Você está na página 1de 17

Alienação

A palavra alienação tem várias definições: cessão de bens, transferência de domínio de algo,
perturbação mental, na qual se registra uma anulação da personalidade individual, arrombamento de
espírito, loucura. A partir desses significados traçam algumas diretrizes para melhor analisar o que é
a alienação, e assim buscar alguns motivos por quais as pessoas se alienam. Ainda assim, os
processos alienantes da vida humana foram tratados de maneira atemporal, defraudada, abstraído de
processos sócio-econômicos concreto.

A alienação trata-se do mistério de ser ou não ser, pois uma pessoa alienada carece de si mesmo,
tornando-se sua própria negação.

Alienação refere-se à diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar em agir por si próprios.
A sobrevivência do homem implica uma transformação da natureza e do outro à sua imagem e
semelhança, o que impõe uma transformação de si mesmo à imagem e semelhança do mundo e do
outro. Viver para o homem é objetivar-se, ser fora de si.

História

O conceito de alienação é histórico,tendo o uma aplicação analítica numa ligação recíproca entre
sujeito, objeto e condições concretas específicas. Logo, a história afirma que o homem evoluiu de
acordo com seu trabalho. Portanto, a diferença do homem está na sua criatividade de procurar
soluções para seus problemas, então com a prática do trabalho desenvolve seu raciocínio e sempre
aprende uma “nova lição”.

Karl Marx, filósofo alemão, se preocupava muito com a questão da alienação do homem,
principalmente em duas de suas obras, “Os “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” e
“Elementos para a Crítica da Economia Política” (1857-58)”. Procuravam demonstrar a injustiça
social que havia no capitalismo, afirmando que se tratava de um regime econômico de exploração,
sendo a mais-valia uma grande arma do sistema. Assim, a alienação se manifesta a partir do
momento que o objeto fabricado se torna alheio ao sujeito criador, ou seja, ao criar algo fora de si, o
funcionário se nega no objeto criado. As indústrias utilizam de força de trabalho, sendo que os
funcionários não necessitam ter o conhecimento do funcionamento da indústria inteira, a produção é
totalmente coletivizada, necessitando de vários funcionários na obtenção de um produto, mas
nenhum deles dominando todo o processo – individualização.

Por isso, a alienação no trabalho é gerada na sociedade devido à mercadoria, que são os produtos
confeccionados pelos trabalhadores explorados, e o lucro, que vem a ser a usurpação do trabalhador
para que mais mercadorias sejam produzidas e vendidas acima do preço investido no trabalhador,
assim rompendo o homem de si mesmo. "A atividade produtiva é, portanto, a fonte da consciência,
e a ‘consciência alienada’ é o reflexo da atividade alienada ou da alienação da atividade, isto é,
da auto-alienação do trabalho." Mészaros (1981, p.76).

No entanto, a produção depende do consumo e vice-versa. Sendo que o consumo produz a


produção, e sem o consumo o trabalhador não produz. A produção consome a força de trabalho,
também sustentando o consumo, pois cada mercadoria consumida vira uma mercadoria a ser
produzida. Por conseguinte, ao se consumir de um produto que não é por si produzido se fecha o
ciclo de alienação. Pois, quando um produto é comprado estará alimentando pessoas por um lado, e
por outro colaborando com sua alienação e suas respectivas explorações. Onde quer que o capital
imponha relações entre mercadorias, a alienação se manifesta; é a relação social engendrada pelo
capital, seu jeito de ser humano.
Sua existência determinada pela economia (razão) exige uma intervenção política (paixão) que
destrua sua gênese (a posse individual dos meios de produção), que promova uma revolução na
economia.

Há também a questão de alimentar a alienação, sendo outro prejudicial perante o consumo, que se
trata das propagandas de produtos, que desumaniza os homens, tendo o objetivo de relacionar o
produto com o consumidor, apropriando-se dos homens, e atingindo seu propósito a partir do
momento que o produto é consumido, e a sensação de humanização entregue após a utilização.
Em síntese, para melhor compreender o problema da alienação é importante observar sua dupla
contradição. Por um lado, há a ruptura do indivíduo com o seu próprio destino e há uma síntese de
ruptura anterior, que apresenta novas possibilidades de romper à mesma alienação. O outro lado se
apresenta como uma contradição externa, sendo o capital tentando tirar suas características como
humano, que leva o homem a lutar pela reapropriação de seus gestos.

Após Marx confrontar a economia política, lançando pela primeira vez o termo “alienação no
trabalho” e suas conseqüências no cotidiano das pessoas, Marx expõe pela primeira vez a alienação
da sociedade burguesa – fetichismo, que é o fato da pessoa idolatrar certos objetos (automóveis,
jóias, etc). O importante não é mais o sentimento, a consciência, pensamentos, mas sim o que a
pessoa tem. Sendo o dinheiro o maior fetiche desta cultura, que passa a ilusão às pessoas de possuir
tudo o que desejam a respeito de bens materiais.

É muito importante também destacar que alienação se estende por todos os lados, mas não se trata
de produto da consciência coletiva. A alienação somente constrói uma consciência fragmentada, que
vem a ser algumas visões que as pessoas têm de um determinado assunto, algumas alienadas sem
saber e outras que não esboçam nenhum posicionamento.

