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PERARO, Maria Ademir.

Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso


no século XX – São Paulo: Contexto, 2001.
OS MOURÕES DA FRONTEIRA OESTE E O SENTIDO DA ITINERÂNCIA
A autora objetiva falar sobre o processo de ocupação e colonização de Mato Grosso a
partir de 1751 quando cria-se a capitania e a orientação para sua ocupação, povoamento
e defesa efetiva do território e também de sua principal e já decadente atividade
mineradora que contribuiu para caracterizar a composição populacional e seu modo de
vida.
A descoberta de Minas no Centro Oeste viabilizou a imigração para o interiro e as
instruções norteadoras da Coroa aos seus respectivos governantes (capitães gerais) tinham
como propósito dotar a capitania de um aparato civil, militar e eclesiástico. Para isso,
buscaram homens de confiança e habilidades administrativas e militares, vindos de
Portugal, que se instalaram nas linhas fronteiriças, para assegurar a ocupação e
consolidação do domínio luso. Eles constituirão futuramente a classe dominante a compor
o poder local.
A construção de fortes na região do Guaporé como a Fortaleza Nossa Senhora da
Conceição – futuro Forte Bragança – que era guarnecido com 200 dragões. O Forte
Príncipe da Beira no norte da capitania, com o objetivo de defesa e também de apoio ao
abastecimento regional através da Companhia de Navegação do Grão Pará e Maranhão,
bem como um instrumento aglutinador de populações branca, negra e indígena.
O interesse na parte sul estava diretamente relacionado não só às riquezas naturais, mas
também a questões estratégicas para barrar a chegada de espanhóis à capitalna região do
guaporé, através do rio Paraguay. Nessa região a ocupação e povoamento resultaram da
construção do Forte Coimbra e dos povoados de Albuquerque (Corumbá) em 1775 e Vila
Maria (Cáceres) em 1778, que deveria além de velar a fronteira, ser um ponto de
resistências aos ataques indígenas.
Outra construção importante também para efetivar tal objetivo e frear as invasões
espanholas, foi o presídio militar de Miranda.
O foco na defesa e na atividades mineradora não permitiram um povoamento ideal, que
seria o de casais, resultando na entrada de muitos homens vindos da metrópole e vários
aventureiros que chegavam em comboios e monções extenuantes, lentas e perigosas que,
junto ao objetivo de enriquecimento rápido, não instigavam a vinda de famílias inteiras e
davam à população um caráter itinerante O desequílibro entre os sexos ocorre segundo a
autora, também e principalmente pela mão de obra cativa destinada às minas – mas que
também foram empregados em setores agrícolas e na mineração.
Tais fatores fizeram a Coroa portuguesa adotar a política de incorporação das populações
indígenas que consistia em fundações de aldeias e incorporação de fugitivos das missões
jesuítas espanholas, esvaziando o lado inimigo e preenchendo o vazio demográfico nas
terras pretendidas por Portugal, cuja população servia também à composição de milícias.
Além disso, a fundação de aldeias intencionava a criação de pontos de abastecimento de
víveres para a população e para os fortes através da diversificação de atividades
econômicas que ocorreu por meio do fomento a casamentos e uniões mestiças – branco
com negros e indígenas - com a anuência da igreja.
Assim como outras regiões mineradoras Mato Grosso utilizou poucas ferramentas e
técnicas eficientes e eficazes para a exploração e também sofria com a falta de víveres e
crises de fome, dependendo dos recursos da União. Já nas duas primeiras décadas do séc.
XVIII havia alguns poucos engenhos que produziam açúcar destinados ao consumo local.
No entanto, com as dificuldades crescentes na região mineradora, eles se multiplicaram e
empregaram boa parte da mão de obra cativa, ainda que tivesse uma série de impedivos
até mesmo por parte da Coroa para que isso não ocorresse.
Mesmo assim, continuou sendo uma atividade secundária – muito pela baixa
produtividade causada pelo solo e pela falta de técnicas para o plantio- e cresceu junto a
diversificação da produçao agrícola e pecuária, todas subsidiárias da mineração que só
tiveram maior impulso no século XIX com a abertura do Rio Paraguai à navegação que
possibilitou a exportação desses produtos para a região platina, sobretudo através do porto
de Corumbá – que por conter águas mais profundas, possibilitava a circulação de vários
tipos de embarcações, até mesmo a vapor – reduzindo assim, o custo do transporte.
Enquanto a cultura do açúcar foi mais praticada na região norte, principalmente na
baixada cuiaba que tinha um solo melhor, a pecuária se desenvolveu principalmente na
região sul e, para isso, foi de suma importância a construção do forte de Coimbra que,
com a aliança de amizade com os guaicurus, permitiram melhores condições para o seu
desenvolvimento, que se caracterizou pelo emprego de mão de obra liivre e assalariada e
pelas largas extensões de terra adquiridas, ao contrário das lavouras.
Esses latifúndios também se caracterizaram pela diversificação de atividades como via
para escapar as crises iminentes. Além da grande extensão do gado, eles produziam para
auto consumo víveres como mandioca, milhos, feijão, batata, banana e pescavam.
