominado
de Xangô. No Maranhão e no Pará é conhecido como Tambor de Mina e, no Rio Grande do Sul,
como batuque. Por muito tempo, no Rio de Janeiro, foi conhecido como macumba.

As crenças do candomblé repousam na existência de uma pluralidade de divindades,


denominadas de orixás, com diferentes poderes e diferentes funções na vida humana, além de
diferentes exigências aos seus adeptos. Os orixás são elementos da natureza divinizados,
percebidos sensorialmente e manifestados através de imagens, em geral figuras humanas,
adaptadas sincreticamente aos santos aceitos pela Igreja Católica Romana.

Conforme as tradições religiosas do candomblé, o mundo foi criado por Olorum. Após a criação,
recolhe-se e deixa que seus auxiliares, os orixás, tratem das questões relacionadas aos seres
humanos. Oxalá, o chefe de todos os orixás, é que recebe todos os pedidos e homenagens dos
seres humanos. A função dos orixás é governar o mundo, intervir em favor dos seres humanos e
puni-los quando necessário. Cada pessoa, já antes de nascer, recebe um orixá, que lhe é dado e
não escolhido. A partir da geração, comandará toda a existência da pessoa (tristeza, dor,
sofrimento, alegria, prazer etc.). Considera-se que, de uma forma geral, o ser humano costuma
apresentar traços de caráter de seu orixá, sendo por isso chamado de "orixá de cabeça". Essa
identificação determina que tudo o que a pessoa tem a fazer é acomodar sua vida aos gostos e
desejos de seu orixá para que possa se dar bem na vida. Não compete à pessoa discutir ou
duvidar das preferências de seu orixá. Tudo o que se tem a fazer é vivenciar as preferências,
independentemente dos conceitos de bem e mal.
A identificação do orixá é feita através do jogo de búzios, em atendimento individualizado e
conduzido pelo sacerdote, denominado de babalorixá ou pai-de-santo, se homem, e ialorixá ou
mãe-de-santo, se mulher. A função da liderança religiosa é incorporar o seu próprio orixá e dar
licença aos seus seguidores para que possam levar adiante os pedidos e desejos aos seus orixás
pessoais.

Os orixás são, ainda, desprovidos de moralidade e, por isso, não há uma ênfase nas questões
éticas e morais. Não há exigência ou recompensa para quem faz o bem e nem condenação ou
castigo para quem faz o mal. A religiosidade centra-se nas questões rituais e mágicas, como o
uso de roupas adequadas e próprias a cada orixá, alimentação e bebidas específicas, sons,
perfumes, flores, cores e assim por diante.

Não há grande ênfase em questões éticas e morais em função dos orixás serem desprovidos de
moralidade.

Além das propriedades e funções descritas, com relação ao orixá, acredita-se que cada pessoa
ainda possui um segundo orixá, chamado de juntó, que complementa o primeiro, determinando
que a pessoa seja considerada, por exemplo, filho de Iemanjá e Oxalá.

Essa segunda divindade, além de permitir ao seguidor inúmeras combinações de


comportamento, permite que ele possa identificar a presença em sua vida de um pai e uma
mãe. Em regra, se o "santo de cabeça" for masculino, o segundo será feminino e vice-versa.

Há, nos rituais do candomblé, constantes referências ao exu. Não é propriamente um orixá,
embora assim seja designado, mas um intermediário entre o orixá e o ser humano. Assim, para
se conseguir algo de algum orixá é o exu que lhe deve ser enviado (despachado) com o pedido,
quer seja bom ou mau.

Para o pedido chegar logo, as pessoas devem oferecer ao exu coisas de que ele gosta. É uma
forma de agrado que, quando esquecido, faz com que desencadeie forças negativas contra a
pessoa que esqueceu. O reinado de exu está presente nas ruas, encruzilhadas e lugares
considerados perigosos.

Para o candomblé, o pecado não existe. A distinção entre bem e mal depende, basicamente, da
relação entre cada seguidor e seu orixá. É nessa relação que irá ser estabelecido o que se pode
e o que não se pode fazer, mas sempre de forma individualizada. Isso determina que o orixá
pode estabelecer alguns tipos de limites a um seguidor e não impô-los a outro seguidor. O que é
proibido para um não é necessariamente proibido para outro.

A seguir, se oferece uma lista com os principais orixás e algumas de suas caracterizações, muito
embora possa haver divergências, uma vez que as diferentes percepções e interpretações são
profundamente influenciadas pela região em que se encontra e sua cultura.
Umbanda

A umbanda é um comportamento religioso próprio do Brasil. Entre as muitas histórias sobre a


sua origem, conta-se a de Zélio Fernandinho de Moraes, um espírita que recebeu orientação
mediúnica para criar a nova religião no Rio de Janeiro, em 1908.

Algumas considerações merecem ser feitas com relação à natureza das práticas e ideias da
umbanda. Uma delas é que, apesar de suas origens remontarem aos ritos africanos, não há a
preocupação de preservar essas raízes. Outra é a sua rápida expansão nos centros urbanizados,
onde se apresenta como religião aberta a qualquer pessoa, independentemente das questões
étnicas, enfatizando sua brasilidade. Para tanto, aboliu o uso de idiomas africanos, evitou os
sacrifícios de sangue e os processos iniciáticos, próprios do candomblé. Ainda outra questão
relevante é a que diz respeito à origem da composição dos conceitos que determinam as crenças
umbandistas. É possível se verificar quatro matrizes na formação sincrética da umbanda. Ela
resulta do encontro de diversas crenças e tradições africanas (cultos afro) com as formas
populares do catolicismo romano, mais influências do espiritismo kardecista e ainda elementos
da religiosidade indígena. A partir dessa constatação, percebe-se que a umbanda possui uma
diversidade de elementos que a compõe e que se refletirá nas experiências religiosas por ela
desenvolvidas, de tal forma que tudo o que se disser sobre as observações em determinada
experiência poderá ser contrariado em outra observação da vivência umbandista.

Composição dos conceitos:

- tradições africanas;

- formas populares do catolicismo romano;

- espiritismo kardecista;

- religiosidade indígena.

CINTRA, R. Candomblé e umbanda: o desafio brasileiro. São Paulo: Paulinas, 1985.

CORRÊA, N. O batuque no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1992.