Comunicação

Seria comunicação uma alienação, uma vez que a alienação só existe por causa da comunicação? A
alienação é passada de um comunicador que possui uma informação nova (verdadeira ou não) e é
recebida por um receptor que até então desconhecia o assunto, sendo alienado por esse
comunicador.
A partir disso nota-se que tudo pode ser considerado mensagens alienadas, pois nas escolas são
passadas mensagens novas a toda hora e que se é “obrigado” a acreditar e levar como verdade, não
somente nas escolas, como também dentro das casas, igrejas, nos palanques eleitorais, nas ruas,
meios de comunicação de massa, etc, funcionando sempre da mesma forma. A alienação
normalmente vista nos meios de comunicação de massa por vários autores, onde esses meios estão
sempre mandando novas mensagens (subliminares ou não), fazendo com que acreditem na maioria
das vezes somente nas informações transmitidas por eles.
Alienação: Perda de algum bem material, físico, mental, emocional, cultural, social, político e/ou
econômico. Onde você não apenas cede mas o recepciona novamente como algo indiferente, o
criador se torna criatura as coisas são humanizadas e os humanos são coisificados.

Segundo Karl Marx, pensador alemão, a Religião é o ópio do povo por causar grande alienação na
sociedade.
Fetichismo da mercadoria

Fetichismo da mercadoria é o modo pelo qual Karl Marx denominou o fenômeno social e
psicológico onde as mercadorias aparentam ter uma vontade independente de seus produtores.
Segundo Marx, o fetichismo é uma relação social entre pessoas mediatizada por coisas. O resultado
é a aparência de uma relação directa entre as coisas e não entre as pessoas. As pessoas agem como
coisas e as coisas, como pessoas.

No caso da produção de mercadorias, ocorre que a troca de mercadorias é a única maneira na qual
os diferentes produtores isolados de mercadorias se relacionam entre si. Dessa maneira, o valor das
mercadorias é determinado de maneira independente dos produtores individuais, e cada produtor
deve produzir sua mercadoria em termos de satisfação de necessidades alheias. Disso resulta que a
mercadoria mesma (ou omercado) parece determinar a vontade do produtor e não o contrário.
Marx afirma que o fetichismo da mercadoria é algo intrínseco à produção de mercadorias, já que na
sociedade capitalista, o processo de produção se autonomiza com relação à vontade do ser humano.
Tal autonomia desaparecerá apenas quando o ser humano controlar de maneira consciente o
processo de produção, numa livre associação de indivíduos, o que só é possível de ser feito abolindo
a propriedade privada dosmeios de produção e transformando-os em propriedade coletiva; acabando
com o caráter mercantil dos bens e preservando somente seu valor de uso. Isso significa uma
revolução nas relações de produção e de distribuição dos meios de vida.

Marx também argumenta que a economia política clássica não pode sair do fetichismo da
mercadoria, pois considera a produção de mercadorias como um dado natural e não como um modo
de produção histórico e, portanto, transitório.

Desse fetichismo que se dá na produção e na troca de mercadorias resulta a sobrestimação teórica


do processo de troca sobre o processo de produção. Daí o culto ao mercado de parte de alguns
economistas, que consideram a oferta e a procura como as determinações fundamentais dopreço das
mercadorias.
A reificação humana e a humanização da mercadoria.

