Você está na página 1de 8

A história começa com o grande escândalo registrado em 1254 em Paris, quando uma

ordem de religiosos carmelitas chegada de Jerusalém entrou na cidade usando hábitos


listrados de branco e marrom. Reza a lenda que as roupas eram assim porque
representavam como as vestes brancas do profeta Elias, fundador da ordem, ficaram após
terem passado através de chamas. Como ele não morreu, os hábitos listrados passaram a
simbolizar uma espécie de armadura de proteção. Há variações de interpretação
dependendo do número e das cores das faixas (as 4 brancas representavam as virtudes
cardinais: retidão, justiça, prudência e temperança; e as 3 marrons, as virtudes teológicas: fé,
esperança, amor).

Mas voltando ao escândalo, os monges foram motivo de chacota e insultados por todo
mundo porque na Europa as listras estavam associadas aos países islâmicos, e, por isso,
eram indignas dos cristãos. O caso era tão sério que um clérigo foi condenado à morte, em
1310, não apenas porque se casou, mas principalmente por ter sido pego em flagrante
usando roupas listradas.

Mesmo na sociedade leiga havia leis que reservavam as listras para uso exclusivo de
bastardos, prostitutas, palhaços, malabaristas, coxos, boêmios, hereges e enforcados, enfim,
todos aqueles que não podiam ser considerados cristãos honestos, “gente de bem”. Com o
tempo, chegou-se até a ampliar o uso para identificar ocupações menos nobres como
ferreiros, moleiros, açougueiros e serviçais menos qualificados. Na época, nem Judas
escapou de ser representado usando seu modelito bicolor nas obras de arte. São José,
inclusive, que nesse tempo carecia de prestígio (a mulher havia engravidado de Outro),
aparece com bastante freqüência usando o padrão. A zebra, coitada, era um animal
maldito, desnecessário esclarecer os motivos.

As listras eram associadas ao não puro, não liso, não reto; aquilo que dividia, que mudava
(um cristão honesto não podia admitir esse tipo de variedade ou diversidade). Para a
cultura medieval, duas cores confrontando-se no mesmo tecido representavam o mesmo
que dez cores, ou seja, a transgressão, a rebeldia.

A popularidade veio com a heráldica, onde os brasões se dividiam em cores e, por vezes,
incluíam áreas flagrantemente listradas. É que na idade média quase todo mundo podia ter
seu brasão (não somente os nobres, como a gente às vezes acredita). A única regra era que
o desenho fosse inédito; para se ter uma idéia, 15% da população tinha um escudo para
chamar de seu, de maneira que ficou difícil evitar as linhas paralelas. Cada tipo de hachura
tinha um nome e as variações eram infinitas. Os códigos das listras não apenas
representavam etnias, clãs e grupos familiares europeus; as tribos africanas e os povos
andinos da América do Sul mostram que a prática era quase universal. Ah, cabe dizer que,
para todos os efeitos, o xadrez era considerado um tipo de super-listra.

Mesmo tão populares, cabe dizer que, na Europa, as listras continuaram tendo uma
conotação negativa, sendo mais ou menos pejorativas de acordo com o desenho. Nos
brasões, elas invariavelmente indicavam cavaleiros traidores, príncipes usurpadores,
plebeus, bastardos, reis pagãos, mercenários e toda a sorte da mais fina “elite” da época.

Aos poucos os significados foram mudando e as listras verticais passaram a ser usadas pela
aristocracia; já as horizontais, mais comuns, pelo serviçais. As listras viraram moda, caíram
em desuso, voltaram. Nunca chamaram tanto a atenção como nas revoluções (elas
representavam transgressão, lembra?) a ponto de virarem figurinha fácil em bandeiras; pelo
mesmo motivo, tornaram-se as queridinhas de artistas rebeldes.

Mesmo assim, as listras más, por assim dizer, nunca desapareceram. Elas, na verdade,
caracterizam a coexistência de dois sistemas de valores opostos baseados na mesma
estrutura.

A etimologia da palavra também revela muita coisa. Em francês, o verbo rayer significa
fazer listras, mas também remover, apagar, eliminar e excluir; em resumo, punição. O verbo
corriger também tem o mesmo duplo sentido: fazer listras e corrigir. As “casas de correção”
servem para punir e as janelas são ornadas com barras que parecem listras. Bars, aliás,
podem ser listras ou barras (sem esquecer que sempre se pode “barrar” alguém
indesejado).

Em inglês, a palavra stripe pode ser traduzida como listra, mas também é relacionada ao
verbo to strip, que pode significar tanto despir como privar, deixar sem, punir.

Em latim, palavras como stria (listra, raia), striga (linha, sulco), strigilis (raspar, arranhar)
pertencem à larga família do verbo stringere que, entre outros significados, também pode
ser traduzido como fechar, tirar e privar; constringere significa, literalmente, aprisionar. Em
quase todas as línguas que se pesquise, listras estão sempre associadas à exclusão,
impedimento, punição.

Os medievais acreditavam, inclusive, que além de diferenciar os bons dos maus, as listras
também serviam como um portão, ou filtro, para proteger as pessoas fracas das influências
nefastas do demônio. Curioso observar que hoje em dia as listras são usadas
predominantemente em pijamas. E em qual situação, senão completamente indefesos na
nossa cama e em pesadelos, estamos mais vulneráveis à ação dos espíritos malignos?