FREITAS, B. et al. Cultura umbandística. São Paulo: Ícone, 1994.


GAARDER, J.; NOTAKER, H.;HELLERN, V. O livro das Religiões. Petrópolis: Vozes, 1998.

JORGE, J. Simões. Cultura Religiosa. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

KARDEC, Allan. Fundamentos do Espiritismo. São Paulo: Editora Atheneu Cultura, 1994.

SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora Cultrix, [s.d.].

KUCHENBECKER, Walter. O Homem e o Sagrado. 5.ª ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

Introdução

Refletir sobre o mundo da ética, problematizando e interpretando temas concretos ligados a ela
é um grande desafio da sociedade contemporânea. A modernidade tem sido marcada pela
pluralidade de valores, de crenças, de pensamentos, que geram uma gama enorme de princípios
morais que coexistem e orientam diferentemente os indivíduos em nossa sociedade. Essa
coexistência nem sempre é amistosa ou fácil de ser obtida, no sentido de alcançarmos o bem
comum, o grande objetivo da ética.

É deste contexto plural, caracterizado não só pela diversidade, mas como diz o sociólogo
Zygmunt Bauman, marcado por “valores líquidos”, que este capítulo procura tratar, lançando
luz sobre alguns conceitos e teorias do campo da moral e da ética. O capítulo irá propor
também a ética cristã como o referencial ideal para o exercício pleno da humanidade e
cidadania, apresentando o princípio e exercício do amor cristão como proposta de uma ética
social justa, saudável e igualitária, capaz de nortear a existência humana e de ser assumida por
toda a sociedade.

Ao longo dos capítulos anteriores, passamos por várias visões religiosas e suas respectivas
respostas para as questões religiosas e existenciais. Cada uma, a sua maneira, segue o que
denominamos de filosofia de vida, os princípios ideais que normatizam o seu modo específico de
pensar.

Por vezes, no entanto, é difícil conciliar ideal e realidade. No campo religioso, o problema
assume proporções ainda maiores, pois podemos ser tentados a cair num perigoso moralismo, a
partir do ideal de perfeição ética e moral que as religiões propõem a seus seguidores e mesmo
à sociedade. Quando alguém foge a esses padrões indicamos nossa indignação, usando
expressões como "isso é uma imoralidade" ou, ainda, "isso é antiético".

Ética e moral

As palavras ética e moral, embora usadas indiferentemente, possuem significados distintos. A


moral relaciona-se às ações, isto é, à conduta real. A ética diz respeito aos princípios ou juízos
que originam essas ações. Nessa dimensão, a ética e a moral são como a teoria e a prática. A
partir dessa constatação, é possível afirmar que a ética é a teoria ou filosofia moral. Todo ser
humano tem uma moral em razão de que pratica ações que podem ser eticamente examinadas.
Contudo, nem todos levam em conta quais são os princípios éticos que determinam suas ações.
Por isso, é fundamental avançar na compreensão da ética.

Para refletir
Tenho claro qual é o princípio ético que determina minhas ações?

Ética descritiva e ética normativa

De forma sintética, podem ser identificados, com relação à ética, dois modos de percepção
denominados de ética descritiva e ética normativa.

A ética descritiva retrata as noções éticas predominantes nas diversas culturas. Ao considerar
essas noções, não julga o que é certo e errado, apenas descrevendo o que as pessoas pensam e
como se comportam, sem emitir juízos de valor. Normalmente, a ética descritiva pode ser
observada nas pesquisas de opinião que são feitas com as pessoas, no intuito de identificar seus
pontos de vista sobre assuntos como sexualidade, aborto, impostos, roubos, violência e outros.
Um alerta se faz necessário: a ética descritiva pode gerar uma "moralidade estatística", ou seja,
a noção de que aquilo que a maioria faz deve estar certo.

A ética normativa, por outro lado, procura mostrar quais ações são certas e quais são
eticamente inaceitáveis. Ela tem como pressupostos determinados valores e, a partir deles,
fornece normas para as ações. Sua busca não é pelo que é certo ou errado, mas pela idealidade
do que deve ser. Nesse sentido, os Dez Mandamentos, por exemplo, são ações de idealidade
motivadas por uma ética normativa.

A ética normativa tem como pressupostos alguns valores e, a partir deles, fornece normas para
as nossas ações.

Valores

Na Antiguidade, valor é o que deve ser objeto de preferência ou de escolha.


Contemporaneamente, identificam-se três aspectos no conceito de valor. Em primeiro lugar,
valor não é somente a preferência ou o objeto da preferência, mas é o preferível, o desejável, a
partir de uma expectativa normativa. Um segundo aspecto aponta que valor não é simples ideal
que pode ser posto de lado pelas preferências ou escolhas efetivas, mas é guia ou norma das
escolhas, sendo, por isso, o critério para um juízo. O terceiro aspecto remete à ideia de que
valor é a possibilidade das escolhas, privilegiando umas em detrimento de outras, repetindo
sempre a mesma escolha quando as condições determinadas para a escolha ocorrerem e
concedendo a essas escolhas o caráter de autênticas e certas, com pretensão à universalidade.

É possível também pensar que alguns valores são apenas meios para se alcançarem outros
valores mais desejados. Consideremos como exemplo o dinheiro: ele não tem valor intrínseco,
em si mesmo e por si mesmo, mas pode ser usado para se obter algum outro valor só atingível
com o dinheiro.

Para refletir
Quais valores mais e melhor preenchem nossas preferências: dinheiro, carro, lazer, saúde,
liberdade, amizade, amor?

Dois fatos podem ainda ser ressaltados. Um é o que aponta para o fato de que, ao tomarem
decisões cotidianamente, os indivíduos priorizam valores, mesmo sem terem consciência deles.
Outro é que, ao priorizarem valores, é comum que os interesses de uns contrariem os de outros.
Aquilo que é bom para um, pode ser o infortúnio de outro. Quando isso acontece ocorre o que
denominamos de egoísmo ético.

Pesquise
Busque mais informações sobre o egoísmo ético e procure identificar se isso ocorre a sua volta.

Algumas tentativas de determinar o que tem valor e a justificativa adotada para validá-lo têm
sido feitas. A seguir, examinaremos algumas alternativas teóricas (natureza dos valores).