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise expositiva acerca do fetichismo da Mercadoria
em Marx, correlacionando suas características com conceitos operacionais (mais que) oportunos
do pensamento marxista. Dar-se-á especial atenção à alienação, à ideologia e à teoria da mais-
valia, enquanto conceitos fundamentais para um enfoque crítico do caráter fetichista da
mercadoria.
Nas considerações a seguir, pretende-se remeter a algumas idéias apresentadas por Isaak Rubin
em "A Teoria Marxista do Valor", bem como ao ideário de Marx enquanto expoente da filosofia da
política e do trabalho. Para que se possa chegar, pois, à "coisificação" das relações sociais, o que
Marx chama de fetichismo da mercadoria, faz-se mister preliminarmente enfocar alguns aspectos
concernentes à análise marxista do capitalismo.
A base do pensamento marxista é o materialismo histórico-dialético. Sucintamente, por
materialismo se entende a doutrina filosófica que exacerba a idéia da concretude material como
anterior ao mundo subjetivo, condicionando as idéias e a realidade social. Logo, é adversa à
defesa apaixonada e platônica do mundo das idéias enquanto condicionantes da realidade, a
filosofia idealista. Por dialética, entende-se a relação entre opostos contrários, mas
interdependentes. As condições reais de existência provocam as forças contrárias (materialismo).
Dessa forma, a filosofia marxista incorpora e adapta a dialética hegeliana e desenvolve um novo
método de análise da história, o materialismo histórico (que será lembrado mais adiante, na
análise da mais-valia). Essa compreensão dos fundamentos do Marxismo é indispensável para
que se contemplem as contradições do capital (tais qual o fetichismo), exaustivamente lembradas
por Marx.
Um dos sustentáculos da crítica de Marx ao modo de produção capitalista é a sua deturpação da
condição humana. Essa condição provém do trabalho, que Marx define como o dispêndio de força
humana sobre a natureza – uma relação dialética – a fim de transformar matéria a seu interesse.
A alienação é um dos fatores que promovem a desfiguração do trabalho, logo, é algoz da
condição humana. Com o advento capitalista, o trabalhador é separado dos meios de produção, é
espectador da detenção privada sobre eles e se resigna a ser uma dentre muitas etapas do
processo produtivo. De fato, "ele fiou e o produto é um fio"(MARX, 1989, p. 300), mas ele não se
reconhece nos produtos a que "dá vida".
Como visto, o trabalhador aliena-se do trabalho, logo, perde sua essência humana e delega para
outrem o poder de comandar a sociedade. O trabalhador perde o trabalho, o saber e,
conseqüentemente, submete-se ao poder pernicioso do capitalismo. Essa progressiva e
assustadora incorporação do trabalhador aos sustentáculos do capitalismo é um dos pilares da
reificação das relações sociais. O valor das mercadorias se mostra objetivo, visto como algo
inerente a elas, sendo que decorre do trabalho humano, do "fiar" de um indivíduo membro do
grande corpo produtivo. A partir daí, podemos começar a delinear a percepção de Marx sobre o
fetichismo, acerca das
[...] relações humanas por trás das relações entre as coisas, revelando a ilusão da consciência
humana que se origina da economia mercantil e atribui às coisas características que têm sua
origem nas relações sociais entre as pessoas no processo de produção (RUBIN, 1980, p.19, grifo
nosso).
Percebe-se que, dessa forma, tal ilusão pode, por exemplo, enxergar os valores como uma
propriedade natural das coisas. Para Marx, um perigosíssimo devaneio, pois afasta a noção do
trabalho humano incorporado ao valor. Esse acréscimo do trabalho no valor traz a lume a idéia da
mais-valia, a discrepância entre a quantidade de riqueza que o trabalhador acresce à produção e
aquela que ele recebe. Tal contradição alimenta as bases da produção capitalista e tem relação
íntima com o fetichismo da mercadoria, que pouco a pouco começa a se solidificar no presente
artigo.
A taxa de mais-valia acaba por representar o resultado da exploração burguesa sobre o proletário
e a ratificação da alienação do trabalho. O capitalista compra a força de trabalho do trabalhador e
lhe paga determinada quantia, relativa a dada quantidade de horas. Evidentemente, o salário
pago é incorporado ao preço final da mercadoria. O que se observa, no entanto, é que nada
impede que o trabalhador exceda as horas que lhe são pagas, conseqüentemente incorporando
mais valor à mercadoria e nem por isso sendo remunerado de maneira proporcional. Ao
capitalista, é reservada uma doce fatia a mais de lucro, oriunda da exploração. É o chamado
sobretrabalho, oportunamente desenvolvido por Marx em sua obra "Salário Preço e Lucro".
Pelas próprias palavras de Marx (1982, p.83),
A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da
proporção existente entre a parte da jornada que o operário tem que trabalhar para reproduzir o
valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista.
Dependerá, por isso, da proporção em que a jornada de trabalho se prolongue além do tempo
durante o qual o operário, com o seu trabalho, se limita a reproduzir o valor de sua força de
trabalho ou a repor o seu salário.
Reside aí um dos alicerces da crítica Marxista. Conforme já exposto, o trabalho é o pressuposto
do processo de humanização, mas não o viciado trabalho oriundo do capital. Aqui, a força de
trabalho do indivíduo – típica mercadoria – é vendida por um valor muito aquém do que aquele
criado por esse mesmo trabalhador. Em consonância com a comparação oportunamente exposta
por Marx (1982, p.84), entre trabalho servil e trabalho assalariado, tanto faz entre aquele que
trabalha X dias para si e X dias, de graça, para um terceiro e aquele que exerce uma jornada
diária na fábrica, X horas para si e X para o patrão. Ora, mas o primeiro trabalha para si em
determinados dias e para o seu senhor, de forma compulsória, em outros dias. O trabalho pago e
não pago está perceptivelmente separado. Já o assalariado imagina que o valor de sua força de
trabalho é o preço de seu próprio trabalho. Assim, fica claro que "No primeiro caso, o trabalho não
remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue
voluntariamente" (MARX, 1982, p84). A única diferença é, pois, a alienação que emana de uma
mera relação contratual celebrada pelo trabalhador com o capitalista.
A partir disso, não restam dúvidas de que a produção da mais-valia desfigura o trabalhador e
consiste em uma conveniente base à produção capitalista. O materialismo histórico viu, nesse
vício da classe exploradora parasitária, a contradição fundamental do modo de produção
capitalista. Aos olhos da filosofia materialista dialética, dessas contradições emana a luta de
classes e a inexorável conseqüência da evolução da história. Desse modo, "aplicada aos
fenômenos historicamente produzidos, a ótica dialética cuida de apontar as contradições
constitutivas da vida social [...]" (OLIVEIRA e QUINTANEIRO, 2002, p.29). Engendram-se, para o
materialismo histórico marxista, as condições para o padecimento do capitalismo e surgimento de
outro modo de produção. É justamente por isso que Marx enxerga a luta de classes como o motor
dialético da história.
É exatamente para evitar a eclosão da subversão que o capitalismo faz uso da ideologia para
mascarar as reais contradições que emanam das relações homem / trabalho. A ideologia, em
Marx, é a própria forma de encobrimento das relações sociais reais. Ela permeia todos os âmbitos
da sociedade, criando toda uma retórica, todo um discurso para entorpecer o pensamento. Para
Marx, a ideologia capitalista ofusca a relação do trabalhador com o trabalho, existente na troca de
mercadorias, solidificando sua alienação quanto às reais relações humanas no mercado.
Tendo em vista a força da alienação, muitas pessoas passam a ver as mercadorias com vidas
próprias, envoltas em um caráter místico. Os valores passam a fazer parte de uma suposta
propriedade natural das coisas. Isso é o que Karl Marx chamou de caráter fetichista da
mercadoria. A correlação íntima entre alguns dos conceitos presentes no marxismo, como a mais-
valia, a alienação e a ideologia, é fundamental para uma melhor compreensão do fetichismo da
mercadoria, por isso, esses conceitos são convenientemente abordados no presente trabalho.
Mas, em linhas gerais, o que Marx representou na concepção de fetichismo? Nas palavras de
Isaak Rubin (1980, p.19),
Consiste em Marx ter visto relações humanas por trás das relações entre as coisas, revelando a
