Você está na página 1de 228

IMIGRAÇÃO ITALIANA

OS DALLA VECCHIA

RS 1875-1890

JANDIR JOÃO ZANOTELLI

AGOSTINHO DALLA VECCHIA

ED. CÓPIAS SANTA CRUZ

PELOTAS - 2011
A nossos pais
A nossos filhos
A nossos netos
Aos que nos deram raízes
E esperanças
APRESENTAÇÃO

Este livro pretende apresentar um pouco da


história da família Dalla Vecchia, descendente dos
irmãos Ângelo e Pietro que imigraram para o Brasil em
1878, localizando-se primeiro em Linha Janzen (Bento
Gonçalves) e depois em Linha Auxiliadora (Encantado,
RS). Mostra a história da família desde Veneza e sua
migração para Vicenza no século XIII e dali para o
Brasil.
Num segundo momento refere os descendentes
dos irmãos Ângelo e Pietro a partir de fotografias,
documentos, narrativas e experiência pessoal dos
autores.
Apresenta depois traços identitários da família em
sua organização econômica, política, social e cultural.
Ao final, em apêndice, refere elementos para uma
árvore genealógica da família Dalla Vecchia,
especialmente derivada de Ângelo e Pietro.
Com isto os autores buscam ajudar os
descendentes desta família a encontrar raízes de sua
identidade e esperança, bem como auxiliar os estudiosos
da imigração para a contextualização e especificação
dos imigrantes que compõem etnologicamente o mapa
humano do Rio Grande do Sul.

5
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO........................................................................5

Introdução - A Família Dalla Vecchhia.......................................11

I – HISTÓRIA DA FAMÍLIA DALLA VECCHIA...................13


1. Em Veneza............................................................................13
1.1. Veneza antes do Império Romano................................14
1.2. Império Romano............................................................14
1.3. Entre os Francos e Bizâncio..........................................17
1.4. A República...................................................................20
1.5. Dificuldades e Decadência............................................30
2. Em Vicenza..........................................................................35
2.1. O Vêneto até a segunda metade do séc. XIX................35
2.2. O Vêneto na segunda metade do sec. XIX....................43
2.2.1. O Contexto Sócio-econômico............................... 43
2.2.2. A Educação............................................................48
3. A Emigração........................................................................48
3.1. A situação européia e Vêneta – final séc. XIX..............48
3.2.O Brasil que os esperava.................................................51
3.3. No Rio Grande do Sul....................................................60
3.4. A viagem para o Brasil-Rio Grande do Sul- para Dona
Isabel (Linha Janzen).....................................................78
4. No Brasil..............................................................................80
4.1. Colônia Dona Isabel – Linha Janzen..............................80
4.2. De Jacarezinho – Auxiliadora – para o Brasil................87

II – DESCENDENTES DE ANGELO DALLA VECCHIA CC


ANGELA SERAFINI ....................................................103
2.1. Benjamim Serafini Dalla Vecchia................................105

7
2.2. Luis Serafini Dalla Vecchia..........................................113
2.3. João Serafini Dalla Vecchia..........................................114
2.4. Carlos Serafini Dalla Vecchia.......................................114
2.5. Pedro Serafini Dalla Vecchia........................................115
2.6. Maria Serafini Dalla Vecchia........................................117
2.7. Luiza Serafini Dalla Vecchia.........................................117
2.8. Rosina Serafini Dalla Vecchia.......................................118
2.9. Pierina Serafini Dalla Vecchia.......................................118
2.10. Ermínia Serafini Dalla Vecchia....................................119
2.11. Ricardo Serafini Dalla Vecchia....................................119
2.12. Antonieta Serafini Dalla Vecchia.................................119
2.13 e 2.14. Gêmeas...............................................................119

DESCENDENTES DE ANGELO CC FORTUNATA


GRAZZIOLA.................................................................120
2.15. Ângela Grazziola Dalla Vecchia.................................120
2.16. Dosolina Grazziola Dalla Vecchia..............................120
2.17. Josefina Grazziola Dalla Vecchia................................120
2.18. José Grazziola Dalla Vecchia......................................120
2.19. Maria Luiza Grazziola Dalla Vecchia.........................121
2.20.Inês Grazziola Dalla Vecchia.......................................121
2.21. Augusto Grazziola Dalla Vecchia...............................123
2.22. Jorge Grazziola Dalla Vecchia....................................123
2.23. Gema Grazziola Dalla Vecchia...................................123
2.24. Romana Grazziola Dalla Vecchia...............................123

III- DESCENDENTES DE PEDRO DALLA BARBA


DALLA VECCHIA cc CATARINA CENSI.......................124
3.1. Antonio Censi Dalla Vecchia..........................................131
3.2. Ângelo Censi Dalla Vecchia...........................................132
3.3. Catarina Censi Dalla Vecchia.........................................133

DESCENDENTES DE PEDRO COM PÁSCOA CENSI...133


3.4. José Censi Dalla Vecchia................................................133
3.5. Luis Censi Dalla Vecchia................................................134
3.6. João Censi Dalla Vecchia................................................133
3.7. Augusto Censi Dalla Vecchia..........................................134
8
3.8. Vitório Censi Dalla Vecchia............................................134
3.9. Batista Censi Dalla Vecchia............................................135
3.10. Silvio Censi Dalla Vecchia............................................135
3.11. Atílio Censi Dalla Vecchia ............................................135
3.12. Lúcia Censi Dalla Vecchia.............................................135
3.13. Maria Censi Dalla Vecchia............................................136
3.14. Rosa Censi Dalla Vecchia .............................................136
3.15. Luiza Censi Dalla Vecchia.............................................136

DESCENDENTES de Antonio Censi Dalla Vecchia........136


DESCENDENTES de José Censi Dalla Vecchia. ............153

IV – ASPECTOS IDENTITÁRIOS DA FAMÍLIA DALLA


VECCHIA......................................................................159
1. Organzação econômica......................................................159
2. O trabalho...................................................................162
3. Instrumentos de trabalho...................................................173
4. Produção e Comércio........................................................179
5. Os Dalla Vecchia construíram suas residências........182
6. Alimentação e Consumo...........................................184
7. Poupança...................................................................186
8.Organização Social............................................................188
8.1Família........................................................................188
8.2Relações sociais.....................................................195
9. Organização política.................................................199
9.1.O poder – estrutura, formas, ritos, símbolos e
encenações...........199
9.2. O poder político........................................................204
10.Organização cultural........................................................206
10.1. Educação informal..................................................206
10.2. Educação formal.....................................................208
11. Religião – moral e ética – desejos e ascese...............210
12. Lazer..........................................................................219

BIBLIOGRAFIA...............................................................223

9
INTRODUÇÃO
A FAMÍLIA DALLA VECCHIA

A família Dalla Vecchia provém da cidade e da


República de Veneza. No século XIII desloca-se para o
interior de Vicenza, localizando-se nas montanhas de
Schio, Le Rocchete (San Rocco) e Montemezzo de
Sovizzo.

Na onda migratória do final do século XIX, um


grupo de Dalla Vecchia vem para o Brasil.

A maioria dos Dalla Vecchia do Rio Grande do


Sul sabe-se descendente dos irmãos Pietro e Ângelo
Dalla Vecchia.

Pietro e Ângelo vieram em 1878 acompanhados


pelos pais Beniamino Dalla Vecchia e Domenica
Fantoni Dalla Barba, e da irmã de meses de idade
Catarina Dalla Barba Dalla Vecchia.

Sabe-se que Beniamino morreu na viagem e foi


jogado ao mar. A filhinha, definhando o leite da mãe,
também faleceu no mesmo navio.

11
Desembarcaram, portanto, em Porto Alegre,
Domenica (viúva), Ângelo com 18 anos e Pietro com
14.

Beniamino era filho de Ângelo Colla Dalla


Vecchia e de Orsola Pozzan1. Ângelo tinha sete (7)
irmãos (tios de Beniamino): Rosa, Maddalena,
Verônica, Palma Oliva, Giovanni, Cornélio e Pietro
Luigi.

Ângelo, por sua vez, era filho de Antonio Dalla


Vecchia e Maddalena Colla (avós de Beniamino), e
tinha uma irmã chamada Virginia.

O casal de imigrantes Beniamino Pozzan Dalla


Vecchia2 e Domenica Dalla Barba3, vem, pois, com os
filhos Ângelo4, Pietro5 e Catarina.

A seguir, a história dos descendentes de Ângelo e


Pietro, de agora em diante denominados Ângelo e Pedro.
1
Livro de Casamentos da Paróquia Santa Maria e S. Vitola pg. 41, nº 3
(Montemezzo, Itália)
2
Beniamino nasceu em 05/03/1819 em Montemezzo, Montechi Maggiore –
Vicenza Itália e morreu no mar em 1878
3
Domenica nasceu em 26 de agosto de 1820 e o casamento com Beniamino
aconteceu em 23/02/1859. Cf. Livro 1 Casamentos da Paróquia Santo Antonio
de Bento Gonçalves RS (Izabela) pg 84, nº 34. Conforme tb. Registro do
Estado Civil da Paróquia de S. Bartolomeo, em Montemezzo de Sovizzo dos
anos de 1849 a 1870 nº 2.
4
Ângelo nasceu em 06/02/1860 em Montecchio Maggiore, Montemezzo,
Vicenza Itália e faleceu em 05/08/1946 em Jacarezinho, Auxiliadora,
Encantado RS onde está sepultado.
5
Pietro, nasceu em Montemezzo, Vicenza, em 25 de fevereiro de 1864 e
faleceu e foi sepultado em Jacarezinho, Auxiliadora, em 05/11/1940.
12
I - HISTÓRICO DA FAMÍLIA DALLA
VECCHIA

Para entender os hábitos, as tradições, o estilo de


vida dos Dalla Vecchia é preciso: entender a história de
Veneza; entender a história do Vêneto e especialmente
de Vicenza; caracterizar o contexto econômico, político,
social, cultural e religioso do século XIX, especialmente
depois de 1850; as condições oferecidas pelo Brasil;
alguns fatos da migração e, por fim, sua vida de
imigrantes.

1 – EM VENEZA

Na Itália, Veneza é atualmente a capital da


província de Veneza e da região vêneta que compreende
as províncias de Beluno, Pádova, Rovigo, Treviso,
Verona e Vicenza. O Vêneto compreende uma zona
extensa e plana ao longo da costa que vai desde o delta
do rio Pó até a desembocadura do rio Tagliamento; uma
zona de leves ondulações como a dos montes Béricos e
13
as colinas Eugâneas; e finalmente uma faixa pré-alpina
desde Aziago e Belluno, culminando em ampla zona
montanhosa onde se salientam as Dolomitas com mais
de 3.300 metros de altitude. Os rios principais são o Pó,
o Ádige, o Brenta, o Sile e o Piave. O maior lago é o de
Garda cuja costa oriental pertence ao Vêneto. O clima é
suave, chuvoso no outono. Sua superfície é de 18.369
km2 e a população beira a 4.500.000 de habitantes.

1.1 O Vêneto antes do Império Romano

“As colinas eugâneas e as planícies do Vêneto já


estavam povoadas desde o paleolítico. Depois, desde a
Europa oriental, chegariam os vênetos e da Europa
setentrional os récios, enquanto os etruscos
pressionavam pelo sul. Os vênetos predominaram na
região até o século II e I aC. quando aconteceu a
gradativa colonização romana”6

1.2 No Império Romano

“O período que se seguiu foi significativamente


favorável às cidades vênetas que se enriqueceram
enormemente com o comércio, graças à eficiente rede de
caminhos, graças ao saneamento, aos portos e outras
obras públicas realizadas pelos romanos”7 “Desde o
baixo Império (cerca de 350 dC) a região das lagunas
contava com pequena população independente vivendo
da pesca e da exploração do sal e era frequentada

6
Guia de Italia, pg 93.
7
Guia de Itália pg. 94
14
também por habitantes de Ravena, Altinum e Aquiléia
que lá mantinham ancoradouros e um comércio costeiro.
Somente no século V, entretanto, iniciou-se o
estabelecimento de novos grupos na área. Em virtude
das invasões bárbaras, elementos de Aquiléia e
localidades vizinhas refugiaram-se nas várias ilhotas,
organizando-se um tipo de comunidade ainda muito
rudimentar. Segundo Cassiodoro (Favius Magnus
Aurelius Cassiodorus Senator; (480-575), em 537-538
viviam esses habitantes em casas semelhantes a „ninhos
de pássaros aquáticos‟ , gozando de liberdade,
autonomia e igualdade entre si. A autoridade política
estava confiada a um „tribuno marítimo‟, que zelava
pelo monopólio dos transportes na região, enfrentando
italianos e bizantinos”8

“Nos séculos IV e V tiveram lugar, por um lado,


a afirmação da organização eclesiástica (cujo centro
principal foi Aquiléia)9 e por outro, as devastadoras
invasões dos bárbaros. No século VI seguiu-se a
reconquista bizantina, e depois o longo período
ostrogodo e, sucessivamente, a ocupação lombarda. Os
lombardos estabeleceram-se no interior da região
enquanto as cidades costeiras permaneciam fiéis a
Bizâncio”10
8
Mirador, Veneza, pg 11344.
9
É bom prestar atenção que o Cristianismo até 313 vivia perseguido pelo
Império Romano (10 perseguições). Em 313 Constantino declara o
Cristianismo religião livre. Em 387 Teodósio declara o Cristianismo religião
oficial e, em 391, religião única do Império. O Império Romano já decadente e
o Cristianismo se unem, se fundem no Estado de Cristandade que implantará
sua estrutura eclesiástica em toda parte. Também na região do Vêneto.
10
Guia de Italia pg. 94
15
Com a invasão lombarda vinda do norte
(568)para Veneza, “os habitantes de Concórdia fixaram-
se em Caorle, os do Baixo Friuli em Iesolo, os de
Treviso em Rialto, os de Pádova em Malamocco, os de
Altinum em Torcello e os de Oderzo em Cittanova
(Heraclea). Tal fato gerou maior necessidade de
adaptação material da área (reforço do solo, diques,
escoadouros, etc), assim como de alteração em seu
equilíbrio político... E a chegada do patriarca de
Aquiléia, que se refugiara em Grado desencadeou uma
questão entre o Friuli (sob suzerania lombarda e depois
franca) e a Venezia quanto ao domínio da área.
Finalmente, em 584, um representante do Imperador
Maurício induziu a população das lagunas a prestar
submissão não juramentada, em troca de concessões e
privilégios comerciais... No tocante à política interna,
uma série de conflitos impôs a criação de uma comissão
de 12 tribunos (tribuni maiores) encarregados de tratar
de questões comuns às várias pequenas comunidades: a
supervisão geral do governo cabia ao exarca de Ravena,
embora a situação reinante não permitisse o exercício
efetivo de qualquer autoridade. As rivalidades no
comércio e na pesca bem como incompatibilidades
entre os habitantes e outros conflitos, aliados agora à
política do imperador e as repercussões da questão
iconoclasta, determinaram no século VIII o
aparecimento de nova forma de governo, o dogato
(ducado) conferido por eleição”.11

11
Mirador, Venezia, pg 11344
16
1.3 Entre os francos e Bizâncio.

“A queda de Ravena (751), a ameaça lombarda e


principalmente o avanço franco sobre a Itália colocaram
as lagunas em situação perigosa entre bizantinos e
francos. O rei franco da Itália, Pepino (777-810)
disposto a tomar posse efetiva da região, já com relativa
importância comercial e marítima, reuniu uma frota em
Ravena, capturou Chioggia e alcançou Malamocco
(então capital da comunidade das lagunas). Daí resultou
a mudança da capital para Rialto e a fixação do sítio de
Veneza. Pelo tratado de 812, entre bizantinos e francos,
os habitantes foram, finalmente reconhecidos como
súditos do Império Oriental, sendo mantidas as
vantagens comerciais que desfrutavam na Itália.

Internamente, a aristocracia francófila foi


afastada do poder, agora detido pelo doge Agnello
Partecipazio, heracliano da facção „maurícia‟. Essa
facção pendia para Bizâncio ao mesmo tempo que
desejava transformar o dogato num posto hereditário; os
francófilos constituiam a facção democrática, composta
pelos primitivos habitantes das lagunas, aspirando a
instituições livres e maior vinculação com a Igreja. A
concentração do poder e o deslocamento das funções
administrativas e religiosas para Veneza já
representavam, entretanto, certa união dos moradores
das várias comunidades, e mesmo uma conciliação entre
os partidos políticos, visando à manutenção da
independência regional contra os dois impérios, através
de um Estado centralizado. Tal fato adquiriu base moral
17
mais sólida com a chegada das relíquias de S. Marcos,
trazidas de Alexandria em 828, e a construção de sua
primeira igreja em Veneza.

A basílica e a praça de S. Marcos


Teoricamente, a região continuava a ser uma
província bizantina, embora a afirmação gradativa de
Veneza como poder naval acarretasse, em 840, a
omissão do nome da província em seus documentos e a
equiparação da dignidade ducal à de reis e imperadores.
Sua preponderância sobre as demais localidades
da laguna é patente em meados do século IX; nos
séculos X e XI, Veneza organiza-se melhor para
18
desempenhar seu papel de capital, empreendendo-se
uma série de obras na cidade”. 12

O Vêneto, como um todo, “no século X, esteve


fracionado em numerosos feudos, sobretudo nas zonas
rurais, enquanto isso, nas cidades, depois de um período
em que prevaleceu o poder episcopal, iniciavam a
constituir-se as primeiras organizações municipais que
alcançaram seu máximo esplendor no século XII”13.

Jandir Dalla Vecchia Zanotelli e Ruth Avila Zanotelli na


praça S. Marcos de Veneza – Revivendo raíses.

12
Mirador, Veneza, pg 11344 e 11345.
13
Guia de Italia, pg 94.
19
Veneza e suas gôndolas

1.4 República

“Afastadas as tendências políticas que visavam à


formação de um dogato hereditário, o traço básico do
desenvolvimento político consiste, a partir do século XI,
na gradativa alienação dos poderes popular e ducal em
favor da aristocracia, criando-se assim uma república
patrícia. Surge uma complexa engrenagem política com
órgãos amplamente ramificados e onde a participação
na vida pública não só depende de eleições como da
sorte. Esse processo torna-se mais nítido a partir de
1143, quando o placitum (assembléia popular) se limita

20
a ratificar as decisões do conselho dos sábios que cerca
o doge, perdendo assim a sua iniciativa legislativa.
Nesse mesmo ano aparece a “comuna de Veneza”,
instituição que agrupava as mais ricas famílias patrícias,
dispostas a coibir qualquer intervenção no governo
ducal por parte dos não-nobres.
Além disso, os sábios, eleitos nos diversos
bairros da cidade, passam a constituir um conselho
permanente adjudicado ao doge, emitindo deliberação
com efeito executivo, em contraposição ao conselho
privado ducal. Nessas duas novas instituições já se
delineiam o grande conselho e o pequeno conselho”.14

O doge já não toma decisões sem a prévia


aprovação dos „sábios‟ e em 1148 já deve prestar
promissioni ducali (juramento) ao patriciado. Entre
1150 e 1180 o número de participantes do placitum é
limitado por contrade (paróquias) e a frequência às
reuniões da assembléia diminui. Em 1171 o povo já não
elege o doge, mas é, apenas, uma comissão eleitoral de
11 membros que escolherá o doge. Em 1268 a escolha
do doge caberá ao Grande Conselho. A escolha era feita
em 6 etapas pelos nobres evitando, assim, que o doge se
coligasse com o povo. “Até o fim do século XII , a
administração financeira fugira à competência ducal,
assim como a nomeação de funcionários públicos e
juizes. No século XV, a Assembléia Popular estava de
fato e legalmente destituída de qualquer iniciativa

14
Mirador, pg 11345.
21
política, enquanto o doge se via obrigado a obedecer a
uma severa legislação restritiva de seus poderes” 15

Veneza – “Il ponte dei sospiri” ligando o palácio à cadeia. Quem


passasse do palácio imperial por esta ponte para a prisão jamais
retornaria. Por isso o nome de a ponte dos suspiros, das
lamentações, da derradeira despedida. Na memória dos Dalla
Vecchia a severidade dos doges de Veneza permanecia indelével.
Isto se deve, certamente ao fato da revolta ocorrida no século XIII
e cujo resultado foi o afastamento, fuga, dos ancestrais desses
imigrantes para a terra firme, especialmente para Vicenza e as
regiões montanhosas desta província. Da listagem de 156 nobres
de Vicenza, os Dalla Vecchia constam há muitos séculos antes da
imigração para o Brasil. Veneza, suas águas, sua República e a
ponte dos suspiros são curiosidade que os turistas não perdem.
15
Mirador, pg 11345.
22
Veneza – Praça S. Marcos – Agostinho

A aristocracia domina o Grande e o Pequeno


Conselhos e suas comissões como a dos projetos fiscais
e financeiros. Uma das comissões do Pequeno Conselho
(dos pregradi ) mais tarde será o senado. “Pouco a
pouco, os monopólios comerciais da aristocracia,
obtidos principalmente a partir da quarta cruzada
(1204),16 estendem-se também à área política. O Grande
Conselho torna-se a peça essencial do sistema

16
As Cruzadas, são uma guerra “santa” que a Europa feudal e, para interesse
também do comércio em mãos dos judeus, empreenderá contra os islamitas
árabes e turcos que dominavam os lugares santos de Jerusalém e arredores. Isto
tudo sob o efeito do medo do fim do mundo no virar do primeiro para o
segundo milênio. A Primeira Cruzada foi em 1096, a oitava e última em 1270.
23
constitucional, agregando 35 membros em 1200, 430
em 1261, 577 em 1276, até ultrapassar mil membros no
séc. XIV. Já em 1232 manifestava-se como poder
legislativo autônomo, e em 1250 seus atos tinham
precedência sobre os do doge e do Pequeno Conselho.

A política oligárquica veneziana assume sua


forma concreta na lei denominada Serrata del Maggior
Consiglio (1297), tornando-se automaticamente
elegíveis os conselheiros dos quatro últimos anos e
aqueles cujos ancestrais tivessem tido assento no
conselho e excluindo o resto da população. Essa lei foi
perpetuada em 1299, seguindo-se a isso uma série de
medidas destinadas a concentrar os poderes de governo
em mãos de umas poucas famílias; essas tiveram seus
nomes nos registros de elegíveis de direito (1314),
precursor do „livro de ouro‟ do século XV”.17 Em 1322
o patriciado se tornou nobreza de função cabendo-lhe o
controle de toda a máquina governamental e os
principais postos.

Excluído da participação, o povo se rebelou em


1299 exigindo inclusão no Grande Conselho e o
patriciado também excluído rebelou-se em 131018. Na
guerra contra Ferrara e consequentemente com o
oposição do papa o Grande Conselho se divide entre
Guelfos e Guibelinos. Diante disso Benjamim Tiepolo
alia-se às famílias Quirini e Badoer e conspira. Em

17
Mirador, pg. 11345.
18
Nesta conspiração deveriam estar envolvidos os Dalla Vecchia que,
perseguidos, se exilam no continente perto de Schio e Vicenza.
24
reação criou-se o Conselho dos Dez encarregado de
descobrir e julgar os crimes contra a segurança do
Estado. Em 1335 ele se fez permanente com poderes
acima de todos os Conselhos e do próprio doge. Assim
em 1354 o doge Marino Faliero (1274-1355)
aproveitando o descontentamento popular pela guerra
contra Gênova pretende restaurar a autoridade ducal e se
fazer príncipe: o Conselho dos Dez o prende e decapita
na Praça de São Marcos.

O Grande Conselho e o Senado administram as


finanças, a economia, a cidade, as possessões, a
navegação, o comércio, o exército e a política
internacional. “Contrariando as tendências da época,
Veneza permanece no século XV uma república urbana,
não oferecendo oportunidade para a presença de um
déspota de tipo renascentista.

O poder coletivo do Estado representava-se pela


Signoria presidida pelo doge. Este raramente
desempenhava algum papel pessoal relevante; como
exceções podem citar-se o humanista Andrea Dandolo
(1307-1354) tendo governado de 1343 a 1354; Michele
Steno (1331-1413) tendo governado de 1400 a 1413;
Francesco Foscari (1373-1457 tendo governado de 1423
a 1457; Niccolo Contarini que governou de 1630 a
1631. Estes influenciaram pessoalmente a política de
Veneza. No mais o doge, com seus atributos simbólicos,
sua pompa e o respeito que lhe era devido, apresentava-
se quase que somente como uma expressão visual da

25
hegemonia, do poder e da riqueza do império marítimo
veneziano”.19

Três estratos compunham a sociedade de Veneza:


a aristocracia, os cittadini e a infima plebe. Os cittadini
tinham direitos civis, podiam ascender a alguns cargos
públicos e entre eles era escolhido o Grande Conselheiro
(chefe dos cidadãos a partir de 1268), mantinham
privilégios econômicos, podiam navegar sob a bandeira
de São Marcos e ser protegidos pelo Estado. A plebe,
composta de pequenos artesãos20, dependia do Conselho
dos Dez que funcionava como instrumento conservador,
supervisor e controlador das corporações de ofícios. As
corporações não exerciam papel político e suas
aspirações ao poder morreram com Marino Faliero.
Aliás, as manufaturas tinham função secundária na
economia de Veneza, ao contrário do que ocorrerá nas
outras cidades européias. Suas principais atividades
eram a de construção de navios, indústria de madeiras e
metais, tecidos de luxo, tinturarias, cerâmica, vidraria,
trabalhos em peles e indústria alimentícia. A força da
economia de Veneza, porém, vinha do comércio.

Como já acenamos, enquanto a Europa, nos


territórios abrangidos pelo Império Romano,
mergulhava, a partir de 476 dC 21 no mais profundo
processo de feudalismo – com a ruralização da
19
Mirador, pg. 11346.
20
Destaque-se entre eles os artesãos judeus que, em Veneza encontrarão
refúgio contra as perseguições.
21
Data da queda do Império Romano nas mãos dos invasores “bárbaros” e da
Igreja.
26
sociedade, com o esfacelamento e pulverização do
Estado e de suas funções (cunhar moeda, legislar,
estabelecer a justiça, manter a infra-estrutura para a
produção e o comércio como estradas, pontes,
policiamento etc), com a clericalização da sociedade e a
acentuada hierarquização da Igreja, com a privatização
da defesa, com o isolamento de cada pequeno senhor em
seu castelo rodeado de servos da gleba, com o
desaparecimento do comércio interno e a divisão da
sociedade em estamentos muito próximos a castas22
com o estabelecimento de um rígido Estado de
Cristandade (fusão de Império Romano e Igreja Cristã),
- enquanto o próprio Vêneto se subdividia em
numerosos feudos, Veneza, pelo contrário, após ser
dividida e administrada como todo o Vêneto em
províncias episcopais, organiza-se em instituições
municipais que chegam ao esplendor no século XII
como organização urbana, comercial e republicana.

Veneza se fez uma das maiores potências políticas


e econômicas da Europa especialmente entre os séculos
XII e XVI através do comércio considerando
especialmente que:
a) O Império Bizantino concedeu a Veneza
privilégios comerciais em troca do apoio
militar contra búlgaros, muçulmanos,
normandos...que investiam contra o Império;
b) O apoio de Veneza às cruzadas e a retomada
dos estreitos de Dardanelos e Bósforo diante de

22
“os homens foram feitos por Deus: uns para trabalhar, outros para rezar e
outros para guerrear e mandar”.
27
Constantinopola na 4a. cruzada em 1204
introduz Veneza em seu primeiro apogeu
comercial
c) “A partir do século XII Veneza já possuía o
controle absoluto do Adriático, com estações e
entrepostos em vários pontos. Gradativamente
seus contatos se estenderam de Constantinopla
ao Mar Negro, Criméia e Mar de Azov.
Possuíam entrepostos no litoral da Ásia Menor,
no Sul do Egeu, na costa e interior da Síria,
assim como no Oriente Muçulmano. Para o
Norte, atingiam Iconium e Armênia. A
administração das colônias ficava a cargo de
um chefe em Constantinopla, um visconde ou
bailio na Síria e um cônsul nomeado pela
República em Alexandria.

Os venezianos transportavam para Oriente


principalmente produtos da Alemanha e Itália, em troca
de frutas exóticas da Síria, trigo do sul da Rússia, vinhos
da Ásia Menor, especiarias, açúcar, tecidos finos de
algodão e seda, tapetes, pedras preciosas, vidros e
cerâmica fina, ouro, âmbar, alume, algodão e seda em
bruto, corantes ...

O mundo eslavo fornecia escravos,


madeiras, mel, cera, peles e cânhamo. Os muçulmanos
forneciam através de Alexandria, sedas da China,
especiarias da Insulíndia e Índia, açúcar, linho, algodão
do Egito, perfumes da Arábia e couros em troca de trigo,
28
tecidos, metais, coral e âmbar trabalhados, peles, ferro e
artigos manufaturados de ferro.