Desenvolviam também atividades manufatureiras produzindo couro e algodão, o qual
utilizavam para fazer panos para escravos e gente pobre, bem como as fardas dos militares
de baixa patente, chegando até mesmo a exportar pequenas quantidades ao Pará.
Além dessas atividades, houve também o desenvolvimento do extrativismo da poia, uma
planta medicinal muito valorizada na Europa. Sua produção tinha portanto um caráter
exportador, sazonal e envolvia principalmente mão de obra livre e indígena, pois era
necessário ficar embrenhado por muito tempo nas matas.
Em Goiás a população crescia mais devido a contribuiçãod e levas humanas de mineiros,
baianos e maranhenses. Mato Grosso, segunda a autora, apresentava um quadro de
estagnação que não estimulava a entrada de contingentes de outras regiões e, além disso,
as crises contribuiam para um situação de intranquilidade e indisciplina militar que se
mostrou no século XIX.
Mesmo com a abertura ao comérico no Rio Paraguai que trouxe maior dinamização a
todas essas atividades, marcando um relativo crescimento demográfico, a proeminência
de senhores de engenho e pecuaristas na região sul e o despontamento de Cuiabá – muito
em consequencia de seu aparato administrativo -como principal núcleo urbano, não houve
grandes alterações estruturais na base econômica, isto é, não conseguiram sanar a crise
economica latente.
Contudo, a alternativa ao transporte terrestre, a velocidade na comercialização de
mercadorias, informações e contatos mais ráído com a capital, por exemplo, deram ao
Rio Paraguai importância singular a ponto de Leverger ficar em estado de alerta no Forte
de Coimbra, com as suspeitas invasão argentina às vésperas da Guerra do Paraguai.
Para a autora, o interesse argentino na região e do Brasil em ocupar a margem direita do
rio Apa, denotavam a difícil resolução da questão dos limites. O tratado de amizade,
navegação e comércio firmado com o paraguai era uma solução a tal indisposição,
possibilitando ao Brasil o trânsito de embarcações e a consequente dinamização
econômica e social, bem como o enriquecimento de uma camada de comerciantes e
atravessadores que cobravam caro pelo seu serviço, aumentando o preço dos produtos e
dificultando o acesso da população a eles, sobretudo, após a criaçãoda Comapnha de
Naegação do Alto Paraguai em 1858.
Em Corumbá, onde talvez esse dinamização foi mais sentida, houve a construção de
alfândega e elevação à Villa. Mas em 1850, a peste das cadeiras que atingia cavalos e
muares reduziu a produçao matogrossense desses produtos e o esgotamento das minas
transferiu os escravos em massa a outras atividades e revelou a falta de mão de obra livre,
o que abriu espaço à problemática da imigração estrangeira, que serviria não apenas ao
trabalho, mas também para a inculcação de valores do trabalho e de civilidade, junto a
outras medidas que se tornavam imperiosas, como o saneamento, disponibilidade de
águas, construção de cemitérios, entre outros.
Contudo, a Geurra do Paraguai transferiu as prioridades, novamente, a população teve
que se voltar prioritariamente à defesa, agudizando o caráter itinerante de uma população
que se dividia entre a produção de lavouras e as atividades militares

OS HOMENS DO REI
Nesse capítulo a autora disserta sobre uma dupla dependência ou dubiedade entre os
homens de cabedal e a Coroa. Inicialmente ela expõe os homens de confiança que,
inicialmente foram nomeados como guardas-mor nos arraiais e que tinham largas
atribuições para organização da terra e da população, com o objetivo de assentar a
fiscalização e o fisco relativos às atividades produtivas, sobretudo a mineração.
Em seguida ela demonstra que, conforme os objetivos foram se transfigurando na efetiva
defesa e povoamento do território, foi necessário a instalação de órgãos administrativos
e o fonecimento de algumas condições para atrair a população. Nesse momento, muitos
homens de cabedal se instalam em suas terras e passam a ganhar seus poderes por meio
de cartas de agradecimento, doação de títulos, honrarias e terras, por prestar serviços à
Coroa, como por exemplo, se empenhar na caça ao indígena. Para a autora há uma relação
mútua de dependencia pois, se por um lado a Coroa não precisa gastar com essas
atividades tendo homens dispostos a por a disposição seu poder economico para efetivar
a polítia de povoamento e defesa da Coroa, por outro a Coroa ficava – em parte -
dependente desses homens e lhes dava reconhecimento.
Outro ponto a ser considerado e que é de forma mais particular trabalhado pela autora é
a questão militar e a sua fidelidade aos mandos da Coroa, mesmo com toda a distância
que os separava. Para ela, do período colonial ao regencial houve importantes melhorias
e organização do exército que, se inicialmente tinha um caráter mais amador sem funções
definidas, passou a ter companhias – diversas linhas ou corpos fixos (companhia de
caçadores, artilharia, cavalaria, artífices – que no século XVIII recebe uma mudança na
organização com regras para recrutamento – que procurava impactar o mínimo possível
as atividades produtivas – além de outras instituições para assegurar a órdem como a
Guarda Nacional, Polícia Militar.