ilusão da consciência humana que se origina da economia mercantil e atribui às coisas
características que têm sua origem nas relações sociais entre as pessoas no processo de
produção.
O que Marx enxergou brilhantemente, em "O Capital", foi o dispêndio de nervos, músculos e
sentidos; o trabalho, essencialmente humano, converter-se em valor objetivo da mercadoria. O
enigma do fetichismo dessa mercadoria se demonstra no momento em que, nas relações entre
produtores, as mercadorias refletem as características sociais do trabalho como naturalmente
intrínsecas às coisas. Por outro lado, "reflete a relação social dos produtores com o trabalho total
como uma relação social existente fora deles, entre objetos" (MARX, 1996, p. 198). Coisificam-se
as relações humanas e personificam-se as coisas.
Conceituar de forma plena o fetichismo que envolve a mercadoria é tarefa, de fato, complicada,
obstaculizada pela própria forma como o conceito vai evoluindo ao longo da obra "O Capital". No
entanto, serão aqui apresentadas mais algumas abordagens e a forma como a ideologia do
capital reforça a sua propagação.
Embora o trabalho adquira forma social, pelo simples fato de os homens trabalharem de alguma
forma uns para os outros, os produtores só entram em contato social quando trocam os produtos
de seu trabalho. Além disso, o valor da mercadoria passa a ser visto como algo objetivo,
intrínseco a sua natureza e não ao dispêndio de força laboral do trabalhador envolvido na
produção. Desse modo, como bem cita Marx (1996, p.179), "Ao equiparar-se, por exemplo, o
casaco, como coisa de valor, ao linho, é equiparado o trabalho inserido no primeiro com o trabalho
contido neste último". A grande questão é que essa comparação é feita, embora não de forma
consciente.
Nota-se, por conseguinte, que a abstração do trabalho acaba por sobrepujar a verdadeira relação
social por detrás de determinada mercadoria. Quanto mais essa abstração é reforçada pela
ideologia do capital, mais as mercadorias são envoltas pelo fetichismo. Fica, pois, evidente, na
visão de Oliveira e Quintaneiro (2002, p.55), que
Através da forma fixa em valor-dinheiro, o caráter social dos trabalhos privados e as relações
entre os produtores se obscurecem. É como se um véu nublasse a percepção da vida social
materializada na forma dos objetos, dos produtos do trabalho e de seu valor.
Esse véu é convenientemente construído pela ideologia capitalista, que intenta, justamente,
obscurecer as relações sociais por trás da mercadoria. Essas relações são coisificadas, enquanto
as mercadorias se personificam no jogo do mercado. Desse modo, "[...] as relações sociais de
produção não são apenas 'simbolizadas' por coisas, mas realizam-se através de coisas" (RUBIN,
1980, p. 26).
De posse dessas considerações, clareia-se a novamente visão de Marx, ao dizer que o caráter
fetichista da mercadoria provém do caráter social sugerido como inerente às próprias
mercadorias, não ao trabalho que as produz. O dispêndio de força intelectual e física por parte do
trabalhador, como já visto, atribui valor aos produtos do trabalho (não raro, valor muito superior ao
que é pago àquele que vende sua força de trabalho). Posteriormente, nas relações de troca as
características sociais do trabalho se evidenciam. As coisas adquirem as relações sociais e as
pessoas têm suas relações reificadas pela linha tênue entre as relações de produção e o
movimento das coisas. Ainda em consonância com Isaak Rubin (1980, p. 24), "a coisa não só
oculta as relações de produção entre as pessoas, como também as organiza, servindo como elo
de ligação entre as pessoas".
A face deletéria do fetichismo ante os trabalhadores não pára por aí. Gradativamente o vício do
capital e a coisificação das relações sociais potencializa a alienação do indivíduo.
O estranhamento, elemento diretamente ligado ao fetichismo, é algo que corrobora a objetificação
das relações sociais. Tais relações pululam um campo metafísico, como coisas tipicamente
estranhas ao controle social. Controle, aliás, que o trabalhador que produz a mercadoria, não
exerce sobre ela. Desse modo, é flagrante que a alienação é disseminada pelo caráter fetichista
da mercadoria. Os homens passam a entrar em relação tão só por meio das coisas que portam e
no momento de sua troca no mercado. No cerne dessa prática, estão os trabalhadores que,
inicialmente, alienaram-se dos meios de produção, até se alienarem do poder.
Para Marx, o estranhamento em relação ao trabalho "[...] inverte a relação a tal ponto que o
homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência,
apenas um meio para sua existência" (MARX, 2004, p.75). Ou seja, convergimos mais uma vez
para a deturpação da condição humana produzida pelo capitalismo. O trabalho humano, que
deveria diferenciar o homem do animal, passa de livre a algo ligado tão só à sobrevivência.
Separado o trabalhador dos meios de produção, ele continuará a fiar, mas o fio que foi resultado
de sua ação se distanciará cada vez mais dele. Quanto maior é essa distância, mais reificadas se
tornam as relações humanas de produção, logo, mais difícil se torna ver por trás do fetichismo.
É imperioso observar, ainda, que não se trata de pressupor exploração para haver fetichismo da
mercadoria, mas, de certo, a existência deste é um mecanismo que corrobora e contribui para a
exploração do capital. Percebe-se que
[...] na economia mercantil, as relações sociais de produção assumem inevitavelmente a forma de
coisas e não podem se expressar senão através de coisas. A estrutura da economia mercantil leva
as coisas a desempenharem um papel social particular e extremamente importante e, portanto, a
adquirir propriedades sociais específicas (RUBIN, 1980, p.20).
O fetichismo, portanto, apresenta-se também de forma muito real, paradoxalmente, numa
realidade muito concreta ante o misticismo que envolve a conceituação da face fetichista da
mercadoria. Ainda em consonância com Rubin (1980, p. 73), ele não é só um fenômeno da
consciência social, mas um fenômeno da própria existência social. Percebe-se que a sociedade
adere ao fetichismo a partir do momento em que se resigna perante o estabelecido, que se
distancia de sua organização e produção. Ela passa a se relacionar tão somente por meio de
coisas que carregam em si essencialmente trabalho. Ainda que o pensamento se subverta e
passe a ver a mercadoria pelo real trabalho que nela está inserido, o indivíduo permanecerá se
relacionando por meio da mercadoria, ressuscitando o fetiche. Não se trata, pois, de mera
questão de consciência individual, a questão passa pelas características do modo de produção
burguês. O que fica claro, conforme aduz Marx (1996, p.201), é que "Todo o misticismo [...] das
mercadorias, toda a magia e a fantasmagoria que enevoam os produtos de trabalho [...]
desaparecem, por isso, imediatamente, tão logo nos refugiemos em outras formas de produção".
Em conclusão, em uma forma de produção em que o trabalhador existe substancialmente para
incorporar valores através da exploração do seu trabalho e não para satisfazer suas próprias
necessidades por meio da riqueza, o resultado não poderia ser outro que não a reificação das
relações entre indivíduos. O presente trabalho procurou percorrer um caminho que levasse à
compreensão da conexão entre o fetichismo da mercadoria e as vigentes relações de produção
do capitalismo. Não à toa, procurou-se transitar entre conceitos que Marx manuseou de forma
brilhante em sua análise da degradação humana promovida pelo modo de produção capitalista.
Conceitos fundamentais e totalmente pertinentes ao apresentado fetichismo da mercadoria. Todos
eles, tanto a alienação, a ideologia, a mais-valia e o caráter fetichista da mercadoria,
correlacionam-se intimamente e, talvez, tenham de mais comum as contradições internas que
representam uma possibilidade de mudança.
REFERÊNCIAS
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996a. Livro I, tomos 1 e 2. (Coleção Os
Economistas).
______. Salário, preço e lucro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas).
RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Brasiliense, 1980.
QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. de O.; OLIVEIRA, M. G. M. de. Um toque de
clássicos. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/25267/1/O-fetichismo-da-mercadoria---um-passeio-entre-Marx-e-a-
coisificacao-do-trabalho-humano/pagina1.html#ixzz11QbvKDYk
A TEMÁTICA DA ALIENAÇÃO: ORIGENS E
PARTICULARIDADES

