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Gleisson Fernando Oliveira Ribeiro

Chefe de Departamento Fiscal; Consultor e Analista Tributário

Artigo - Estadual - 2005/0098

O ICMS e o Instituto do Diferimento


Gleisson Fernando Oliveira Ribeiro*

1. INTRODUÇÃO

Elaborado em 11/2005.

O ICMS é o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre


Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.
Atualmente, é o tributo de maior arrecadação em nosso país e também o de maior relevância
para os Estados.

O ICMS atual é fruto de uma série de evoluções legislativas. Desde a incidência sobre Vendas
Mercantis (IVM), o imposto passou também pela incidência sobre Vendas e Consignações
(IVC), chegando ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e evoluindo para a
incidência sobre serviços de comunicação e de transporte (ICMS). Apresenta-se como imposto
não-cumulativo, sendo tal técnica de tributação princípio constitucional basilar para este e
outros tributos, como o IPI. Hodiernamente, as contribuições PIS e COFINS respeitam o
mesmo princípio, permitindo a compensação do tributo incidente na operação anterior
(aquisição) com o devido na operação subseqüente (venda), possibilitando que a tributação
recaia tão somente no valor acrescido à última operação realizada pelo contribuinte.

Assim, o ICMS se apresenta como um imposto extremamente complexo, objeto de grandes


discussões, principalmente no que tange a sua consecução legislativa, de prerrogativa dos
Estados, de onde surgem um emaranhado de leis, regulamentos, decretos, portarias,
resoluções, comunicados, etc. Tal arcabouço legislativo e regulador transformam o ICMS numa
"besta de muitas cabeças", onde assimilar suas regras é, dia a dia, um desafio. Quanto ao
Estado de Minas Gerais, o tratamento não é diferente.

Neste estudo, será objeto de análise a aplicação do diferimento no plano de incidência do


ICMS. O diferimento consiste, em síntese, na transferência do lançamento e do recolhimento
do imposto incidente em determinada operação para operação posterior. Tal técnica de
tributação é contornada por normas, regras e exceções específicas à sua aplicação, além de
manter interligações com outros institutos e outras técnicas de tributação.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS - A ORIGEM DO ICMS NO BRASIL

(...)

3. A ESTRUTURA DO ICMS E O INSTITUTO DO DIFERIMENTO

(...)

4. O INSTITUTO DO DIFERIMENTO E A LEGISLAÇÃO DE MINAS GERAIS

(...)

5. O DIFERIMENTO E OUTRAS CATEGORIAS DE TRIBUTAÇÃO


Não havendo para o contribuinte do ICMS a obrigação do recolhimento do tributo quando da
aplicação do diferimento, pode-se inevitavelmente concluir-se que se trata de uma espécie de
isenção ou qualquer outro benefício. Apesar do nosso sistema tributário comportar figuras
isentivas, estas se apresentam como exclusão de tributação (isenção, não-incidência,
imunidade,) ou categorias de tributação (suspensão, substituição tributária). Criadas para a
racionalização e diminuição do ônus tributário, em nada se confundem com a figura do
diferimento, muito embora o efeito econômico praticamente seja o mesmo. Abaixo será
demonstrado, de forma singela, as distinções existentes entre as referidas categorias e o
diferimento.

5.1. O DIFERIMENTO E A ISENÇÃO

O diferimento não se confunde com a isenção, sendo categorias de tributação distintas. O