Teoria emotiva

Os defensores da teoria emotiva, identificados como subjetivistas, entendem que todos os


valores são relativos e individuais. O que determina o que tem ou não algum valor repousa
simplesmente no fato de o indivíduo gostar ou aprovar alguma coisa. A única justificação para
um julgamento valorativo assenta-se em como um indivíduo sente ou o quanto ele se envolve
com uma determinada situação. Dessa forma, diferentes pessoas valorizam diferentes coisas, e
todas com pleno direito a ter sua opinião. Nessa categoria se enquadram todas as correntes
que defendem a relatividade dos valores individuais.
Os valores são determinados pelos sentimentos de cada um.

Teoria do relativismo cultural

Conforme essa perspectiva, o que é certo ou errado está determinado pela cultura particular na
qual o fato ou a circunstância ocorre. O relativismo cultural justifica os julgamentos valorativos
apelando à autoridade social de uma cultura em particular. O certo e o errado são sancionados
pela sociedade. Enquadra-se nessa teoria a perspectiva adotada por Freud, na qual o certo e o
errado são ideias introjetadas a partir da sociedade e de nossos pais. A psicologia
comportamentalista ou behaviorista também pode ser incluída nessa teoria, pois condiciona o
comportamento dos indivíduos aos valores sociais.

Os valores são determinados pela cultura em que vive o indivíduo.

Teoria absolutista

Conforme essa visão, identificada como objetivista, o que tem valor independe do que o
indivíduo gosta ou pensa, bem como do que uma sociedade sanciona. É uma teoria que se opõe
ao relativismo asseverando que as leis morais são universais e eternamente verdadeiras,
independentemente de qualquer coisa. A lei moral dos Dez Mandamentos, cujos valores
repousam sobre a autoridade de Deus, sendo, por isso, universais, pode estar vinculada a essa
perspectiva.

Os valores são determinados por leis morais universais e eternamente verdadeiras.

Teoria do relativismo objetivo

Essa teoria entende que o amor é o mais alto valor e, por isso, quebrar uma promessa por razões
egoístas é considerado errado. O amor é tido como o mais alto valor, não por ser uma regra
moral absoluta, mas pelo fato de estar em jogo a produção das melhores consequências e da
satisfação humana a serem obtidas com uma determinada atitude.

A denominação de relativa refere-se à noção de que essa teoria defende que todos os valores
dependem da satisfação humana. Ao mesmo tempo, é considerada objetiva por insistir no teste
da consequência a ser obtida, qual seja, a produção do máximo de satisfação.

Os valores são determinados pelo amor, entendido como a melhor consequência e satisfação
humana.

Estão enquadrados nessa teoria o utilitarismo, o pragmatismo e as correntes psicológicas


defendidas por Erich Fromm, Abraham Maslow e Carl Rogers.

Teoria da escolha racional

A teoria da escolha racional nega a tese do relativismo cultural sustentando que um


determinado modo de vida é claramente melhor que outro, se a escolha for determinada por um
processo racional de escolha. É verdade que, em última análise, é o indivíduo quem faz a
escolha do que é certo ou errado a partir do que sente ou prefere. No entanto, o mesmo
indivíduo, por ser racional, deve reconhecer que os sentimentos são fidedignos somente se
forem livres, imparciais e frutos da informação.
Os valores são determinados após uma escolha racional.

Consciência

A consciência desempenha um papel importante no sentido de coibir ou incentivar a tomada de


determinada decisão a partir de algum valor. Relativizando o conceito, consciência é a
capacidade que temos de reagir ao certo ou ao errado, a partir daquilo que é o nosso mais alto
valor.

Algo que constantemente tem emergido e tornou-se ditado popular é que podemos fugir de
tudo, menos de nossa consciência. Aliada a essa percepção, uma problemática se apresenta: de
onde vem a consciência?

Há, pelo menos, três respostas a essa questão: uma que afirma ser a consciência inata ao ser
humano; outra que diz ser ela imposta pelo ambiente externo, sendo o ser humano moldado
pelas condições culturais externas, como pensam a psicologia e as ciências sociais; uma última,
ainda, considera ser a consciência inata ao ser humano, apesar de receber informações
externas, agindo, a partir destas, ou seja, ela pune as pessoas quando rompem as normas, mas
não determina absolutamente essas normas.

Para refletir
A consciência:

é inata? ou
é determinada pela cultura? ou
é inata, mas moldada pela cultura?

Algo que ainda pode ser dito é que a consciência sempre será uma instância psíquica interna e
singular a cada indivíduo, mesmo que possamos também admitir a existência de uma
consciência social ou coletiva. Elas não são excludentes, mas interagem entre si.

Direito positivo e senso de justiça

Essa é uma questão problemática, especialmente em países marcados por desigualdades de toda
ordem. É verdade que toda sociedade baseia-se num determinado código originado por uma
ética que enfatiza a igualdade de todos. Violar as leis do código implica a quebra da harmonia
social.

Podemos observar, no entanto, que nem sempre o que cada um pensa sobre o certo e o errado
corresponde às leis sociais. A título de exemplificação, basta relembrar a questão do aborto, da
pena de morte, da eutanásia, do pagamento de impostos (como o de renda), do trabalho de
menores, da compra de produtos contrabandeados e assim por diante. Há, ainda, o caso de
profissionais que se recusam a cumprir determinada tarefa ou função em razão de sua
consciência.

É possível relembrar muitos exemplos, mas há um em especial, ocorrido em 2002. É o caso de


um tratorista baiano e empregado de uma empresa contratada para cumprir mandato judicial
que determinava a derrubada de casas erguidas numa área invadida. Diante de uma casa a ser
demolida, com a máquina ligada, o tratorista viu-se tomado de dor pela senhora com seus filhos
que se postavam na frente da casa numa tentativa de impedir a demolição. Acabou por não
executar a ação que lhe fora determinada e foi preso em flagrante por desobediência à ordem
judicial.

Tecnicamente, denomina-se desobediência civil o ato de uma pessoa ou grupo desafiar e


infringir o direito positivo (o sistema jurídico acordado) de maneira plenamente intencional
(senso de justiça).