Maria Lúcia Duriguetto


Professora da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora
Doutoranda em Serviço Social – UFRJ.
O objetivo deste trabalho é apresentar a gênese e o desenvolvimento, no interior do pensamento
marxiano, das formulações analíticas acerca da temática da alienação. O fetichismo, como
manifestação alienada própria das relações da vida social da sociedade burguesa constituída e sua
vinculação com a problemática da alienação será aqui analisado em sua especificidade analítica e
desdobramento sócio-histórico. O encaminhamento da exposição segue-se no apontamento da
pluridimensionalidade de questões que a problemática da alienação abarca, especialmente
objetivando evidenciar as alternativas abertas para futuras investigações.
O conceito de alienação é um conceito histórico na medida em que tem aplicação analítica numa
relação mútua entre sujeito, objeto e circunstâncias concretas específicas. Não obstante, os
construtos teóricos acerca dos processos alienantes da vida humana foram edificados em estruturas
atemporais, mistificadoras, abstraíndo dos processos sócio-econômicos concretos.
É no desenvolvimento do modo de produção capitalista e de sua particular e específica forma de
produção material que Marx desenvolve o conceito da alienação. Sua formulação teórico-conceitual
situa-se particularmente no interior de duas obras: Os "Manuscritos Econômico-Filosóficos de
1844" e "Elementos para a Crítica da Economia Política" (1857-58).
Nos Manuscritos se desenvolve o primeiro confronto de Marx com a Economia Política e é
explorada, pela primeira vez, a idéia da "alienação do trabalho" e suas consequentes determinações
à todas as esferas da vida social. Nas reflexões de 57-58 Marx realiza a primeira formulação
concreta da especificidade da alienação na sociedade burguesa - o problema do fetichismo -. A
definição teórico-analítica desta dimensão particular da categoria da alienação ocorre em função da
análise do conjunto de mediações histórico-concretas responsáveis pela afirmação do valor de troca
como forma determinante de intercâmbio econômico-social e de interação sócio-cultural da
sociedade burguesa.
Nos Manuscritos, o trabalho aparece como a objetivação primária do ser social e é por se
objetivarem que os homens podem constituir sua subjetividade, sua personalidade enquanto
determinação individual específica. Mas esta é determinada ontológicamente na totalidade das
condições sociais, e é nelas e a partir delas que a subjetividade é historicamente formada e mudada.
È mutável uma vez que as condições são produzidas pelo homem social, são o produto da
autocriação humana.
Uma subjetividade rica é formada no processo de socialização com a apropriação cada vez maior da
riqueza social existente, ou seja, da massa de objetivações dispostas pela sociedade. Em outras
palavras, a riqueza do homem é a riqueza de suas relações sociais. O homem é assim entrelaçado e
criado em relações inter-humanas históricas e concretas. È um produto da sociedade e também o seu
criador:
É na sua acepção histórica particular nos moldes capitalistas - na forma da "divisão do trabalho,
troca, propriedade privada"- que a atividade teleológica se torna trabalho assalariado. Ao invés de
ser uma objetivação e o elemento mobilizador da sociabilidade que realiza uma subjetividade rica, o
trabalho aqui se transforma no seu contrário: aliena o homem ao invés de objetivá-lo, passa a ser o
que o avilta e mutila, aparecendo como a base de toda alienação. O homem é dominado por aquilo
que ele cria, o que o impede de fazer a passagem do singular para o genérico, expressando uma
sociabilidade marcada pelo caráter individualista e egoísta. "A atividade produtiva é, portanto, a
fonte da consciência, e a ‘consciência alienada’ é o reflexo da atividade alienada ou da alienação da
atividade, isto é, da auto-alienação do trabalho." Mészaros (1981, p.76).
Partindo da atividade produtiva como elemento ontológico fundamental da constituição do ser
social e de uma substanciação das categorias em termos históricos concretos, a abordagem marxiana
da natureza humana está numa perspectiva radicalmente oposta às concepções estáticas, a-históricas
e naturais da economia política (substitui o indivíduo histórico e socialmente concreto pela imagem
idealista de uma "natureza humana" abstraída de todas as determinações sociais). Nos Manuscritos
o "princípio do individualismo" passa a ser analisado como uma manifestação ontológica da
alienação do homem no trabalho. O egoísmo não é inerente e não é a característica definidora da
natureza humana, esta é transformada, pela própria atividade humana e pela sociabilidade (isto é, "o
conjunto das relações sociais") naquilo que é. Assim, o verdadeiro eu é um eu social e, em
decorrência, a compreensão da individualidade não pode ser calcada em qualidades abstratas
inerentes ao indivíduo isolado, mas na análise histórica concreta do caráter da sociabilidade. È esta
que define a natureza humana, pois esta não pode ser encontrada dentro do sujeito, mas nas suas
relações objetivadas.
Segundo Netto(1987, pgs, 59-60), embora prisioneiro de uma antropologia feuerbachiana, Marx já
desenvolve nos Manuscritos as bases de uma teoria que é "compatível com a ulterior determinação
teórica do fetichismo" e que "desempenhará uma função central na estrutura ontológica da sua
teoria social : a categoria da práxis":"Ao considerar o homem como ser prático e social e a práxis
como a totalidade das objetivações do ser social, constituída e constituinte, Marx funda a
alternativa para situar a alienação como fenômeno e problema prático-social".
Não obstante essas determinações, as análises feitas por Marx em 1844 têm como foco descrever
como se explicitam as manifestações dos processos alienantes nos indivíduos e nas suas formas de
sociabilidade no interior da sociedade fundada na produção mercantil e na troca. Derivada a partir
da propriedade privada e consolidada pelas repartições da economia mercantil (divisão do trabalho,
troca) a alienação parece alcançar uma característica histórica generalizante que culmina nos
marcos da sociedade burguesa. Para Vázquez (1968, p.437), a principal limitação do conceito na