Essas mercadorias, mesmo quando


destinadas a outras partes do Mediterrâneo, eram
descarregadas em Veneza e aí submetidas à taxação. A
redistribuição fazia-se em grande parte por mar ou via
fluvial, embora não excluísse o comércio por via
terrestre. O controle de algumas rotas terrestres e
também dos entroncamentos fluviais do Pó, Ádige e
outros afluentes levaria Veneza à política de conquista
no continente. No começo do século XV, calcula-se que
o comércio veneziano tenha alcançado a cifra de 20
milhões de ducados, percebendo os intermediários cerca
de 4 milhões”.23

d) “A estabilidade do Império seria ameaçada no


século XIII com a retomada de Constantinopla
pelos gregos, a ascensão comercial genovesa e
a submissão de Acre aos muçulmanos (1291),
fechando os mercados orientais, ao mesmo
tempo em que se desencadeava uma guerra
entre Veneza e Gênova. No princípio do século
XIV, porém, Veneza já conseguira restaurar
parte do Império, reforçando sua posição em
Negroponte, Creta e Moréia. Por outro lado, a
paz de Turim (1381), marcou o fim do conflito
com Gênova. A perda da Terra Santa levou
Veneza a afirmar sua posição no Egito, apesar
dos obstáculos oferecidos pelas proibições
23
Mirador, pg. 11346 e 11347.
29
papais, e também a aproveitar a oportunidade
oferecida pelo Império Mongol para manter
relações diretas com o Extremo Oriente. Nesse
quadro inserem-se a chegada de Marco Pólo
(1214) à China e a conclusão de tratados de
comércio com a Pérsia e Tamerlão. Tudo isso
converteria Veneza numa cidade riquíssima,
luxuosa e com um dos mais intensos
movimentos de capitais da Europa”.24

1.5 Dificuldades e Decadência.

A partir do século XVI Veneza e seu comércio


encontrarão muitas dificuldades:
a) Os turcos avançam sobre as rotas comerciais
que Veneza tinha com o Oriente. “A partir de
1430 os venezianos perderam gradativamente
suas possessões bizantinas para os turcos, só
vindo a contrabalançar essas perdas com a posse
de Chipre revertida à República em 1480, após o
governo de Caterina Cornaro (1454-1510)”.25

b) Os portugueses descobrem novo caminho para


as índias e assim anulam as vantagens dos
comerciantes de Veneza que, comprando dos
árabes as especiarias em Alexandria, revendiam-
nas para a Europa. Agora, os comerciantes
deveriam comprar as especiarias do Oriente em

24
Mirador, pg. 11347.
25
Mirador, pg. 11347.
30
Sevilha ou Lisboa, para onde haviam se deslocado
a maioria dos banqueiros judeus que haviam
enriquecido em Veneza, Gênova e Florença. Aí
esses produtos serão bem mais baratos. Assim
Veneza fica fora da rota para o comércio com o
Oriente e o Mediterrâneo que, durante dois mil
anos fora o grande mar do comércio e da cultura é
substituído pelo Atlântico, tendo à frente Portugal
e depois Espanha.

c) Diante dessas dificuldades Veneza adapta seu


potencial marítimo e comercial transformando-o
em industrialização de tecidos de luxo e, depois
em centro europeu de diversão. No século XVIII
seu carnaval de máscaras e luxo durava seis meses
ao ano. Por outro lado os investimentos voltar-se-
ão cada vez mais para a produção agro-pecuária
no continente (terra ferma). “Por volta de 1590
essas possessões já abasteciam 4/5 das
necessidades alimentares venezianas”. Algumas
datas devem ser recordadas:
 1338 a Signoria tomara conta da marca de
Treviso.
 1404 tomada de Pádua, Bassano, Vicenza e
Verona
 1420 tomada de Friuli
 até 1454 (Paz de Lodi na guerra de Veneza e
Florença contra Milão), Veneza fica com
toda a região a leste do Adda com Romanha
e Trentino e depois, Lodi e Piacenza,
Bréscia, Bérgamo e Cremona.
31
Respeitando as culturas locais e nelas
instalando somente um podestá para o governo
civil e um capitão para assuntos militares, a
Sereníssima de Veneza não só não foi combatida
como até acolhida por essas comunidades que
viam em Veneza maior chance de progresso. A
bandeira do leão de São Marcos foi adotada como
a sua própria.

 1464 unem-se Florença, Nápoles, Milão e o


papa contra Veneza
 1495, ante a ameaça francesa, Veneza une-
se ao papa, a Milão e ao rei da Espanha e
em seguida une-se à França de Luis XII
(1462-1515) obtendo assim novamente
Cremona e Lodi. Morto Cesar Bórgia
(1475-1507), Veneza anexa parte da
Romanha.
 Por isso, em 1508, todos os oponentes
formam a liga de Cambrai que obriga
Veneza a devolver as possessões papais da
Romanha. A partir de então, Veneza
conservará seus territórios no continente
mediante acordos.
 Com a influência cada vez maior da
Espanha na Itália, especialmente através dos
papas espanhóis, com a derrota definitiva
dos árabes em Lepanto (1571), os
constantes conflitos com a Santa Sé, Veneza

32
transforma-se em potência européia de
segunda categoria.
 1669 Veneza perde Creta
 1718 paz de Passarowitz consagra o fim da
influência veneziana no Oriente.
 1797 pela paz de Campofórmio, o Vêneto e
Veneza conquistados por Napoleão, ficarão
sob o domínio austríaco ou francês até 1814.

Finda assim a história da República de Veneza


que ultrapassou incólume a Idade Média
européia e ofereceu à burguesia da Idade
Moderna um modelo econômico e político
bem como a inspiração da frivolidade
decadente.26
 1866, vencida a Áustria pelos prussianos, o
Vêneto e Veneza são incorporados à Itália
unificada.

26
Interessante observar um episódio típico de cidade comercial como Veneza
traduzido em sua vida noturna e sexual. Por influência da Igreja, no auge da
atividade comercial (Sec. XIII), as prostitutas que serviam os comerciantes
marítimos em Veneza, foram expulsas da cidade por significar imoralidade.
Assim elas se refugiaram em Pádova. Pouco tempo depois, porém, eclodiu em
Veneza uma situação ainda mais constrangedora para os parâmetros da
moralidade: por falta de prostitutas os marinheiros visitantes mantinham
relações sexuais com rapazes (e o homossexualismo grassou). Para evitar esse
escândalo o Grande Conselho decidiu chamar de volta as prostitutas e ficar
com o “mal menor”. Contactadas e organizadas as prostitutas exigiram como
condição para seu retorno: seguro saúde, aposentadoria vitalícia pagas pelo
Estado. E Veneza aceitou. Para anunciar que as “mulheres” estavam de volta
exigiu-se que elas, no alto de uma ponte mais visível do Canal Grande
expusessem seus seios nus. Essa ponte até hoje é conhecida como a ponte
“delle tete”.
33
A Itália com os Alpes no alto e seus limites a leste

34
2. EM VICENZA

A partir de 1314 os Dalla Vecchia saem de


Veneza e se regugiam na região montanhosa de
Vicenza

2.1 O Vêneto até a segunda metade do século XIX

Hoje Vicenza é província da região do Vêneto.


Sua capital, a cidade de Vicenza, com um pouco mais de
120.000 habitantes, ao lado dos montes Bérici, está
situada no eixo rodo-ferroviário que vai de Veneza a
Milão, entre as cidades de Verona e Pádova. A província
ocupada desde tempos pré-históricos pelos
paleovênetos, foi organizada pelos romanos no século
IV dC e a cidade se chamava Vicentia. Ao final do
Império Romano e até o ano 1.000 Vicenza foi corredor
das tropelias dos invasores bárbaros que vinham
especialmente do norte e que determinaram o
empobrecimento do território, reduzindo e até
extinguindo as culturas introduzidas pela técnica agrária
romana. As matas voltaram a recobrir grande parte da
região e a atividade silvo-pastoril predominou então
sobre a agrícola. Muitos aluviões castigaram ainda mais
a área que não dispunha de racionalização dos cursos
35
d‟água. A população diminuiu e só voltaria a crescer
logo depois do ano 1.000.

Vicenza - Ruth, Lírio Dalla Vecchia Zanotelli e esposa

36
Vicenza – Palazzo Ducale – Os Dalla Vecchia ofereceram
materiais para a sua construção, especialmente pedras talhadas.

Monges beneditinos e cistercienses evangelizaram


a região e re-introduziram a atividade agrícola, com
adubação e organização social das atividades. A ação
desses religiosos esteve sempre desvinculada do clero
secular e do bispo que controlava a cidade. Por isso o
abismo entre cidade e campanha ficou sempre maior.

37
Ruth Zanotelli ante o palácio Ducale em Vicenza

A burguesia com seu individualismo, não permitiu


que as obras públicas condicionadas sempre pela união
de esforços da coletividade, fossem empreendidas ou
recuperadas. O latifúndio burguês situava-se nas
melhores terras que já haviam sido beneficiadas ou à
beira dos melhores meios de comunicação e comércio.
Pelo comércio, urbaniza-se a vida.

Vicenza foi assim uma cidade romana,


lombarda, franca e depois participante da liga dos
municípios contra Frederico Barbarroxa. Depois do
século XII foi súdita da família Carraresi (que dominava
Pádova também), dos Scaglieri, dos Visconti e por fim
de Veneza.
38
Ruth A. Zanotelli em Vicenza ante Giuseppe Garibaldi

39
Jandir João Dalla Vecchia Zanotelli – em Vicenza

Ao final do século XV e no século XVI Vicenza


gozou de prosperidade econômica por conta dos
investimentos realizados pelos nobres vicentinos e
patrícios venezianos, que lhe permitiu um grande
florescimento artístico com as pinturas de Bartolomeu
Montagna e com um dos maiores arquitetos da Itália,
Andrea Palladio (1508-1580) que fora educado pelo
poeta Gian Giorgio Trissino e será seguido por Vicenzo
Scamozzi (1552-1616). Os castelos medievais
transformar-se-ão em sede de “vilas” senhoriais de
grandes proprietários com expansão da agricultura. A
cidade pequena e fortificada da Idade Média far-se-á
centro agrícola.

40
Vicenza - o centro da cidade

A crise do século XVII, com a redução dos


investimentos fará regredir a atividade agrícola e o
retorno ao predomínio da atividade agro-pastoril. As
“vilas” transformar-se-ão em residência de campanha
dos patrícios citadinos.

41
Após 1700 o avanço dos estudos e da ciência
agrária incentivada pelos iluministas vênetos voltará sua
atenção novamente para a agricultura, com novos
métodos, novas técnicas e melhor produtividade. A
racionalização da atividade agrária recobrará força.

Em 1797 os exércitos de Napoleão tomam conta


da cidade e da província. Napoleão entregará à Áustria
todo o Vêneto e Trentino em troca da mão de Maria
Luiza que depois será a grã-duquesa de Parma. Com a
unificação da Itália em 1861 e com a vitória prussiana
sobre a Áustria (1866) essa região do Vêneto e,
consequentemente Vicenza será entregue à Itália.

Os imigrantes vênetos que, em massa, vieram ao


Brasil a partir de 1875, aqui chegaram como italianos,
ao contrário do que aconteceu com os que emigraram do
Trentino que ficou subordinado à Áustria até o tratado
de S. Germain em 1919 e que vieram, pois, como
tiroleses austríacos27.

Hoje Vicenza tem uma exuberante atividade


industrial e comercial acima da agricultura ocupada por
menos de 5% da população.

Vicenza, embora nunca tivesse sido uma cidade


particularmente importante ou poderosa, no entanto é

27
A lei 379/00 de 14 de dezembro de 2000 permite aos descendentes de
trentinos emigrados, igualdade com os descendentes de outras regiões da Itália
quanto à aquisição de cidadania italiana.
42
uma das cidades italianas com mais monumentos
arquitetônicos e com um núcleo histórico invejável28

Os Dalla Vecchia provindos de Veneza serão


agricultores nas montanhas de Vicenza e, embora com
resquícios de nobreza, com este horizonte, imigrarão ao
Brasil.

2.2 O VÊNETO NA SEGUNDA METADE DO


SÉCULO XIX

2.2.1- Contexto sócio-econômico

O sistema feudal de produção terminou, no norte


da Itália, com a “primavera dos povos” de 1848, meio
século depois da Revolução Francesa.

A unificação da Itália aconteceu em 1861 e o


Vêneto foi incorporado à Itália em 1866. A unificação
foi “uma conquista do país pelos grupos econômicos
mais poderosos do Norte... e não acarretou nenhuma
mudança fundamental na estrutura da propriedade
agrícola da Península; ao contrário, agravou os seus
aspectos mais atrasados, seja desencadeando fatores que
geraram maior concentração da propriedade da terra nas
mãos dos grandes latifundiários, seja pela venda de bens

28
( cf. Guia de Itália, pg 123).

43
da mão-morta (de comunidades religiosas) e outros
inalienáveis” 29

“A economia era dependente de poucos


industriais e de muitos latifundiários ainda afetos a
esquemas econômicos medievais de feudalismo e de
exploração da força operária e agrícola(...) A unificação
política não destruíra o fenômeno escravagista de uma
economia tradicional e ultrapassada... esquemas
antiquados de grandes proprietários feudais com títulos
hereditários de posse de terras e de elementos humanos
que as trabalhavam.”30

O latifúndio e o minifúndio improdutivo e


insuficiente para uma família era a estrutura reinante no
Vêneto como em todo Norte da Itália.

“...sobre 48.279 hectares cultivados no distrito


de Vicenza, dos quais 34.772 eram constituídos de
aratórios, pelo menos 5.000 pertenciam aos 28
proprietários que, no censo, haviam declarado possuir
mais que 400 campos vicentinos31; os proprietários do
distrito de Vicenza atingiam a 10.932, dos quais 3.791
com menos de um campo, 5.364 com menos de 10
campos, 672 com menos de 20 campos, 435 com menos

29
IANNI, Homens sem Paz, Rio, Civilização Brasileira, 2a. edição, 1972, pg.
75.
30
FROSI-MIORANZA, Imigração italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul,
POA, Movimento, 1975 pg.12.
31
( 400 campos vicentinos= 1545 pérticas censitárias; 10 pérticas censitárias=
1 hectare)
44
de 40, 212 com menos de 60, 211 com menos de 100,
141 com menos de 200, 78 com menos de 400”32

Vivendo como meeiro nas terras e casas toscas


dos latifundiários, devendo pagar parte em produção e
parte em dinheiro, contribuindo com ovos, aves, palha,
com metade dos casulos de bicho da seda e, a partir da
unificação italiana, pagando o escorchante imposto do
“macinato” (imposto de moagem), era difícil a vida do
agricultor vicentino. Possuir como próprio um pequeno
pedaço de terra era, para o agricultor um sonho “seguido
de inenarráveis preocupações”33. Contra o “macinato”
houve verdadeiras batalhas campais de agricultores
contra a polícia.

“Entre 1873 e 1881, nada menos de 61.831


pequenas propriedades foram tomadas pelo fisco por
falta de pagamento de impostos, que muitas vezes não
iam além de umas poucas liras; entre 1884 e 1901, o
número de propriedades perdidas pelos contadini por
impossibilidade de pagar impostos se elevou a 215.759;
as vendidas judicialmente por dívidas a particulares
somaram 70.774 entre 1886 e 1900”34

“O maior flagelo era a pelagra, endêmica em


toda a região, uma afecção com tríplice sintomatologia:
cutânea, gastro-intestinal e nervosa. Conhecida na Itália
desde meados do século XVIII, já se havia observado na
32
LANARO, Sílvio. Società e Ideologia nel Veneto rurale. Roma, Ed. Storia e
Letteratura, 1976, pg 25.
33
Ibidem pg. 32.
34
IANNI, 11972, pg 73.
45
Espanha e noutros países sob a designação de mal de
rosa (...) O mais que haviam conseguido era que se
relacionava com o consumo de milho. Supunha-se
ocasionada pela preparação da polenta com milho verde
ou estragado... Somente em 1879 se faz um
levantamento em todo o Reino da Itália. Apura-se um
total de 97.855 doentes, assim distribuídos: Piemonte
1.692 casos, Ligúria 148, Lombardia 40.838, Vêneto
29.936, Emília 18.728 (...). Em 1881 o total subia a
104.067, aumento devido quase exclusivamente ao
Vêneto que, de 29 mil e tantos casos, passa a 55 mil...
Essa alarmante incidência de desnutrição qualitativa
correspondia à pobreza da água em sais minerais e ao
consumo quase exclusivo de trigo, de castanha e
particularmente de milho (...); a carne de gado, de
ovinos, de porco e de aves domésticas comia-se apenas
nos dias de festa e as mais das vezes era reservada aos
homens que, nos domingos, a encontravam nas
tavernas... A grande popularidade da caçada de
passarinhos e a predileção, entre os pobres do Norte da
Itália, pelo prato de polenta e oséi (...), explica-se pelo
fato de que as pequenas aves silvestres eram uma das
poucas e escassas fontes de carne”.35

A crise econômico-social-cultural que se abateu


sobre toda a Europa após a “primavera dos povos” de
1848 e, especialmente, depois da crise de mercado
35
AZEVEDO, Thales. Italianos e Gaúchos. Porto Alegre, IEL/ A Nação, 1975,
pg. 49-51 in BONI e COSTA. Os italianos do Rio Grande do Sul. Caxias,
EDUCS, pg. 61. A mesma situação se observa no Trentino. O vale de Cembra
do qual emigraram os ascendentes Zanotelli era denominada de Val della
Pelagra.
46
espelhado na crise da superprodução de trens e trilhos na
Inglaterra em 1873, afligiu mais profundamente as áreas
periféricas do sistema capitalista europeu. Assim a
Inglaterra que já se havia industrializado a partir de
1767 (quando a primeira máquina a vapor foi acoplada
ao tear), a França a partir de 1800, a Prússia a partir de
1850, algumas áreas da Itália como o Piemonte a partir
de 1850. O Vêneto e o Tirol como periferia do Império
austríaco recém saía do sistema feudal em 1848. As
estradas de ferro que rasgavam a Itália de norte a sul e
de leste a oeste recém foram implantadas a partir de
1850.

Por outro lado, o liberalismo anticlerical e


muitas vezes maçônico destruía a ideologia e a cultura
de uma região milenarmente cimentada sobre o Estado
de Cristandade...36

A nova organização do trabalho que o


liberalismo manufatureiro e industrial acarretava,
gerava uma situação desumana que não deveria ser
diferente da do Trentino: “há meninas em casa; vão às
fábricas de seda, trabalham bestialmente das 4 da manhã
às 8 e meia da tarde, com um tempo livre somente para
comer, e ganham 40 centavos as mais bem pagas”37

Em 1832 na Bélgica há uma lei reveladora:


proïbe-se o trabalho infantil abaixo de 8 anos e as
36
Cf. ZANOTELLI, Zanotelli a Saga de um Imigrante Trentino, 1997 pg.18 e
ss.
37
La voce Cattolica, de 19/10/1875 in GROSSELLI, Vencer ou Morrer, pg
138.
47
crianças com menos de 12 anos tem o direito de
trabalhar somente 12 horas por dia. As mulheres
grávidas e as que trabalham em situação inóspita tem o
mesmo direito de só trabalhar 12 horas por dia.38

2.2.2 - A Educação

“Em 1871 o Vêneto contava 65% de analfabetos


na população acima dos 6 anos de idade, o Piemonte
42% e a Lombardia 45%, taxas que em 1911 haviam
baixado respectivamente a 26%, a 11% e a 13%,
enquanto para o país era de 37%. A instrução era muito
prejudicada pela falta de professores e pela participação
das crianças nos trabalhos agrícolas e nas manufaturas,
apesar da proibição legal da ocupação de menores de 12
anos nas indústrias” 39

Os índices de analfabetismo na data da


unificação da Itália eram altos em toda a Itália e mais
altos no sul. No Tirol o Império Áustro-húngaro tinha
favorecido a escolarização, tanto assim que em 1875
cerca de 80% da população estava aflabetizada, contra
uma média inferior a 50% em toda a Itália.

38
Cf. P. Beltrão ...
39
AZEVEDO, 1975, pg. 52.
48
3. A EMIGRAÇÃO.

Para compreender melhor a emigração-


imigração da família Dalla Vecchia desde Vicenza para
a Linha Janzen, em Izabela, no RS, a partir de 1876,
detalharemos brevemente a situação européia que
forçava a emigração, a situação do Brasil que convidava
para a imigração, e a viagem dos Dalla Vecchia.

3.1 Síntese da situação européia e vêneta no


final do século XIX.

Era difícil a situação econômica dos pequenos


agricultores ou trabalhadores rurais recentemente
“liberados” do sistema feudal, com minúsculas frações
de terra que tornavam impossível o sustento da família,
e com a migração constante dos trabalhadores à procura
de trabalho sazonal nos arrozais dos vales do Vêneto ou
na vindima da uva e na colheita dos casulos do bicho da
seda. Isto desmontava a estrutura familiar; ocasionava o
êxodo rural concentrando jovens trabalhadores ao redor
das cidades que iniciavam sua industrialização como

49
Milão, Turim ao norte da Itália; a deficiência alimentar
gerando epidemias como as da pelagra40.

Por outro lado, desde 1850 a peste do bicho da


seda e da uva aniquilavam as maiores fontes de sustento
dos pequenos agricultores na região.

A guerra político-ideológica dos liberais


(anticlericais e fautores da industrialização e do
progresso, contra o domínio do clero e da religião sobre
a população) contra os “católicos” guiados e fiéis ao
clero e sua estrutura paroquial e comunitária, levava
angústia às famílias pobres que queriam salvaguardar os
valores tradicionais da família e da religião.

O desejo plantado pela burguesia moderna de ser


dono (paron), proprietário, auto-determinado e a
impossibilidade de sê-lo no contexto em que viviam,
aumentava e potencializava as promessas que vinham da
propaganda de terra abundante e da “cucagna” da
América, muito embora essa ideologia capitalista fosse
contraditória à manutenção de seus valores familiares e
religiosos.

40
Pelagra é uma doença causada pela falta de niacina (ácido nicotínico ou
vitamina B ou vitamina PP) ou do aminoácido essencial triptofano e conhecida
por seus três sintomas que começam com a letra D. São eles: o aparecimento
de uma cor escura na pele (Dermatite, que fica seca e áspera. Mais tarde
aparecem Diarreias e alterações mentais (Demência); também conhecida como
doença dos três D's. O nome 'vitamina PP' faz referência à ação Preventiva à
Pelagra.

50
A pressão das comunas por livrar-se do encargo
cada vez maior dos pobres que não conseguiam se
manter com suas próprias mãos, e do interesse de alguns
em comprar pequenas frações de terra por preço
irrisório, também estimulavam a emigração.

Enfim, a lógica do capitalismo liberal que se


implantava, ao mesmo tempo impelia à emigração e
tornava atraente a proposta de aventurar-se em novas
terras.41

3.2 O Brasil que os esperava42

O Brasil nasceu, nos planos dos conquistadores


portugueses, para ser estruturado como um conjunto de:
latifúndios, monocultores (de açúcar), exportadores,
escravagistas e de acordo com os interesses daqueles
que dominavam e dirigiam Portugal.

De 1500 a 1528, período em que o comércio com


a Ásia sorria a Portugal (trazendo-lhe os lucros

41
Para elucidar melhor o contexto de vida dos emigrantes Dalla Vecchia desde
Vicenza no final do século XIX remetemos ao nosso trabalho Zanotelli, a Saga
de um Imigrante Trentino que analisa a vida ao norte da Itália naquela época.
Acrescente-se que, pelo fato de o Vêneto integrar o novo Estado italiano desde
1866, sobre os pobres agricultores da região recaíram novos impostos e
gravames que tornaram a vida ainda mais difícil.
42
O texto a seguir, sobre o Brasil que aguardava os imigrantes é extraído, com
pequenas modificações, da obra Zanotelli, A Saga de Um Imigrante Trentino,
de autoria de Jandir João Zanotelli.

51
esperados, novas terras e novos fiéis cristãos), o Brasil
não contava nos planos dos „descobridores‟ senão como
terra de especiarias (pau brasil para pinturas...) e que
necessitava ser defendida dos países rivais e
concorrentes, como a França, por exemplo, cujo rei, ao
ser notificado por Portugal para que respeitasse as terras
brasileiras que eram de sua propriedade, propriedade
essa decorrente da descoberta, respondeu que não
aceitava a divisão do mundo entre Portugal e Espanha
patrocinada pelo papa porque desconhecia que o
testamento de Adão e Eva assim tivesse dividido o
mundo.

Com o declínio do comércio com a Índia, pelos


encargos cada vez maiores assumidos pela coroa
portuguesa para protegê-lo e ampará-lo, e com a
expulsão dos judeus de Portugal em 1517 que
financiavam os empreendimentos da coroa, e pelos
perigos de ataques estrangeiros de que essa terra
descoberta era alvo, Portugal concentrou-se no Brasil. E
resolveu fazer dele uma colônia para produzir açúcar.

O açúcar, cuja produção era especialidade dos


árabes, tinha sido produzido experimentalmente, por
Portugal, nas ilhas da Madeira, com escravos africanos.
Vendido a altos preços na Europa, o açúcar era o „ouro
branco‟ que poderia substituir os lucros que o comércio
com a Índia deixou de dar. Assim o Brasil foi planejado,
organizado, institucionalizado como a terra portuguesa
para produzir açúcar. Para isso era necessário dividir o
Brasil em latifúndios. A pequena propriedade era
52
impossível para o objetivo. O Brasil não nasceu para
que aqui as famílias, com seu trabalho, produzissem o
seu sustento. Nasceu para que a empresa (o engenho)
produzisse, em grandes latifúndios, apenas açúcar, e
apenas para a exportação.

Para isso, as condições necessárias eram: o


latifúndio e a escravidão. A divisão das terras do
Brasil, inclusive para a reforma agrária, até hoje,
encontra dificuldade nesse projeto originário e
constitutivo do Brasil: produzir em grande escala
(latifúndio, engenho, com numerosos trabalhadores
escravos), um só produto, o açúcar (que interessava
exclusivamente à metrópole, proibindo-se cultivar
qualquer outro produto, mesmo que fosse para a
alimentação), exclusivamente para a exportação (não
seria para ser consumido pela colônia senão
minimamente em forma de rapadura) e através do
trabalho escravo (inicialmente índio e depois negro,
sendo que era indigno o trabalho manual e produtivo
para o branco e „nobre‟). Assim o Brasil nasceu como
um conjunto de latifúndios, monocultores, exportadores
e escravagistas.

Estas 4 características do Brasil, tão bem descritas


por Darcy Ribeiro e seguidas pela historiografia
brasileira, vigoraram durante os 500 anos da História do
Brasil depois da „descoberta‟. Assim, até quase 1700, o
Brasil existiu apenas para produzir açúcar para a
Metrópole portuguesa.

53
O Brasil colonial vai concentrar sua monocultura
no açúcar até por volta de 1657. Os holandeses,43 que
invadiram o Brasil em 1620, aprenderam a técnica da
produção do açúcar e, saindo em 1657, vão produzí-lo
nas Antilhas. Portugal já não tem, então, a quem vender
o açúcar. E nem quem o refine e comercialize na
Europa. Lembremos que sempre foi a Holanda quem
refinava e comercializava o açúcar português para a
Europa e que , com o refino e a venda lucrava mais do
que Portugal com a produção e transporte até a Holanda.
Agora Holanda e Inglaterra dominam o comércio
mundial44 e Holanda domina a produção e
comercialização também do açúcar.

Portugal lança-se, então, desde meados do século


XVII, a procurar, no Brasil, ouro e outros metais e
pedras preciosas para compensar o fracasso com a
monocultura do açúcar. O ouro seria a riqueza, uma vez
que os metais preciosos estavam escassos na Europa,

43
É importante lembrar que Portugal desde 1580 estava sob o domínio
espanhol (O Brasil, portanto, como colônia portuguesa estava sob o domínio da
Espanha). Os Países Baixos (Bélgica e Holanda) que também eram domínio
espanhol lutavam por sua independência. Para atacar a Espanha invadem o
Brasil em 1620 e aqui ficam, especialmente em Pernambuco, até 1657.
Holanda e Bélgica se independizam pelo tratado de Westfália (1648) que põe
fim às guerras de religião. Os holandeses que deveriam, portanto, ter deixado o
Brasil em 1648, só saem daqui em 1657, depois das lutas que Portugal lhes
move.
44
Em 1654 Portugal , por um tratado secreto, vai permitir à Inglaterra vender
todas as suas manufaturas (e a Inglaterra era a „oficina do mundo‟) em
Portugal e suas colônias e Portugal só poderá vender para a Inglaterra e suas
colônias vinho, azeite e bacalhau. O maior produto de Portugal ( o açúcar ) não
poderá ser vendido nos domínios ingleses. Este tratado será ratificado pelo de
Methuen em 1703.
54
considerando que a Espanha havia esgotado suas minas
do México e do Peru.

A primeira mina de ouro do Brasil é descoberta


em Cuiabá em 1693. E até às vésperas de 1800, o Brasil
produzirá toneladas e toneladas de ouro e pedras
preciosas para Portugal e, para isso, concentrará todos
os esforços e recursos. Será o século do ouro. Assim
crescerão as regiões de Minas Gerais e São Paulo e o
governo geral do Brasil deixará de estar na Bahia
(centro da produção açucareira) para localizar-se no Rio
de Janeiro. O gado que servia para a produção do açúcar
agora será alimentação para os trabalhadores das minas.
O charque e a carne de sol será a base dessa
alimentação.

É assim que nasce Pelotas no RS, onde os autores


residem, como centro charqueador do Brasil Meridional
em 1780. O gado introduzido no sul pelos jesuítas, já
não é levado vivo para São Paulo e Minas, mas é
conduzido para Pelotas, ali charqueado e enviado para o
centro do país bem como para Buenos Aires, Europa,
Estados Unidos e Antilhas.

A partir de 1800, esgotada a mineração do ouro, o


Brasil produzirá café e algodão para exportar,
especialmente para a tecelagem inglesa. Assim, os
imigrantes italianos, no final do século XIX, são atraídos
pelo interesse do Império e das Províncias Brasileiras,
para substituir a mão de obra escrava (em crise) nas
grandes lavouras de café do Sul do Espírito Santo
55
(região de Cachoeiro do Itapemerim), para S. Paulo e
Paraná e para povoar as terras de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul.