diferimento configura o nascimento da obrigação tributária, com a posposição do lançamento e
pagamento do crédito tributário para etapa posterior. Não é considerado benefício, mas técnica
de tributação. Já a isenção é verdadeiro benefício, traduzindo-se na dispensa legal do
pagamento da obrigação devida. Na isenção também ocorre o nascimento da obrigação
tributária, mas o que se obstaculiza é o surgimento do crédito tributário. Pode-se aqui chegar a
conclusão de que o efeito econômico do diferimento confunde-se com o da isenção, mas tal
distinção é extremamente importante, pois dela se consegue extrair conclusões em relação ao
direito ao crédito escritural ou a manutenção desses créditos. Se o contribuinte tiver nas suas
operações a aplicação do diferimento, terá, em relação as aquisições tributadas, direito de se
creditar, pois, como visto, no diferimento há o nascimento da obrigação tributária e respectivo
crédito tributário, sendo a operação considerada tributada. Não ocorre o mesmo na operação
gravada com isenção. Nessa operação não se tem o surgimento do crédito tributário, sendo
portanto, vedado o direito ao crédito. Caso as operações sejam parcialmente isentas,
proporcional será o crédito, respeitando-se o princípio da não-cumulatividade. Verifica-se efeito
prático na seguinte situação, tomada como exemplo: como já mencionado anteriormente, se ao
produto ou mercadoria aplicar-se o diferimento do ICMS, este também o será em relação a seu
transporte. Contudo, em Minas Gerais, o diferimento no serviço de transporte rodoviário de
cargas não é mais aplicável, trazendo maior tributação para as empresas transportadoras pois,
a partir de meados de 2004, com a publicação do Convênio 04 de 2004, a prestação interna de
serviço de transporte rodoviário intermunicipal de cargas, que tenha como tomador do serviço o
contribuinte inscrito no cadastro deste Estado, passou a ser gravada pela isenção. As regras
de aplicação de isenção ao serviço de transporte sobrepõem-se as do diferimento. Assim,
aplicando-se a figura da isenção, que se revela pelo impedimento do nascimento do crédito
tributário, o legislador restringiu o direito ao crédito desses contribuintes, dispensando-os do
cumprimento da obrigação tributária. Num olhar ligeiro, não se percebe alterações de cunho
prático, pois na realidade, o imposto não era devido e continua não o sendo. Entretanto, esta
alteração tem enorme significado quando tratamos dos créditos passíveis de apropriação pelo
prestador de serviço, pois a regra constitucional permite somente àquele que realiza operações
tributadas o direito ao crédito escritural. Assim, o transportador podia apropriar-se de créditos,
em relação às operações diferidas que realizasse, pois, na verdade, eram operações
tributadas, onde o encargo fora repassado a operação posterior. Na isenção o creditamento é
vedado. O prejuízo se verifica principalmente para aquelas transportadoras que realizam
operações interestaduais, pois nas operações internas, estas eram gravadas com diferimento.
Agora as operações internas de transporte passam a ser isentas, limitando-se o crédito em
relação a elas, que poderia ser apropriado para pagamento do imposto devido em relação as
operações interestaduais, estas normalmente tributadas.

5.2. O DIFERIMENTO E A NÃO-INCIDÊNCIA

Para melhor explanar distinções entre estas duas categorias tributárias, se faz necessário, a
priori, uma análise da não-incidência, comparando-a com a isenção.

Acima, foi demonstrado que na isenção existe a obrigação tributária. O que não existe é o
surgimento do crédito tributário. Este impedimento é fruto de disposição legal. A operação só
será gravada com isenção se houver declaração expressa do legislador. Já a não-incidência é
fruto de inferência lógica, dispensando-se, embora exista, legislação para ampará-la. Na não-
incidência, busca-se averiguar se o fato ou evento ocorrido insere-se nas hipóteses de
tributação do imposto. Faz-se necessária uma análise da estrutura do ICMS, onde se verifica
se a operação objeto de estudo se enquadra nos aspectos material, espacial e temporal do
tributo. Caso não se enquadre, não haverá o nascimento da obrigação tributária em relação ao
ICMS e tampouco do crédito tributário, pois não há fato gerador, não há tributação. O imposto
portanto, não incide. Assim sendo, é nítida a diferença entre o diferimento e a não-incidência,
porque para que haja o diferimento, é necessária disposição legal expressa. A operação deve
ainda ser objeto de incidência e deve-se enquadrar nos aspectos estruturais do tributo, levando
fatalmente ao nascimento da obrigação tributária e do crédito tributário, havendo recolhimento
do imposto, por meio da procrastinação da obrigação para operação seguinte.

5.3. O DIFERIMENTO E A IMUNIDADE

A imunidade é outra categoria que merece estudo, antes de comparação.

A imunidade é um verdadeiro limitador da competência dos Poderes Tributantes (União,


Estados e Municípios). A Constituição Federal, no seu artigo 150, veda a exigência ou a
cobrança de impostos em relação a certas entidades e operações. Assim está disposto:

(...)
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
(...)

Portanto, a imunidade é uma vedação ao exercício da competência tributária, excluindo-se por


completo do campo de tributação as operações realizadas pelos entes acima ou realizadas
com os produtos e mercadorias mencionados. Esta categoria em nada se parece com o
diferimento, pois a imunidade é verdadeira blindagem constitucional, onde não se cogita, como
já dito, a tributação do ICMS.