obra de 1844 é a sua "polivalência"..."explica muito, sem ser ela mesma, a seu turno,
suficientemente explicada". É por isso, segundo Netto (1987, p.70) que a abordagem marxiana
é abstrata:"ela não consegue determinar a especificidade das alienações engendradas pela
sociedade burguesa".
É nas reflexões presentes em "Elementos para a Crítica da Economia Política" que a particularidade
histórico-social da essência econômica da sociedade burguesa alcança sua concretude
investigativa.Tal concretização teórica possibilita a apreensão caracterizadora da tematização da
alienação na sua modalidade e afirmação enquanto expressão típica desta sociedade, a reificação :
"Aquilo de que a ótica marxiana de 1844 não pode dar conta é que a sociedade burguesa
constituída, abrigando e recolhendo as antigas formas de alienação, repõe-nas em outro nível
justamente o engendrado pelo fetichismo". Netto (1987, pgs70,71).
A superação desta abordagem abstrata está na análise precisa da forma do produto mercantil
-mercadoria- que Marx objetivamente define como "célula econômica da sociedade burguesa" raíz
em que o fetichismo se universaliza. È no contexto destas proposições que se articulam duas
realizações teóricas do movimento histórico que confluem concretamente na emergência do modo
de produção capitalista: análise da sociabilidade numa perspectiva ontológica de seus alicerces - as
objetivações teleológicas da prática sócio-humana que constituem o trabalho; e a propriedade deste
como produtor de valor. Este modo de produção cristaliza o produto do trabalho na forma
mercadoria, engendrando uma ambiência mística que oculta o caráter social que fundamenta a sua
produção. As relações sócio-humanas são invertidas: de relações entre pessoas convertem-se em
relações entre coisas. O trabalho humano é considerado não só trabalho concreto (atividade e
produto determinado), como também trabalho abstrato, geral, pois só assim os produtos do trabalho
podem ser equiparados e trocados. Assim, o produto do trabalho torna um fetiche na medida em que
se converte em partícula de um trabalho geral, abstrato, isto é, como mercadoria.
Ao implementar o programa teórico de desocultamento da especificidade da alienação na
processualidade histórica dos fetiches que rodeiam as formas sociais e suas representações místicas
na sociedade burguesa, Marx abandona mantém ou modifica a concepção do trabalho alienado
presente nos Manuscritos?
Segundo Vázquez (1968, p.448) a distância que separa o conceito de trabalho alienado para o do
fetichismo da mercadoria é a distância entre uma concepção do trabalho ainda não fundamentada
dentro de uma análise da estrutura do modo de produção capitalista em que opera o conceito, e
outra na qual se concretiza nas categorias de força de trabalho, trabalho assalariado, trabalho
abstrato e concreto, etc. São estas determinações ontológico-históricas que estabelecem, que
demarcam "as diferenças fundamentais quanto ao lugar, alcance e conteúdo da forma concreta com
que aparece a alienação em "O Capital" como fetichismo econômico". Não obstante, em ambas as
concepções estão presentes uma estrutura axial da alienação: tanto os homens (o trabalhador
individual - alienação da essência humana em 44), ou as relações sociais (alienação de um modo de
sociabilidade própria do desenvolvimento histórico-social - em 57-58) se objetivam em produtos
que se tornam autônomos e que se apresentam com um poder próprio. O caráter de continuidade
que se afirma é a contradição entre os homens e a realidade exterior.
Em consequência, não se trata de dissolver ou substituir a teoria da alienação na teoria do
fetichismo. A primeira é qualitativamente a mesma e a segunda é sua particularidade funcional e sua
problemática é um aspecto da problemática mais abrangente daquela: ... "a concepção marxiana do
fetichismo supõe uma teoria da alienação"...Netto (1987, pgs.59-60). Mas ... "fetichismo e
alienação não são idênticos" (p.74). Nesse sentido, se o fetichismo exprime a forma mais
desenvolvida da alienação, isso não signica que esgote seu conceito e suas formas de manifestação:
"se a relação da alienação condiciona o aparecimento do fenômeno do fetichismo, e se o fetichismo
das mercadorias for uma consequência específica da alienação, nesse caso esta é a noção mais
ampla e mais rica, que não pode ser limitada ao fenômeno do fetichismo." Schaff (1967,p.135)
Nos Manuscritos, a alienação desenvolve-se quando os indivíduos não conseguem discernir e
reconhecer o conteúdo e o efeito da sua ação interventiva nas formas sociais. Assim, os processos
alienantes podem ser entendidos como processos que envolvem, a partir das condições dadas pela
vigência da apropriação privada do excedente econômico, múltiplas e complexas concretizações da
atividade sócio-humana nas diferentes esferas da vida social. Nesse campo amplo de afirmações e
desenvolvimentos, a alienação estende sua materialização sem cristalizar-se em relações objetuais,
que são próprias da sua nova e determinada forma constitutiva a partir do fetichismo. Marx evolui
de um conceito geral da alienação para uma concepção como fenômeno que deve ser recuperado em
sua processualidade histórica, como produtos históricos particulares que necessitam ser
investigados concretamente.
Em Marx, o primado das categorias econômicas decorre do significado central que tem o trabalho
como estrutura fundamental da objetivação social e das relações humanas. E é de uma análise
daquelas categorias que se deve partir para "desmistificação" das relações sociais. Não obstante, as
relações econômicas e os resultados de sua investigação não determinam e não podem ser
simplesmente transferidos mecanicamente para todo conjunto complexo das inter-relações sociais.
O específico destas tem que ser identificado em suas múltiplas mediações internas e externas e em
suas interligações estruturais fundamentais.
Bibliografia
GIANNOTTI, J.A. Origens da dialética do trabalho. SP: Difusão Européia do Livro, 1966.
GOLDMANN, L. Dialética e Cultura. RJ: Paz e Terra, 1979.
A Maturação do pensamento de Marx
Trabalho originalmente apresentado para a cadeira de Filosofia Geral – FFLCH-USP .
por Miguel Duclós