Em 1808, quando a coroa portuguesa, com a elite


da nobreza (15.000 pessoas) foge de Lisboa para o Rio
de Janeiro, para escapar dos exércitos de Napoleão, o
Brasil é reorganizado em função da corte.

O Brasil que não existia para si, mas somente para


a Metrópole, deverá ser agora modernizado: na
economia, na organização política, na estruturação
urbanística, nas artes, na cultura, etc. em função da corte
56
que agora reside aqui. O ensino primário do Rio de
Janeiro é incentivado.45 São abertas duas escolas de
direito e uma de medicina. Artistas são contratados para
embelezar estética e arquitetonicamente o Rio de
Janeiro. É incentivada a produção do café especialmente
nos atuais estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, sul
da Bahia e São Paulo... mais tarde também no Paraná.

A mão de obra era, na totalidade, escrava. Por


outro lado, a Europa já vivia os ares do capitalismo que,
por interesse próprio, era contra a escravidão. A
Inglaterra, centro do capitalismo pressiona para acabar
com a escravidão e consequentemente com o tráfico de
escravos, substituindo-os por mão de obra livre e
assalariada46. Com isso cresceria o mercado consumidor
para os produtos ingleses.

45
Depois da expulsão dos jesuítas ( mais de 500 do Brasil, 2.000 da América
Latina) em 1759 e 1767, realizada pelo iluminismo liberal de Pombal, primeiro
ministro português, o ensino primário no Brasil, especialmente, ficou um caos.
Eles eram os melhores professores, eles tinham os melhores manuais e
métodos, agora o ensino decairá. D. João VI, rei de Portugal veio com a mãe
D. Maria (a louca), avisado que foi pelo exército inglês de que a França
invadiria Portugal, veio trazido por navios ingleses e com um ministro inglês
encarregado das relações comerciais com a Inglaterra. Portugal era
praticamente uma colônia inglesa. Ao chegar ao Rio de Janeiro inúmeras
famílias foram desalojadas de suas casas para dar lugar aos 15.000 nobres que
chegavam. O Rio só tinha 45.000 habitantes.

46. Assim, para ter reconhecida a Independência declarada em 7/9/1822, o


Brasil, além de assumir a dívida que Portugal tinha para com a Inglaterra,
declarava também a intenção de abolir a escravatura. Em 1827 esse
compromisso é exigido pela Inglaterra para que o Brasil já não importe negros
escravos da África. Em 1849 pela lei Eusébio de Queirós o Brasil aceita não
mais importar escravos. Em 1861, tendo em vista a velhice dos escravos,
declara-se livre o sexagenário: o escravo com mais de 60 anos era livre. Isto é,
57
Inicia o incentivo à imigração: D. João VI,
através de um decreto de 25 de novembro de 1808,
assegura aos estrangeiros, pela primeira vez na história
do Brasil, o direito à propriedade de terras em território
brasileiro, e a distribuição gratuita de terras sob a
condição de que elas fossem imediatamente medidas e
cultivadas.

Em 1815 o Brasil (na mesma época e no mesmo


rumo da Conferência de Viena) é declarado Reino
Unido a Portugal e Algarves. E, para obedecer às
necessidades de mercado reclamadas pela produção
inglesa, o Brasil deveria, além de abrir os portos às
nações amigas (leia-se Inglaterra) em 1808, abolir
gradativamente a escravidão conforme cláusula de
compromisso assinado com a Inglaterra. Com efeito, o
escravo não tem dinheiro para comprar, e a Inglaterra
precisa do maior número de pessoas que tenham algum
dinheiro para comprar seus produtos. A Inglaterra havia
suprimido o tráfico de escravos (1807) e abolido a
escravidão (1833) nas Antilhas (suas colônias).

Assim a escravidão no Brasil vai diminuindo em


número por submissão aos interesses ingleses e por
exigência do capitalismo. Tudo isso porém, envolto num
discurso humanista e libertário ao estilo da Revolução
Francesa.

ficava livre o senhor daquele encargo. E livre o escravo para morrer de fome e
miséria.
58
É interessante observar que a independência do
Brasil (1822) não modificará em nada a condição dos
escravos bem como da maioria da população brasileira.
Apenas mudam os donos do poder.

Em 1818, segundo Perdigão Malheiro47, o Brasil


tinha 1.887.900 habitantes livres, (neles compreendendo
259.400 indígenas, quase todos marginalizados da vida
do país) e 1.930.000 escravos. Mais de metade da
população brasileira, portanto, era escrava.

Em 1826 o Brasil que, para ter reconhecida sua


independência declarada em 7.9.1822, havia pago a
dívida que Portugal tinha para com a Inglaterra, se
compromete a não mais importar escravos da África
(essa lei só foi promulgada em 1831). A Inglaterra, pelo
Bill Aberdeen de 1845 não só proibia por motivo de
„humanidade‟ a saída de escravos da África, como
também se autorizava a interceptar navios negreiros,
confiscá-los tanto no mar como na costa. A lei Eusébio
de Queirós de 1849, assim, determina para o Brasil o
fim do tráfico de escravos.

Continuará, porém, o contrabando de escravos.


Em 1861, é declarado livre o sexagenário: livra-se o
senhor de sustentar o escravo após os 60 anos, e o
escravo é livre para passar miséria e morrer de fome.
Em 1871, é declarado livre todo nascido de escrava, mas
seu senhor poderá contar com seu trabalho até aos 18

47
citado por Maranhão et alii in Brasil História, vol 2 pg. 273 .
59
anos para compensar o custo de sua criação. Em 1888 é,
finalmente, declarada extinta a escravidão no Brasil. A
escravidão formal foi extinta, as condições de
escravidão e semi-escravidão perduram, para alguns, até
os dias de hoje.

Dentro da revolução industrial (liderada pela


Inglaterra) a escravidão se tornou inútil, onerosa e
prejudicial. Mais barato e eficiente seria contratar um
empregado ou fazer contrato de parceria com imigrantes
para as fazendas de café.

Para substituir os escravos, pensa-se em


imigrantes europeus dos países industrializados. Assim
em 1819 chegam 1.666 colonos suíços( outros 350
haviam morrido na viagem) que se localizam na região
de Nova Friburgo no Rio de Janeiro48. Em 1824, o já
Imperador do Brasil D. Pedro I solicita a vinda de 1.000
rapazes alemães para o exército brasileiro. Alguns
ficaram no exército (guarda nacional) e outros (126)
vieram para o Rio Grande do Sul e iniciaram a primeira
colônia de imigrantes em S. Leopoldo.

3.3 - No Rio Grande do Sul

Em 1826 é criada para os alemães a colônia de


Três Forquilhas e a de Torres no RS, em 1828 a de S.
Pedro de Alcântara em SC, em 1828 a do Rio Negro no
PR, em 1829 a de Santo Amaro em SP.

48
De BONI e COSTA, 1979, pg 27.
60
Por outro lado os proprietários de latifúndios
(obtidos, ou por doação do Governo ou por estratagemas
cartoriais), subdividem suas propriedades em colônias e
vendem-nas aos colonos. Ao longo do rio dos Sinos
nascem Mundo Novo em 1847 (Taquara), Padre Eterno
em1850, Sapiranga e Picada Verão. Em 1846 Bom
Princípio, em 1848 Caí, em 1857 Montenegro e, por fim
Nova Petrópolis. Ao longo do rio Taquari, em 1853
surgem Lageado e Estrela, em 1868 Teotônia. A
Província cria em 1849 Santa Cruz e, em 1855 Santo
Ângelo (Agudo). Rheinghanz , em 1858 cria a colônia
de S. Lourenço, perto de Pelotas.

Quando, em 7/4/1831, o Imperador D. Pedro I


renuncia, entregando o Império ao filho ainda criança
(período da Regência...), os latifundiários, que eram
contra a colonização, forçaram os parlamentares a cortar
as verbas destinadas à imigração. Pelo Ato Adicional à
Constituição de 1834 “passou-se às Províncias, carentes
de recursos, o encargo de promover a vinda de
estrangeiros, esquecendo-se, além do mais, de dar a elas
no mínimo a condição fundamental para tanto: terras
(estas, enquanto devolutas, pertenciam ao governo
Imperial).

Só em 1848, pela lei 514, é que as Províncias


seriam contempladas com algumas léguas quadradas,
nas quais poderiam assentar colonos”...49 O RS recebeu,
como as demais províncias, 36 léguas quadradas de
terras devolutas, e com elas criou as colônias de Santa
49
De BONI e COSTA, 1979, pg 27.
61
Cruz, Santo Ângelo (Cachoeira), Nova Petrópolis e
Monte Alverne50. Os lotes foram doados segundo a lei
provincial 229 de 1851 e de acordo com a lei Geral 601
de 1850.

Em 1847, Nicolau Vergueiro, um latifundiário


cafeicultor de mentalidade liberal e que lutava contra a
escravatura, introduziu em sua fazenda em S. Paulo
imigrantes europeus, especialmente alemães: 80 famílias
com 400 pessoas, com um contrato de parceria.

O contrato foi burlado especialmente com a


obrigação de os colonos se abastecerem nos armazéns da
fazenda, de tal forma que os altos preços ali cobrados e
o baixo preço pago pelo café produzido, aprisionavam
os colonos a uma dívida que sempre aumentava. A
condição desses colonos assemelhou-se a dos escravos.
Em 1857, em 26 fazendas brasileiras trabalhavam 1.031
alemães, 1180 suíços, 616 portugueses e 88 belgas51. A
denúncia da condição de trabalho aqui, foi ouvida na
Europa e a Alemanha, Inglaterra, França e Suíça
proibiram ou dificultaram a emigração para o Brasil.

A lei de terras, Nº. 601 de 18/9/1850 e seu


regulamento de 1854 estabelecem que as terras já não
seriam dadas, mas vendidas aos imigrantes. Aos
brasileiros que não tivessem terra e especialmente aos
ex-escravos não era permitida a venda de terra. Assim se
mantinha o latifúndio e nas terras montanhosas, de

50
De BONI e COSTA, R .1979: 28 e 63.
51
FRANCESCHINI in GROSSELLI, 1987, pg 240.
62
matas, difíceis para a criação do gado, ficariam os
imigrantes. Essa lei possibilitava também a
naturalização voluntária dos imigrantes, após dois anos
de permanência no país e os dispensava das obrigações
militares.

De 1850 a 1867 quando saiu o decreto 3.784


incentivando a imigração, arrefeceu muito o fluxo de
europeus para o Brasil.

Os parlamentares escravocratas reforçaram a idéia


de que às Províncias cabia incentivar e apoiar a
colonização. As Províncias, porém, não dispunham de
recursos para isso. Entregavam a incumbência a
particulares. Mesmo após a lei 514 de 28/10/1848.
Assim, o Estado brasileiro entregava terras a particulares
para serem loteadas e vendidas aos imigrantes ao preço
de 1.500 réis ao hectare. As companhias particulares
organizavam a imigração e vendiam as terras entre
36.000 a 40.000 réis ao hectare. Algumas Províncias,
como o Rio Grande do Sul promoviam, elas próprias a
imigração.

O interesse pela imigração de europeus “autores


do desenvolvimento industrial e agrícola” em seus
respectivos países não era, porém, só do Brasil.
Argentina, Colômbia, México, Austrália, Estados
Unidos faziam propaganda buscando atrair esses
possíveis imigrantes. A guerra de propaganda na Europa
foi, às vezes, escandalosa, mentirosa e sempre incisiva,
com redes de informantes, aliciadores e representantes
63
em cada país, em cada pequena região de emigração. Se
o Brasil oferecia as melhores condições legais e de
intenções, os Estados Unidos ofereciam as melhores
condições objetivas. Assim, dos 5 milhões de alemães
que emigraram, apenas 140 mil vieram para o Brasil
(nem 5% ). De 1820 a 1926 entraram nas diversas
províncias brasileiras 4 milhões de imigrantes; nos EU ,
de 1820 a 1920 entraram 26 milhões de europeus; na
Argentina de 1857 a 1926 entraram mais de 3 milhões
de europeus 52. De 1819 a 1940 entraram no Brasil
253.846 alemães, 1.513.115 italianos e trentinos,
1.462.117 portugueses, 598.802 espanhóis53.

A ganância dos particulares, o fracasso de


colônias anteriores, a má fama de que o Brasil gozava na
Europa pelo não cumprimento dos contratos, além da
contra-propaganda de que aqui o clima era terrível, as
epidemias grassavam e o Brasil vivia em estado absoluto
de miséria e subdesenvolvimento, limitavam a
imigração.

Quatro são os fatores apontados por Grosselli para


o malogro da colonização até 1870:

“a falta de seleção dos imigrantes que muitas vezes eram


artesãos, soldados ou com outras profissões e que não se
adaptavam absolutamente ao cultivo da terra; a absoluta
falta de vias de comunicação que impedia a
comercialização dos produtos agrícolas; a localização de
muitas colônias em territórios de clima tropical, não

52
GROSSELLI, 1987, pg. 241
53
CARNEIRO in GROSSELLI, 1987, pg. 238.
64
adequados à colonização européia; a proximidade das
colônias aos latifúndios que desestimulava os colonos e
impedia o desenvolvimento da pequena propriedade”54

A economia brasileira precisava de mão de obra.


Os escravos já não entravam no Brasil no volume
necessário, tendo em vista o ataque permanente da frota
inglesa: em 1849 entraram 54.000 africanos e em 1852
somente 70055. O desenvolvimento capitalista era
incompatível com a escravidão porque ele exigia a
liberação de todos os fatores da produção: da mão de
obra, do mercado de matérias primas, de consumo, de
comércio...

O desenvolvimento europeu e norte-americano era


visto como sendo fruto da raça branca, indo-européia.
Por isso, pensava-se que, para alavancar o progresso no
Brasil, era necessário o ingresso de imigrantes brancos,
preferentemente alemães, ingleses, suíços, franceses,
belgas e do norte da Italia. Era preciso branquear a raça.

O mesmo fizeram a Argentina e o Uruguai


quando trucidaram os índios do interior para dar lugar
aos brancos que deveriam imigrar.

Imaginava-se que o branco que havia construído o


progresso europeu (apenas porque era branco), vindo
para cá, construiria aqui o mesmo progresso, sem levar
em consideração as condições em que se deu o

54
GROSSELLI, 1987, 238.
55
De BONI e COSTA, pg. 29
65
desenvolvimento desses países europeus. Como se o
progresso deles não estivesse ligado diretamente às
condições de troca de nossa matéria prima (paga a
preços cada vez mais aviltantes e fixados por eles) com
os produtos industrializados por eles (e cujos preços
cada vez mais elevados eram também fixados por eles).
Como se nosso modelo colonial, latifundiário,
exportador e escravagista fosse o mesmo que o da
Europa.

Por outro lado, deve-se salientar que os imigrantes


europeus vinham também com essa mentalidade que
explodirá, depois, nas motivações das duas guerras
mundiais, especialmente na segunda, onde o super-
homem que levaria a humanidade à perfeição seria o de
raça branca indo-européia...

Os italianos, que vieram depois de 1900, traziam


na lembrança as fracassadas guerras da Etiópia e Líbia
contra os negros que nunca se deixaram vencer56. Por
outro lado, o contato com os escravos, aqui, reforçou o
preconceito de que o negro é indolente, preguiçoso,
infiel, mentiroso... Como se, (e sem acatar a afirmação),
para sobreviver como escravo, houvesse outra
possibilidade...E como se a escravidão não fosse o mais
vil e mentiroso, desumano e brutal modo de viver e
trabalhar.

O Brasil insistiu, na primeira metade do século


XIX, em trazer alemães para criar, entre a população
56
MONTANELLI, Indro. L‟Italia di Giolitti, 1975, pg. 123 e ss.
66
portuguesa do RS e a espanhola do Rio da Prata, um
núcleo de desenvolvimento que servisse também como
um dique para as pretensões rioplatenses.57 A guerra
Cisplatina que o Brasil teve de 1818 a 1851, com a
Argentina, o recomendava. Assim de 1824 a 1889
entraram no RS 25.000 colonos alemães.

Surgiram, porém, dificuldades com as colônias


alemãs: dificuldades em se integrar à vida nacional, em
harmonizar sua cultura com a brasileira, em falar a
língua portuguesa. Os contatos constantes com a pátria
mãe, o fato de entre eles ter vindo não apenas
agricultores mas técnicos, intelectuais, homens de
ciência e de negócios facilitava sua auto-organização. A
tal ponto que a idéia surgida na Alemanha de criar a
Grande Alemanha com seus milhões de emigrados
espalhados pelo mundo, e acolhida aqui por apenas
alguns intelectuais, perturbou as autoridades do Império.
As idéias expostas num jornal de língua alemã dava
oportunidade de assim concluir.

A falta de comunicação, o exclusivismo da raça e


a conservação de suas tradições e religião protestante
levantou também a desconfiança especialmente da Igreja
Católica. A religião católica era a religião oficial do

57
Os colonos açorianos que foram trazidos por Portugal para Santa Catarina e
depois para o Rio Grande do Sul a partir de 1746, para povoar de uma vez essa
região reivindicada pelos castelhanos, localizaram-se na Barra do Rio Grande e
São José do Norte e, após o ataque de Ceballos de 1763 deslocaram-se para
Viamão e Porto dos Casais (Porto Alegre), para Rio Pardo, Triunfo e Taquari,
alguns para Pelotas. Foram ao todo cerca de 5.000 colonos. Lembremos que a
população do RS em 1800 era de cerca de 60.000 habitantes.
67
Império brasileiro dentro do Estado de Cristandade e na
institucionalização do padroado. O Sul do Brasil
poderia transformar-se numa zona dominada pelos
protestantes.

Os conflitos entre comunidades luso-brasileiras e


alemãs chegaram ao incêndio provocado na Exposição
teuto-brasileira, em São Leopoldo. de 188258. Era
preciso isolar o problema circundando as colônias
alemãs com colônias de imigrantes italianos (católicos)
e de outras nacionalidades.

Para incentivar a imigração o decreto imperial


n.3.784 de 19/1/1867 estabelecia: As novas colônias
seriam criadas pelo Estado, com a dimensão mínima de
15 hectares (até 60 hectares), podendo o imigrante
escolher o lote, ao preço de 2 a 8 réis à braça quadrada
(4.48m2) para os lotes rurais, e 40 a 80 réis para os lotes
urbanos. O pagamento podia ser feito à prestação (em
cinco anos) com o acréscimo de 20% e o título então
seria provisório. O colono tinha o prazo de dois anos
para residir e cultivar a terra, do contrário o lote iria a
leilão. O colono recebia com a terra, 20.000 réis como
auxílio para os gastos dos primeiros meses. Tinha a
chance de trabalhar em obras públicas (como abertura de
estradas) ao salário diário de 1.500 réis, sendo que o
Diretor vigiaria para que no mínimo cada adulto tivesse
a chance de 15 dias de trabalho remunerado por mês e
90 dias por semestre, dando preferência aos chegados
mais recentes.
58
Grosselli, 87 pg 243.
68
O colono receberia ainda, ferramentas, sementes,
auxílio para a derrubada das árvores para ter um espaço
a cultivar e erguer sua casa, sendo que esses valores
eram adiantamento para serem pagos junto com a terra e
naquelas condições. Se ele não tivesse como se sustentar
nos primeiros dias, o valor para isso também lhe seria
adiantado. Nas colônias não poderiam residir escravos
nem pessoas que tivessem escravos.

A colônia teria também um prédio para acolher os


colonos que chegassem e ainda não tivessem escolhido o
lote. Deveria ter um asilo para órfãos. E a colônia seria
dirigida por uma Junta Colonial composta de um
Diretor, um médico e 6 colonos que já houvessem
quitado suas obrigações financeiras.

Era uma lei excelente para os colonos,


considerando-se que, embora comprados, os lotes rurais
poderiam ser pagos com, aproximadamente, 80 dias de
salário por trabalhos nas estradas.

Mesmo assim não aumentou muito a migração


para o Brasil senão a partir de 1875, quando o Império
contratou com Joaquim Caetano Pinto Júnior ( contrato
assinado em 30 de junho de 1874) a introdução no Brasil
de “100.000 imigrantes alemães, austríacos, suíços,
italianos do norte, bascos, belgas, suecos, dinamarqueses
e franceses, agricultores, sadios, trabalhadores de boa
moral, nunca menores de 2 anos, nem maiores de 45,
salvo os chefe de família. Destes imigrantes, 20%
69
podem exercer outras profissões”(Cláusula I)59. E isto
num período de 10 anos, recebendo Caetano Pinto
120.000 réis para cada um dos 50.000 primeiros
imigrados, 100.000 réis para os 25.000 imigrantes
sucessivos e 60.000 réis pelos últimos 25.000. Observe-
se que os gastos totais de Caetano (incluindo
propaganda e pagamento de agenciadores, passagem e
toda a despesa de viagem ) não ultrapassava a 45.000
réis para cada imigrante.

As despesas todas estavam cobertas, nada


devendo ser cobrado dos colonos imigrantes, nem
mesmo a passagem e os lotes deveriam ser vendidos aos
preços estabelecidos no decreto 3.784. Pelo contrato, o
Império brasileiro se recusa a assumir outra
responsabilidade além das cláusulas do contrato. Os
custos, porém, desse empreendimento, levarão o
Império a suspender essas condições para a imigração (
e o contrato) em 1877, tendo em vista também a difícil
situação econômica do Brasil.

A Província do Rio Grande do Sul em 1870 vivia


uma situação bem diversa da encontrada ali pelos
imigrantes alemães em 1824: “A população provincial
saltara de 110 para 440 mil pessoas. Em vez de 5
municípios, eram agora 28, divididos em 73 paróquias60.
A cidade de Porto Alegre contava com 30.583
habitantes, segundo o recenseamento de 1872. O resto
59
GROSSELLI,1987, pg 250.
60
Lembremos que no Estado de Cristandade vigente no Brasil Império, a Igreja
e o Estado estavam ligados, sendo que a criação de municípios e paróquias era
atribuição do Estado, bem como o sustento dos padres e seminários...
70
da população dividia-se de modo muito desparelho pelo
solo gaúcho. Uma sexta parte dos habitantes residiam
na zona de colonização alemã. Nos campos de Cima da
Serra, a paróquia de S. Francisco de Paula contava com
5.360 habitantes, a de Vacaria com 5.755, e a de Lagoa
Vermelha com 4.744. No Planalto Médio, a de Passo
Fundo tinha 8.368 habitantes, a de Soledade 9.177 e a de
Cruz Alta 8.402. Maior população encontrava-se na
Depressão Central, no Litoral e na Campanha.
Entrementes, cerca de 87 mil quilômetros quadrados de
serras, na Encosta Nordeste e no Alto-Uruguai,
principalmente, permaneciam como terras devolutas”61.

A modernização do capitalismo industrial no


Brasil, muito embora ocorresse em função do
capitalismo europeu e norte-americano, tinha aqui
algum reflexo: havia já estradas de ferro, a rede
telegráfica que a acompanhava, um incipiente sistema
bancário, navegação fluvial e lacustre com barcos a
vapor que ligava Rio Grande, Pelotas, Porto Alegre,
Cachoeira, Rio Pardo, Taquari, Lageado e Caí,
Montenegro...

A produção pecuária era agora complementada


com produção agrícola das colônias alemãs.

“A economia cresce, a cultura toma lugar de destaque,


há uma assistência social organizada, o regime
educacional é bom, aparecem as bibliotecas públicas e
a Escola Normal torna-se estabelecimento modelo”62.
61
De BONI e COSTA. pg. 62
62
LAYTANO, in De Boni e Costa 79: 75.
71
As dissensões políticas haviam amainado: A
guerra dos Farrapos (1835-1845) terminava em paz e o
governo imperial voltava a investir em obras públicas na
região da Campanha. A Guerra do Paraguai (1865-1870)
já fora concluída. A revolta dos Múckers, na região
alemã fora apaziguada.

A lei Provincial 304 de 30/11/1854 já estabelecia


que os lotes não seriam mais doados aos colonos
imigrantes e sim vendidos, à vista ou no prazo de 5 anos
sem juros, haveria adiantamento para despesas de
viagem e auxílio para os primeiros meses, como vimos.
A hospedagem e o transporte desde Rio Grande seriam
gratuitos. O custo médio de um lote era de 120.000 réis
equivalente a: 80 dias de trabalho em obras públicas, ou
40 sacas de milho, ou 850 litros de cachaça, ou 350
galinhas, ou 130 kg de manteiga.63

Em 1869 a Província requereu ao Império a


concessão de mais duas glebas para colonização. Em
fevereiro de 1870 o pedido foi atendido e concedidas 32
léguas quadradas ao preço de 1 real à braça quadrada.
Em 24 de maio de 1870 o Presidente da Província criava
as colônias Conde d’Eu e Dona Isabel entre o rio Caí e
os Campos de Vacaria localizando uma à esquerda e
outra à direita da estrada dos tropeiros que ia de Maratá
ao rio das Antas.

63
GROSSELLI, 1987 pg 179.
72
Enquanto eram demarcados os primeiros 500 lotes
em Conde d‟Eu a Província do Rio Grande do Sul
contratava com Caetano Pinto a entrada de 40.000
imigrantes no espaço de 10 anos ao preço de 60.000 réis
para cada adulto e 25.000 réis para cada menor de 10
anos. Estes valores eram a diferença do preço da
passagem Europa-EU e Europa-Brasil. Essa vantagem
visava compensar o atrativo que os EU ofereciam e
assim procurar captar imigrantes para o Brasil.

Em 1872 chegam ao Rio Grande do Sul os


primeiros imigrantes trazidos por Caetano Pinto. São
1.354. Serão 1.607 em 1873. E 580 em 1874, e 315 em
1875; a custos elevadíssimos para a Província: 288
contos de réis, equivalentes a 1/6 de seu orçamento. Em
27 de outubro de 1875 a Província pedia ao Império que
assumisse as colônias Conde d‟Eu e Dona Isabel e que a
Província fosse reembolsada dos valores já gastos. O
governo imperial aceitou.

Em 1873 Conde d‟Eu tinha 80 lotes medidos e 20


cultivados. Em 1874 lá moravam 74 pessoas. Em 20 de
maio de 1875 chegam os primeiros imigrantes italianos
ou trentinos64.