Responsabilidade

A questão da ética centra-se, também, no senso de responsabilidade. Por quem e pelo que as
pessoas se sentem responsáveis? A título de reflexão, podemos falar em duas possibilidades que
se completam com relação à responsabilidade: uma individual, em que o sujeito é responsável
por si e pelo que o rodeia, e outra coletiva, em que a sociedade é responsável pelas ações que o
sujeito não consegue fazer por si só.

O perigo que corremos é o de chegarmos a algumas circunstâncias em que nem o indivíduo, nem
a sociedade assumem a responsabilidade pelo que está acontecendo. Chama-se esse
comportamento de diluição de responsabilidade.

A alternativa mais viável quanto a esse tema é denominada de trabalho pela solidariedade,
quando indivíduo e sociedade assumem suas responsabilidades.

Descubra o porquê do surgimento das chamadas "ações solidárias".

Livre-arbítrio

O livre-arbítrio é o pressuposto segundo o qual as pessoas possuem alternativas entre as quais


podem escolher livremente o que é certo ou errado, bom ou ruim e assim por diante.

Há duas correntes que conduzem a discussão do tema: uma é o determinismo, que defende que
nossas escolhas são determinadas pelos elementos externos, herdados dos pais ou do ambiente
no qual vivemos. Nesse caso, o livre-arbítrio é apenas uma sensação. Outra corrente, a do
indeterminismo, argumenta que nossas escolhas são fruto de vontade individual e tornamo-nos o
que escolhemos ser.

Refletir
Para acabar com a violência, é preciso mudar as condições econômico-sociais da nossa
sociedade, pois elas é que determinam a escolha pela violência.

Ética religiosa e social

Até aqui, o texto privilegiou o tema da ética, contextualizando-o a partir de seus principais
conceitos. Na sequência, o tema será estreitado, concentrando-se mais na perspectiva religiosa
e cristã, oferecida como alternativa concreta para a vida em sociedade.

Logo a seguir, um quadro procura comparar, sinteticamente, os princípios, os meios e os fins da


ética social e religiosa, apontando para as suas diferenças.
Quadro - Comparação entre ética social e ética religiosa.

Ética social Ética religiosa


Princípios: extraídos da convivência humana,
Princípios: extraídos das doutrinas que
a partir das ideias filosóficas que traduzem os
fundamentam a religião.
anseios e as expectativas da sociedade.
São perenialistas, por serem mais rígidos e
São situacionistas, por serem flexíveis e se
dificilmente admitirem mudanças históricas.
adaptarem às mudanças históricas.
Resultam do amor.
Resultam do anseio pela liberdade.
Meios: partem do próprio sistema cultural
Meios: partem da lei moral que busca determinar
sobre o qual atuam as diversas instituições
o que é melhor para o ser humano (exemplo: Dez
sociais (família, escola, igreja, empresas,
Mandamentos, caminho óctuplo budista, 5 pilares
meios de comunicação, partidos políticos
da fé islãmica etc.
etc.).
Fins: atingir o bem superior. Por isso, é
Fins: atingir o bem comum. Por isso, é
transcendente, ou seja, projeta o ser humano
imanente, ou seja, restrita aos limites
para além deste mundo material, buscando um
humanos, temporais e sociais.
sentido eterno para sua vida.

Ética religiosa cristã

Como todos os pensamentos religiosos, o cristianismo também possui sua perspectiva ética. É
bem verdade que a diversidade do pensamento cristão faz-nos entender que não há um único
modo cristão de entender o tema.

Respeitadas as diferenças, de uma forma geral, a abordagem religiosa cristã da ética não pode
fugir de sua centralidade: o Cristo, retratado no Novo Testamento. Assim, a ética religiosa cristã
pode ser sintetizada em dois fundamentos: um que ressalta a centralidade cristocêntrica,
enfatizando Jesus Cristo e sua ação de salvação como fonte de orientação ética e de poder de
transformação, e outro que enfatiza a Bíblia, o Antigo e o Novo Testamento, como fonte e
norma tanto do ensino como das práticas cristãs.

Crítica externa

Em razão dessa postura, o cristianismo tem elaborado algumas críticas a sistemas éticos que se
baseiam em outros pressupostos. Confira o quadro que segue.

Quadro - Crítica do cristianismo a sistemas éticos externos.

Princípio Crítica cristã


Hedonismo: o prazer é o critério maior. O É princípio que não leva em consideração os outros
bem é o que dá prazer e o mal é o que na sua versão individualista. Já na universalista,
causa dor. A linha individualista busca o quem julgar sua ação digna de um bem maior para
prazer individual, e a linha universalista, um maior número de pessoas encontra justificativa
o bem maior para o maior número de para sua ação.
pessoas.
Naturalismo: a Natureza é o princípio Esta é uma ética utilitarista. É a lei do mais forte,
válido para todos e em todos os tempos. do mais apto na Natureza. Gera práticas
Como é propósito da Natureza que o apto questionáveis eticamente: internação de doentes
sobreviva, tudo o que contribui para a mentais em manicômios, a eliminação de velhos e
sobrevivência do mais apto é bom. Por doentes, a prática de eutanásia e abortos eugênicos.
outro lado, o que auxilia o inapto a Embasou ideologias nocivas como nazismo e
sobreviver é eticamente mau. “apartheid”.
Relativismo: cada situação é única. Não
há princípio experimental que defina o A defesa da inexistência de verdades absolutas é uma
que é bom e mau. Cada um estabelece verdade absoluta.
para si estes conceitos.
Esteticismo: o que entra em consideração
O princípio é imediatista, defendendo o aqui e agora,
não é o ato em si, mas o resultado dele
gerando a necessidade de autorrealização pessoal ou
obtido. Os sentidos e as emoções são
grupal, sem medir o ato em si e enfatizando uma
utilizados para dar significado à vida e
existência limitada à historicidade humana.
transformar a insignificância em beleza.
Idealismo: é a busca de um ideal fora do
A questão que pode ser contraposta à linha intuitiva
ser humano e da natureza. A linha
é: se o senso moral está na consciência, onde está
intuitiva reconhece que todos têm um
ela? Para a linha racionalista, pode ser questionado:
conhecimento intuitivo do que é certo e
se o senso de dever se sobrepõe por meio do
errado. A linha racionalista enfatiza que o
raciocínio; apenas os mais capazes é que
certo e o errado dependem do uso
estabelecem os melhores deveres.
adequado do raciocínio.