Este trabalho trata de um período histórico-filosófico grande. Abordo aqui desde algumas leituras marcantes
para o Jovem Marx até o primeiro capítulo da obra prima deste, O Capital, livro que é fruto uma vida inteira
de estudos e coroação de sua maturidade como pensador e teórico. Porém, nosso artigo não tem a pretensão
de tratar todos os conceitos fundamentais que foram determinantes para a maturidade do pensamento
marxiano, mas sim se limitar a três conceitos específicos incluídos em três obras de Marx. Na primeira, Os
manuscritos Econômico - Filosóficos, de 1844, será destacado o conceito de alienação, bem como o estilo
ainda Feuerbachiano do autor. Na segunda, A ideologia Alemã e nas Teses sobre Feuerbach, será destacado a
ruptura de Marx com sua consciência filosófica anterior, e sua formulação, junto com Engels, da teoria que
seria uma das designações do seu pensamento: o materialismo histórico. No centro de tal teoria está o
conceito de Ideologia, que será relacionado com a explanação sobre o fetichismo da mercadoria no primeiro
capítulo de O Capital.

Feuerbach havia demonstrado, em A Essência do Cristianismo, a tese escandalosa para a sociedade da


época, que a essência da religião é a essência do ânimo humano, e que a teologia pode ser explicada pela
antropologia. Explica o autor que as representações e segredos atribuídos a um Ser sobre-humano não eram
mais do que representações humanas naturais, e que aquilo que no imaginário pairava no Céu, pode ser
encontrado sem maiores dificuldades no solo da Terra. Dessa forma, o homem transporia para o Céu o ideal
de justiça, bondade e virtude que não conseguia realizar na Terra. Colocaria num grau universal e absoluto
atributos e qualidades de si mesmo. Todos os Deuses não seriam então, mais do que criações humanas.
Feuerbach reconhece o sistema de Hegel como uma teologia especulativa, e critica a Idéia absoluta, que seria
baseada na revelação e encarnação cristãs, ultrapassando assim o racional e se tornando teologia. Coloca em
seu lugar a noção de Ser genérico do homem. A teologia, religião institucionalizada, é fonte de dogmas a
abstrações metafísicas que perdem a ligação com o real e palpável. Cada religião pretende ser a detentora da
verdade, e isso é motivo de fanatismo e intolerância com outras formas de pensamento. A verdade acessível
apenas a alguns (revelada pela fé), sem critérios objetivos, torna fácil a manipulação de pequenos grupos
sobre os demais, por se tratar de algo que não pode ser demonstrado com base em elementos sensíveis.