5.4. O DIFERIMENTO E A SUSPENSÃO

A suspensão consiste no condicionamento da incidência do imposto a evento futuro. Se perfaz


pela condição. Enquanto esta não se realizar, o tributo não será objeto de cobrança.

Embora o ICMS não seja objeto de cobrança nas operações em que se verifique a suspensão,
na verdade, não se trata de figura exonerativa. Trata-se de uma "segurança fiscal" onde o
legislador procurou resguardar, de forma taxativa, situações em que, ocorrendo o fato gerador
do imposto, dificilmente o contribuinte recolherá o tributo devido e mais difícil ainda o fisco
conseguirá fiscalizar essas operações. Um exemplo: "X" remete uma máquina para conserto.
Nesta operação, não ocorre o fato gerador do ICMS, pois embora haja circulação de
mercadoria, o critério material ainda não se completa, pois não houve a transferência da
propriedade do bem, que continua sendo de "X". Aqui, seria caso de não-incidência, mas
consideremos que a máquina não retorne, por qualquer motivo. Aí sim, o tributo é devido, pois
a "X" não mais pertence a máquina, concretizando todos os aspectos estruturais do imposto e
firmando a ocorrência do fato gerador. Por isso, a operação amparada pela suspensão é
cercada de regras, onde o contribuinte apresenta diversas informações ao fisco por meio de
documentos e demonstrativos fiscais.
Por ser assim, o ponto nefrálgico que diferencia a suspensão do diferimento é a mesma que o
diferencia da não-incidência: a concretização do fato gerador. A suspensão é, como já dito,
uma forma de securitizar o recolhimento do tributo, nas operações em que ainda não ocorreu o
fato gerador do imposto. No diferimento, o fato gerador ocorre, existe o nascimento da
obrigação tributária.

Existem situações em que as duas categorias tributárias podem coexistir. Exemplo: "X" envia
produtos com finalidade de demonstração a "Z". Esta operação é amparada pela suspensão.
"Z" resolve adquirir o produto. Neste momento o ICMS é devido por "X", pois este realizou a
circulação da mercadoria pela remessa e posterior venda, ocorrendo o fato gerador do imposto.
Mas verifica-se que aos produtos enviados por "X" aplica-se, por disposição legal, o
diferimento. Vislumbra-se aqui de maneira clara que o diferimento ocorre tão somente quando
do nascedouro do fato gerador, antes não, exceto nos casos em que o legislador quiser dar
tratamento diferenciado a determinada operação, com finalidade de restrição ou mesmo
manutenção de créditos (escriturais).

5.5. O DIFERIMENTO E A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

Entre estas duas categorias existem algumas semelhanças que levam alguns doutrinadores a
afirmar que o diferimento é espécie de substituição. Não entendo assim, embora realmente o
caminho percorrido por ambas seja o mesmo, ou seja, tanto no diferimento quanto na
substituição tributária a responsabilidade do recolhimento do tributo é transferida para outra
pessoa.

O instituto da substituição tributária está previsto no artigo 128 do Código Tributário Nacional:

(...)
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a
responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da
respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a este em
caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
(...)

Em Minas Gerais, a substituição tributária do ICMS é normatizada e regulamentada pela lei


6.763/75 e pelo decreto 43.080/02. Assim, a substituição tributária é outro importante
instrumento de racionalização e controle colocado à disposição do ente fiscal. Procura-se
concentrar em uma só pessoa as figuras de contribuinte e responsável, de modo a facilitar a
fiscalização e o próprio recolhimento do tributo. Ocorre nesta categoria a fixação de um fato
gerador presumido, onde o adquirente ou destinatário recebe a mercadoria com o ICMS já
retido por substituição, majorando-se o valor do produto. Em outras palavras, o adquirente
paga o ICMS antes de vender o produto adquirido, pois o alienante ou remetente fica obrigado
ao recolhimento, mas para tanto, é alvo de reembolso, quando da comercialização. Assim,
acontece o que alguns chamam de uma "substituição tributária para frente". Como exemplo
podemos destacar as indústrias, atacadistas e importadoras de cigarros, de sorvetes, de
pneus, de pilhas, aparelhos de barbear, lâmpadas, materiais para construção, de peças de
veículos e outros.