Crítica interna

Assim como faz com os princípios que lhe são alheios, o cristianismo também produz uma
autoanálise e identifica, com relação à ética, duas posturas comumente praticadas no seu
interior. Uma mais negativa, a legalista, e outra mais positiva, a pedagógica.

Na linha legalista, a lei de Deus é vista de forma inflexível, devendo ser cumprida em sua
plenitude. Caso a pessoa não a cumpra, o infrator só é redimido do erro mediante punição e
penitência. É prática coercitiva e baseada no medo.

Na linha pedagógica, a lei de Deus é um método educativo que visa orientar a conduta humana
dentro de princípios movidos pelo amor e pelo desejo de proteger o ser humano dos perigos
morais. Pressupõe a livre aceitação dos princípios cristãos, sem coerção, mas por adesão e
concordância.

O amor como princípio

Destaca-se na linha pedagógica da ética religiosa o amor como elemento motivacional da


conduta humana.

Os significados que o amor apresenta na linguagem comum são múltiplos e quase sempre mal
compreendidos, em razão de pouco ou quase nada se pensar sobre ele. Em geral, acredita-se
que amor é um sentimento e, como tal, não se explica. A História da Filosofia, no entanto, tem
demonstrado diferente: o amor pode e deve ser pensado. O fato hoje é que se desacostumou de
pensá-lo. A ideia desenvolvida a seguir é a construção de um modo de pensar o amor a partir
dos pressupostos cristãos, a fim de podermos compreender por que ele é o fundamento maior da
ética cristã.

Para definir o amor como fundamento ético, o cristianismo costuma pensar o tema a partir das
palavras gregas Eros, filia e ágape, cujos significados gravitam em torno da palavra portuguesa
amor. Confira o quadro que segue para entender qual o significado que o cristianismo atribui ao
amor.

Quadro - Significado do amor no cristianismo.

Eros - É toda e qualquer relação humana resultante da funcionalidade das sensações (sentidos
físicos). Desse modo, entende-se amor como força unificadora e harmonizadora, tanto sexual
como política, resultante das percepções dos sentidos físicos. Quando os sentidos funcionam em
sua normalidade biológica, é possível falar em sensualidade. Quando a normalidade biológica é
quebrada, ficando fora de controle, fala-se em paixão. Normalmente, identifica-se esse modo
de amor com a sexualidade. O amor eros está sujeito a instabilidades emotivas, sendo cercado
de fortes paixões, às vezes incontroláveis. Frequentemente, apresenta-se de forma muito
egoística, quando o indivíduo busca apenas o seu próprio prazer, fazendo do outro um mero
objeto. Amor nessa dimensão não se identifica com a base cristã para a ética.
Filia - É toda e qualquer relação humana resultante de atitudes concordantes e afetos positivos
(solicitude, cuidado, piedade etc.). O termo assemelha-se às noções de afeição e amizade.
Nesse sentido, é possível afirmar que a dimensão do amor se dá (1) por escolha (é seletivo) e (2)
por concordância ou, se preferir, por concórdia, o que implica abrir mão de juízos valorativos
condenatórios. O amor filos está sujeito ao egoísmo e vaidade humanas, afinal amamos e
privilegiamos mais a uns do que a outros, bem como não nutrimos amor por uma série de
pessoas. Em função disso, o amor filos pode gerar injustiças, pois podemos prejudicar pessoas
por amor a outras. Exemplo: uma mãe pode proteger o filho mesmo que ele esteja
explícitamente na ilegalidade. Amor, nessa dimensão, também não se identifica com a base
cristã para a ética.
Ágape - É toda e qualquer relação humana resultante da ação de Deus e que se estende a todo
"próximo". Ágape caracteriza-se pela aceitação mútua. Nesse sentido, é possível falar que ágape
é a disposição à igualdade verificada quando Deus, na criação, tornou o ser humano igual a Ele e
quando, na redenção, Ele mesmo torna-se, em Cristo, ser humano, a fim de resgatar nossa
dignidade pela compreensão e pelo perdão incondicional. Essa é a ação de Deus em nós e que se
estende, por nós, a todo "próximo". Nós amamos porque Ele nos amou primeiro. Amor nessa
dimensão é a base cristã para a ética.

Moral religiosa cristã

Para os cristãos, os Dez Mandamentos, mais do que um manual de comportamento humano e


social, apontam uma sugestão de cumprimento de papéis ou funções para o bom exercício do
amor (ágape), enquanto aceitação que compreende e perdoa.

Costuma-se dividir os Dez Mandamentos em dois grupos: os mandamentos que se dirigem a Deus
(amar a Deus) e os que se dirigem ao próximo (amar o próximo). Respeitados os grupos que
possuem uma divisão diferente, a tradição cristã luterana identifica os mandamentos como
indicado a seguir.

Amar a Deus

1) "Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outros deuses diante de mim". Significa que devemos
confiar em Deus acima de todas as coisas.

2) "Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, porque o Senhor não terá por inocente o
que tomar o Seu nome em vão". Significa que em nome de Deus não devemos amaldiçoar, jurar,
praticar a feitiçaria, mentir ou enganar, mas invocá-lo em todas as necessidades, orar, louvar e
agradecer.

3) "Santificarás o dia do descanso". Significa que não devemos desprezar a pregação e a palavra
de Deus, mas considerá-la santa, gostar de ouvi-la e de estudá-la.

Amar o próximo

4) "Honrarás a teu pai e a tua mãe, para que te vás bem e vivas muito tempo sobre a terra". =
Não desprezes nem irrites pais e superiores, mas honra-os, serve-os, obedece a eles, ama-os e
quere-os bem.

5) "Não matarás". = Não causes dano ou mal algum ao corpo do próximo, mas ajuda-o e
favorece-o em todas as necessidades corporais.

6) "Não cometerás adultério". = Vive vida casta e decente em palavras e ações, amando e
honrando teu/tua parceiro/ parceira.

7) "Não furtarás". = Não tires do próximo o seu dinheiro ou bens nem te apoderes deles por
meio de mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, mas ajuda-o a melhorar e conservar
seus bens e seu meio de vida.

8) "Não dirás falso testemunho contra o teu próximo". = Não mintas nem traias, calunies ou
difames o próximo, mas desculpa-o, fala bem dele e interpreta tudo da melhor maneira.