64
A data oficial da imigração italiana é 20 de maio de 1875. Antes , porém ,
devem ter chegado alguns italianos e trentinos (então austríacos). A Província
do RS registra de 1859 a 1875 o ingresso de 729 italianos provindos de
Montevideo e Buenos Aires. Por outro lado, em Pelotas, RS, registra-se a
entrada dos primeiros imigrantes italianos provindos de Montevideo em 1843-
44, certamente por influência de Garibaldi que, nesta época havida deixado a
luta Farroupilha e com 1.000 cabeças de gado como pagamento vai vendê-las
em Montevideo. Em Montevideo é contratado para defender Montevideo
contra Buenos Aires, criando então seu exército de camisas vermelhas
73
Relação das principais colônias criadas no RS após
187065

(“camicie rosse”). Por informação dele os italianos de Montevideu emigram


para Pelotas. São cerca de 70, com ofícios urbanos (conforme nossa pesquisa
nos registros em Pelotas).
Por outro lado a presença de italianos no RS marcou a Revolução
Farroupilha (1835-1845). Fugindo da perseguição do Antigo Regime
reabilitado em 1815, e seguindo as idéias revolucionárias e socialistas de
Mazzini que defendia a “Jovem Itália” com um programa de: Unidade e
República e tendo como divisa: “Deus e Povo; Pensamento e Ação” Giuseppe
Garibaldi, marinheiro da Ligúria, vem para o Rio de Janeiro em 1835. Lá
encontra um grupo de italianos: Rossetti, Giovanni Battista Cuneo, Luigi
Carniglia, Domingos Torrisano e Castellini que são convencidos pelo Conde
Tito Livio Zambeccari a participar da Revolução Farroupilha no RS.
Zambeccari era chefe do Estado-Maior de Bento Gonçalves e havia sido preso
na batalha do Fanfa com Bento Gonçalves da Silva, Onofre Pires da Silveira
Canto e Corte Real e, com eles, enviado para o Rio de Janeiro. É assim que
Garibaldi entra na Revolução. Cuneo, residindo em Montevidéo intermediará a
ida de Garibaldi para aquela cidade em 1843 e provavelmente ambos
endereçarão para Pelotas um bom grupo de italianos que residiam em
Montevideo. Em 1/10/1873 surge em Pelotas a sociedade italiana “Unione e
Philantropia”. Pouco depois surgem a Sociedade de Socorros Mútuos “Circolo
Garibaldi”, a Sociedade Choral Italiana, a Sociedade Italiana 20 de Setembro e
são unificadas em 18/10/1883 sob o nome de Sociedades Italianas Reunidas
(nossa pesquisa).
65
Nossa (JZ) pesquisa nas prefeituras respectivas.
“A colonização no Espírito Santo, de modo geral, foi patrocinada
pelo Regime Imperial com a criação de quatro importantes colônias: Colonia
de Santa Teresa (1847), iniciada com imigrantes alemães; Colônia de Rio
Novo (1855) encampada pelo governo em 1961; Santa Leopoldina (1857) e
Colônia Castelo (1880)”65. Além dessas colônias, em 1895 havia 8 núcleos:
Costa Pereira, Afonso Cláudio, Antônio Prado (com as seções: São Jacinto,
Santa Maria, Mutum, Estrada de Baunilha, Baunilha Acima, Baunilha Abaixo e
Vila Colatina como centro comercial), Accioly Vasconcellos (com as seções:
Pau Gigante, Ubás, Triunfo, Esperança, Treviso, Café e Othelo tendo Linhares
como centro comercial) , Moniz Freire( com 6 seções na região do Rio Doce:
Cavalinho, Lagoa do Limão, Brasil, 7 de setembro,15 de agosto e Santo Emílio
e 6 seções na região do Riacho: Ribeirão, Retiro, Taquaral, Santo Antônio, São
Gabriel e Gabriel Emílio), Demétrio Ribeiro ( com 7 seções: Curubixá, 13 de
junho, Clotário, São Carlos, Alto Bérgamo, São Benedito e Tranqüilo), Santa
Leocádia e Nova Venécia.65

74
Colônias Criação Mudanças Emancip. Municípios
s Atuais
Conde d‟Eu 18 1875 - Imper. 1884 Garibaldi -
(Prov) 7 Carlos
5 Barbosa
Dona 24-5- 1875 - Imper. Bento
Izabel 18751875 1884 Gonçalves
(Prov)
Fundos Nova 11-3-1887 Caxias do Su -
Palmira 1875
- ( Colônia 1884 Flores da
Imper) Caxias Cunha –
Farroupilha -
S. Marcos
Encantado 1882 1915 Encantado -
(partic) Arroio do
Meio (1934)
-Nova Brescia
(1964)-
Guaporé
(1886) - Anta
Gorda (1964)
-Ilópolis
(1964) -
Capitão
(1992) -
Arvorezinha
(1964)
Relvado
(1992)
Silveira Martins 1877 1882 Silveira
- (Imperial) Martins
Alfredo Chaves 1884 Veranópolis -
(Imperial) Nova Prata -
Nova Bassano
- Cotiporã
Antônio 1885 Antônio Prado
Prado -
Imperial
Mariana 1888 Mariana
Pimentel Pimentel
(Imperial)
75
Guaporé 1892 1886 Guaporé -
(Partic) Muçum -
Serafina
Correa
Vila Nova de 1888 Vila Nova
Sto. Antônio
(Imperial)
Barão do 1888 Triunfo
Triunfo
(Imperial)
Jaguari 1889 Jaguari
(Imp)
Ernesto Alves 1890
(Imperial)
Marques do 1891 S. José do
Herval Herval
(Repúbl)
Marau 1892 Marau - Vila
(Partic) Maria
Nova Araçá 1892 Nova Araçá
(Particular)
Ciríaco 1892 Ciríaco
(Partic.)
Paraí 1892 Parai
(Partic.)
Davi Canabarro 1892 Davi
(Particular) Canabarro
Erechim 1908 Erechim -
(Partic.) Aratiba -
Itatiba do Sul
- Três Arroios
- Jacutinga -
Vila Áurea -
Viadutos -
Guarama
Severiano de
Almeida
Marcelino 1908 Marcelino
Ramos Ramos
(Particular)

Em síntese, o Brasil que aguardava os imigrantes


italianos e trentinos na década de 1870 era:

76
 Um império (o único na América; os outros
países da América se independizaram como repúblicas)
que produzia gado, café e algodão, sendo que no
passado tinha produzido açúcar e ouro para Portugal; em
latifúndios escravagistas e monocultores.
 Independente politicamente de Portugal desde
1822, vivia um neo-colonialismo capitalista dependente
especialmente da Inglaterra. Uma oligarquia rural lutava
para manter a escravatura e uma burguesia liberal
pretendia eliminá-la para adequar-se aos parâmetros do
capitalismo inglês e do liberalismo francês...
 A religião oficial do Império era o catolicismo
compreendido no horizonte do Estado de Cristandade e
nas concordatas do padroado. O liberalismo positivista e
maçônico já levantava suas teses: ensino público e não
particular, separação de Estado e Igreja, subordinação da
Religião ao Estado (bispos foram presos porque
acompanharam o papa na condenação à maçonaria),
anti-clericalismo, a religião tida como mentalidade
obscurantista e que não permite a „liberdade‟
preconizada pela Revolução Francesa; as ciências
„positivas‟ como única forma legítima de conhecimento;
a República (e não a monarquia) como única forma
democrática de governo...

77
3.4 A VIAGEM- para o Brasil –
para o RS –
para Dona Isabel (linha Janzen)

Os primeiros Dalla Vecchia que imigraram para


o Brasil estão ligados a Beniamino Dalla Vecchia
casado com Domenica Dalla Barba. Chegaram em 1877
dentro das condições de imigração acima descritas. Seu
destino primeiro: Linha Janzen, na Colônia Dona Isabel,
também chamada de Colônia Izabela (depois município
de Bento Gonçalves), RS.66

Beniamino e Domenica, em 1877, saíram do


interior de Montemezzo di Sovizzo, província de
Vicenza e, como todo emigrante, foram a Vicenza,
tomaram o trem para Milão, dali para Gênova.
Embarcados num navio a vapor, que substituía os navios
a vela, rumaram para o Rio de Janeiro com intenção de
ir ao Rio Grande do Sul. A preferência poderia ser a
Argentina, mas pelo fato de essa nação ter um regime
político republicano, o Brasil foi preferido porque
Império monárquico. Com efeito, os Dalla Vecchia, com
alguma ligação com a nobreza, não poderiam concordar
com um regime que ideologicamente era liberal,

66
Beniamino Dalla Vecchia, nascido aos 5/3/1819, em Montecchio Maggiore,
nas proximidades de Montemezzo, província de Vicenza, era filho de Ângelo
Dalla Vecchia e de Orsola Pozzan (conforme consta do Livro de Casamentos
da Paróquia S. Maria e S. Vitole pg. 41, número 3). Era neto de Antônio Dalla
Vecchia e de Maddalena Colla.Beniamino casou com Domenica Dalla Barba
nascida em 26/8/1820, em Montemezzo, Vicenza.
78
anticlerical, à semelhança das repúblicas e do
liberalismo na Europa.

Não se sabe ao certo quantos foram os dias de


viagem. Sabe-se que em alto mar Beniamino veio a
falecer e foi jogado às ondas. Sua mulher Domenica que
amamentava a filha Catarina, angustiada pela morte do
marido67, estancou o leite e a filha também faleceu.
Escondeu-a, envolta em panos, pretendendo enterrá-la
quando chegasse ao Brasil. O mau cheiro denunciou o
fato e o corpo da menina também foi jogado ao mar.
Restavam Domenica, os filhos Ângelo (com 18 anos) e
Pedro (com 14 anos).

Da ilha das Flores do Rio de Janeiro, com um


barco de navegação costeira que fazia a linha Rio-Porto
Alegre, passaram por Santos, Rio Grande e, pela Lagoa
dos Patos, chegaram a Porto Alegre.

Cerca de 3 dias em Porto Alegre e depois, com


um barco subiram até S. Sebastião do Caí, e depois: os
adultos a pé, as crianças e os que tinham dificuldades
para caminhar no lombo de mulas, subiram a Serra pela
estrada ou picada que ia de Maratá até Lagoa Vermelha.
Ao lado direito dessa estrada geral, um pouco antes do
rio das Antas, aguardava-os a Linha Janzen na Colônia

67
Entre os descendentes comentou-se que Domenica, por ignorância e medo de
que alguém pudesse acusá-la da morte do marido, pôs nos bolsos do falecido o
dinheiro razoável com que vinham e, assim, perdeu-se no mar a chance de uma
nova vida mais tranqüila na América.
79
Dona Isabel, que depois se chamará Bento Gonçalves e
hoje pertencente ao município de Farroupilha .68

4. NO BRASIL –

4.1- COLONIA DONA ISABEL - LINHA


JANZEN –

Na Linha Janzen os irmãos Dalla Vecchia e a


mãe, em dezembro de 1877 ou janeiro de 1878,
ocuparam os lotes 143 e 144. Enquanto as famílias
ficavam abrigadas no barracão comum aos imigrantes
em D. Isabel, os homens derrubavam o mato para os
primeiros plantios, quando o desmatamento não tivesse
sido já efetuado pelo próprio governo, com a mão de
obra dos imigrantes que chegavam primeiro.

A primeira casa? Galhos de árvore formando


um cercado, para proteger-se dos animais, um telhado de
folhas especialmente de gerivá (coqueiro), ou ainda uma
pequena barraca coberta com os lençóis do casal.

Até a primeira safra de milho, mandioca, feijão,


abóboras, trigo..., a fome rondava as precárias casas dos
imigrantes, muito embora o governo adiantasse algum
dinheiro para alimentação, sementes e ferramentas para

68
ZANOTELLI, 1997, pg. 103. A Linha Janzen, com sua Vila Janzen e sua
colônia hoje pertence ao município de Farroupilha.
80
os primeiros meses, como já dissemos. Pinhões
abundantes, caça e pesca, raízes e frutos do mato
aliviavam a situação.

Derrubado o mato, feita a semeadura, enquanto


não chegasse a safra, os irmãos Ângelo e Pedro
trabalhavam, como todo imigrante, na construção e
reparo das estradas federais, para o quê o governo
garantia 15 dias de emprego mensal nos 6 primeiros
meses. O salário era de 1$ 500 R (mil e quinhentos reis)
por dia. A terra era comprada do governo a 3 réis à
braça quadrada (4,84m2). O lote de terra de 25 hectares
(era uma colônia) poderia ser pago com cerca de 3
meses de salário. Ou pago depois de 5 anos de carência.

Quando não havia trabalho em obras do Império,


havia trabalho nas estâncias de gado de Vacaria que não
distavam muito dali. Foi assim que, segundo contam os
filhos de Ângelo , especialmente Maria Luiza, seu pai e
o tio Pedro trabalharam na estância do General Deodoro
da Fonseca, que foi depois presidente do Brasil e que,
então, desempenhava alta função militar no RS. A
estância dele ficava em Vacaria. Ângelo e Pedro
trabalhavam juntamente com escravos, na construção de
cercas de pedra. Ali eles aprenderam das escravas a
fazer queijos especiais utilizando a coalheira de vaca,
para coalhar o leite.

Na Colônia Izabela, um ano e meio depois da


chegada, Ângelo casou com Angela Serafini em

81
7/6/1880 sendo celebrante o P. Giovanni Menegoto69.
Angela era filha de Carlo Serafini e Maria Danda
naturais de Chiampo, Vicenza. Tiveram 15 filhos, sendo
que duas gêmeas faleceram pequenas e um menino
também morreu criança. Viúvo de Angela, Ângelo
casou, depois, com Fortunata Grazziola e com ela teve
mais 10 filhos, como se especifica na árvore
genealógica.

Alguns anos após, os Dalla Vecchia vão para a


nova Colônia de Encantado, então distrito de Estrela.

As fertilíssimas margens do rio Taquari e afluentes atraíram desde


cedo os Dalla Vecchia – Encantado.

69
Livro de Casamentos n.1 pg. 84 n. 34 Paróquia S. Bento de D. Izabela
(Bento Gonçalves). “Ângelo Dalla Vecchia, fu Beniamino e Domenica Dalla
Barba - de Montemezzo, Vicenza - nascido em 6.2.1860, residente na linha
Janzen, 143 da Izabela, contadino. Spozato a 7.6.1880 com Angela Serafini
figlia de Carlo Serafini e Maria Danda nascida em Chiampo, Vicenza em
2.8.1859, agricultora, menor. Pe. Giovanni Menegoto”.
82
Fertilíssimas várzeas do Rio Taquari entre Encantado e Roca
Sales

Primeira capela de Encantado, 1888 – in Ferri, Encantado, 17.

83
Igreja de Encantado em 1933. In FERRi, 100 anos pg. 61.

O altar mór desta igreja de Encantado foi feito por


Pedro Dalla Barba Dalla Vecchia. Hoje, este altar está
na capela de Lambari. Pedro e Ângelo foram
fabriqueiros desta Igreja de cujo lançamento da pedra
fundamental participaram. Aqui foram batizados e
crismados muitos Dalla Vecchia, incluindo Jandir João
Dalla Vecchia Zanotelli. O livro tombo relata muitas
atividades dos DV.

Pedro casou, nesta Igreja de Encantado, com


Catarina Censi com quem teve 3 filhos. Viúvo, casou

84
com Páscoa Censi com quem teve outros 11 filhos,
como se verá.

Igreja de Encantado em 2000 – Símbolo de fé e de identidade.

Esta foi a primeira paróquia da congregação dos


Carlistas, fundada especialmente para acompanhar os
imigrantes italianos que vinham para o Brasil. João B.
Scalabrini fundou-a em Milão, ao perceber o desamparo
daqueles emigrantes que abandonavam suas
comunidades e se aventuravam, sem guia espiritual
pelas florestas da América. Ele próprio visitou esta
paróquia depois.
Valdastico de Vicenza e Encantado lembram
sempre sua estreita relação, como se pode ver abaixo.
85
Placa comem. do Gemellaggio de Encantado e Valdastico em
1993. Giovanni Pretto , é pai de Rosa casada com Beniamino
Dalla Vecchia (filho de Ângelo). In FERRI, Gemel, pg. 126.

A Igreja de S. Carlos em Jacarezinho, Encantado.


86
4.2 DE JACAREZINHO – AUXILIADORA –
PARA O BRASIL

Para as colônias particulares abertas em Estrela,


que compreendia o atual município de Encantado com
as colônias de Jacaré, Jacarezinho, Capitão, os irmãos
Angelo e Pedro Dalla Vecchia descem desde a Linha
Janzen para Jacarezinho (linha N. S. Auxiliadora) no
início da década de 1890.

Capela de Nossa Senhora Auxiliadora - em Jacarezinho

Na onda de expansão da colonização no RS, os


Dalla Vechhia seguem o seguinte roteiro:
87
 1877 chegam à Colônia Izabela (hoje Bento
Gonçalves) e se instalam na Linha Janzen;
 1882-1892 deslocam-se para a Colônia Jacaré,
em Encantado, e situam-se na linha
Jacarezinho (N.Sra. Auxiliadora), onde até
hoje permanece um núcleo de descendentes.
A data mais provável da descida da Colônia
Izabela para Encantado é 1891.
 1908, fundada a colônia de Erechim (então
Paiol Grande) e a de Marcelino Ramos ao
norte do RS, alguns se deslocam para lá. A
maioria dos Dalla Vecchia, especialmente de
Pedro, migra para Erechim (Barra do Rio
Azul, linha Pinhão) no final da década de
1930;
 Nessa mesma década alguns Dalla Vecchia
migram de Encantado ou de Erechim para as
colônias recentemente abertas no Oeste de
Santa Catarina e Paraná70;
 Posteriormente, e especialmente depois de
1960, a migração dos Dalla Vecchia se fez
para todo o Brasil, notadamente para o Paraná,
Mato Grosso, São Paulo, Rio de Janeiro e
Bahia; um grupo de Dalla Vecchia,
especialmente vinculados a Carlos, filho de
Pedro, no final da década de 1990 deslocou-se
para Rondônia.

70
Sirva como exemplo: Beniamino ou Benjamim, o filho primogênito de
Ângelo que, em 1932 sai de Encantado e fixa-se em Ponte Serrada, município
de Cruzeiro (atual Joaçaba) no oeste de Santa Catarina..
88
 Atualmente, no contexto de modernização e
urbanização do Brasil, os Dalla Vecchia, já
não podem ser identificados como
prioritariamente agricultores, muito embora os
Dalla Vecchia trazem na alma e nos calos das
mãos o gosto rude da terra. Dentre eles há
muitos intelectuais, sacerdotes, profissionais
liberais, artistas, comerciantes, políticos,
industriais, pecuaristas...71

71
Benjamim Dalla Vecchia, filho mais velho de Ângelo Dalla Vecchia e
Angela Serafini, casado com Rosa Pretto, nascido em Linha Janzen, Bento
Gonçalves, e tendo migrado para Jacarezinho no final do século XIX, saiu de
Jacarezinho (Auxiliadora) para Xapecozinho, município de Cruzeiro ( hoje
Joaçaba) em 1932. Acompanhado de seus filhos (eram 11), sendo que as filhas
freiras Maria, Ana e Pierina, ficaram nos conventos do RS. Com toda a
mudança carregada num pequeno caminhão Chevrolet, num Domingo à tarde
de abril, deixa Jacarezinho e sobe até Passo Fundo onde chega 3 a.feira ao meio
dia (A distância entre essas localidades não superava a 200 kms). Toma o trem
(Maria Fumaça) 4a. feira às 22 hs., e, passando por Marcelino Ramos, chega
em Cruzeiro na 5a. feira à tardinha. Na 6a. feira, com outro caminhão
Chevrolet, viaja (90 kms.) para Ponte Serrada, chegando lá Sábado à tarde. Na
memória desses migrantes permanece viva até hoje a imagem da chuva, dos
atoleiros, da quase inviabilidade das estradas e picadas.
De 9 de abril até final de maio de 1932, a família de Benjamim, é
hospedada em casa de João Dalla Vecchia (de alcunha João Sapateiro) que era
irmão de Benjamim. Era casado com Maria Spezato e já residia há alguns anos
em Ponte Serrada. Dias depois da chegada, João e Antônio filhos de
Benjamim, acompanhados do tio João (Sapateiro) deslocam-se até
Xapecozinho onde já residia Ângelo Dalla Vecchia (filho de Pedro Dalla
Vecchia), casado com Leonora (Nori) Dellazzari e que já residia ali há alguns
anos, para localizarem a gleba de Benjamim e construirem nela uma casa.
Benjamim comprara as terras da Cia. Ângelo de Carli em Caxias do Sul que,
por sua vez adaquirira a área (Fazenda Ressaca) de Zeferino de Almeida
Bueno, um grande fazendeiro de Palmas. Pronta a nova moradia (uma casa de
madeira de 9,50m por 6 ms.) para lá vai a família de Benjamim e ali fica até
1971.Benjamim morre em Xapecozinho em setembro de 1949. Os filhos casam
e se dispersam pelo Brasil. Antônio, em 1971 se desloca para a cidade de
Anchieta. Duas observações que Antônio guardou até hoje: por muitos anos era
grande a saudade do Rio Grande (as comunicações eram dificílimas); os
89
Em tudo, o trabalho dos Dalla Vecchia lembra o
lema : esser Paron

O trabalho em mutirão ou “puxerão”, era costume


benfazejo entre os imigrantes, com tradições na vida
missioneira do RS.

A entreajuda para cuidar dos doentes, para assistir


as viúvas, para compor um pequeno dote para o
casamento, etc. marcará a vida dessas comunidades.

Mesmo residindo uns ao lado dos outros e não


como acontecia na Itália em que as famílias viviam num
vilarejo e trabalhavam ao redor dele, o sentido
comunitário continuou o horizonte de vida desses
imigrantes. Quando a participação na comunidade se
fizesse difícil, difícil se tornava a vida de cada um.

Depois de muitos encontros-desencontros com um


Brasil republicano onde o público e o estatal se

“caboclos” da região tinham viva lembrança da luta do Contestado. ( Esta,


como se sabe, foi a luta encarniçada dos colonos, posseiros e pequenos
serradores, contra a concessão dada à companhia inglesa que construiu a
estrada de ferro pela qual esta podia explorar a madeira dos pinheirais e as
terras na faixa de 15 km de cada lado da ferrovia, além de amplas fazendas que
essas companhias haviam adquirido do governo em terras que eram
reivindicadas simultaneamente pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. Os
colonos , “posseiros” , eram liderados por José Maria sucessor de João Maria,
que os colonos chamavam de “São João Maria”, foram, ao final massacrados
pelo exército brasileiro (de 1911 a 1915) a mando do General Fernando
Setembrino de Carvalho, o mesmo que terminou a Revolução gaúcha de 1923.
Ponte Serrada fica bem próximo de Irani e Taquaruçu, principal lugar de
enfrentamento).

90
confundem, o caráter comunitário original faz falta para
encontrar saídas à participação política, não só para
estas famílias, mas para as perspectivas da nacionalidade
brasileira.

Os Dalla Vecchia em mutirão para arrumar as estradas no início


do século XX: Modalidade de pagamento de imposto territorial
mediante dias de trabalho arrumando as estradas. Instrumentos de
trabalho: pá, picareta, enxada. José Censi DV (capataz), Quinto
Lorenzon, Batista DV ( irmão de José), Leonel DV (filho de
Pedro, neto de Ângelo), Mário DV (filho do capataz), Constantino
DV (irmão de Leonel), Genuíno DV (filho de Luiz, neto de
Ângelo), Remígio DV (filho de José, capataz, irmão de Ivo DV e
de Padre Avelino DV. Arrumar as estradas, especialmente logo
após as chuvas da primavera era obrigação, festa e vinculação à
administração política do município. O capataz do grupo será
valorizado.

91
Aspectos de Jacarezinho, Encantado.

As terras à esquerda pertenceram a Antônio Vicenzi Dalla


Vecchia, filho mais velho de Pedro. Pedro, com sua numerosa
prole continuou a viver até a morte, quatro quilômetros acima
neste mesmo vale. As montanhas ao fundo foram de João
Zanotelli cujo filho Leonel casou com Ana Catarina Dadalt Dalla
Vecchia, filha de Antonio.

Na foto Vinícius e Rosana Zanotelli, Agenor Zanotelli e Ruth


Zanotelli casada com estwe autor Jandir J. Zanotelli. O asfalto
facilitou a vida desses descendentes italianos. A modernidade se
faz presente não só nos equipamentos disponíveis como TV,
internet, automóveis, mas no próprio modo de viver

92
Em Jacarezinho, entre a Igreja de S. Carlos e a
de N.S. Auxiliadora, numa casa semelhante a essa, em
frente a qual estão situados os descendentes de Zanotelli
Dalla Vecchia nasceram João Zanotelli, seu filho Leonel
Zanotelli e o neto Jandir João Dalla Vecchia Zanotelli.

De Jacarezinho, alguns Dalla Vecchia irão para


Erechim, Marcelino Ramos e para o Oeste Catarinense,
Xapecozinho, fundos da fazenda Ressaca. Xapecozinho
teve como primeiro habitante Angelo, filho de Pedro,
irmão de Antonio. As dívidas fizeram com que, com
quase nada, se mandasse para os fundos dos sertões do
Oeste Catarinense, para tentar nova vida.

93
A cachoeira do rio Xapecozinho em Santa Catarina dividia as
terras de Ângelo DV filho de Pedro (acima) e moviam seu
alambique, das de Benjamim Serafini DV(abaixo).

Xapecozinho, hoje D. Carlos, para onde os DV emigram em


1932.

94
Antonio, solidário nas dívidas do irmão Ângelo, pagou
as dívidas com o suor de todos os filhos. Cinquenta
anos depois, Angelo, retornou ao Pinhão, para onde
havia migrado Antônio, reencontrou o irmão Antonio
para uma reconciliação.

A família de Benjamim Dalla Vecchia cc Rosa Pretto que


emigrou para Santa Catarina com os filhos João, Antonio e André
e as filhas Maria, Ana, Ema, Pierina, Gema, Olinda e Helena

A criação da cidade, com suas igrejas, seus


moinhos e serrarias encontrava sempre o trabalho
operoso dos Dalla Vecchia

95
Igreja de Xapecozinho.
O primeiro à direita é Antonio Luiz Dalla Vecchia filho de
Benjamim DV, este filho de Ângelo. À esquerda, o último é
Ângelo Dalla Vecchia filho de Pedro DV.

96
Xapecozinho– casa de Antonio Dalla Vecchia –construída por
elel próprio. Terras novas desafios e auto-determinação, e a
capacidade técnica aprendida junto aos pais, abrem espaço.

Bodas de ouro de Antonio e Dosolina com os filhos

97
`Filhos de Antonio: Fiorindo, Faustino, Antonio,
Dosolina, Sírio, Agostinho e Vendelino..

Antônio, Ir. Pierina, Ir. Ana, João e Helena Dalla


Vecchia, filhos de Benjamim e netos de Ângelo
Dalla Barba Dalla Vecchia.

98
Igreja de Barra do Rio Azul, município de Erechim, RS, para
onde emigraram Dalla Vecchia em 1938. Ruth, revendo raízes.

Residência de Emílio Bagatini, c.c. Maria Dadalt Dalla Vecchia,


filha de Antônio e neta de Pedro, na Barra do Rio Azul

99
Em Barra do Rio Azul, na casa de Maria Dadalt Dalla
Vecchia casada com Emílio Bagatini aparecem, sentados: Maria
Dadalt Dalla Vecchia e Emílio Bagatini com a neta. De pé:
Itelvina Dalla Vecchia Zanotelli e Jandir João DV Zanotelli, netos
de Antônio e bisnetos de Pedro Dalla Barba DV.

Emílio e Maria seguiram Antonio Censi Dalla


Vecchia quando, em 1938 migraram de Jacarezinho para
Erechim, especificamente para a Linha Pinhão e Barra
do Rio Azul. Carlos, o irmão de Antônio, também foi ao
Pinhão. Mais tarde Carlos e filhos foram para Santa
Catarina e Oeste do Paraná.

100
A linha Pinhão – Barra do Rio Azul – vista do alto –. Para aqui
Antônio Dalla Vecchia e Francisca Dadalt migraram em 1938. Na
foto Itelvina neta de Antônio e seu marido Basílio Michelon

Segue a relação mais pormenorizada de Ângelo


(II) e de Pedro (III) Dalla Vecchia

101
102
II - DESCENDENTES DE ANGELO DALLA
BARBA DALLA VECCHIA

Casado com Ângela Serafini, Ângelo teve os 14


Família de 1. Benjamim c.c. Rosa Pretto. 2.Luís c.c.
filhos a seguir:
Fortuna Bagatini 3. João c.c. Maria Spezzatto. 4. Carlos
c.c. Augusta Dadalt. 5. Pedro c.c. Vitória Buvié. 6.
Maria (freira). 7. Luiza (freira). 8. Rosina (freira). 9.
Pierina c.c. Luciano Dellazzari. 10. Ermínia c.c. Eurico
Fontana. 11.Ricardo c.c. Rosa Dellazzari. 12. Antonieta
c.c. Ângelo Mazziero. As de número 13 e 14: meninas
gêmeas, morreram crianças.

Viúvo, Ângelo casou com Fortunata Grazziola


com quem teve dez filhos: 1. Ângela, faleceu solteira. 2.
Dosolina c.c. Albino Buvié. 3.Josefina c.c. Martin de
Conto. 4. José (Beppi del Buso) c.c. Fiolomena Berti. 5.
Maria Luiza (freira). 6. Inês c.c. Luís de Conto. 7.
Augusto c.c. Ana de Conto. 8. Jorge c.c. Elvira Tiecker.
9. Gema c.c. Albino Grazziola. 10. Romana (solteira).

103
Família de Angelo Dalla Barba Dalla Vecchia e Fortunata
Graziola: José, Augusto, Ângela, Maria Luiza, Inês, Gema,
Dosolina, Josefina, Romana e Jorge. Fortunata, sentada, está com
uma criança no colo e Ângelo com suas botas características.

Ângelo Dalla Barba Dalla Vecchia, filho de


Beniamino Dalla Vecchia e Domenica Dalla Barba,
nasceu em Montecchio Maggiore, Montemezzo,
Vicenza, em 6.2.1860. Veio ao Brasil com o irmão
Pedro e a mãe. O pai e a irmã Catarina morreram na
viagem, no mar. Casou com Angela Serafini e, viúvo,
com Fortunata Grazziola em Jacarezinho. Teve 24
filhos.

104
A seguir, os filhos de Ângelo com a respectiva
descendência:

1. Benjamim Serafini Dalla Vecchia, cc Rosa


Pretto, na Linha Auxiliadora, Encantado. Em 1932 foi
para Xapecozinho, SC. Teve 11 filhos: 1.Maria (freira);
2.Pierina (freira); 3. Ana (freira); 4. João cc Idalina
Fachinelo Destri; 5. Antônio cc Dosolina Bocchi; 6.
André (+ solteiro); 7. Olinda cc Aquiles Mazzotti; 8.
Helena cc Genuíno Gugel; 9. Valentim (+ solteiro) 10.
Inês cc Abel Macagnan; 11. Gema cc Primeto Basanella.

105
Família de Benjamim Serafini Dalla Vecchia cc Rosa Pretto.

Irmã Pierina (Santos SP) Ir. Maria (Encantado RS), Ir. Ana
(Casca RS), com a mãe Rosa Pretto Dalla Vecchia, sendo que as
irmãs são netas de Angelo Dalla Vecchia

106
A viúva Rosa Pretto com os netos em Xapecozinho, Santa
Catarina.

Acima - Antonio, Ir. Pierina, Ir. Ana (50 anos de opção


religiosa), João e Helena: irmãos, fillhos de Benjamin Serafini
Dalla Vecchia e Rosa Pretto.
107
João Pretto Dalla Vecchia cc Idalina Dalla Vecchia

Dosolina Bocchhi cc Antonio Pretto Dalla Vecchia

108
Ao lado de Padre Foscalo está José Pretto (Tita Galina), pai de
Rosa casada com Benjamim Serafini Dalla Vecchia

Família de Antonio Pretto Dalla Vecchia e Dosolina Bocchi Dalla


Vecchia, em Anchieta SC, com os filhos, da esquerda para a
direita: Vendelino, Agostinho, Ércules, Sírio, Faustino, Fiorindo.

109
Fiorindo Bocchi Dalla Vecchia (à esquerda) cc Adelaide Capeletti
e seus oito filhos

Ir. Faustino Bocchi Dalla Vecchia sendo recebido


por João Paulo II no Vaticano.