No início da popularização das listras pelos cidadãos comuns, elas eram usadas apenas nas
roupas íntimas. Alguém tem um palpite do porquê? Ora, essas peças tocam as partes
“sujas” do nosso corpo. Sem dizer que as listras eram coloridas por tons pastel, ou seja,
cores falhadas, quebradas, mutiladas, desbotadas. Com o tempo, todos os objetos e roupas
relacionados à higiene (que precisam de “barras de proteção” contra o mal, no caso, a
sujeira) também utilizam estruturas bicolores ou multicolores em tons pastel.

Somente no século XVIII as listras começaram a ter uma repercussão positiva na sociedade. Em
1846 a rainha Victoria vestiu seu filho de quatro anos, Albert Edward em um terno de um
marinheiro para embarcar no iate real. Desde então, o público ficou encantado ao ver
qualquer criança vestindo listras. Pode-se dizer que desde então o padrão tem mudado
seu significado e entrado como um item de desejo na moda.
(Foto: Reprodução)

A França e os marinheiros

A camisa listrada tem sido um item amado na moda desde meados do século XIX. Uma
camisa azul marinho e branca com 21 listras simboliza cada uma das vitórias de Napoleão,
e transformou-se no uniforme para todos os homens franceses da marinha. O modelo
foi popularizado como “camisa bretã”. A faixa é a marca do marinheiro comum, nunca do
oficial.

Marinheiros usando listras (Foto: Reprodução)

Coco Chanel
Até recentemente, listras horizontais emparelhadas com barras verticais significavam o
recinto da prisão ou reclusão. Acredita-se que a grande mudança de paradigma das listras veio
com a estilista francesa Coco Chanel. No início do século XX, ela fez uma viagem à Rivera
francesa.

Quando chegou lá, viu os trabalhadores da marinha vestindo sua malha azul marinho
e camisas brancas listradas. Não surpreendentemente nasceu a inspiração para uma
nova coleção náutica. A sempre influente Coco Chanel amava o minimalismo das listras, e
não demorou até levá-las ao público e começar a vendê-los na França em sua loja em
Deauville, em 1917.

A introdução desta peça de vestuário da classe operária tradicional foi uma ruptura da
moda cheia de corpetes da época. A inserção de um acessório mais casual para a moda
feminina foi necessária na época devido ao aumento da popularidade de destinos à beira-mar,
como Saint Tropez.

Coco Chanel usando listras (Foto: Reprodução)

Popularização

Mais tarde, no século XX, a camisa bretã foi adotada por quase todos os grupos de
indivíduos. Artistas como Pablo Picasso e Andy Warhol levaram a camisa bretã para a
população masculina e fizeram dela a sua identidade.
Pablo Picasso e Andy Warhol (Foto: Reprodução)

Na década de 1950 estrelas de cinema como Marilyn Monroe, Audrey


Hepburn ou Brigitte Bardot pareciam absolutamente deslumbrantes em suas listras.

Divas de Hollywood (Foto: Reprodução)

Em Hollywood, foi usada pela primeira vez no filme The Wild One, estrelado
por Marlon Brando. Um dos personagens, Lee Marvin, usava uma camiseta de estilo listrado
bretão. Seu personagem era visto como o mais perigoso do grupo, o que contribuiu
fortemente para a identidade dos motociclistas na época.
Lee Marvin, usava uma camiseta de estilo listrado bretão (Foto: Reprodução)

Até James Dean foi adepto da camisa bretã.

James Dean usando listras (Foto: Reprodução)

Na década de 1960, o movimento literário Beat Generation adotou as faixas bretãs à


moda hipster de sua subcultura.
Anthony Quinn e Anna Karina (Foto: Reprodução)

A camisa bretã viu ainda outro renascimento na cultura musical dos anos 1970. Os
portadores desta década incluíam Patti Smith e o ícone de rock Mick Jagger. Na década de 90,
o músico grunge Kurt Cobain usou a camiseta listrada também.

Patti Smith, Mick Jagger e Kurt Cobain (Foto: Reprodução)

Hoje vemos o padrão em todas as lojas, nos mais diferentes estilos e formatos. O
vestuário outrora modesto ao longo da história ganhou uma confluência de associações, da
classe trabalhadora à alta costura, de rebeldes a velhacos, e juntamente com os entusiastas
da cultura popular abraçaram a camisa bretã de todas as maneiras.

O mundo contemporâneo é muito complexo em termos semióticos e estudar listras é um


desafio de respeito. Há realmente muito que analisar: as listras das pastas de dente; a
presença constante nas marcas esportivas, os onipresentes códigos de barras, o vai e vem
do padrão na moda e muito mais (eu fiquei prestando muito mais atenção nas listras
quando acabei de ler o livro).
Muita coisa mudou, mas o imaginário coletivo continua representando apenas os
marinheiros de mais baixo escalão com uniforme listrado, os presidiários, o malandro
carioca e sua indefectível camiseta bicolor e os gânsters em seus ternos de risca…

Você também pode gostar