9) "Não cobiçarás a casa do teu próximo". = Não pretendas adquirir com astúcia a herança ou a
casa do próximo nem te apoderes dela sob a aparência de direito, mas ajuda-o e serve-o para
conservá-la.

10) "Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem os seus empregados, nem o seu gado, nem
coisa alguma que lhe pertença". = Não apartes, desvies ou alicies a mulher do próximo ou os
seus empregados, mas aconselha-os para que fiquem e cumpram o seu dever.

Ética social cristã

Os cristãos estão cientes de que, hoje, a maioria dos cidadãos, dentro de suas liberdades
individuais, não faz parte do cristianismo. Ainda assim, os cristãos entendem que seu modo de
perceber o Universo e o ser humano pode contribuir para a instauração de relações sociais mais
harmônicas e igualitárias.

A base cristã para essa percepção encontra-se no fato de todos os seres humanos serem filhos
criados e amados por Deus, em Cristo Jesus, e que podem viver vida digna e harmoniosa, com
justiça, paz, solidariedade e perdão, dentro de ordens adequadas ao grupo de convivência.

Emergem dessa intenção dois modos convergentes de aplicar-se a ética social cristã. Um
incentiva o indivíduo a amar o próximo como a si mesmo. Embora nem sempre se viva de acordo
com essa regra, há uma concordância generalizada de que fazê-lo é um dever. Outro modo
regra as relações sociais e aponta para o princípio da reciprocidade, incentivando o indivíduo a
tratar os outros como gostaria de ser tratado.

Regras de ouro - Amar o próximo. Tratar os outros como gostaria de ser tratado.

ÉTICA SOCIAL CRISTÃ APLICADA

O cristão, aquele que age eticamente, não apenas manifesta sua preocupação com as pessoas e
o Universo, mas também não faz um ar de arrogante superioridade como se o resto, além dele,
não existisse. Essa preocupação, que alimenta, faz com que busque na ética social cristã formas
de poder equilibrar as relações sociais de modo que o seu próximo não perca a alegria de viver
nem cause dano à existência dos outros.

O compromisso da ética cristã é com a vida, em sua plenitude. A seguir, apresentamos alguns
apontamentos que, de forma resumida e, fugindo das informações exaustivamente tratadas pela
mídia escrita, falada e televisiva, por teses e livros, procuram apontar a ação desejada pela
ética social cristã.

Amor-próprio

Em tempos de grande valorização da autoestima, autoimagem, marketing pessoal, cuidado com


o corpo e assim por diante é prudente tocar nesse tema, ainda que resumidamente. Pode um
cristão ter amor-próprio? Como ser criado e salvo por Deus, ele foi feito nova criatura e
recebeu, de graça, o favor de Deus. O ser humano é visto por Deus como santo, bom. O cristão
sabe disso. Sabe que recebeu o amor de Deus para amar o próximo. Nesse sentido, o cristão tem
amor-próprio. É dele que emana o amor ao outro e a todas as criaturas divinamente criadas.

As razões que não podem mover o amor-próprio do cristão são: um amor-próprio por causa de si
mesmo, pois é egoísmo; um amor-próprio por causa dos outros, pois é negação de si mesmo.

Amor-próprio Não por causa de si. Não por causa dos outros. Por causa de Deus, sim.

Com isso, coloca-se o problema do amor-próprio não no amor, mas na razão que o produz.

Responsabilidade social

A ética cristã estabelece que todo ser humano deve ser respeitado como pessoa (não se trata de
coisa) e que toda pessoa, amiga ou inimiga, é nosso próximo. Amar o próximo inclui,
necessariamente, o cuidado com ele. Isso significa não apenas proteger os inocentes, mas agir
de modo proativo, com vistas ao bem-estar de todos. Cuidar do próximo aqui também não
significa apenas zelar pela sua espiritualidade, mas também pelo seu bem estar afetivo,
emocional, material, incluindo todas as necessidades básicas do ser humano.

A ética cristã prescreve que, por amor, o cristão deve cuidar:

de si mesmo - prover as necessidades básicas para sua própria existência e de forma


moderada;
de sua família - prover o necessário para a existência de crianças, idosos, dependentes e
órfãos que vivem na sua própria família ou nas famílias próximas;
de seus irmãos crentes - é histórico que o cuidado material que um cristão tem com o
outro é revelador do quanto eles se amam;
dos pobres - cuidar de seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus,
desprovidos de recursos para uma vida minimamente digna é seguir os preceitos divinos,
de Sua natureza de amor;
dos oprimidos - promover e participar de movimentos que buscam erradicar toda e
qualquer forma de escravidão e opressão é tarefa cristã nobre e divina, é a voz profética
da igreja, que deve denunciar e lutar contra as injustiças sociais;
dos governantes - por entender que os governantes são, por assim dizer, o braço direito
de Deus que estabelece a ordem e a paz no mundo, compete ao cristão prestar o devido
respeito a toda autoridade e não fugir de sua responsabilidade. Isso implica pagar os
impostos adequadamente, pois é com eles que os governantes podem oferecer vida digna
a todos os cidadãos por meio de saúde, educação e segurança, entre outros fatores.

Cuidar do próximo exige atendê-lo em sua integralidade, sem perder a dimensão do físico,
material, emocional, afetivo e espiritual que o compõe.

Bioética

A Bioética é uma área específica da ética que se ocupa de questões ligadas à vida (bios) seja
humana, animal ou mesmo da Natureza. Está ligada, primordialmente, às ciências médicas e da
saúde, como a medicina e a biologia. Porém, também as ciências humanas, sociais e jurídicas
como sociologia, psicologia, direito, filosofia e teologia dela se ocupam, tendo importante
contribuição a dar na sua reflexão. A Bioética, portanto, torna-se um espaço plural de discussão
onde se encontram inúmeros saberes, desde ideologias ou valores morais, religiosos, éticos,
políticos, econômicos etc.

A definição de Bioética que segue nos auxilia no entendimento dessa inter-relação de


saberes: “A bioética é o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e
justificam eticamente os atos humanos que podem ter efeitos irreversíveis sobre os fenômenos
vitais” (Kottow, M., H., 1995. Introducción a la Bioética. 1995: p. 53). Portanto, todas as áreas
que se ocupam e se preocupam com a vida na Terra terão alguma participação na discussão
Bioética.