110
Regina, Ir. Pierina, Ir. Faustino e Ir. Rosina todos Dalla Vecchia.

Sírio Bocchi Dalla Vecchia cc Lurdes Gubert

111
Ércules cc com Edna de Mello. Os filhos:Alexander de Mello
Dalla Vecchia cc Selma Valkíria Alves Dalla Vecchia com a filha

Lisandra. Fabiana de Mello Dalla Vecchia cc Émerson de Souza


Bueno com o filho Caio Felipe Dalla Vecchia Sacardi Bueno e
Simone Dalla Vecchia

112
2. -Luiz Serafini Dalla Vecchia, casou com
Fortunata Bagatini, em Encantado e teve 7 filhos: 1.
Albino cc Ítala Pretto; 2. Clemente cc Gema Zanotta; 3.
Guerino cc Cândida De Conto; 4. Rafael cc Messia
Lorenzon; 5. Maria cc Guido de Conto; 6. Madalena cc
Martin Pederiva; 7. Ângelo falecido pequeno.
(Em ordem, da esquerda: Maria, Fortunata, Madalena,
Albino, Luis e Angelo)

Ângelo Baagatini Dalla Vecchia,


filho de Luiz e neto de Ângelo
Dalla Vecchia. (4.7.1911 –
4.6.1965

113
3-João Serafini Dalla Vecchia, casado com Maria
Spezato, era sapateiro na Linha Macaquinho,
Encantado. Teve dificuldades para saldar dívidas de
empréstimo e foi morar em Ponte Serrada SC. Teve 3
filhos: 1. Belarmino; 2. Angelo (Angelin); 3.
Gomercindo

4.Carlos Serafini Dalla Vecchia e sua esposa


Augusta Dadalt. Casou na Linha Auxiliadora, foi
morar em Pinhão – Aratiba (em 1938) juntamente
com seu Genro João Dellazari), e depois em Nonoai.

Filhos: Antônio (comerciante na Barra do Rio Azul),


Virgínio, Martin.
114
Carlos Dalla Vecchia e família como diz a foto

5.Pedro Serafini Dalla Vecchia, casado com Vitória


Buvié viveu na Linha Auxiliadora, Encantado e teve 12

filhos: 1. Leonel cc Elza Zanatta; 2. Rita cc Desidério


115
Dellazzari; 3. Rosália cc Leonel Valandro; 4. Nairton cc
Maria Grazziola; 5. Romildo cc Nair Lorenzon; 6.
Paulina cc Dionísio Sbarderoto; 7. Marta cc Romano
Grazziola; 8. Galdino cc Ana Grazziola; 9. Constantino
cc Josephina (Pina) Flech; 10. Elza cc Orestes Conte;
11. Gila cc Remígio Grazziola; 12. Lídia cc Egídio
Grazziola.

116
Pais e irmãos da esposa Leonel Dalla Vecchia,Elza Zanata ; fotos
da família de Leonel, filho de Pedro e Neto de Angelo Serafini
Dalla Vecchia.

6. Maria Serafini Dalla Vecchia, filha de Ângelo e


Angela Serafini, foi freira do Imaculado Coração de
Maria.

7. Luiza Serafini Dalla Vecchia, freira da


Congregação do Imaculado Coração de Maria

117
8.Rosina Serafini Dalla Vecchia, irmã carlista,
trabalhava em hospital. Faleceu em Jundiaí SP

9.Pierina Serafini Dalla Vecchia, casada com


Luciano Dellazzari, na Linha Sagrada Família em
Encantado, teve 2 filhos: Anselmo e Gema.

118
10.Ermínia Serafini Dalla Vecchia casada com
Eurico Fontana e seus três filhos: Deosene, Erasmo e
Mercedes.

11.Ricardo Serafini Dalla Vecchia, casado com


Rosa Dellazzari, foi residir em Marau RS e teve 4 filhos:
1. Adolfo; 2. Alício; 3. Angélica; 4. Otávio.

12. Antonieta Serafini Dalla Vecchia (Tonina),


casada com Ângelo Mazziero, residiu em Lageadinho,
Encantado
13. Gêmea –faleceu criança
14. Gêmea – faleceu criança.

119
DESCENDENTES DE ANGELO DALLA BARBA
DALLA VECCHIA CASADO COM FORTUNATA
GRAZZIOLA

15. Angela Grazziola Dalla Vecchia, faleceu solteira

16. Dosolina Grazziola Dalla Vecchia cc Albino


Buvié

17. Josefina Grazziola Dalla Vecchia cc Martin de


Conto

18. José Grazziola Dalla Vecchia (Bepi del Buso) cc


Filomena Berti. Produzia mel famoso, é lembrado pelos
companheiros de quatrilho e pelo acerto do pagamento
120
das talhas até o último palito. Recebia com amendoim e
batata doce em longas noites de inverno. (informou Ivo
DV e Leonel Z.)

2.19. Maria Luiza Grazziola Dalla Vecchia, ir.


Aquilina em Vale Veneto.

Maria Luiza à frente, Lídia Dalla Vecchia, Olinda, Ida e Romana

20. Inês Grazziola Dalla


Vecchia cc Luiz de Conto

121
Acima, fotos da família de Leonel Dalla Vecchia

122
Família de Martin Pederiva casado com DV

21. Augusto Grazziola Dalla Vechia cc Ana De Conto

22. Jorge Grazziola Dalla Vecchia cc Elvira Mekel


Viúvo, casou com Amélia Bertozzi

23. Gema Grazziola Dalla Vechia cc Albino


Grazziola

24. Romana Grazziola Dalla Vecchia (solteira)

123
III = DESCENDENTES DE PEDRO
DALLA BARBA DALLA
VECCHIA
Reordemos que a família Dalla Vecchia provém
da cidade e da República de Veneza. No século XIII
desloca-se para o interior de Vicenza, localizando-se nas
montanhas desde Schio, Lê Rocchete e Montemezzo.

Na onda migratória do final do século XIX, um


grupo de Dalla Vecchia vem para o Brasil.

A maioria dos Dalla Vecchia do Rio Grande do


Sul sabe-se descendente dos irmãos Pietro e Ângelo
Dalla Vecchia.

Pietro e Ângelo vieram em 1878 acompanhados


pelos pais Beniamino Dalla Vecchia e Domenica
Fantoni Dalla Barba, bem como de sua irmã de meses
de idade Catarina Dalla Barba Dalla Vecchia.

Sabe-se que Beniamino morreu na viagem e foi


jogado ao mar. A filhinha, definhando o leite da mãe
também morreu na viagem.

124
Beniamino é filho de Ângelo Colla Dalla Vecchia
e de Orsola Pozzan72. Ângelo tinha sete (7) irmãos:
Rosa, Maddalena, Verônica, Palma Oliva, Giovanni,
Cornélio e Pietro Luigi.

Ângelo, por sua vez, é filho de Antonio Dalla


Vecchia e Maddalena Colla, e tinha uma irmã chamada
Virginia.

O casal de imigrantes Beniamino Dalla Vecchia73


e Domenica Dalla Barba74, vem, pois, com os filhos
Ângelo75, Pietro76 e Catarina. Beniamino e Catarina
morrem na viagem.

Segue a história dos descendentes de Pietro


(Pedro)

72
Livro de Casamentos da Paróquia Santa Maria e S. Vitola pg. 41, nº 3
(Montemezzo, Itália)
73
Beniamino nasceu em 05/03/1819 em Montemezzo, Montechi Maggiore –
Vicenza Itália e morreu no mar em 1878
74
Domenica nasceu em 26 de agosto de 1820 e o casamento com Beniamino
aconteceu em 23/02/1859. Cf. Livro 1 Casamentos da Paróquia Santo Antonio
de Bento Gonçalves RS (Izabela) pg 84, nº 34. Conforme tb. Registro do
Estado Civil da Paróquia de S. Bartolomeo, em Montemezzo de Sovizzo dos
anos de 1849 a 1870 nº 2.
75
Ângelo nasceu em 06/02/1860 em Montecchi Maggiore, Montemezzo,
Vicenza Itália e faleceu em 05/08/1946 em Jacarezinho, Auxiliadora,
Encantado RS onde está sepultado.
76
Pietro, nasceu em Montemezzo, Vicenza, em 25 de fevereiro de 1864 e
faleceu em Jacarezinho, Auxiliadora, em 05/11/1940.
125
Pedro Dalla Barba Dalla Vecchia, irmão de Ângelo,
casou com Catarina Censi77 e com ela teve 3 filhos:
77
Pedro casou com (Catarina) Luzia Censi filha de
Francesco Censi e Catharina Maziero, em 11 de fevereiro de
1888, em Encantado, casamento, “intra missam” presidido pelo
padre João Menegotto, sendo testemunhas Ezichiel Conzatti e
João Batista Rossi conforme Livro 1 de Casamentos de
Encantado pg. 76, nº10. Viúvo, casou com a irmã de Luzia Censi,
Páscoa, nascida em 23 de maio de 1876 e falecida em 19 de julho
de 1942

126
1.Antônio c.c. Francisca Dadalt. 2. Ângelo c.c. Leonora
(Nori) Dellazzari. 3. Catarina c.c. Pedro Dellazzari.

Viúvo, casou com Páscoa Censi e com ela teve 12


filhos: 1. José c.c. Catarina (Catina) de Conto. 2. Luís
c.c. Marta de Conto. 3. João c.c. Josephina Tiecher. 4.
Augusto c.c. Elvira Turati. 5. Vitório c.c. Ângela
Spezzatto. 6. Batista c.c. Rosa Bagatini. 7. Sílvio c.c.
Maria Mússio. 8. Atílio cc Angelina Bagatini. 9. Lúcia
cc João Buvié. 10. Maria cc Pedro de Conto. 11. Rosa
cc Afonso de Conto. 12. Luiza c.c. Cesar Tiecher.

Pedro Dalla Barba Dalla Vecchia, à frente ao lado de Padre


Foscalo; do outro lado do sacerdote
3 está
2 Giovanni
1 4 Batista Pretto
(Tita Galina), e o maestro Ângelo Bergamaschi, com o coral de
Encantado em 1929.

127
Pedro era músico, agricultor, carpinteiro e muito
respeitado em todas estas profissões. Dirigia o coral da
capela, participava do coral de Encantado. O altar da
Igreja de Encantado foi produzido e esculpido por
Pedro. Os instrumentos de trabalho também foram
criados por ele.

O manguá em mãos do neto de Pedro, evidencia a


engenhosidade da ligação dos bastão que além de bater
sobre o feijão a debulhar, deveria rodar sobre si mesmo.
Este instrumento foi feito e utilizado por Pedro.

128
O ancinho é também obra de Pedro.

129
A pá, de cedro, para joeirar o feijão, feitura original de Pedro

Lápide de Pedro e Páscoa Censi, no cemitério da capela da


Sagrada Família, Jacarezinho, Encantado.
130
1.Antônio Censi Dalla Vecchia, o primogênito de
Pedro, nasceu em 1888, casou com Francisca Vicenzi
Dadalt e com ela teve 12 filhos: 1.Albino cc Cesarina
Bagatini; 2.João cc Maria Bagatini; 3. Maria cc Emílio
Bagatini; 4 Ana cc Leonel Zanotelli; 5. José cc Amélia
Cecchin; 6. Ângelo cc Leonilda Albertoni; 7. Rosa cc
José Frigeri; 8. Vitório cc Élia Ferranti; 9. Inês cc José
Muccelin; 10. Augusto cc Maria Pilatti; 11. Avelino cc
Nair Dalla Rosa; 12. Davide falecido aos 6 anos.
131
t
2. Ângelo Censi Dalla Vecchia
(fundos), cc Leonora Dellazzari
(Nori), nasceu em Jacarezinho
(Auxiliadora) construiu um moinho na
Auxiliadora, teve seus negócios
conturbados; foi morar em Vargeão,
Xapecozinho, Santa Catarina onde
instalou alambique, além de trabalhar
com barca sobre o rio Xapecozinho.
Ele e seus descendentes deslocaram-se
depois para Capanema PR.

Teve 9 filhos: 1. Etore; 2. Pacífico; 3.


Olga cc com Tiecher; 4. Ferdinando cc
Gugel; 5. Aurélio cc Dionilde Schio;
6. Ernesto; 7. Davide; 8. Orestes; 9.
Alice.

As dificuldades nos negócios, nem sempre


formalizados, geraram, por vezes até desencontros nas
relações familiares e de vizinhança.78

78
Em sociedade com Antonio, Angelo construiu um moinho movido a água
nos altos da Sagrada Família. Este moinho depois foi vendido a Giacomo
Cristani para onde eu (Jandir) ia montado em meu burrinho, com um saco (60
kg) de milho ou trigo para moer e trazer farinha, farelo e semolina. A cada saco
de milho retornava cerca de 50 kg de farinha e 4 de farelo. A cada saco de
trigo bom, cerca de 45 kg de farinha, cinco a sete kg de semolina e 5 ou 6 kg
de farelo. Pagava-se a moagem em dinheiro (1.500 réis) ou descontava-se o
equivalente em farinha. Quando Angelo migrou para Xapecozinho SC, c oube
a Antonio liquidar as Liquidadas as dívidas restantes do moinho. Honradas as
dívidas, com o alambique, Antonio, deixa as ”terras velhas” de Encantado e
vai, em 1938, para Pinhão –Aratiba com toda a família para dívidas tentar nova
sorte (em “terras novas”)
132
3 Catarina Censi Dalla Vecchia casou com Pedro
Dellazari e viveu na linha Sagrada Família, em
Encantado e teve 8 filhos: Albino, Severino, Luiza cc
Antenor Valandro, Inês cc Bernardo Bagatini, Teresinha
cc Balduíno Berté, Catarina, Maria cc Avelino Barbieri
e Adelaide cc -Laste.

4. José Censi Dalla


Vecchia (filho de Pedro e
Páscoa), casou com Catarina
(Catina) De Conto, viveu na
Linha Auxiliadora, Encantado e
teve 11 filhos: 1. Ida cc Manoel
Bagatini; 2. Dervile cc Adolfina
Bianchini; 3. Ivo cc Edi Secchi;
4. Genuino cc Rosa Lazzari; 5.
Mário cc Irma Bagatini; 6.
Remígio cc Alda Lucci 7. Olinda;
8. Adélia cc Alfeu Miotto; 9.
Gelindo cc Nédia Batisti; 10.
Avelino, sacerdote; 11. Jovila cc
Aquilino Pederiva.

6. João Censi Dalla Vecchia. Casou com Josefina


Tiecher. Migrou para Francisco Beltrão, PR. Filhos:
Sérgio e Gilda.

133
5 .Luiz Censi Dalla
Vecchia, casado com
Marta De Conto, fixou
residência na Linha São
Luiz, em Encantado (seus
descendentes foram para
Descanso SC ou Nova
Bréscia RS) e teve 12
filhos: 1. Adolfina cc Jandir
Nieckel; 2. Ciro cc Raquel
Dellazzari; 3. Emílio cc
Cesira Berté; 4. Adelino cc
Ana Dellazzari; 5. Vinícios
cc Neusa Dellazzari; 6.
Deonilo cc Schena; 7. Gino;
8. Demétrio; 9. Olindo cc
Barbieri; 10. Ana; 11. Zélia;
12. Davide

7 -Augusto Censi Dalla Vecchia, casou


com Elvira Tiecher e fixou residência em
Encantado. Teve 3 filhos: 1. Leonildo; 2.
Teresinha; 3. Jovila.

8 -Vitório Censi Dalla Vecchia,


casou com Ângela Spezzatto, comerciante
em Estefânia e depois em Soledade, teve 8
filhos: 1. Primo; 2. Modesto; 3. Nelci cc
Jair Camol; 4. Maria cc Jatir Mezzacasa; 5.
Iraci; 6. Celito cc
134Dal Pian; 7. Alice cc
Cândido De Conto; 8. Teresinha;
9 -Batista Censi Dalla
Vecchia, casou com Rosa Bagatini
(ao lado) e foi residir em Pato
Branco PR. Teve 9 filhos: Dirce cc
Eri Secchi; 2. Anair; 3.Agenor; 4.
Darci; 5. Pedro; 6. Élia; 7. Iracilde;
8. Margarete; 9 Nelson.

Rosa (Rosina) Bagatini (nascida em 13/09 de 1917 e


falecida em 09/10/1965) era casada com Batista Censi
Dalla Vecchia, filho de Pedro e neto de Beniamino. Os
filhos foram residir em Pato Branco, Paraná.

10 -Sílvio Censi Dalla Vecchia, casado com Maria


Mússio, morou na Sagrada Família, Aratiba, retornando depois
para Relvado. Sabe-se que tinha dificuldade em saldar suas
dívidas. Teve 7 filhos: 1. Alei; 2. Nilo cc Da Croce; 3.
Amarildo; 4. Dolores; 5. Adiles; 6. Iraci; 7. Ivete.

11 -Atílio Censi Dalla Vecchia casou com Angelina


Bagatini (filha de Luís), foi residir em Aratiba onde era famoso
com lapidação de pedras para túmulos. Teve um casal de filhos

12 - Lúcia Censi Dalla Vecchia casou com João Buvié,


morou em São Luiz, Encantado e teve 8 filhos: 1. Avelino cc
Gema De Conto; 2. Dionísio; 3. Danilo; 4. Valdemir cc Gema
Coferri; 5. Antenor cc Griti; 6. Claudino; 7. Adiles; 8. Odila.
135
13 -Maria Censi Dalla Vecchia, casada com Pedro De
Conto, fixou residência em Encantado e teve 3 filhos: 1. Olir;
2. Inês; 3. Ida cc Antônio Genesini (Gianesini)

14 - Rosa Censi Dalla Vecchia, casada com Afonso de


Conto, reside na Linha Argola, Encantado, e teve 5 filhos: 1.
Jaime; 2. Albertina; 3. Teresinha cc Devide Grazziola; 4.
Geni; 5. Valmor.

15 - Luiza Censi Dalla Vecchia, casada com Cesar


Tiecher,

1 -Descendentes de Antonio Censi Dalla Vecchia e


Francisca Vicenzi Dadalt

136
Família de Antônio Vicenzi Dalla Vecchia e Francisca Dadalt-

À página seguinte: Valentin Dadalt (casado com Desiderata


Vicenzi), pai de: 1.Maria Dadalt casada com Franzel Bagatini; 2.
Francisca Dadalt casada com Antônio Dalla Vecchia; 3.
Guilherme casado com Ana; 4. Pedro casado com Luiza de
Conto; 5. João casado com Arzila Pretto; 6. Angelino casado com
Olinda Pretto; 7 Ana casada com Paulo Spezzatto; 8. Rosa casada
com Santo de Michei; 9. Inês casada com Dorvalino Secchi; 10.
Augusta casada com Carlos (Carleto) Dalla Vecchia; 11. Antônio
morreu solteiro de apendicite; 12. Luís morreu solteiro na
explosão de caldeira de alambique em Jacarezinho. Valentin
usava um brinco de rubi. Viúvo, casou e recasou com Palmeira de
tal com quem dispendeu seus bens.

137
138
A família de Antônio Censi Dalla Vecchia em 1918 com os filhos
José, Albino João, Ana e Maria.

Família de Antônio e Francisca em 1928. Ana, Maria, Albino,


João, José. À frente: Rosa, Francisca, Vitório, Antônio, Ângelo.
139
Nas bodas de ouro de Antônio e Francisca (à direita) o carinho
fraterno de José e Catarina, em Pinhão, Aratiba (ex-município de
Erechim).

Na Linha Pinhão – Aratiba – Antônio ao lado do Padre Vigário, e


seu coral. À direita, sentado: Zanoelo
140
Bodas de Ouro de Antônio e Francisca DV em 1962, o grupo
reunido aos fundos das terras de Albino Dadalt Dalla Vecchia.

Nas bodas de ouro Francisca e Antônio com as filhas : Inês,


Rosa, Maria e Ana
141
Nas bodas de ouro de Antônio e Francisca, presentes os filhos:
(De pé) Inês, Rosa, Ângelo, Augusto, Avelino; (Sentados) Ana,
Maria, Francisca, Antônio, Albino, José

Albino Dadalt Dalla Vecchia, filho


de Antônio DV e Francisca Dadalt,
casado com Cesarina (Cesira)
Bagatini, em Encantado, mudou-se
para a Linha Pinhão, Aratiba, junto
com o pai, em 1938. Até então
administrava o moinho que fora do
tio Ângelo na Linha Sagrada
Família. Teve 10 filhos: 1. Jandir cc
Rech; 2. Deolino cc Rech; 3. Clarice
cc Ricieri Muccelin; 4. Nilo; 5.
Vilma cc Fiorelo Deotti; 6.
Terezinha cc Alfeu Stacklober; 7.
Claudino cc Tremea; 8. Darci cc
Signori; 9. Nair cc Valter
Stacklober; 10. Ivanor cc Ida

142
João Dadalt Dalla Vecchia, casado com Maria Bagatini e seus
filhos.Casou em Encantado e precedeu o pai indo para as terras
novas da Linha Pinhão em Aratiba, então Erechim, em 1937.

Adélia Arlindo Ida Irma

Maria João João

143
Maria Dadalt Dalla
Vecchia, casada com Emílio
Bagatini em Encantado em 9 de
setembro de 1939, dias antes de
seu pai Antônio ir para Pinhão-
Aratiba, teve 11 filhos: 1. Irino
cc Roselita Albertoni; 2. Olir cc
Lurdes Rigo; 3. Valdir cc Ana
Pavan; 4. Teresinha (+ criança);
5.Jovita cc Genuíno Serraglio; 6.
Dilce (freira); 7. Flavina cc
Eusébio Muraro; 8. Jacir cc
Vilma Chaquine; 9. Valcir; 10.
Neodir cc Salete Strapasson; 11.
Zélia cc Ezílio Fabiani.
Casou, no dia 9 de setembro de
1938, 15 dias depois de Leonel e
Ana. Uma semana depois
Antônio e Francisca iriam morar
no Pinhão. O pai de Emílio
morreu assassinado na Barra do
Jacarezinho, por questões de
terras. Emílio era amigo de cartas
e noitadas com Leonel
Zanotelli...

Impressiona ver como Antonio e Francisca, com


bondade e paciência infinitas, com religiosidade que
lhes guiava cada passo e cada momento do dia,
conseguiram educar seus filhos e infundir especialmente
nas filhas o espírito franciscano da simplicidade, de
fazer bem o que estivesse fazendo e despertar amizades
duradouras. A união das quatro filhas era admirável.

144
Ana Dadalt Dalla Vecchia, casada com Leonel
Agostini Zanotelli em Encantado, residiu depois em
Linha Pinhão, Bentevi (Aratiba), e depois retornou para
Encantado, Soledade e Canoas RS, tendo 11 filhos: 1.
Jandir cc Ruth Machado Ávila; 2. Geni (+ criança); 3.
Gino cc Helena Schmit; 4. Irma cc Marcial Nardin; 5.
Itelvina cc Basílio Michelon; 6. Ilva cc José Queiroz; 7.
Castilo cc Rosa Xavier e, viúvo casou com Neiva
Teresinha Pertile; 8. Clasi cc Carlos Pagnussatt; 9. Olir
cc Gisele Barbosa; 10. Lírio cc Gislaine Barbosa; 11.
Dinasir cc Maria Inês Pagnussatt.

145
José Dadalt Dalla
Vecchia cc Amélia.
Casou no Pinhão,
morou nas cabeceiras
da Linha Pinhão. O
fruto do trabalho e das
terras vendidas
empregou em
sociedade com
Ângelo na Barra do
Rio Novo e, no
insucesso da
sociedade, comprou
terra e alambique no
Saltinho, onde
faleceu.

146
Rosa Dadalt Dalla
Vecchia, casou em
Encantado com José
Frigeri e teve 7
filhos: 1. Vilson cc
Élide Fachini; 2.
Valdir; 3. Vani; 4.
Volmir; 5. Valmor;
6. Vladis; 7. Vilma.
Morou na Linha
Anita, em
Encantado. Depois
foi morar em
Jacarezinho, onde
faleceu. Pequeno
comerciante, foi
tropeiro e
agricultor.

Ângelo Dadalt Dalla


Vecchia casou em
Aratiba com Leonilda
Albertoni, residiu no
Saltinho e depois na
Barra do Rio Novo em
Aratiba onde montou
casa comercial e criação
de gado com o irmão
.Teve 3 filhos .

José Frigeri (1910-1978), casado com


147 Rosa Dadalt Dalla Vecchia (1918-1964
Vitório Dadalt Dalla
Vecchia, casado com
Élia Ferranti, na Linha
Pinhão, Aratiba. Depois
foi residir na Volta do
Uvá, Aratiba, onde
montou alambique.
Teve 3 filhos

Inês Dadalt Dalla Vecchia e


José Mocelin. Muito
prestativo, de uma família de
cerca de 15 irmãos, gostava
de reunir vizinhança para
jogar futebol. Morou,
trabalhou e morreu em
Pinhão, Aratiba. Teve 13
filhos: 1. Celino cc Teresinha;
2. Teresinha cc Laurindo
Menegatt; 3. Gentil cc Nilze
Bender; 4. Élfi Pedro cc 5.
Elói cc Rosângela Ferigolo; 6.
Neodir cc Lucila Bach; 7.
Nair; 8. Ledir cc Ivo Cima; 9.
Lenir cc Nédio Basso; 10.
Lairi; 11. Maria Rita; 12.
Ivanir; 13. Nilton Antônio.

148
Augusto Dadalt Dalla
Vecchia, casou com Maria
Pilatti na Linha Pinhão,
Aratiba. Augusto e
Avelino herdaram as terras
dos pais para sustentá-los
ao final da vida.
Casou, viveu e morreu no
Pinhão. Teve 10 filhos: 1.
Dioclides cc Ângelo
Mezzarruba; 2.Eri cc
Lucila Hendges; 3. Egídio;
4. Valdir cc Neusa
Menegat; 5. Olir cc Neide
Minella; 6. Gentil cc Maria
Franco; 7. Rita cc Orides
Strapasson; 8. Lírio; 9.
Jair; 10 Davi.

Avelino Dadalt Dalla


Vecchia, casado com
NNair Dalla Rosa é o
último dos filhos de
Antônio. Trabalhava
muito. O trabalho purifica
e enobrece. Teve 8 filhos:
1. Albino; 2. Alberto; 3.
Santo; 4. José; 5; Vitalino;
6; Maria cc Moacir
Vanzotto; 7. Ivanete; 8.
Inês cc José Taschin.

149
Leonel Ana

Ana e Leonel em 1988, nas bodas de ouro de casamento


150
Leonel Zanotelli e Ana Catarina Dadalt Dalla Vecchia e filhos:
(De pé)Castilo, Irma,Olir, Itelvina, Lírio, Ilva, Dinasir, Clasi
(Sentados) Gino, Leonel, Ana e Jandir

151
Jandir João Dalla Vecchia Zanotelli cc
Ruth Machado Ávila

Gino Dalla Vecchia


Zanotelli cc Helena Scmit

Castilo e Rosa Xavier Olir e Gisele Isabel Barbosa

152
Dinasir e Ma.Inês Pagnussat Lírio e Gislaine Barbosa

153
4 José Censi Dalla Vecchia. Na página anterior, de pé: Ida,
Dervile, Ivo, Genuíno, Mário, Remígio e Olinda. Sentados:
Adélia, Gelindo, José, Catarina, Avelino e Jovila.

Remígio De Conto Dalla


Vecchia, casado com A- lda Luci
tem 8 filhos: 1. Anir; 2. Neuri cc
Carmen, tem 3 filhos; 3. Antenor
sacerdote carlista; 4.Alvani cc
Valdir Bianchini, com 2 filhos; 5.
Valmor cc Teresinha Dalé; 6.
Dolores cc Bassani; 7. Maria de
Lurdes cc Paulo Dalé; 8. Luiz.

Mário De Conto Dalla Vecchia


casado com Irma Bagatini tem 11
filhos: 1. Valdir; 2. Dirceu; 3.
Miguel, sacerdote carlista; 4.
Odete; 5. Maria; 6. Cleunice; 7.
Mairi cc Ivo Center; 8. Paulo; 9.
Moisés; 10. Marilene; 11. Jesseni.

154
Ida De Conto Dalla Vecchia,
casada com Manoel Bagatini tem
10 filhos: 1. Jovila cc Aquilino
Pederiva, com 3 filhos – Graciela,
Zaquiela e Muriel; 2. Neodir cc
Irene Casaril, com 2 filhos –
Gustavo e Emanuel; 3. Lurdes cc
NNeodir Pederiva; 4. Inês cc
Jaime, com um filho André; 5.
Roni cc Solani De Conto; 6.
Ivanor; 7. Sérgio cc Marisa
Radaelli, com 2 filhos – Kely....;
8.Sônia; 9. Catarina cc Longo,
com um filho; 10. Lenira.

Olinda De Conto Dalla Vecchia

155
Gelindo De Conto Dalla
Vecchia, casado com Nédia
Batisti tem 5 filhos: 1.Paulo;
2. Luiz; 3. Sônia; 4. Silvana;
5. Sílvio cc ......, com dois
filhos- Hugo e Sílvio.

Genuíno De Conto Dalla


Vecchia casado com Rosa
Lazzari tem 7 filhos:
1.Clademir; 2. Vítor; 3.
Teresinha cc ...... com dois
filhos – Sabrina e.....; 4. Joacir;
5. Rosane; 6. Mônica; 7.
Rosângela.

156
Ivo De Conto Dalla Vecchia
casado com Edi Secchi,
residente na Linha
Auxiliadora, Encantado, tem
6 filhos: 1. Clarice cc Gabriel
Diogo Hamilton, com dois
filhos – Pedro e....2. Jovir; 3.
Joacir; 4. Iraci; 5. Gilberto; 6.
Silvana.

Dervile De Conto Dalla


Vecchia cc Adolfina
Bianchini, tem 5 filhos: 1.
Alcir cc Izabel, com uma filha
– Camila; 2.José cc ....., com
um filho – Felipe; 3. Jorge; 4.
Jaqueline; 5. Romeu.