Penso que a figura da substituição tributária, na sua aplicação, se distingue do diferimento


justamente por suas particularidades, pois naquela existe a presunção legal de um fato
gerador, que pode inclusive não ocorrer, mas o imposto será recolhido e reembolsado pelo
adquirente. No diferimento, não há reembolso, não há prévio recolhimento do tributo e nem
presunção legal de fato gerador. O que existe é uma mudança no aspecto pessoal da hipótese
de incidência, onde haverá posterior operação. Na substituição tributária existem duas normas,
uma de caráter principal, constituindo a instituição do tributo, e a outra, de caráter acessório,
que se vincula a primeira e cria a hipótese de incidência. No diferimento só a uma norma,
somente a principal, definindo desde já o responsável pela obrigação, sem que haja pelo
"substituído" nenhum pagamento à título de reembolso pelo recolhimento do imposto.
Pode-se tentar uma aproximação entre o diferimento e a substituição tributária quando esta se
realiza "para trás". Seria a instituição do dever de recolher o tributo para o adquirente ou
destinatário e não mais para o alienante ou remetente. Aqui, se inverte o pólo de ação, pois se
quer tributar muitos contribuintes responsabilizando-se um só, de maneira a atingir suas
aquisições e não mais suas vendas, o que também ocorre com o diferimento. Mas mesmo
neste caso, não se pode aceitar que exista a confusão entre os dois institutos, pois haverá, in
casu, a instituição legal do cálculo e recolhimento do tributo pela operação anterior, por seu
valor real, em separado das operações próprias do contribuinte. No diferimento ocorre o
recolhimento pela operação anterior, mas em conjunto com as operações próprias do
adquirente, sem se cogitar o débito em separado.

6. O ENCERRAMENTO DO DIFERIMENTO

(...)

7. CONCLUSÃO

O ICMS é um imposto norteado de regras e normas. De competência dos Estados, cada


Unidade da Federação têm sua legislação própria, que, em conformidade com os ditames
constitucionais, tentam assegurar de forma equânime e justa, a existência desta obrigação
tributária sem prejuízo à economia.

Por isso, quando não há modo de pode atingir tal neutralidade sem que haja o estiolamento de
toda uma cadeia produtiva, busca-se aplicar técnicas de tributação. Entre elas está o
diferimento.

O diferimento é a postergação da responsabilidade pelo recolhimento do ICMS para a


operação subseqüente. É tecnologia fiscal, que visa a simplificação dos mecanismos de
cobrança. É técnica que impede o periculum in mora, pois sem ele, a Fazenda teria que cobrar
o imposto de centenas de produtores de cana-de-açúcar, leite, café, etc. Mas ao contrário,
cobra direto da usina, do laticínio ou da de torrefação, quando da saída do produto final. É
tentativa de racionalização, que, com comodidade e eficiência, se consegue diminuir as etapas
de cobrança do imposto.

Preso ao princípio da não-cumulatividade o ICMS deve ser cobrado de modo a respeitar


sempre o binômio "débito-crédito". Quando isso não ocorre, há inegavelmente uma distorção,
que se tenta corrigir, nem sempre com êxito. Assim, neste emaranhado de regras, a aplicação
do diferimento pode-se tornar deveras confuso.

Assim, o diferimento tem suas próprias regras de aplicação, de sua suspensão, de sua
renúncia e de seu próprio encerramento.

O encerramento do diferimento do ICMS dá-se quando, em síntese, a operação posterior não é


objeto de tributação, ou sendo tributada, esta é especial ou simplificada. Assim, fica, para o
alienante ou remetente da mercadoria o ônus da "fiscalização" das atividades do adquirente ou
destinatário. Aquele deve assim proceder, pois do contrário, a Fazenda poderá obrigá-lo ao
recolhimento do tributo diferido, depois de realizada a operação.

A técnica do diferimento é extremamente importante para o fisco e também para o contribuinte,


pois ao contrário de alguns, entendo ser também um benefício, haja visto causar o efeito
econômico da isenção. Entretanto, acredito que o legislador deveria buscar fórmulas capazes
de amenizar o grau de complexidade para sua aplicação, evitando confusão por parte do
contribuinte e prejuízo ao Erário Público.

Gleisson Fernando Oliveira Ribeiro*

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