No campo da Bioética, se inserem diversos temas de ética aplicada: aborto, eutanásia,


reprodução assistida, clonagem, transgenia, uso médico de embriões e células tronco, ecologia
e sustentabilidade entre outras.
Como qualquer outra classe profissional, a ciência e a classe médica também têm como
compromisso primordial a defesa da vida. Para isso, mais do que nunca há um aprimoramento
nas pesquisas médicas, concentrando-se em especial na área da genética. O cristianismo não se
opõe de forma alguma às pesquisas que respeitam a vida humana e que desenvolvem práticas de
defesa da vida ou estudos que visam evitar a evolução de doenças, bem como propiciar
melhorias físicas e mentais aos seres humanos.

Dois exemplos de polêmica na Bioética:

A manipulação genética de plantas e animais - parece-nos que isso já é feito numa escala
muito maior do que possamos imaginar. A alegação da melhora das espécies tem tido
como fundamento, de forma geral, razões de ordem econômica. É verdade que os
resultados dessas manipulações ainda não são exatamente conhecidos pela população
como um todo, embora se fale em melhora das espécies geneticamente modificadas.
A manipulação de seres humanos - o uso do princípio de manipulação genética poderá
também ser utilizado em seres humanos com vistas ao aperfeiçoamento genético e cura
de muitas doenças. Os riscos são imprevisíveis, e as informações nesse campo são
contraditórias e ainda não totalmente esclarecedoras.

Sim às pesquisas, desde que promovam vida e o bem-estar humano em todas suas dimensões.

Casamento

A ética cristã entende que um dos grandes objetivos do casamento é criar as condições para
vivermos a plenitude da vida e ajudarmos uns aos outros. Em vista disso, a família é considerada
uma importante escola de aprendizado das virtudes cristãs e espaço de construção de um ser
humano que dignifica seu Criador, também no respeito ao seu próximo.

Na visão cristã, o casamento deveria ser indissolúvel e vitalício (exceção se faz no caso de
adultério), além de monogâmico. A fidelidade mútua é preceito que os casais cristãos buscam
cumprir por amor. Esse conselho se torna mais difícil nos tempos atuais em que os
relacionamentos estão se tornando cada vez mais superficiais e descartáveis, ou no dizer de
Zygmunt Bauman, no tempo que o amor está deixando de ser uma coisa sólida e durável e se
tornando líquido.

O amor no casamento revela-se de muitas formas: proteção, cuidado, compreensão, perdão,


respeito ao outro e a sua história, atividade sexual, afetividade, amizade, companheirismo,
confiança, entre outras. É preciso cuidar para que o casamento não se torne um espaço de
ciúmes, inveja, possessividade, disputa de poder etc, pois tais posturas inibem e destroem o
amor.

Aqui, como em outros casos, é preciso compreensão por parte do cristão com todos os que, por
diversas razões, não conseguem desenvolver as virtudes cristãs do casamento nem conseguem
até mesmo manter seu casamento e se separam, buscando em uma segunda união a
possibilidade de uma vida melhor.

Na temática do casamento, há uma controvérsia candente e atual: a da união de homossexuais.


O cristianismo entende, a partir da Bíblia, que a família formada pelo casamento é entre um
homem e uma mulher. Porém, numa discussão ética, é preciso buscar a compreensão de que
nem todos são cristãos e as pessoas agem movidas por razões e valores diferentes. Ao Estado
compete regular essas relações, na medida em que percebe que é preciso tirar da ilegalidade
tais relações e dar-lhes o caráter de legalidade. Possuir valores que se chocam com os de outros
e dar testemunho público deles não dá o direito de assumirmos atitudes discriminatórias, que
ferem a dignidade humana e acabam fomentando a violência, mesmo que simbólica. Essa regra
vale para todos, independente da causa que defendam. O respeito na discussão ética sempre
deverá ser mútuo e recíproco.

Controle da natalidade

A discussão ética em torno da questão do controle de natalidade possui muitas variáveis e não
encontra consenso entre as diferentes denominações cristãs. Para alguns, esse é um tema
exclusivo para os casados, visto que apesar de vivermos em tempos de liberalidade sexual, a
ética cristã continua a prescrever a castidade para os solteiros. Porém, entre o ideal e o real,
ou seja, entre o que se espera e o que efetivamente se faz, há um grande abismo, mesmo
dentro das igrejas. Por isso, tratar desse assunto sempre traz desconforto, pois a sexualidade
parece que continua sendo vista como o mais grave dos pecados, encobrindo a hipocrisia em
muitos outros tipos de falhas cometidas pelos que se dizem religiosos. Essa é uma reflexão
crítica que precisa ser feita, sem, entretanto, minimizarmos a importância de se cumprir os
preceitos bíblicos referentes a um exercício saudável de nossa sexualidade.

Há igrejas cristãs que afirmam que a função primordial do sexo no casamento é a procriação, o
que leva a tomar posição contrária a quase todos os tipos de métodos de controle da natalidade.
Entre os métodos hoje conhecidos podemos citar: controle dos dias férteis da mulher, uso de
preservativo, diafragma, espermicida vaginal, pílula anticoncepcional a conselho médico,
vasectomia, laqueadura. Métodos de controle de natalidade que agem após a concepção são
normalmente rejeitados, sendo vistos como métodos abortivos, como por exemplo a pílula do
dia seguinte.

Como nossa sociedade é plural, e parte dela não segue os princípios cristãos, é necessário haver
regulamentações para se evitarem os excessos. Assim, entendemos que as pessoas precisam não
apenas de informações capazes de orientá-las, mas também de mecanismos capazes de lhes
permitir uma vida minimamente sadia física, mental e espiritualmente. Para as pessoas,
solteiras ou casadas, que mantêm relações sexuais casuais ou com constante troca de parceiros,
é recomendável o uso de mecanismos de controle da natalidade e de prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis. Esse é um tema importante para a ética social e que também está
ligado ao conceito de consciência e responsabilidade social de cada indivíduo.

Inseminação

Não há muito que discutirmos em relação a esse tema, se considerarmos a inseminação in vitro
e a fecundação obtida com óvulo e esperma do casal (inseminação homóloga). As dificuldades
no tema se acentuam, no entanto, quando levamos em conta a inseminação heteróloga, ou seja,
que é realizada com óvulos ou espermas de pessoas que não são parceiros.