Jovila De Conto Dalla Vecchia, cc


Danilo Lorenzon, tem 4 filhos: 1.
Pedro cc ........, com dois filhos –
Danilo e........; 2. Neiva cc Júlio....3.
Janete; 4. Jorge cc ...., com um filho

157
Adélia De Conto Dalla Vecchia cc
Alfeu Miotto, tem 3 filhos: 1. José
Marcelo cc Valquíria e com um
filho; 2. Simone; 3. Carla.

Avelino De Conto Dalla


Vecchia, sacerdote secular,
Monsenhor, da Arquidiocese
de Porto Alegre. Está enterrado
junto aos pais na Linha
Auxiliadora, Encantado.

158
159
IV– ASPECTOS IDENTITÁRIOS
DA FAMÍLIA DALLA VECCHIA

Para compreender a família Dalla Vecchia no


contexto da imigração italiana e sua adequação à
realidade brasileira destacaremos alguns aspectos de sua
organização econômica, política, social, cultural e
recreativa baseados em observações pessoais e
entrevistas realizadas com alguns descendentes Dalla
Vecchia.

Obs. É de lamentar que o Diário de vida que


Ângelo Dalla Barba DallaVecchia relatando a trajetória
desde a saída da Itália, tenha sido equivocadamente
queimado por quem não avaliava seu valor histórico.

1. Organização econômica

Os Dalla imigraram para o Brasil na qualidade


de agricultores e pequenos artesãos. A terra era para eles
não só meio de produção como também espaço
160
existencial, raiz, sentimento, símbolo e lugar de
experiência mística e religiosa.
Mas, antes de mais nada, a terra era a
propriedade e a propriedade era a definição mesma da
dignidade do homem. Ser dono (paron), ser proprietário
era tudo o que o imigrante queria; e ser proprietário de
terras abundantes, suficientes para a família ampla e
unida. A propriedade definia o social, o político e o
cultural, incluindo a posição religiosa na comunidade.
Muito embora esta não fosse a perspectiva do
Cristianismo e sim do Estado de Cristandade, ela
marcou profundamente a vida e a visão dos Dalla
Vecchia no Brasil.
Os lotes destinados à colonização italiana eram,
no RS, cobertos de matas nativas e em áreas
montanhosas. Muito embora a fração de terra que era
entregue ao colono fosse destinada totalmente ao plantio
e às pastagens, no entanto o colono sempre aprendeu a
reservar boa parte das matas para delas extrair madeiras
para tábuas, telhados, cabos, pipas, etc.
A coivara, como método indígena de
desmatamento e queima, para plantar sobre as cinzas,
era a maneira mais usual de abrir condições para o uso
do solo. Só recentemente surgiu a preocupação com a
conservação da terra (curvas de nível, adubação
orgânica e reflorestamento com objetivos de consumo e
comercio).
A “colônia” de cada agricultor era uma
faixa estreita de terra que iniciava geralmente no arroio
e ia até o topo do monte por onde corria um travessão
161
imaginário que dividia as glebas. Uma colônia era
dividida em linhas. Por exemplo a Colônia Jacaré era
dividida em: Linha Argola, Linha Jacarezinho, Linha
São Luiz, Linha Jacaré, Linha Pinheirinho...
Cada gleba (de cerca de 25 hectares: um pouco
mais de 100 metros de largura por pouco mais de 2.000
metros de comprimento), que os colonos denominavam
sua “colônia”, era assim dividida: uma parte era cercada
para potreiros e mangueiras, uma parte central e de
melhor posição em relação às águas e aos ventos era
destinada à moradia e aos galpões, estrebarias, ao
parreiral, à horta e alguma pastagem para socorro aos
animais mais fracos no inverno; a restante, e era a maior
parte, era destinada à lavoura, restando ainda uma
parcela para matas, no alto do morro e na beira dos
arroios.
Ao contrário da maneira européia de organização
dos agricultores (todos morando numa vila e tendo as
terras de cultivo em convergência para a vila, ou ao
redor da vila), aqui as terras eram localizadas em glebas
sucessivas perpendiculares aos arroios e morros. Os
colonos eram vizinhos isolados e não agrupados em
vilas. Cada colono contava com um vizinho de cada
lado, para tudo, inclusive para socorro em situações de
doenças.
As terras que foram destinadas à colonização
italiana eram férteis mas pedregosas e muito propensas à
erosão. Descuidar-se disso era fatal.
As terras na Linha Jansen foram adquiridas pelos
irmãos Ângelo e Pedro à razão de dois réis à braça
162
quadrada. As terras em Jacarezinho, Auxiliadora,
compradas de empresa particular de imigração foram
adquiridas à razão de 20 réis à braça. O prazo de cinco
anos para pagar possibilitava a compra.79

2. O trabalho

O minifúndio de tamanho familiar (a “colônia”),


trabalhado apenas com os braços familiares e com todos
estes braços (que, entre os Dalla Vecchia formavam um
grupo de 20 ou mais pessoas), com instrumentos de
trabalho elaborados artesanalmente, tinha como força de
trabalho os músculos humanos e a tração animal,
especialmente de bois. Os cavalos serviam como
montaria e para debulhar feijão.
Desde o início os Dalla Vecchia utilizaram
também a força da água e do vento para mover moinhos,
alambiques, serrarias como também máquinas a vapor.
A divisão do trabalho obedecia ao critério de sexo
e idade dentro da família.
Numerosos filhos formavam um apreciável
exército de mão de obra que, desde a tenra idade de 6 ou
7 anos dividiam a escola com a enxada, e, para cada
grupo etário e sexual havia um trabalho diferente.

79
Cf. Zanotelli. A Saga de um Imigrante Trentino, pg. 89 ss.
163
Assim o comando competia ao homem mais
velho. Comprar, vender, decidir o que plantar era
assunto dos homens, muito embora as mulheres dessem
sua opinião. Os trabalhos tidos como de menor
importância eram atribuídos às meninas.
Era trabalho de criança apanhar água na fonte,
abastecer de achas de lenha (cortadas pelos adultos) a
caixa (baú e assento) que ficava atrás do fogão80 e levar
recados.
Era função das meninas e mulheres cuidar da
casa, preparar a alimentação, lavar a louça no “secier”81,
lavar a roupa no arroio ou em tanques próximos à casa
quando uma fonte permitisse; cuidar das aves e da
ordenha, costurar, remendar, trançar palhas de trigo
(drezze) e, com elas, fazer chapéus e bolsas (sportole),
cuidar das flores e jardins82, cultivar verduras, legumes e
temperos na horta, cuidar das crianças ( do alimento,
higiene, vestuário, saúde, bons modos), dar afeto e
carinho, ensinar o catecismo e vigiar para que todos
cumprissem os deveres elementares de cristão (como os
de ir à missa ou à reza do terço aos domingos, confessar
seguidamente e comungar, não blasfemar etc).

80
Nos primeiros tempos, os imigrantes dependuravam as panelas em correntes
aproximando-as mais ou menos do fogo. Depois, uma chapa de ferro fundido,
sobre umas muretas de tijolos e barro, eram o “focolar”. Depois vieram os
fogões a lenha, de ferro esmaltado, com forno e caldeira para água quente.
81
O “secier” era uma pia de madeira construída com tábuas e sobre a qual
eram lavadas as louças e que servia também como mesa auxiliar da cozinha.
As águas servidas escorriam do “secier” por uma canaleta também de madeira,
para fora da cozinha e servindo de beberagem aos animais domésticos.
82
“A gente conhece o amor de uma mulher por seu marido e sua família pelo
jardim de sua casa” dizia Maria Zanotelli às filhas.
164
Além disso, e acima de tudo, a mulher também
trabalhava lado a lado com o homem na lavoura e
acompanhava-o em passeios e visitas. Dupla jornada de
trabalho? Se considerarmos que uma jornada de trabalho
ia de sol a sol, a mulher sempre tinha uma dupla
jornada.
A comemoração dos dias festivos, como armar
um pequeno presépio no Natal, também era tarefa
feminina. A honra de uma mulher consistia também em
mostrar uma casa ajardinada e florida, a alimentação
saborosa com quitutes e doces, a roupa asseada de todos
os familiares, embora fosse remendada, e uns panos
bordados que enfeitavam mesas, janelas e paredes e,
muitas vezes, com mensagens morais e religiosas tais
como: “Deus abençoe este lar”, “Nesta casa não se
blasfema” .
Para os meninos e rapazes desde cedo, além de
ajudar na lavoura, estavam reservados os trabalhos
como o manejo de bois, terneiros, porcos, cavalos. A
capina dos pomares e parreirais, a festa de amassar a
uva com os pés na época da vindima, ir ao moinho, à
venda, levar recados e, sempre que possível estar no
lombo de um cavalo, eram coisas de menino.
Um rapaz deixava de ser adolescente quando
mostrava que era capaz de lidar com a carroça, com os
bois e cavalos, e arar a terra. Para isso era necessária
força como também habilidade. Essa iniciação à vida
adulta acontecia por volta dos 15 anos.
Para o homem adulto, além do domínio de todas
as atividades econômicas da produção, do planejamento
165
do plantio, da limpeza e da colheita, dos negócios, cabia
a direção. Os cuidados com a reprodução animal,
acasalamento, parto e saúde, o abate de animais
(crianças e meninas não deveriam ver), a derrubada das
matas também eram tarefas para o homem adulto.
O sol, o suor, o cansaço e a alegria do fruto
colhido cabia a todos.
A jornada de trabalho iniciava antes de clarear o
dia e terminava depois do sol posto. Por volta das 4
horas da manhã os pais e os filhos mais velhos se
levantavam para tomar chimarrão perto do fogão a
lenha, e combinar as tarefas do dia.
Uma polenta brustolada83 na chapa do “focolare",
um pouco de salame ou queijo, uma xícara de leite ou
chá e lá se vão os trabalhadores para a lavoura. Quando
o dia amanhece já estão a postos a lavrar, a capinar... É a
hora mais fresca do dia e o trabalho rende mais.
Por volta das 9 horas um dos meninos ou meninas
que não foram à escola, leva o café para os que estão na
lavoura (geralmente a lavoura ficava no alto das
montanhas e a mais de um quilômetro de casa). O café (
la collazzione) servia também para uma pausa no
trabalho. Depois, o trabalho ia até meio dia.
Normalmente os trabalhadores não retornavam
para casa para o almoço. Este era levado à lavoura,
especialmente no tempo da colheita do trigo e do feijão.

83
Sapecada sobre a chapa do fogão. A polenta que sobrava da janta anterior e
cortada em fatias era sapecada na chapa e consumida com queijo e salame.
166
Após o almoço, assim como em casa, estiravam-
se à sombra de uma árvore e sesteavam uma boa hora. O
trabalho reiniciava por volta das 15 horas e estendia-se
até o escurecer.
Indo ao trabalho de manhã, ou retornando à noite
(a carroça carregada de mantimentos colhidos ou de
pasto para os animais) cantava-se e rezava-se. Chegados
em casa, já escuro, as meninas e moças cuidavam da
ordenha, dos pintos, das galinhas, da janta... os rapazes
da alimentação dos animais vacuns, eqüinos, suínos...
Um rápido banho para retirar o pó mais denso, e
depois, na varanda, homens e mulheres a cantar.
Canções de amor, de amor às montanhas, aos vales, à
Itália longínqua, os “mazzolin di fiori” ... canções de
vindima , canções religiosas...canções burlescas e
satíricas: “El véccio trivelin”...
Depois da janta, infalivelmente a reza do terço.
O trabalho amainava um pouco aos sábados à
tarde quando se fazia o pão para a semana, algumas
bolachas, melado, limpeza da casa e da roupa. Também
preparava-se a lenha para o fogão e o “pasto” para os
animais.84 Depois, ao entardecer o banho no arroio, tão
festejado pelos meninos.
Domingo era o dia da missa (os Dalla Vecchia
levantavam-se de madrugada para ir até Encantado), da

84
Tendo em vista que o número de animais domésticos era maior do que a
capacidade de alimentação das pastagens dos potreiros, plantava-se para eles
forrageiras diversas que eram trazidas da roça ao final do dia e mais ainda aos
sábados.
167
reza na capela, dos encontros e namoros, do jogo de
cartas e bochas bem como da “morina”85
E esta jornada e estes trabalhos estiravam-se por
toda a vida, até que as forças permitissem. E os Dalla
Vecchia eram longevos86.
A previdência social para a doença, para a
velhice, viuvez ou orfandade, diuturnamente, vinha do
trabalho e, em casos extremos, da solidariedade da
comunidade. Muitas vezes um dos filhos mais jovens
restava morando com os pais e cuidava deles na velhice.
É bom lembrar que os agricultores, no Brasil, iniciam a
ter alguns direitos sociais (como proteção à saúde,
aposentadoria por velhice, auxílio natalidade) só bem
entrada a segunda metade do século XX.
Trabalhar para que? Ora, para que?!
Trabalhar para sobreviver, para ganhar o pão com
o suor do rosto. Trabalhar porque é educativo e faz bem
(quem não trabalha e é vagabundo é mau), trabalhar
para a prosperidade da família, para capitalizar-se um
pouco, trabalhar também para alegrar os pais e merecer
seu reconhecimento e a recompensa de, ao final da
semana, realizar “aquela pescaria”...

85
A “mora” e a “morina” é um jogo de aposta na soma dos dedos
apresentados sobre a mesa pelos dois contendores que, ao mesmo tempo da
apresentação e numa velocidade incrível, gritam espalhafatosamente o número.
Um juiz controla quem faz pontos. O perdedor cede imediatamente lugar ao
vizinho. E assim segue. O perdedor paga o copo de vinho.
86
A longevidade dos Dalla Vecchia é quase proverbial. A morte para uma
familiar que não fosse criança ou acidental era lastimada enormemente quando
ocorresse abaixo dos 50 anos. Grande parte ultrapassou sobranceiramente os
80 anos, a começar com Ângelo e Pedro Dalla Vecchia.
168
Os imigrantes italianos tinham verdadeira ojeriza
aos vagabundos, identificados com escravos e negros
(“brasiliani”). Alguém que fosse observado em dias
úteis a passear ou a festejar, e o desprezo, a ironia, a
chacota caíam sobre ele: “Até parece que não tem o que
fazer”! Os assalariados, geralmente não descendentes de
italianos, eram aproximados aos vagabundos e
preguiçosos, incapazes. Tanto eram vistos como
incapazes que, se dizia, “nem tem terra própria”.
Brincar durante o trabalho ou nas horas
reservadas ao trabalho, que eram praticamente todas, era
inadmissível. Os minutos de brinquedo eram “roubados”
nos momentos em que os adultos descansavam. O
pequeno diálogo que segue e que foi real revela o que
esses “italianos” pensavam do trabalho:
À noite, depois da janta e da reza do terço,
enquanto os adultos jogavam um carteado de quatrilho,
o menino de 8 anos está brincando sob a mesa com sua
“canguinha de carretéis vazios de linha”87. O pai
pergunta:
 então, meu filho, não vais estudar a lição? Tu só pensas
em brincar?
 mas pai, o dia não foi feito p‟ra brincar?
 tu já estás muito grande para ficar brincando como
criança.
 e tu, pai, o que estás fazendo? Jogar carta é trabalhar?

87
Uma miniatura de carroça cujos rodados eram dois carretéis de linha vazios.
169
Diante do olhar severo e irado do pai, o menino
compreendeu que deveria ir para outra sala. Na verdade
esgueirou-se para a cama.
O trabalho das crianças, que eram tratadas como
pequenos adultos, deveria render quase como o dos
adultos. Os horários, os rigores, a seriedade do trabalho
eram para todos.
Pode-se imaginar o cansaço das crianças ao final
do dia. Por isso, à noite, mal terminada a janta, enquanto
se iniciava a reza do terço, cada qual de joelhos e
escorado no espaldar de uma cadeira, iam as crianças
silenciando uma a uma, caindo sentadas sobre os
calcanhares e adormecendo. Os pais insistentemente
procuravam manter acordadas as crianças e jovens para
que respondessem aos “Pai-Nossos e Ave-Marias”, mas
ao final as crianças não alcançavam uma “Ave Maria”
completa. Os cochilos, os recomeços são recordados
pelos filhos de imigrantes com hilaridade.
Para os Dalla Vecchia, o trabalho é condição
humana, ascese, meio de sobrevivência e de
capitalização, bem como caminho de salvação. Do
trabalho sempre intensivo deveria extrair-se, não só o
pão nosso de cada dia, mas também a garantia do futuro
e a melhoria de vida.
A dureza das condições de trabalho, fizeram
muitos filhos de imigrantes depois de casados,
referirem-se aos tempos de solteiro como de
“exploração intensa” por parte dos pais. Como se os
pais quisessem aproveitar a força e juventude de seus
filhos para arrumar a sua própria vida e sobrevivência.
170
Nem sempre, e sempre parcimoniosamente, os
pais ajudavam financeiramente os filhos quando estes
constituíam uma nova família. A comunidade se unia
para isso. Em mutirão, cada vizinho e parente ajudava a
constituir o pequeno dote dos cônjuges, e isto
representava um grande motivo de união comunitária.
Aos poucos e ao sucederem-se as gerações estes
costumes foram sendo modificados. O individualismo
do mercado penetrou profundamente também entre
esses filhos de imigrantes.
O sentido ascético e purificador do trabalho era
marcante entre os Dalla Vecchia. Como se, com o suor,
o corpo expelisse também os pecados. Assim o trabalho
era vivido como expiação de culpas e portanto como
castigo, como dor, como sofrimento. Um trabalho que
não importasse em dor e sofrimento não seria
considerado propriamente um trabalho. Os ferimentos
oriundos da dureza do trabalho e seu riscos, muitas
vezes exacerbados, eram mostrados especialmente pelos
rapazes e homens adultos como troféus, como
bandeiras.
O prazer, o lazer, o descanso, o feriado, o
domingo, como um intervalo entre dois trabalhos e para
dar maior produtividade e intensidade ao trabalho,
parecia, àqueles impenitentes lavradores, como se fosse
um roubo, algo tolerado mas nunca louvado e benquisto
em si mesmo. E, como não poderia deixar de ser, o
assunto das horas de folga ainda era o trabalho.
O trabalho media-se pelo rendimento, pelo
volume, pela quantidade mas também pela qualidade.
171
O trabalho como entre-ajuda era também muito
comum para os Dalla Vecchia e seus vizinhos. Por
ocasião de enfermidades que impossibilitassem a um
chefe de família trabalhar sua terra; em caso de viuvez
de uma senhora vizinha; na hora da vindima ou da
colheita do trigo, reuniam-se todos os vizinhos em
mutirão ou “puxirão” de trabalho e se ajudavam
mutuamente.
A viúva, geralmente carregada de filhos
pequenos, tinha na cooperação de seus vizinhos a
garantia do cultivo e produção de sua gleba.
Normalmente revezavam-se os vizinhos de tal forma
que em todos os dias da semana alguém estivesse
cultivando a terra da viúva ou do vizinho doente. Com
isso, era comum que essas pessoas em dificuldades
conseguissem maior volume de produto do que teriam
feito sozinhas. Esse era também um modo de
previdência e assistência social exercido pelos próprios
colonos. Ainda hoje subsistem alguns sinais desses
costumes.
Trilhar o trigo, previamente cortado e
empilhado em medas pela família, requeria o trabalho
conjunto de muitas pessoas (ao redor de 15) e isso se
fazia em mutirão. Era sempre uma festa da vizinhança.
Os meninos, especialmente, encarregados de afastar a
palha, rolavam pelos montes dela na maior algazarra.
Ao meio dia, a família anfitriã, oferecia um almoço
reforçado e regado a vinho. Assim, o trabalho era fator
decisivo de integração.

172
Festa semelhante acontecia na vindima da uva.
Colhia-se a uva com a “brítola”88, depositando os
cachos maduros em grandes cestos de vime.89 Os
rapazes carregavam as cestas da suculenta uva, para ser
amassada com o pisotear dos meninos. O suco, com as
cascas era depositado no “mastelo”, tal como se fosse
uma pipa cortada ao meio. Alguns dias, e a fermentação
separava as cascas do suco. Depois da fermentação o
suco era trasladado para uma pipa e daí, depois de
decantado, era “stravazado” para uma pipa definitiva,
onde era curtido por 3 geadas, no mínimo. E o vinho
tinha o sabor da vida. À noite, nos dias de vindima, os
vizinhos degustavam junto o suco de uva ainda não
fermentado: o vinho doce.
O parreiral, componente essencial da estrutura
produtiva da “colônia”, estava sempre num lugar
apropriado, bem ensolarado, nas proximidades da
residência, e entre muitas pedras e ladeiras. Trazer da
Itália, o maior número de variedades de parreira
possível, era a recomendação que os imigrados davam a
parentes e amigos que quisessem imigrar também.

Trabalhar e poupar, juntar capital, emprestar a


juros, investir no futuro...eram valores incorporados
pelos Dalla Vecchia. A industrialização própria e alheia
será beneficiária dessa poupança da região de
colonização do RS. Os bancos de Porto Alegre e
88
Um canivete de lâmina curva em forma de foice, muito afiada, e que tinha
entre as múltiplas funções a de apanhar os cachos de uva.
89
O fabrico de cestos de vime era uma habilidade excepcional dos imigrantes
italianos do norte da Itália.
173
especialmente o Banco Pelotense amealharam grandes
volumes desse capital financeiro que os colonos
juntaram. A falência do Banco Pelotense (1938) trouxe
enormes prejuízos aos colonos de Garibaldi, Bento
Gonçalves, Encantado... inclusive aos Dalla Vecchia,
bem como deixou em maus lençóis as indústrias de
Pelotas.

3. Instrumentos de trabalho

Os instrumentos de trabalho como arado, carroça,


cabos de enxada, foices, machados, machadinhas,
martelos, serras, enxós, cangas, arreios e correame
trançado, apesar de rudimentares, exigiam todo cuidado
do agricultor que os elaborava artesanalmente.
Um colono que era ferreiro produzia facões,
enxadas, foices, arados, e as mais variadas e
temperadíssimas lâminas. As serras e serrotes, vinham
normalmente da Europa.
Os Dalla Vecchia faziam seu próprio “torcio”
(moenda de cana), seu pilão e monjolo para descascar
arroz, os fornos para o pão, o “focolare” de tábuas
tijolos e barro ou a trempe com correntes para a
suspensão das panelas acima do fogo.
Os Dalla Vecchia faziam a canga completa para os
bois, os arados, as carroças, as pipas para o vinho, as
casas, as estrebarias, os paióis para guardar a safra, os
174
cercados, quase sempre de pedras...enfim, o vestuário, o
alimento, a habitação...
Dentre as panelas, que sempre eram muito poucas,
destacava-se o “parol” (ou “cagliero” ou “brondin”) de
fundo arredondado para fazer a polenta. Uma colher ou
pá de madeira (“mescola”) para mexer a polenta era,
também, uma arma para afugentar o marido que viesse
mexericar nas panelas. A frigideira “padela”, a caçarola,
a chaleira completavam a lista.
Para lavar a louça e guardar os talheres havia uma
espécie de pia de madeira, sobre um canto da cozinha:
“el secier”, acima referido, a água usada escorrendo por
uma canaleta de madeira para o pátio. Sobre o “secier”
um balde (“secia”) de água fresca para beber e sobre
ele, dependurada, uma concha exclusiva para isso.
Os recipientes para o vinho, já dissemos: “el
mastel”, espécie de meia pipa para receber a uva moída;
as pipas ( “le bote”) da melhor madeira (grápia, louro,
canela) para o vinho e para a “graspa” ou “grappa”.
As casas, os galpões, chiqueiros, estrebarias, paiol,
mangueiras com cerca de pedra, tudo era construído
pelo próprio imigrante.
Balaios, cestos, bolsas e chapéus ( de palha de trigo
trançada, drezze), tudo era artesanato familiar. Assim
também as gamelas de madeira trabalhadas com enxó,
para a higiene e para trabalhar e conservar carnes.
Além dos músculos humanos, repitamos, a força
de trabalho provinha de alguma queda d´água, o vento e
os bois e cavalos. Os cavalos serviam não só como
175
montaria mas também para debulhar feijão, como
dissemos.
Numa grande eira, uma grande lona de algodão
recebia os pés de feijão que haviam sido arrancados e
secados ao sol. O volume era mais ou menos de um
metro de altura por 8 metros de diâmetro. Os cavalos
treinados deviam saltar para cima do feijão e, guiados,
circulavam até amassar completamente a palha abrindo
assim todas as vagens. Virava-se depois a palha já
amassada para um último repassar dos cavalos.90
Sacudia-se bem a palha para que o feijão ficasse na lona
e a palha era separada em grande montes para servir de
adubo.
O feijão assim “trilhado”, embora separado das
palhas, continha ainda muita sujeira. Com uma pá de
madeira, fabricada pelo próprio colono com uma enxó,
jogava-se o feijão contra o vento, o mais alto possível,
indo o feijão, já limpo, cair noutra lona.
Obviamente, com o vento soprando contra, o
colono cobria-se de pó e sujeira. O suor colava a sujeira
ao corpo e gerava uma insatisfação que era
proverbialmente lembrada. Ensacado o feijão em
volumes de 60 quilos, era conduzido ao galpão (paiol) à
espera do comerciante. Se o feijão ainda estivesse
úmido devia ser secado ao sol, por uma semana, no
pátio da casa.
Outras vezes, especialmente quando a produção
era pequena, debulhava-se o feijão a “manguá”.

90
ZANOTELLI, Jandir. Zanotelli, A saga de um imigrante trentino, pg 109.
176
O processo consistia em depositar o feijão com
vagens secas numa lona e bater sobre ele com uma vara
amarrada a outra que servia de cabo para fazer vibrar a
primeira sobre a eira. Assim não era necessário dobrar o
corpo para bater. Batidas as vagens, retirava-se a palha e
ventilava-se o feijão contra uma aragem mais forte,
como no primeiro caso.

O manguá, feito e usado por Pedro Dalla Barba Dalla


Vecchia. Símbolo do suor, da inventividade, do modo
de trabalhar, do produto produzido. Lembrança e
convite a um modo de ser.
Ivo, filho de José e neto de Pedro guarda
zelozamente aqueles instrumentos de trabalho feitos
pelas mãos do avô. Na festa dos Dalla Vecchia
177
realizada em Jacarezinho-Auxiliadora, todos
admiravam e aprendiam com o pequeno museu assim
montado.

Ivo, filho de José, esposa e filho, com o rastilho


(rastello), o manguá, e a pá para limpar o feijão e o trigo.
Feitos e usados por Pedro.

Em capacidade de produzir instrumentos, impressiona


sobremaneira a figura de Pedro Dalla Vecchia: Ele chega
ao Brasil com 14 anos de idade; um adolescente,
diríamos; seu irmão Ângelo tem apenas 18. Sem pai, que
lhe pudesse servir de professor, ele mostra uma
surpreendente capacidade criativa. Com efeito, além de
178
produzir todos os instrumentos de trabalho necessários a
um agricultor, além de construir suas casas com
habilidade espantosa de trabalhar com pedra, madeiras,
além da sensibilidade estética de construir altares e
estátuas, além de escrever e entender música teórica e
praticamente, dirigindo corais com mais de 100
participantes como o da Igreja de Encantado, além de
dirigir a vida litúrgica na capela era exímio educador de
seus filhos.
Para exemplificar, seu filho Antônio herdou-lhe o
gosto e a educação nestas mais variadas áreas, inclusive
como entendido e mestre de coral.
Para compreender o processo, Inês, filha de
Antônio nos relatou:
“Trabalhávamos na roça até o escurecer.
Descíamos do monte fazendo as orações da noite. Depois
de um banho rápido e da janta, o pai reuniu todos,
especialmente os homens ao redor da mesa grande. E
botava todo mundo a estudar: ler, escrever, contar.
Depois disso vinha o canto, na teoria e na prática, cada
um com sua voz. Depois vinha o terço. E todos iram
dormir”.
Sem perguntar se 14 anos é idade própria para
trabalhar ou não, sem perguntar se a mesa com seus 14
lugares era feita para comer ou para estudar, ou para
cantar, Pedro, assim como seu irmão e seus filhos
ensinaram a viver.