Ressalte-se ainda a importância das instituições religiosas que também contribuiam para
a manutenção da órdem, junto ao aparato administrativo construído desde o século XVII,
mesclando as obrigações e deveres de funcionários da Fazenda, da Justição e dos assuntos
religiosos (...) enredavam-se diante da complexidade do novo, do emergente, do periogo,
das ambições pessoais e imposições do contexto geográfico e social. (p. 45)
Para ela, na medida em que construíam-se os fortes, povoações e estradas, assentava-se
também a sustentação do Estada na região de fronteira e a sua autoridade perante a
população dispersa, cujas órdens eram acatadas de maneira geral por seus funcionários e
pela população que a auxiliava, não como uma obediência ou fidelidade ingênua, mas
movida principalmente por interesses próprios por bens, títulos e poder.
SOB O ESTIGMA DA DEFESA DE FRONTEIRAS
A Guerra do Paraguai, além de cortar o comércio e a comunicação através do Rio
Paraguai, trouxe uma série de problemas relacionados ao abastecimento, uma vez que os
homens foram retirados das atividades econômicas, sobretudo da produção agrícola o
que, junto a chegada de batalhões de outras regiões do país aumentou a demanda,
causando também o aumento dos preços. Soma-se a isso as fortes chuvas que inundaram
Cuiabá e fizeram perder toda a lavoura, além de um surto de cólera que atingiu Corumbá
no período de sua retomada e que foi espalhada para diversas localidades do país.
Províncias como Goiás e Minas Gerais se empenharam em enviar através do comércio
terrestre feito por mulas os alimentos necessários à manutenção dos exércitos e da
população, comércio no qual os riscos eram corridos pelos comerciantes que encareciam
seus produtos.
Vilarejos, arraiais e Villas próximas também se empenharam na produção agrícola,
suscitando uma rede de solidariedade e proximidade entre essas regiões. Algumas
atividades manufatureiras como a produção de tecidos, ferramentas e armas foram
desenvolvidas por braços livres, principalmente de mulheres.
Um fato curioso do final da guerra é narrado pela autora, pois muitos paraguayos
capturados e que não voltaram ao seu país estabeleceram também esse tipo de relação
solidária, pois ajudaavam na produção agrícola e, principalemnte na produção do couro.
Mlitares de outras províncias brasileiras a eles se juntaram, juntos contribuiram para
produzir um pequeno surto comercial e amenizar a carestia de alimentos com base na
carde muar, que tornou em 1870, o acampamento tornou-se o povoamento de Várzea
Grande.
DE VOLTA AO COMEÇO
Os saldos da Guerra do Paraguai segunda a autora foram: a solução da questão fronteiriça
e a emergência de antigos problemas que demandavam soluções adequadas, como o
rompimento do isolamento da região Centro-Oeste e de marchar rumo ao estabelecimento
do capitalismo na província. Para isso, era de suma importancia a adoção de uma política
demográfica, visto que, durante o conflito o contingente que já era pequeno diminuiu;
outra preocupação era a extensão dos mercados nacional e internacional e a superação da
marca da itinerância da população.
A isençao de impostos concedida em 1869 foi impreensindível para minimizar o ônus da
guerra, fornecendo de certa forma um impulso para o desenvolvimento inicial das
atividades produtivas. Houve em Mato Grosso melhoramentos técnicos na produção
açucareira acompanhando outras províncias do país e muitos engenhos se tornaram usinas
e o mercado se estendeu aos países vizinhos.
As atividades extrativistas continuaram e teve vulto a Companhia Erva Mate Laranjeira
que também exportava para a Argentina, onde um produtor monopolizava a venda bruta
e a industrializava. A borracha também foi uma atividade importante, voltada à
exportação, porém, logo entrou em crise devido a concorrência do oriente.
A pecuária ainda se debatia com os problemas e doenças que atingiam o gado, mas o
comércio através dos portos de Cuiabá e principalmente de Corumbá, reduziram os preços
dos produtos, dentre eles o sal, que possibilitou a produção do charque que também foi
exportado para os países vizinhos.
O setor mercantil assumiu uma função vantajosa de distribuição para abastecimento de
outras regiões de Mato Grosso. Nessa atividade teve destaque a atuação de estrangeiros e
a isenção de impostos que incentivou a importação de produtos e contribuiu para a injeção
de capital estrangeiro em atividades como a pecuária.
Demograficamente houve crescimento nas regiões do sul da província e na capital notou-
se certa estagnação e até mesmo decréscimo. O aumento geral da população na província
ocorreu devido a migração de outras províncias e estrangeira, principalmente dos países
vizinhos, porém, houve também ainda que diminuta, uma imigração europeia, que era a
imigração desejada.
Contudo, as bases que assentavam a economia matogrossense ao final do século XIX
relacionavam-se com as oscilações dos mercados que absorviam seus produtos e pela
igual dependencia da importação de gêneros de primeira necessidade. Muitos paraguaios
ficaram no Brasil após a guerra e se estabeleceram na região constituindo família.

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