No mesmo patamar de discussão está a manipulação de óvulo fecundado para ser recebido por
uma mãe de aluguel, aquela que se prontifica a abrigar em seu útero o feto de outros pais.
Sabe-se, por experiências, que estas práticas podem gerar conflitos posteriores de relação e
inclusive disputas jurídicas que provocam traumas emocionais nos envolvidos. Caso um indivíduo
ou casal opte por esse método, ele deve ter bastante claro as possíveis consequências
decorrentes dessa escolha.

Aborto

O tema do aborto parece estar sempre em pauta na sociedade civil e religiosa. Para o cristão,
está claro que o aborto é homicídio, pelo fato de acreditar que a vida começa na concepção.
Há, porém, outros que assumem outras perspectivas em que se aceita o aborto alegando a
vergonha social de ser mãe solteira, a ameaça ao equilíbrio econômico da família, a
possibilidade de o feto ter anomalias ou razões semelhantes. Para essas pessoas, pensamos que
devam existir leis que regulem o estabelecimento de ações sociais equilibradas, especialmente
em razão da prática do aborto clandestino, que tem números alarmantes não só no Brasil como
também no resto do mundo. No Brasil, até o presente momento, 2013, a lei prescreve dois casos
em que o aborto é legalizado: estupro e gravidez com risco de morte da mãe. Também já há
jurisprudência em casos de fetos anencéfalos. O tema, porém, sempre está em discussão.

Na relação com aqueles que são favoráveis ao aborto é importante registrar que o cristão deve
respeitar a decisão pessoal do outro e ajudá-lo a viver da melhor forma possível, especialmente
porque o aborto pode gerar inúmeros sentimentos e traumas emocionais. Portanto, mesmo não
concordando com o aborto, o cristão irá esmerar-se no cuidado e acolhimento daqueles que
eventualmente o praticaram, anunciando a graça do perdão.

Eutanásia

O termo eutanásia significa "boa morte", "morte serena", isto é, abreviar serenamente a vida de
quem sofre doença incurável, evitando um maior sofrimento. Há diferentes tipos de eutanásia:
ativa, passiva, voluntária, involuntária etc.

Não há como aprofundarmos o tema nessa breve exposição, mas cabe o desafio de pesquisa
adicional.

Alguns países já tratam legalmente do tema. Na Holanda, a legislação aderiu à eutanásia por
solicitação de um paciente. Na Inglaterra, a justiça já permitiu o pedido de eutanásia de uma
pessoa tetraplégica. Nos Estados Unidos, o chamado "Dr. Morte" (auxiliava os doentes, por meio
de uma máquina, a auto-administrarem uma dose letal) cumpriu pena de prisão pelo uso da
máquina da morte. No Brasil, a discussão existe, mas não há lei que regule o assunto.

A ética cristã é contra a eutanásia pela simples razão de que a vida pertence ao seu criador,
Deus. O tema, no entanto, é complexo. Estaria enquadrada como eutanásia a suspensão de
medicamentos, de alimentação ou de aparelhos para sustentar de forma artificial uma vida
aparentemente sem meios de voltar à normalidade? Prolongar artificialmente uma vida não
seria impedir que o curso dado por Deus àquela pessoa siga seu termo?

Aqui, portanto, cabe inserir dois outros termos ligados a eutanásia, que ajudam a elucidar o
tema. O primeiro é a distanásia, também chamada de obstinação terapêutica. Nela se prolonga
a vida de modo artificial, com o uso de recursos médicos extraordinários desproporcionais aos
resultados, sem uma perspectiva real de cura ou melhora do paciente. Esta é, eticamente,
inaceitável. Já a ortotonásia (orto = certo, correto) significa a morte apropriada, no tempo
certo. Nela não se propõe pôr fim à vida do paciente, mas admite-se que a vida tem um fim,
que precisa ser o mais digno possível. Na ortotanásia, a morte é considerada parte da vida.
Permite-se que o paciente morra, com o mínimo de sofrimento e com o máximo de dignidade.
Essa é eticamente aceitável.

Para refletir:

Tão importante quanto viver bem é morrer bem!

Pena de morte

Embora já adotada em outros países, a pena de morte é tema que volta sempre à tona entre
nós, especialmente em tempos de extrema violência. Há dois grupos que discutem o tema: os
chamados legalistas, que exigem a pena de morte, e os pacifistas, que defendem outros
mecanismos como forma de penalizar criminosos.

Tanto um grupo quanto o outro se esmeram em buscar razões capazes de justificar suas opções.
Quanto ao cristão, entretanto, que se aplica ao exercício da ética cristã, sua posição é
normalmente contrária, por entender que Deus é o Senhor da vida e da morte e que, mesmo
criminosos são alvos do amor de Deus e merecem ser vistos como "o nosso próximo", sendo que
por eles devemos também zelar.

Portanto, o espírito de vingança ("olho por olho e dente por dente"), conhecido a partir da Lei
de Talião, não é defendido nos princípios da ética cristã.

Ecologia

O reino de Deus inclui todas as suas criaturas, inclusive o cosmos. O Universo é criação divina e
compete aos seres humanos conservá-lo. Buscar a preservação do Universo é manifestação do
amor como princípio ético. A conservação só será possível com mudanças na forma de ser,
pensar e agir do ser humano. Deixar de lado a cobiça e o egoísmo é imprescindível. A
consciência da ética e sustentabilidade são objetivos que não só o Estado deve promover, mas
todas as religiões, cristãs e não cristãs.

E do ponto de vista preventivo, o cristão precisa concentrar sua luta pela ecologia a partir do
monitoramento e controle da maldade humana, o grande destruidor da harmonia cósmica. A
ética cristã não leva o cristão a ser contra o uso sustentável e consciente da natureza, mas sim
contra o abuso que a maldade humana promove contra a natureza e, por consequência, contra
toda a humanidade e o Universo, criação de Deus.

Fazer uso sustentável da natureza, sim! Abusar da natureza, não!


BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 3.ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 1995.

FERREIRA, Damy. Ecologia na Bíblia. Rio de Janeiro: JUERP, 1992.

FORELL, George. Ética da Decisão. São Leopoldo: Sinodal, 1988.

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