179
4. Produção e Comércio

O que produz a família Dalla Vecchia? Numa


economia de subsistência que produz o que consome e
consome o que produz, muito pouco restava para o
mercado.
As trocas podiam acontecer entre os próprios
imigrantes vizinhos: assim quando um colono carneasse
uma rês ou um porco, os 5 ou 6 vizinhos mais próximos
recebiam um naco de carne fresca como presente. Por sua
vez receberia dos vizinhos o mesmo tratamento. Por isso,
o abastecimento de carne fresca, quando ainda não existia
geladeira, acontecia pelas mútuas doações.
E a família produzia quase tudo o de que
necessitasse.
Dentre os produtos agrícolas podemos destacar:
arroz, feijão, milho, pipoca, trigo, batata inglesa e batata
doce, abóboras, melancias, melões, pepinos, cenouras,
tomates, chuchus, centeio, favas, amoreiras (saudade da
produção da seda na Itália), vimes ( para fazer balaios e
cestos), uvas, figos, cítricos, bananas, maçãs, nozes,
amendoins, ameixas, marmelos, cerejas, e muitos outros
frutos próprios do RS. Alguns produziam café
(especialmente nos lugares mais baixos, próximos aos
vales do rio Taquari, onde não geava).
Dentre os produtos de origem animal: Carnes,
(frescas ou como charque) salames, copas (“ossacol”),
presuntos, “pancetas”, morcilhas, banha, torresmos,

180
toucinhos. Do leite de vaca: queijos, requeijão ( “puina”),
natas e mil quitutes.
Da farinha do trigo: pães, massas (“agnolini”,
“tagliadele”, “bigoli”, “gnocchi”, “grostoli”,
“cappeletti”, “fregoloti”), doces, e comidas a milanesa.
O amendoim, a pipoca, o aipim, a cana de açúcar
com seu caldo (garapa) e os melados e açúcar mascavo, e
pés de moleque (as delícias das noites de inverno) tudo
era produzido pelo próprio colono.91
A erva mate, que crescia nativa e abundante,
preparada em casa e secada em carijos era de excelente
qualidade e os colonos, desde cedo, aprenderam dos
gaúchos a utilizá-la como chá e como chimarrão.
Os Dalla Vecchia sempre produziram feijão. Uma
boa colheita resultava em pouco mais de 100 sacos: 90%
para o comércio, e 10% para o consumo e para semente
da próxima safra.
O trigo com colheita previsível de cerca de 50
sacos era reservado em 50% para o consumo e 50% para
o comércio.
O milho que servia para o prato diário da polenta,
para alimento dos animais especialmente dos porcos e
galinhas, tinha pouco excedente para a venda.
As aves (galinhas, perus, faisões, patos, marrecos,
pombas, galinhas d‟Angola “faraona”) e os ovos, quando
eram vendidos, cobriam os pequenos gastos diários de

91
Zanotelli, pg. 115
181
sal, botões, linha, e temperos, alguns cadernos e lápis, e
as “lousas” para a escola...
Os suínos, no início eram todos utilizados para
alimento: carnes, embutidos, banha. Depois que surgiram
os frigoríficos (década de 1930...) um bom número de
porcos era vendido, ficava sempre uma dúzia para o
abate e utilização doméstica.
Vacas e bois raramente eram vendidos. Eram
entregues (um a cada seis meses) para o açougueiro que,
abatia e vendia ou entregava a carne aos colonos. O
animal entregue era devolvido em porções semanais.
Assim o colono sempre tinha carne fresca sem despender
dinheiro. Quando as cotas se esgotavam o colono
entregava nova rês.
Ovelhas e cabras eram raras nos potreiros dos
Dalla Vecchia.
O vinho e as frutas (muitas e variegadas, agregadas
às frutas de origem européia), como bananas, ananás e
abacaxis também não eram destinados ao comércio. O
excedente perdia-se, doava-se...
Queijos, salames, copas, banha... serão também
vendidos, só bem entrado o século XX.
Mais tarde, os Dalla Vecchia também diziam que o
sucesso vem do comércio... e do moinho. Os Dalla
Vecchia dedicaram-se ao comércio e tiveram sucesso
como comerciantes. São testemunhas disso as cidades de
Soledade, Encantado, Erechim, Ponte Serrada, Aratiba, o
Oeste paranaense e hoje Rondônia e Mato Grosso... como
também na Itália.
182
O moinho colonial, com mós de pedra, para moer o
milho e o trigo era, para os colonos um lugar de
contradição. O agricultor levava 60 quilos de trigo e
esperava mais do que 45 quilos de farinha. O moinheiro
entregava menos e, além do custo da moagem, regateava
ficar com o farelo, a quirela... E assim como o colono
sempre desconfiava da balança do vendeiro localizado no
núcleo da comunidade (onde estava a capela, o cemitério,
a escola, e um salão de festas), assim sempre deitava
suspeitas sobre o moinheiro. E os Dalla Vecchia também
estavam dos dois lados: como comerciantes e moinheiros
e como colonos que se serviam do moinho e da venda.

5. Os Dalla Vecchia construíam suas residências.

Na perspectiva estética dos Dalla Vecchia, com


memórias guardadas do Vêneto, estavam presentes as
montanhas, os vales, o receio das inundações que os rios
Ádige e Pó não deixava apagar, os porões de pedra (la
cantina) com abrigo fresco para o vinho, salames e
queijos.
O pé direito tanto dos porões como da casa era
sempre alto (cerca de 4 metros). As casas de madeira
sobre o porão de pedra (irregulares mas magistralmente
alinhadas), geralmente com 2 edifícios, um reservado à
cozinha e sala de jantar e o outro para sala de estar ampla
para reuniões maiores e vários quartos (geralmente acima
de 5), uns no primeiro e outros no segundo piso à beira

183
do telhado (su sora). Os telhados, em duas águas,
permitiam janelas grandes nas extremidades altas.
Entre os dois prédios, uma espaçosa varanda coberta
e aberta, ao nível do primeiro piso, servia de entrada da
casa e lugar comum de estar para as prosas familiares e
as canções em noites de verão. Os corrimões que
cercavam a varanda e a entrada da casa eram sustentados
por colunetas (às vezes simples tábuas), adornadas com
motivos artísticos, tanto quanto também as abas do
telhado.
As tábuas eram serradas manualmente: a tora de
pinho (araucária brasiliensis), com 5,80 ms. de
comprimento e com cerca de 0,80 ms. de diâmetro, era
erguida sobre um pequeno estrado ou cavalete e, um
homem embaixo, outro em cima da tora, puxavam a serra
manual no melhor alinhamento possível. Daí a expressão:
“serrar de cima” como privilégio e “serrar de baixo”
como castigo ou sofrimento, uma vez que a serragem
toda caía por cima deste último.
Para os galpões, usavam-se também pranchas
lascadas com cunhas, tendo em vista que o pinheiro é
muito próprio para lascar. Do pinheiro também extraíam
as telhas (candole), pequenas tábuas, primeiramente
lascadas e em seguida alisadas com uma lâmina de aço
puxada com as duas mãos.
Muito embora a dificuldade de conseguir vidraças
para as janelas, estas eram amplas, possibilitando
arejamento, iluminação e visão do vale. As fechaduras?
Taramelas (tramelas) de madeira tanto para janelas como
para as portas sendo que as portas de saída tinham uma
184
pequena tranca interna que era erguida por fora por um
cordão.
Os móveis, poucos e rústicos (camas, assentos,
armários, mesas, gamelas, bacias, etc.) eram feitos em
casa, pelo próprio colono, sendo que os Dalla Vecchia
eram exímios nisso, com madeira de pinho ou de lei
(cedro, canela, imbuia, angico, louro, grápia etc.).
Para se avaliar a capacidade de carpintaria dos
Dalla Vecchia é muito significativo ver o altar-mor da
Igreja de São Pedro de Encantado, elaborado
artesanalmente por Pedro Dalla Vecchia no início do
século XX.

6. Alimentação e Consumo

A dieta diária dos Dalla Vecchia enriqueceu-se


com o passar do tempo. À polenta, queijo, leite, massas,
verduras acresceram-se carnes e embutidos, feijão, arroz
e muitas frutas. Aos domingos a alimentação era mais
variada.
Às carnes de aves (galinhas, galinhas de Angola,
pombas, faisões, perus, patos, marrecos, gansos, ) de
ovinos, caprinos, suínos e vacum, agregavam-se sempre
as saborosas carnes de caça ( veados, pacas, cotias,
lebres, capivaras, antas, e aves como papagaios, pombas,
tucanos, umbus, jacus, urus, etc. abundantes na região até
1940) e peixes.
185
À mesa comparecia diariamente a polenta, o pão
(mais escassamente do que a polenta), o queijo, o salame,
a sopa “minestra”, o arroz, o feijão, as carnes (“lessa”:
cozida na água, ou “rostia”: frita), as saladas verdes (de
radicci, rúculas, alfaces, cenouras, beterrabas, cebolas,
tomates, repolhos) e couves, o vinho em abundância, um
gole de “graspa” no café, e para sobremesa: frutas, doces,
geléias...

Antônio Pretto Dalla Vecchia: salames secando acima do fogão a


lenha. Atrás, a cuia do chimarrão.

O “brodo” (caldo de galinha velha) era pretexto


para reuniões à noite entre amigos e vizinhos (filó), bem
186
como para surpresas de aniversário. Os aniversários
festejados eram dos adultos. Para as crianças não era
costume fazer festa de aniversário.
Nas festas de “sagra”, em honra do padroeiro da
capela, havia galinhas, churrascos, cucas, bolachas,
vinhos, doces... Bebidas? Vinhos, graspa, gasosas,
licores...

7. Poupança

Trabalhar e poupar: capitalizar.


- “Como vais?
- „Manco male‟, respondia o outro colono, ao ser
saudado. Nunca dizia que estava bem. Era falta de
modéstia, jactância. Contar o sucesso de produção,
disfarçando e desprezando o muito com “pouco e
miséria” era melhor. Dizer que vai bem é arrogância,
prepotência...dizer que vai mais ou menos, ou menos mal
era, sem dúvida, uma forma arrogante sob a capa da
humildade...
E poupar. Poupar sempre, poupar tudo. Esbanjar
era sempre pecado. Com a pele e a lembrança curtidas
pelas ansiedades que a doença trazia, pela fome e pela
pelagra que varria a Itália dos emigrantes, era necessário
poupar, prevenir, assegurar o futuro. “Chi sparagna vede
la cucagna” (quem poupa verá a abundância). Por outro
lado a quem exagerasse no poupar, acumulando riquezas
e desprezando os outros, não faltava o lembrete: “chi
187
sparagna, gata magna” (o rato roi a roupa de quem
muito poupa).
Poupar para os momentos difíceis (doenças,
carestias, velhice). Poupar para comprar novas terras.
Poupar para capitalizar. A riqueza vem do trabalho.
E o que fazer com a poupança? Guardar em casa,
embaixo do colchão. Emprestar a juros. Depositar no
banco (especialmente no Banco Pelotense) que prometia
juros e vantagens. E com a falência do Banco Pelotense,
esfumaram-se as poupanças de muitos colonos.
É interessante perceber que a ética protestante
como espírito do capitalismo de que nos fala Max Weber,
vinha confusamente no espírito dos imigrantes italianos e
especificamente dos Dalla Vecchia. Com efeito, a
industrialização e as instituições do capitalismo liberal
marcavam a Europa, maximamente Inglaterra,
Alemanha, França e o norte da Itália (Milão, Turim). As
estradas de ferro rasgavam a Itália de norte a sul, de leste
a oeste e a inseriam na Europa. Por isso a mentalidade de
poupar, de acumular, de capitalizar não apenas para fazer
frente às dificuldades futuras, mas para ter sucesso e
mostrar que era abençoado por Deus. O sucesso e a
bênção como sinal da pre-destinação de Deus para a
Salvação não eram tão evidentes.

188
8. Organização social

8.1- Família

A família Dalla Vecchia, a exemplo de quase todos


os imigrantes, especialmente dos italianos, era extensa.
Não era apenas uma família nuclear (pais e filhos), mas
ampla, abrangendo parentes consangüíneos e afins e de
mais de uma geração.
Os parentes sempre se sentiram ligados entre si.
Por vezes bastava o sobrenome para que as pessoas se
sentissem ligadas e até íntimas em poucas e rápidas
relações. Isto se explica pelas próprias condições da
imigração: fortalecer o grupo de pertença para fazer
frente ao desconhecido e até hostil.
O parentesco como vinculação social marcou os
Dalla Vecchia tanto na Europa quanto mais no Brasil. A
família extensa funcionava como corporação de trabalho,
como organização política, como sistema moralizante e
fiscalizador dos padrões de conduta social.
O parentesco, a monogamia acima de qualquer
suspeita, a inadmissibilidade do divórcio e mesmo da
separação de casados, e muito menos ainda a permissão
de novas ligações matrimoniais (tidas sempre como
adúlteras), a repressão sexual que levava a maioria
absoluta dos jovens a casarem virgens e ingênuos (tanto
homens como mulheres), a impensabilidade do aborto (e
até do controle da natalidade), a subordinação da mulher
ao marido nos negócios e questões sociais, - muito
189
embora ela tivesse algum espaço de independência no
manejo da casa -, a subordinação dos filhos (mesmo
casados) aos pais e, a reverência quase religiosa aos mais
velhos, eram tantos outros padrões familiares de conduta
que marcavam os Dalla Vecchia.
Muito embora os namoros surgissem, furtiva e
espontaneamente, nas festas e liturgias da capela, ou nos
serões (filós) e mutirões, o noivado (o noivado sempre
antecedia o casamento) deveria ter a aprovação dos pais
(quando não da família extensa)92. O pai do futuro noivo,
ia até a casa da futura noiva e formulava o pedido oficial.
Depois de saberem que os namorados “se queriam bem”
(i se vol ben), e todos sabiam previamente disso, mas
fingiam não saber, tornava-se público o assentimento dos
pais.
Começava, então, para os agora noivos, a
preparação para o casamento. A moça preparava o
enxoval: roupas e louças. O rapaz providenciava a casa
(às vezes na própria terra dos pais), uma junta de bois,
uma vaca, um cavalo, ferramentas mínimas, e um traje
apropriado para o casamento.
Mesmo depois de noivos, embora estes tivessem
mais liberdade, não eram aceitas intimidades, como
beijar-se em público e muito menos toques e carícias
sensuais.

92
Dentre os critérios utilizados para o consentimento ao noivado poderíamos
enumerar: ser católico praticante; não ter antecedentes morais negativos; ser de
origem italiana; não ser negro, bugre, mulato...; acenar com bens suficientes (ser
proprietário)... A convivência mudará aos poucos esses critérios. Hoje, pode-se
dizer que eles inexistem. O homossexualismo era inadmissível.
190
O casamento era uma festa não só da família mas
de toda a comunidade. Ao rito religioso (que tinha
validade civil93), seguia-se o almoço mais variegado e
suculento possível (era questão de demonstração de
status), com música, canções, brincadeiras picarescas, até
o final da tarde quando os noivos sumiam para seu novo
lar.
A falta de informação e a inexperiência sexual
geravam, então, os quadros mais cômicos se não fossem
quase trágicos e que só bem mais tarde os homens e
mulheres repartiam a seus pares com hilaridade.
A sensualidade e o prazer eram reservados para o
homem, quando aconteciam, e eram sempre vistos como
luxúria, quase pecado. Impensáveis para a mulher. A
mulher tolerava (poucas aceitavam prazerosamente) o ato
sexual como meio para a procriação. E esta sempre era
difícil e trabalhosa. Muitas mulheres confessavam, já
velhas e até viúvas, que nunca tinham experimentado um
orgasmo, muito embora tivessem mais de dez filhos.
Mas a convivência do casal, se não podia ser
completa, sempre era prazerosa. E aqueles agricultores,
nos parâmetros ditados pela religião do Estado de
Cristandade, contentavam-se com essas alegrias como se
fossem naturais.

93
No Brasil, assim como era definido no Estado de Cristandade, o casamento
religioso tinha validade civil, assim como seu registro (e o de nascimento e
óbito) que era feito sempre nos livros da Igreja. A separação do casamento
religioso do casamento civil só aconteceu com o advento da República (1891)
mas o registro civil só aconteceu em 1916. Assim, para encontrar registro dos
Dalla Vecchia, antes desta data, deve-se recorrer aos registros religiosos
recolhidos à Secretaria das dioceses respectivas.
191
Infidelidade? Nem pensar. E, afora raríssimas e
deploradas exceções, o casal levava à risca o
compromisso que anunciara no altar: “até que a morte
nos separe”. Assim, mesmo em condições quase
desumanas de convivência e de tolerância, o casal
mantinha o casamento até o fim da vida. Por outro lado,
mostrava que, mesmo acima do prazer e até contra o
prazer, era preciso ser homem, cristão, fiel e passar esse
exemplo aos filhos e netos.
O Estado de Cristandade, com o dualismo anti-
cristão de sofrimento contra o prazer, só será superado,
aos poucos quando o Concílio Vaticano II (1962-1965),
exigir uma renovação da vida cristã buscando nas raízes
do amor, da comunidade, da justiça e da alegria a fonte
do viver.
Família numerosa: não só pela alta taxa de
natalidade como pela baixa taxa de mortalidade infantil
em confronto com as altíssimas taxas de mortalidade
experimentadas por eles na Itália, incluindo o Vêneto. Lá
a situação difícil para a família era causada por falta de
alimentação adequada (cf. a pelagra...), por péssimas
condições de moradia e de higiene. Sirva de exemplo o
número de filhos das primeiras famílias originadas de
Ângelo Dalla Vecchia, filho de Beniamino.
Sabemos que Beniamino teve 3 filhos na Itália. Ele
próprio e uma filha (Catarina) faleceram na viagem. Seus
dois filhos remanescentes, Pedro e Ângelo, tiveram
respectivamente 15 e 21 filhos. Estes, por sua vez
tiveram, em média, mais de 10 filhos.

192
A necessidade de braços para trabalhar a terra, o
isolamento dos grupos de imigrantes dentro de um país
que, em tudo, lhes era estranho embora acolhedor, fez
com que a família Dalla Vecchia vivesse (e para isso
fosse incentivada pela comunidade religiosa e pelo clero)
à mística dos muitos filhos, à mística de ter todos os
filhos que Deus quisesse lhes dar, de a mulher passar
bem mais de 10 anos da vida grávida, e de trabalhar de
sol a sol nestas condições e com filhos pequenos a cuidar.
Porque numerosa e extensa, a família era
incentivada a ser também solidária.
Em primeiro lugar, os filhos aprendiam a repartir
tudo o que havia sem reclamar: os sapatos, as roupas, os
livros, dos mais velhos passavam para os mais jovens tão
logo lhes deixassem de servir. Os irmãos mais velhos (às
vezes com 7 ou 8 anos) encarregavam-se de cuidar dos
menores enquanto os pais trabalhavam na lavoura.
A solidariedade de todos para com os doentes (que
gozavam da prioridade dos poucos recursos disponíveis)
levava a todos ao exercício muito freqüente da renúncia,
do sacrifício, da poupança, da frugalidade até como
ascese religiosa cristã.
Por outro lado, na grande família extensa Dalla
Vecchia, o auxílio mútuo, os empréstimos, os socorros,
as festas de aniversários, casamentos congraçaram
sempre seus membros que aprenderam a traduzir o
espírito de comunidade cristã em forma de solidariedade
familiar e de parentesco.

193
Algumas vezes, porém, essa solidariedade foi
usada para alguns trapacearem os outros, tendo em vista
o alto grau de mútua confiabilidade (porque eram
parentes) e pela informalidade das transações daí
decorrentes.

A família Dalla Vecchia era profundamente


religiosa. Toda a atividade se desenvolvia em torno da
oração e da Igreja.

Uma família que canta: canta para cantar, canta


para rezar, canta para sepultar, canta para trabalhar, canta
para descansar, canta para tudo... Qualquer pretexto para
reunir é um pretexto para cantar. E as canções sempre
polifônicas cuidando mais da harmonia do que do
compasso.

E, além de todos cantarem, homens e mulheres nos


rituais litúrgicos das missas e dos terços, com as
ladainhas em latim a ecoar pelas montanhas, havia os
corais afinados para as missas cantadas. Com partituras,
com regência severa e uma baqueta batendo o compasso
na estante. Pedro Dalla Vecchia não só regia o coral em
Encantado, como também escrevia as partituras para o
conjunto.

194
Livro de missa cantada copiada e composta por Pedro Dalla
Vecchia
E os ensaios davam às noites enluaradas um
caráter sagrado e quase místico que fazia bem à alma e à
esperança daqueles lavradores. Eles eram os professores,
e todos os jovens e adultos, em princípio eram candidatos
ao coral da Igreja.
À noite, logo antes ou depois da janta e do terço,
cada família era um coral na varanda a entoar canções do
folclore italiano. E as canções com várias estrofes
traziam sempre como estribilho (“ritornello”) e pano de
fundo: as montanhas, o namoro, o amor, a guerra, o mar,
a dor, a religiosidade, o congraçamento que se faz
harmonia afinada bem pertinho do ouvido do outro.(cf.
Zanotelli, a Saga de um Imigrante Trentino).

195
O primeiro canto da missa a três vozes copiada por Pedro Dalla
Vecchia

8.2 Relações sociais.

As relações sociais da família Dalla Vecchia eram


marcadas pelo patriarcalismo e pela dinâmica do Estado
de Cristandade. Na hierarquia social encimada pelo clero
ao qual tudo obedecia, o patriarca familiar (proprietário e
pai de numerosos filhos) detinha o status mais evidente.
Muitos resquícios do feudalismo e da servidão podiam

196
ser encontrados nas relações familiares, de vizinhança, de
comunidade etc.
As relações sociais intra-familiares eram marcadas
pelos laços do familismo: porque eram muitos os irmãos,
sempre havia um irmão ou irmã que era o confidente, o
mais íntimo, e isto dava um sabor de ternura às relações
fraternas. Mesmo que houvesse rixa com um ou mais
irmãos, haveria outro que ouviria, que amparava, que
animava.
O mesmo se diga dos grupos de adolescentes e
jovens (quase gangues) dos primos contra outras
famílias. Se, com os pais e mais velhos, aprendia-se a
severidade da hierarquia (os pais não beijavam nem
acariciavam os filhos...a exigência de disciplina era o
melhor carinho) com os irmãos exercia-se a igualdade.
O centro de convivência e de relacionamento
social mais claro era constituído pela capela (numa
encruzilhada ou no meio de uma linha em terras de um
colono que, cedendo-as, também tinha interesse de
valorizar suas terras) ao redor da qual estavam: um salão
comunitário que, muitas vezes, servia como escola; um
cemitério dentro do qual não se enterravam suicidas ou
não católicos); uma “bodega” (pequena casa comercial de
“secos e molhados”); nunca poderia faltar sob pena de
“lesa traição à tradição” uma cancha de bochas e mesas
para o jogo de mora e de quatrilho.
Na hora do ato litúrgico, fechavam-se as casas e os
jogos e todos, invariavelmente todos, iam ao terço ou à
missa.

197
Aos domingos, por ocasião do rito religioso, ou nas
visitas familiares, as mulheres reuniam-se com as
mulheres, os homens adultos entre si, as crianças e os
jovens ficavam mais a vontade.
De quando em quando, longe das capelas, surgia,
por iniciativa de um colono ou de um grupo de vizinhos,
um “capitel”: pequena capela dedicada a um santo de
devoção especial e para pagar promessas. Esses oratórios,
às vezes, na festa do santo, reuniam um bom número de
fiéis.
O mesmo se diga de inúmeras “grutas” que se
transformavam em capitéis. E a festa na gruta era sempre
memorável.

As relações difusas de servidão aparecem na


subordinação da mulher ao homem, no tratamento dado
aos raros empregados e especialmente às empregadas
domésticas (a quem se dava o nome de “serva”).
Os remanescentes descendentes de índios, os
descendentes de escravos (a quem a lei não permitia
adquirir terras de colonização) e que trabalhavam como
diaristas por um prato de comida e algum trocado, eram
discriminados como inferiores. Aos poucos, o termo
brasiliano, para designar os que não eram imigrantes
europeus recentes (italianos, alemães, poloneses...),
passou a ser depreciativo e quase sinônimo de:
preguiçoso, indolente, esbanjador, não proprietário, quase
ou como escravo, supersticioso, não confiável,

198
mulherengo, pouco afeito ao trabalho e sem perspectivas
de futuro melhor.
Quanto mais pobre, e na lógica crescente do
capitalismo, mais discriminado e excluído.
E o sucesso econômico (a inclusão social também)
era atribuído ao trabalho, ao esforço pessoal sem olhar as
condições do modo de produção em que estavam os
colonos inseridos.
Os Dalla Vecchia, como imigrantes italianos,
tinham, portanto, uma visão etnocêntrica e quase racista
marcada pela situação da Itália e pela escravidão no
Brasil: A Itália vivia em beligerância com os negros da
África especialmente Abissínia..; os imigrantes vieram
para substituir a mão de obra escrava, porque mais
qualificados que os escravos... Os preconceitos de lá e de
cá não deixaram de afetar sua cultura...
Os Dalla Vecchia nunca conceberiam que um filho
ou filha casasse com um negro ou mulato, aos quais eles
associavam os brasileiros (“brasiliani”) como também
não conceberiam, até bem passado 1950, que um Dalla
Vecchia casasse com uma alemã (os alemães eram
preponderantemente protestantes...).
Embora tudo isso, porém, os negros conviveram
bem com os Dalla Vecchia: trabalhavam como
assalariados para os Dalla Vecchia, tomavam as refeições
à mesa como todos os familiares; eram ajudados com
donativos, no exercício da caridade e da piedade. A
discriminação racial e religiosa, era para os primeiros

199
Dalla Vecchia no Brasil, um fator de manutenção da
auto-estima e da identidade.
Hoje, a integração social, a miscigenação, a
tolerância mudaram estes pre-conceitos, muito embora
permaneçam como brasas debaixo das cinzas, no riso
zombeteiro dos mais velhos.
As relações sociais de vizinhança eram guardadas
com muito cuidado, considerando a necessidade que cada
vizinho tinha do outro. Um atrito de vizinhos era o menos
recomendável. As trocas de pequenos presentes (uma
costela de porco por ocasião do abate, frutas
excepcionais...especialmente queijos e ovos às mulheres
quando davam à luz uma criança) reforçavam os laços. O
trabalho conjunto na abertura e conservação das estradas
também. Os maiores atritos derivavam quase sempre dos
prejuízos causados por animais que fugiam do cercado e
das traquinagens das crianças e jovens.

9. Organização Política e ideologia

9.1 O poder - Estrutura - formas - ritos e


símbolos – encenações.

Dentro de um sistema quase feudal (o feudalismo


só findou no Norte da Itália em 184894), com as terras em

94
Cf. Zanotelli, a saga... pg 19 ss.
200
mãos de poucos senhores (alguns deles bispos), a
submissão ao poder se mostrava antes de mais nada pela
religião. O poder emana da religião. “Deus é o dono do
mundo, o papa é o representante de Deus na terra e os
bispos e sacerdotes representam o papa”...era o
argumento definitório do Estado de Cristandade95.
E a religião católica, na senda da teologia medieval
que era inspirada na visão indo-européia de Platão,
insistia equivocadamente em dizer que Deus criou os
homens em 3 categorias: uns para trabalhar, outros para
comandar e guerrear e outros para rezar. Cada homem
teria assim uma vocação dada pela natureza que Deus
criou em cada um: assim uns são “chamados”, têm
vocação para o sacerdócio, outros para governar e outros
para trabalhar. A obediência a essas vocações geraria a
justiça e a paz. Haveria, assim, três estamentos, quase
castas, com superposição e subordinação clara.
Entre os imigrantes italianos o status mais elevado
era do clero e dos religiosos. Depois vinha o status do
político e dos pais. Por fim o status de trabalhador, com
mais consideração ao artesão do que ao colono lavrador.
O poder tinha, então, hierarquia e, assim, era exercido.
O controle social mais forte era exercido pela
96
Igreja . O que o padre dizia era sagrado e absoluto.

95
Cf. o Estado de Cristandade in Zanotelli a Saga de um Imigrante Trentino.
96
O Estado de Cristandade centrado no Estado, através do Padroado, para os
Dalla Vecchia, conflitava com a idéia de centralização da Igreja e da Religião na
pessoa do Papa e da Hierarquia. A Romanização da Igreja brasileira acontecia
desde o Concílio Vaticano I, de 1859... No Brasil esta romanização gerou
conflitos como a Questão Religiosa de 1872, quando dois bispos foram presos e
obrigados a trabalhos forçados pelo Império Brasileiro.
201
Deveria ser seguido e obedecido sem discussão. Afinal
de contas ele era entendido nas leis de Deus e da Igreja e
a elas tudo estava subordinado. Essas leis não eram a
expressão de convenções humanas mas refletiam a
própria natureza das coisas. A fé era o modo mais
profundo e absoluto do conhecimento. Obedecer aos
mandamentos de Deus e da Igreja (sempre decorados no
catecismo) fazia com que todas as coisas estivessem no
seu devido lugar.
Havia, assim, um controle de quem ia ou não ia à
missa ou à reza do terço na capela, aos domingos e dias
santificados, (quem não fosse era “comunista”); a
confissão auricular assídua e a comunhão não apenas
uma vez por ano... o batismo imediatamente logo após o
nascimento, o casamento entre noivos virgens, em tudo
vigorava o poder e o controle hierarquizado.
A prática dos ritos e a manutenção dos mitos
misturados com teologia97 reforçavam o poder dos
ministros religiosos (verdadeiros “intelectuais orgânicos”
dos imigrantes italianos).
As armas da “excomunhão”, da “interdição” e da
“Inquisição” embora vistas como longínquas e quase
inaplicáveis, permaneciam, no entanto, sempre no
horizonte da possibilidade do controle da conduta
individual e social, e da ameaça verbal.

97
Muitas explicações eram atribuídas à Bíblia ou à história de Cristo, sem
fundamento nenhum na realidade. Assim para explicar o racismo dizia-se:
“quando Deus andava na terra...e fugiu para a África...os negros não o
acataram...foram amaldiçoados”. O mesmo se dizia para explicar porque o
quero-quero não pousa em árvores etc...
202
A maldição, porém, era uma ameaça concreta e
sempre possível, tanto ( e sempre pior ) quando provinha
do padre, como quando provinha dos pais que, em casa,
conduziam e controlavam a conduta ( “a bachetta”). O
filho amaldiçoado pelos pais (especialmente pelo pai) ou
pelo padre, estava perdido. Não teria mais sossêgo nem
esperança possível. Por isso a maldição, dizia-se, era
reservada aos quase endemoninhados.
A religião, introjetada ideologicamente, realizava o
controle dos desejos, sentimentos e emoções (sempre
vistos como perversos, como maus, como demoníacos) e
exaltava a ascese corporal, do sofrimento como mística,
como santificação. O fato de que muitas mulheres (mais
mulheres do que homens), entre os Dalla Vecchia,
buscaram o caminho da vida religiosa e fugiram do
casamento, indica que o casamento era para elas um
“perigo” de salvação, e isso por dois motivos: pelo prazer
do sexo, visto como tentação e pelo acúmulo de trabalhos
que o casamento trazia para todos, especialmente para a
mulher. Distraídos, dispersos nos trabalhos “do mundo”,
os casados não tinham tempo para se dedicar à alma e à
salvação. E, para que se vive neste mundo, senão para
salvar a alma?
O celibato era decantado como o ideal de vida para
todos. “Infelizmente, nem todos são capazes de viver
celibatariamente”, dizia-se. E então, “é melhor casar-se
do que abrasar-se”.
Este ideal celibatário ocupava o mundo simbólico
de muito jovem que adotava maneirismos de fuga ao
feminino, confundido às vezes com comportamentos
203
efeminados ou homossexuais, encobrindo um vulcão de
sexualidade não expressa. Mesmo a maior virilidade e
saúde hormonal masculina era sempre mantida nos
limites precisos demarcados pela religião e pela fé. Pelo
que se sabe poucos deveriam ser os casos de
masturbação, de relações sexuais antes e fora do
casamento, e menos ainda contatos com animais.
Esse controle quase heróico tinha como suporte a
religião, a moral sempre lembrada pelos pais e pelos
padres, a participação efetiva nas congregações e
movimentos religiosos...Quando eram poucos os padres,
quando apenas funcionava o padre leigo, as coisas
deveriam ser mais difíceis... A religião do Estado de
Cristandade permeava, orientava, fundava e controlava a
vida dos Dalla Vecchia sempre e em toda parte. O tempo,
o espaço, a vida, a morte, tudo era embebido no sentido
religioso da Cristandade.
Os símbolos do poder estavam por toda parte: O
pai que pouco falava, (o silêncio é um símbolo), sentado
à cabeceira da mesa e servido em primeiro lugar; a
mulher servindo a todos e cuidando da cozinha e da casa;
o cinto dependurado à parede (como instrumento para
bater e castigar); os negócios realizados só pelo marido
(mulher não se mete em negócios), embora à noite o
casal dialogasse sobre os negócios, pois negócio é coisa
de homens e entre os homens; o marido controla o
dinheiro, os filhos pouco dinheiro vêem, as filhas menos
ainda; a razão sempre está com os pais e especialmente
com o pai; os pais decidem o casamento dos filhos; a
blasfêmia (embora poucos Dalla Vecchia a
empregassem) só proferidas por homens, eram
204
demonstração de insubordinação, de autonomia frente
aos padres e às normas religiosas vistas ou vividas como
normas políticas.
Dentre os símbolos mais evidentes do poder estão
a capela ( a melhor casa da comunidade, com um potente
sino que lembra, define, marca impecavelmente as horas
de rezar e trabalhar); o latim como língua dos cultos, e
tanto mais importante quanto mais incompreensível; e ser
associado à diretoria da igreja (fabriqueiro, festeiro,
“padre leigo” puxador de terço, dos cantos e litânias
polifônicas, dos sepultamentos com ritual em latim e
cantado) ou ter um padre ou uma freira na família... Era o
mesmo que guindar a família ao topo da hierarquia
social. Um pouco dessa posição passava para quem
estudasse no convento ou seminário para padre ou freira.
Era uma clara forma de ascensão social. Era uma coisa
lícita, querida por todos e a melhor de todas. Mas era
preciso ter vocação...

9.2- O poder político

Por formação religiosa (dentro do Estado de


Cristandade onde Política e Religião se vinculavam), e
por experiência política de seus antepassados, os Dalla
Vecchia zelavam por uma proximidade aos centros de
poder. Uma lembrança de aristocracia e nobreza marcava
suas atitudes políticas. Assim, foi determinante para sua
decisão de emigrar para o Brasil e não para a Argentina
205
(uma oportunidade que lhes era concreta), o fato de que o
Brasil era um império e a Argentina república. Como
dissemos, acima, os Dalla Vecchia pertenciam à lista dos
nobres de Vicenza, muito embora a pobreza em que
viviam os emigrantes.
Uma república? Era o espaço do popular (visto
com certo desprezo porque não tinham nome nem berço),
dos liberais (inimigos da hierarquia da Igreja a quem os
Dalla Vecchia eram fiéis), dos grupos clandestinos
(maçônicos e carbonários que se diziam livres pensadores
e até ateus). Uma república não representava o país que
os Dalla Vecchia buscavam para sua família e sua fé. O
Brasil era o único país que não era República na América
Latina. Os Dalla Vecchia o preferiram.
Essa lembrança da proximidade do poder não se
esvaiu na vida e na organização social dos Dalla Vecchia.
Pode-se dizer que, em política, em geral, os Dalla
Vecchia eram conservadores, zelosos da ordem e da
autoridade. Tendo o vigário como intelectual orgânico e
mediador, os Dalla Vecchia tinham proximidade com o
delegado, o prefeito, com a diretoria da Igreja (eram
fabriqueiros tanto em Jacarezinho como em Encantado).
Com o advento da República, com a experiência
das atrocidades das revoluções das degolas (1893 e
1923), o confisco de seus cavalos e de suas vacas, fez
com que, como a maioria dos imigrantes italianos da
Serra e dos vales de Encantado, os Dalla Vecchia
pendessem para a admiração e o comando de Getúlio
Vargas. A maioria dos Dalla Vecchia passaram a ser
getulistas e, mais tarde, alguns até brizolistas. Mas, os
206
partidos conservadores sempre encontraram nos Dalla
Vecchia seu apoio.
Quando o Comunismo apontou no horizonte da
história européia (1917), o clero orientou os imigrantes
para um anti-comunismo radical. “Comunista” passou a
ser epíteto atribuído a todos os rebeldes, descontentes,
anti-clericais, blasfemos... Como dissemos, não ir à missa
era ser comunista. Ter qualquer deslize sexual, ou não
pagar suas dívidas era ser comunista. O comunismo era
pintado como o terror.Depois da década de 1970, a
exigência de dignidade e respeito, de justiça, levou os
jovens Dalla Vecchia, muitos já empobrecidos e uns
poucos com sucesso empresarial, a oferecer quadros para
movimentos sociais de esquerda: PT, MST, à semelhança
do conservadorismo de Trento na Itália que gerou as
brigadas vermelhas na década de 1970. Se os avós eram
conservadores, os pais conservadores-liberais, os filhos,
em grande número, serão de tendência socialista, até
como exigência de justiça da fé cristã.

10. Organização cultural

10.1 Educação informal

A educação informal era a conformação aos


princípios da moral e da religião e visava formar um
homem bom, honesto, trabalhador, paciente e religioso.
207
Esses eram os elogios para o homem exemplar e que
eram proferidos especialmente nos elogios fúnebres.
O que se aprendia? O que se ensinava?
O menino aprendia antes de mais nada a
“respeitar” os mais velhos, a ouvir tudo o que eles tinham
a dizer, a não “responder”, isto é, a não se rebelar. Os
pais imigrantes italianos costumavam bater em seus
filhos, como extrema exigência de disciplina. Os Dalla
Vecchia, porém, tinham, por tradição, não bater nos
filhos, pelo menos, não eram violentos no bater e
castigar.
As mães eram mais moderadas, davam palmadas,
puxões de orelha, repreensões e pouco mais, ameaçando
sempre, em casos extremos, com a autoridade do pai. Ter
a mãe como aliada, que nada revelasse ao pai das
traquinagens cometidas, era de importância vital... E
quando os meninos disparavam para não apanhar, a mãe
lembrava: “te arriverai sul fil della polenta” (voltarás
certamente na hora do jantar).
Impressiona o testemunho de que naqueles tempos
muitas famílias percebiam que era mais eficiente pedir do
que mandar. Lembro de minha avó Francisca, esposa de
Antônio, que educou seus 12 filhos sem nunca ter batido,
nem mandado. Um pedido dela era irresistível tanto para
os filhos como para os netos. Dizia: por favor, busca um
balde de água (Da bravo, va torme una secia d´ácqua” 98
Os meninos aprendiam cedo as lidas com os bois,
com o arado, com a carroça, com buscar lenha e água,

98
Lembranças de Jandir João Dalla Vecchia Zanotelli, autor majoritário do texto.
208
com buscar vinho e salames no porão, com os trabalhos
mais pesados e em circunstâncias mais difíceis ( chuva,
frio...). As meninas aprendiam a varrer e arrumar a casa,
lavar a louça, a fazer todo tipo de comidas e temperos, a
conhecer todas as ervas e suas valias, a tirar leite das
vacas, a cuidar dos pintos e galinhas, a cuidar dos irmãos
em casa, a lavar a roupa, a remendar, a trançar palhas
para fazer chapéus e cestos (drezze), a recatar-se e
silenciar por trás dos homens (pai e irmãos...).
Na hora do trabalho da lavoura, não havia
distinção de sexo... a dureza era para todos... E no meio
do trabalho, as crianças se “perdiam” brincando... não
havia outro espaço para brincar. Aprendia-se a viver
vivendo.
Os hábitos de vestir, muito embora a precariedade
da situação, mantiveram sempre um ar senhoril, como se
pode ver nas fotografias (gravatas, relógios, paletós,
vestidos rendados...)
Pode-se dizer o mesmo dos mínimos hábitos de
higiene, de alimentação, de acolhimento às visitas.
Sua visão de mundo se expressa também nas artes
que cultivavam: de marcenaria, carpintaria, música, com
seus corais, suas bandas.

10.2 - Educação formal

“A escola é para meninos e não para meninas. Elas


não necessitam de escola” ( dizia Antônio Vicenzi Dalla
209
Vecchia quando Ana e Maria queriam estudar). As
mulheres, como donas de casa não necessitavam saber ler
e escrever. Elas retrucavam que para ler os livros
sagrados, os livros de reza e o catecismo era preciso
saber ler, escrever e contar...
A educação escolar visava ao principal: negócios e
religião. Geralmente a escola ensinava a ler, escrever e
contar e não passava do Terceiro Livro (três anos
escolares).
Entre os Dalla Vecchia, como entre todos os
imigrantes italianos, a necessidade de aprender a ler não
era tanta como entre os alemães (protestantes) para quem
ler a Bíblia (para homens e mulheres) era de vital
importância religiosa, social e até política.
Uma “lousa” de pedra (miniatura de quadro negro
emoldurado em madeira) era o lugar dos exercícios,
escritos com uma caneta de pedra. Fazer o exercício,
apresentar para a professora (alguma menina mais atilada
da comunidade) e apagar (com um paninho e água “ou
cuspe mesmo”, como diriam os meninos travessos) para
novos exercícios e para levar o dever a ser feito em casa.
A professora tinha, por autorização explícita e
renovada dos pais, a autoridade suprema para ensinar,
corrigir, castigar. E se os pais soubessem que o filho foi
castigado, era o mesmo castigado de novo em casa, e sem
perguntar o motivo.
Muito embora, toda a encenação de autoridade, os
meninos e meninas sabiam como negociar seus segredos,
suas conivências, sempre lembradas na fase adulta.

210
11. Religião - moral e ética - desejos e ascese

A religião católica, presente em tudo e sempre, foi


o elo de ligação para todas as relações sociais (as
econômicas, as políticas, as culturais, as recreativas, e
principalmente familiares), cimentando os valores, as
esperanças, os limites e vedações, ritualizando os
símbolos e significações.
Encontraremos os Dalla Vecchia sempre
envolvidos com atividades e preocupações religiosas.
Católicos fervorosos, achavam uma festa madrugar aos
domingos para percorrer quase dez quilômetros a pé para
freqüentar a missa na matriz de Encantado. Fabriqueiros
da Igreja de Encantado, promotores da capela de Na. Sra.
Auxiliadora de Jacarezinho, puxadores das preces e
cantos religiosos, sacerdotes e freiras e irmãos religiosos,
os Dalla Vecchia, faziam da religião católica sua
definição e seu rumo.
Devotos de Santo Antônio (de Pádova), de São
Roque, do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, com a
Santa Ceia acima da mesa grande das refeições que
sempre eram precedidas por orações do anúncio do
Senhor a Maria (“Angelus domini nuntiavit Mariae”), os
Dalla Vecchia jamais deixavam passar uma noite sem
que, após a janta, o pai puxasse o rosário respondido
sonolentamente em suas Ave Marias e Pai Nossos, por

211
todos os membros da família ajoelhados no chão e
escorados no assento das cadeiras.
Depois vinham as ladainhas (às vezes cantadas em
coral) de Nossa Senhora, depois, orações pelos mortos,
pelos doentes, ou pela chuva que demorava a cair.
Vinham depois (às vezes individualmente ao pé da cama)
os “Atos de fé, de Esperança e de Caridade”, os Salmos,
o “Santo Anjo do Senhor, meu zelozo guardador...” e o
pedido para que Deus concedesse a graça de uma boa
morte, antecedida por uma boa “Confissão e Comunhão”.
Ao clarear do dia, ao meio dia e ao escurecer o
sino da capela com três batidas repetidas três vezes e
repicando solto depois lembrava a todos a hora da oração
da manhã, do almoço e do anoitecer: a hora da Ave
Maria.
O falecimento era também anunciado pelo sino,
assim como o convite para as cerimônias religiosas
dominicais. A voz do sino, - o melhor possível para
marcar o status de uma comunidade -, era a voz que
todos entendiam, que se fez familiar e íntima como se
fosse a voz da consciência. Para os meninos, geralmente
quem morasse mais próximo à capela, era uma honra
tocar o sino, ao mesmo tempo que ocasião das maiores
cabriolices, subindo e descendo dependurados nas
cordas.
O cemitério, ao lado da igreja, era o “campo
santo”, a terra abençoada para onde iriam os restos
mortais dos fiéis católicos. Quem não fosse batizado,
crente ou católico e especialmente os suicidas, tinham
lugar próprio fora dos muros do cemitério.
212
Domingo de manhã, um pouco antes do almoço, as
crianças reunidas (e eram sempre muitas) decoravam o
catecismo que era tomado como lição na capela ou aos
sábados à tarde ou no domingo antes da liturgia.
As celebrações da Paixão e Morte de Cristo, na
Semana Santa eram marcantes: penitências, silêncio
absoluto na Sexta Feira, jejum e abstinência de carne
durante toda a Quaresma, cinza na fronte na Quarta Feira
de Cinzas, culminando com a procissão do beija pé de
Cristo morto. E todos cumpriam rigorosamente o preceito
de se confessar e comungar pela Páscoa da Ressurreição.
Na Igreja, duas carreiras de genuflexórios e
assentos, um para os homens (lado direito) e outro para
as mulheres (lado esquerdo), estabelecendo uma barreira
geográfica para cada sexo. As mulheres de cabeça
coberta por um véu preto, vestido longo, mangas até os
punhos, sem decote, era sinal de recato e submissão ao
homem e à religião. Os homens de cabeça descoberta
simbolizando o poder masculino e a autoridade. Na igreja
imperava o silêncio total: era o lugar da oração
Ao redor do pescoço, o escapulário de pano com a
efígie de Na. Sra. para que ela se lembrasse do fiel na
hora da morte. No bolso dentro de uma pequena cápsula
de metal, uma relíquia ou a imagem de Santo Antônio. E
a oração do “Si quaeris miracula” para Santo Antônio
fazia com que se encontrassem as coisas perdidas. Assim,
orações, corais, missais e livros religiosos, lugares e
tempos marcados pelo sagrado, comemorações e nomes,
proibições e permissões, tudo se liga pela religião. A arte

213
e a religião, a educação e a religião, a política e a religião
tudo é unificado.
Aos poucos e em tudo a religião vai integrando o
céu e a terra, a vida e a morte, a alegria e a tristeza,
transformando a vida numa totalidade de sentido.
Se um dos motivos fundamentais para deixarem a
pátria Itália e se aventurarem nas condições difíceis que
as colônias do Brasil ofereciam, era a de salvar a família
e os valores religiosos postos em perigo pelo liberalismo
e industrialização, aqui, os Dalla Vecchia fizeram da
religião seu refúgio e a garantia de sua sobrevivência.
Diante do desconhecido e difícil, a união comunitária e
familiar, embalada na religiosidade, era uma exigência. A
absoluta falta de clero para ministrar os sacramentos e a
orientação religiosa, era suprida com o “padre leigo”,
escolhido pelos colonos entre os que tinham melhor nível
de escolarização e de liderança moral. Os Dalla Vecchia,
a começar por Pedro e Ângelo sempre estiveram ligados
a essas funções.
Ângelo foi um dos primeiros fabriqueiros da Igreja
de Encantado, Pedro produziu o altar da mesma igreja,
ambos fundaram a capela de N. Sra. Auxiliadora com os
outros colonos.
Dentre os Dalla Vecchia oriundos de Ângelo e
Pedro contam-se numerosos (dezenas) sacerdotes e
religiosos, seminaristas e juvenistas, tudo indicando que
o padre representa para eles, como para toda a
colonização italiana do RS, o “intelectual orgânico” dos
imigrantes.

214
É interessante considerar que, entre os Dalla
Vecchia, bem como entre os imigrantes das colônias de
Garibaldi, Encantado, Caxias, Farroupilha e toda a vasta
área de colonização italiana posterior a 1875, não existem
liberais, maçons, positivistas, em número expressivo.
Alguns anarquistas, mais garibaldinos e mazzinianos que
anarquistas, não chegam a marcar significativamente a
visão de mundo desses colonos. Lembremos que os Dalla
Vecchia resultam de um grupo algo aristocrata em
Vicenza e que não traziam em si perspectivas socialistas
ou anarquistas.
A religião zelava para que cada um harmonizasse
seu comportamento com sua consciência (a consciência
cristã do Estado de Cristandade), para que os valores do
ascetismo, da renúncia, da resignação, da aceitação do
sofrimento, da lealdade e obediência marcassem toda a
existência.
O prazer, controlado dentro dos parâmetros do
permitido, era por isso mesmo, sublimado, postergado ou
simplesmente negado. O carinho, o afago, a ternura,
incluindo a atividade sexual (até dentro do próprio
matrimônio), eram tolerados, nunca incentivados, quando
não vistos como fraqueza, moleza, falta de verdadeiro
espírito cristão, ou simplesmente picardia. Para os
homens, especialmente, isto era severo: um homem não
beijava ninguém em público, nem o filho, nem a filha,
nem a esposa. O afago, o abraço, o beijo era
“compreendido” se feito para as crianças e isto porque
“inocente” e feito também com muita parcimônia.

215
Quando os pais e filhas dos descendentes de
portugueses, negros e índios mostraram para o Brasil
outro modo de relação, mais afetuosa, as filhas dos
descendentes de italianos, neles abrangendo também os
Dalla Vecchia, geraram uma crise familiar. Por que
nossos pais não nos beijam? Não nos afagam? Nossos
pais terão menos afeto? Não gostam de nós? Foi difícil
entender que para os italianos a disciplina, a ordem, a
autoridade eram formas de afeto e carinho. E que, para
eles, acariciar um filho era “perder” a autoridade.
A religião funcionou como ideologia e fundamento
de toda a estrutura social: do trabalho, da família, da
sexualidade, do poder, do divertimento, da educação, da
política. Na religião estavam os mais altos valores, os
decisivos critérios, as derradeiras sanções. As lideranças
religiosas eram, ao mesmo tempo as que detinham o mais
alto poder na comunidade bem como as que permitiam a
vinculação com a Igreja do mundo inteiro representada
pelo papa, no Estado de Cristandade. Os sacerdotes eram,
sem dúvida, repitamos, os intelectuais orgânicos das
comunidades de imigrantes. Os Dalla Vecchia situam-se
perfeitamente nessa perspectiva.
Por isso mesmo, a vida religiosa e o sacerdócio
representaram para os imigrantes e acentuadamente para
os Dalla Vecchia, o mais fácil, efetivo e mais bem quisto
canal de ascensão social.
Diante de tamanha expressão religiosa da vida
resta sempre um questionamento: seria a religião uma
forma doentia de alienação? A vida desses colonos cuja
invejada longevidade beira aos 100 anos teria sido
216
desumana, menos saudável, menos plena de significado e
realização? Não evidenciariam doenças mentais (eram
raríssimos os casos), porque o ambiente comum era já
doentio? Seria menos saudável, o viver comunitário e
familiar, sem muito espaço para o individualismo e o
solipsismo sado-masoquista do autismo que hoje ronda
tantos de nós? O certo é que, embora os múltiplos
constrangimentos e sofrimentos, mortificações e
silêncios, há na vida desses Dalla Vecchia um cerne vital,
uma saudabilidade, que faz os pósteros ter saudades
dessas raízes.
Contudo, é importante salientar a perspectiva
também ideológica que a religião às vezes tomava:
quando a sociedade e os homens eram injustos, Deus era
sempre o grande e supremo justiceiro. O mundo era
apenas uma passagem, um vale de lágrimas, muito
embora uma boa colheita fosse motivo de ação de graças.
Transferir para o céu o que é tarefa da terra, sublimando,
negando, fugindo, não é uma atitude saudável. Os Dalla
Vecchia, porém, sabiam distinguir as coisas: sabiam
muito bem que a boa política cuida dos interesses de
todos e que a cafajestice política era hedionda e
abominável. Resguardavam, contudo, o último espaço
para a religião, lá onde o homem é intocável em sua
liberdade e salvação; onde o homem tem a ver-se
pessoalmente, face à face com Deus.
Suportar estoicamente os reveses da vida, o
desprezo pela dor, pelos ferimentos, pelo trabalho quase
desumano eram indicação de fortaleza, bravura,
honorabilidade....e religiosidade.

217
Avelino de Conto Dalla Vecchia, filho de José e

Catarina, em sua ordenação sacerdotal – Festa da


comunidade.
Churrasco – Uma vala – espetos de pau – um cheiro de
carne assada dando água na boca.

218
Da esquerda: o 3º é Leonel DV filho de Pedro. O último é
Guerino DV, filho de Luís DV e Fortuna Bagatini. Nas
festas de “sagra”, em honra do padroeiro da capela,
galinhas, churrascos, cucas, bolachas.
O chimarrão e as rodas de chimarrão fazem parte da vida
Faustino Bocchi Dalla
Vecchia, irmão de São
Camilo, alcançando
um chimarrão ao
sobrinho. Isto mostra
como os costumes
brasileiros e gaúchos
integram a tradição da
família Dalla Vecchia.
Assim como as
tradições italianas
integram os costumes
gaúchos hoje.

dos Dalla Vecchia

219
12. Lazer

O lazer dos colonos Dalla Vecchia abrangia:


cantar, visitar parentes e vizinhos para serões (“filó”), a
reunião na pequena capela aos domingos para as rezas e
um jogo de cartas (quatrilho, bríscola, escova, treissete),
para uma disputa de mora, umas partidas de bochas ou
bolão, e, mais adiante, de futebol (assistido por todas as
famílias).
Uma boa pescaria e caçada, carreiras de cavalos, e
as festas religiosas, bem como o carnaval e os bailes
220
(estes quase sempre combatidos pelos padres) também
integravam o lazer dos Dalla Vecchia.
O espírito burlesco, descontraído, sardônico, que
permite rir das próprias desgraças, a alegria de uma mesa
farta e de um horizonte aberto pela frente, faziam da vida
pacata da agricultura e dos encontros, dentro de um
sistema regido em tudo pelo ainda dominante Estado de
Cristandade, uma realização da sonhada “cucagna” que
motivou sua imigração.
Os grupos de rapazes que, nas noites de sábado,
percorriam as estradas e picadas em busca da casa da
namorada, ao se encontrarem barulhentamente nos
caminhos, não deixavam passar a ocasião para acordar a
noite e as canhadas com duas ou três canções de amor.
No silêncio parado das casas em repouso, alguma janela
sempre se abria para escutar melhor.
Festa na capela: namoros e congraçamento

221
Um copo de vinho rega a alegria

Em festa de carreira de cavalos em Jacarezinho.

222
Coral sinfônico de Encantado – o mestre é Pedro.

223
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANJOS, Marcos Hallal dos. O italiano da Zona Urbana


de Pelotas na segunda metade do século
XIX.Pelotas, mimeografado, 1995.
AZEVEDO,Thales de. Os italianos no Rio Grande do
Sul- Cadernos de Pesquisa. Caxias do Sul:
EDUCS, 1994
BARROS, Eliane Cruxên e outros. RS:Imigração e
Colonização.Porto Alegre: Mercado Aberto,
1980.
BATTISTEL, Arlindo L e COSTA, Rovilio. Assim
vivem os italianos.Vol. I-II. Porto Alegre: EST,
EDUCS, 1982.
BERTOLUZZA, Aldo – CURTI, Danilo – TECILLA,
Giuliano. L’Adige – Guida – Cognomi del
Trentino. Trento: Litotipografia Alcione, 1999.
BONI, Luis Alberto de e COSTA, Rovilio.Os italianos
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 3ª. Edição,
EST EDUCS, 1984.
- e GOMES, Nelci, R. Entre o Passado e o
Desencanto Porto Alegre: EST EDUCS, 1983.
-A Italia e o Rio Grande do
Sul IV.Porto Alegre: EST EDUCS, 1983.
BUCCELLI, Vittorio. Um Viaggio a Rio Grande Del
Sud. Milano: Palestrini, 1906.
224
CEMBRA. La Canta dei Mesi.Trento: Galliano, 1985.
- Parcheggia e Camina – Guida dei Sentieri in
Valle di Cembra,Cembra: 1991.
CESAR, Guilhermino. Historia do Rio
Grande do Sul – Período Colonial. São Paulo:
Editora do Brasil, 1970.
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. O Italiano da
Esquina – Imigrantes na Sociedade Porto-
Alegrense. Porto Alegre: EST, 1991.
COSTA, Rovílio e MARCON, Itálico. Imigração
Italiana no Rio Grande do Sul.Fontes Históricas.
Porto Alegre: EST EDUCS, 1988.
CRONOS, Revista da Universidade de Caxias do
Sul – 120 anos da Imigração Italiana. Vol 29.
Caxias do Sul: EDUCS, jan/junho 1996.
DALL‟ALBA, Pe. João Leonir e outros. História do
Povo de Ana Rech. Caxias do Sul: EDUCS,
1987.
- Imigração Italiana em Santa Catarina –
Documentário. Porto Alegre: EST EDUCS, 1983
FARINA, Geraldo. História de Nova Prata-RS. Caxias
do
Sul: EDUCS, 1986.
FERRI, Gino. Encantado, sua História, sua Gente.
Encantado: Editora B.G. 1985.
- 100 anos de História – Paróquia de São Pedro.
Encantado: 1996.
FLORES, Hilda Agnes Hubner, Canção dos Imigrantes.
Porto Alegre: EST EDUCS, 1983.

225
GARDELIN, Mário. Imigração Italiana do Rio Grande
do Sul: Fontes Literárias. Porto Alegre: EST
EDUCS, 1988.
GIRON, Loraine Slomp e BERGAMASCHI, Heloísa
Eberle. Colônia, um conceito controverso.
Caxias do Sul: EDUCS, 1996.
GROSSELLI, Renzo Maria. Vencer ou Morrer –
Camponeses Trentinos (Vênetos e Lombardos)
nas Florestas Brasileiras. Florianópolis: UESC,
1987.
- Da schiavi Bianchi a coloni. Un progetto per le
Fazendas. Contadini Trentini (veneti e lombardi)
nelle Foreste Brasiliane. Trento: Ed. Cura, 1991.
- Colonie Imperiali nella terra del caffè. Trento:
Effe e Erre, 1987.
- A Expedição Tabachi a Colônia Nova
Trento.Vitória: Artgraf, 1991.
KOFF, Elenita J. Girondi. Os Primórdios da
Colonização de Garibaldi – C onde d’Eu, 1870-
1875. Passo Fundo: Ed. Pe. Berethier, 1995.
ITÁLIA. Guida de Italia. Firenze: Bonechi, 1984.
LANCETTI, Franco A. Livo, Storia – Vita – Arte.
Trento: Artegrafichecadrobbi, 1997.
LAYTANO, Dante de. Origem da Propriedade Privada
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST, 1983.
- História da República Rio-Grandense. 2ª. Ed.
Porto Alegre: Sulina, 1983.
LAZZARI, Beatriz Maria. Imigração e Ideologia. Porto
Alegre: EST EDUCS, 1980.
MONTANELLI, Indro. L’Italia Del Risorgimento.
Milano: Rizzoli, 1983.
226
- L’Italia dei Notabili. Milano: Rizzoli, 1974.
- L’Italia dei Giolitti. Milano: Rizzoli, 1975.
MÜLLER, Telmo Lauro. Colônia Alemã – 160 anos de
História. Porto Alegre: EST EDUCS, 1984.
NAGAR, Carlo. Relato do
Cavalheiro Carlo Nagar, Cônsul Real em Vitória.
Coleção Canaã, Vol I. Vitória: Grafia A I, 1995.
NARDIN, Franco e outros. Storia di Cembra. Trento:
Panorama, 1994.
RODRIGUES, Jimmy. Anotações de História de Caxias
do
Sul. Caxias do Sul: EDUCS, 1988.
SCALABRINI, João Batista. A Emigração Italiana na
América. Porto Alegre: EST, 1979.
SOUZA, Newton Stadler de. O Anarquismo da Colônia
Cecília. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1970.
TRENTO. Trentino – Guida Turistica. Istituto
Geográfico de Agostini. Trento, 1991.
ZANETTIN, G.P. Cembra nel suo Folklore. Trento:
Galliano, 1972.
ZANOTELLI, Jandir João. A Saga de um Imigrante
Trentino – 1874 a 1915. 1ª. Edição. Pelotas:
Editoria Universitária – Ufpel, 1997.
- América Latina – Raízes
Sócio-Político-Culturais. 5ª. Ed. Pelotas:
EDUCAT, 2010.
- e outros. Rio Grande do Sul – Arquétipos
Culturais e DesenvolvimentoSocial. Pelotas:
EDUCAT, 2002.

227
228

Você também pode gostar