Feuerbach inicia A essência do Cristianismo dizendo que o homem difere do animal por ter uma
consciência no sentido estrito, ou seja, sua consciência “tem por objeto o seu gênero, a sua essencialidade” 1.
Essa consciência do homem enquanto espécie, que é próprio deste por fazer parte de sua ciência, o difere do
animal. Do outro lado está a “consciência de si”. Afirma Feuerbach sobre ela:

“A consciência de Deus é a consciência de si do homem, o conhecimento de Deus é o conhecimento de


si homem. Pelo seu Deus conheces o homem e, vice-versa, pelo homem conheces o seu Deus; é a mesma
coisa.” 2

Essa idéia de que a natureza dos deuses difere na mesma proporção da natureza dos povos não é nova.
Feuerbach realmente desenvolve algumas frases dos pensadores pré-socráticos, como sua frase de que o “ser
é, o não ser não é”, tomada emprestada de Parmênides e aplicada em um contexto mais profunda. Xenófanes
de Colofão, mestre de Parmênides, ficou famoso por ser um dos primeiros filósofos a defender a unidade da
divindade, o monoteísmo. Também afirmava, como Feuerbach, que a natureza dos Deuses variava com a
natureza de quem os adorava. Vejamos os seguintes fragmento de Xenófanes:

“Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar e criar obras
como os homens,

os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, desenhariam as formas dos deuses e os
corpos fariam tais quais eles próprios têm”. E mais adiante:

“os egípcios dizem que os deuses tem nariz chato e são negros, os trácios, que eles tem olhos verdes e
cabelos ruivos.”3
Por esses trechos, vê-se que, mesmo antes da ascendência do Deus cristão, já havia uma crítica à
antropomorfização dos Deuses. Para Feuerbach, uma essência finita não pode ter a mais remota idéia de uma
essência infinita. Também Hegel afirma, em Introdução à História da Filosofia, que o homem não pode
conceber o que é o Infinito porque só pode empregar para isso categorias finitas. A religião cristã pretende a
essência do homem infinita, mas para Feuerbach o homem só pode ter consciência de tal essência se ela for
razão, vontade e pensar. A consciência de si do homem vem pela consciência do objeto. Feuerbach inicia
assim sua busca de superação do subjetivo. O que nas antigas religiões era considerado objetivo, hoje é
apenas reflexo de idéias que só podem ser sentidas por abstrações, pertencendo portanto ao interior do
homem. Feuerbach constata que a teologia se transformou em antropologia há muito tempo.

Sua crítica às religiões pretende ser universal, buscando o que há de comum a todas as religiões. Chega
à conclusão de que o mundo transcendente e a caracterização humana dos personagens divinos é comum nas
religiões. Porém, essa generalização é no mínimo complicada. Muitos povos não podiam separar o sujeito do
objeto, ou seja, o indivíduo nada mais era do que parte integrada do ambiente, e não podia ser entendido fora
do seu quadro social. A religião muitas vezes não reconhece em sua idéia de divindade características
humanas. Pois, afinal, o homem é apenas uma parte do todo, e nesse caso Deus é identificado com a
totalidade da Natureza. Isso ocorre no panteísmo e em algumas religiões indígenas e orientais. A natureza é
entendida como um complexo sistema de ambientes que existe independente da percepção humana. O
egoísmo e a vaidade são os responsáveis por representar a divindade como algo humano, e a raça humana
como herdeira da Terra. De fato, não é preciso ir muito longe para concluir que a idéia do planeta existir para
servir ao homem constitui equívoco grave. O que Feuerbach fala é válido sobretudo para a religião judaico-
cristã. No Velho Testamento está escrito que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e no Novo
Testamento é um homem que se faz Deus. Para Feuerbach isto é uma inverção da relação sujeito-predicado.
O homem cria um sujeito infinito e atribui a ele a criação de si.

A teoria feuerbachiana causou profunda influência na filosofia do século XIX. Os primeiros a se


entusiasmarem com ela foram os jovens hegelianos, dentre eles Marx, que trataremos adiante. Mas a noção
materialista de humanismo ateu iria alcançar um reflexo maior no século em que foi proclamada a morte de
Deus. Quem mais alto bradou sua morte foi Nietzsche, inicialmente em A Gaia Ciência, e posteriormente em
sua obra-prima, Assim Falava Zaratustra. Nietzsche engendra uma crítica severa à moral cristã, que para ele
é ascética e mortificadora da vida – a moral dos escravos, que limita a Vontade de Potência. No lugar da
metafísica, Nietzsche propõe um apego aos valores da Terra, lugar onde o além-homem – aquele que cria
seus próprios valores – direcionaria sua vida e sua paixão. No trecho adiante está uma passagem em que fica
claro a relação entre o apego de Nietzsche à filosofia terrena e o materialismo de Feuerbach que prega o
mundo sensível:

“Em outras eras, blasfemar contra Deus era o maior dos absurdos; porém Deus morreu, e morreram com
ele tais blasfêmias. Agora, o que causa mais espanto é blasfemar da Terra, e ter em mira as entranhas do
impenetrável e não a razão da Terra.” 4 A título de curiosidade, vejamos o que Nietzsche fala em O
Crepúsculo dos Ídolos: “O homem seria tão somente um equívoco de Deus? Ou então seria Deus apenas um
equívoco do homem?”5 . Como se vê, o cerne do pensamento nietzscheano encontra procedência em
Feuerbach. Outros paralelos podem ser traçados, como o da crítica ao plano transcendente, herança religiosa
e platônica:

“Este mundo, o eternamente imperfeito, pareceu-me um dia a imagem de uma contradição eterna, e
uma alegria inebriante para o seu imperfeito criador (…) Ai, meus irmãos! Este Deus que eu criei era obra
humana e humano delírio, como os demais deuses.

Era homem, apenas um fragmento de homem e de mim. Esse fantasma surgia das minhas próprias
cinzas e da minha própria chama, e realmente nunca veio do outro mundo” 6

Como se vê, filósofos das mais diversas áreas de atuação se aproveitaram das veredas abertas pela
crítica de Feuerbach à religião e à teologia. Mas tal alcance não o livrou de críticas, como por exemplo a dos
religiosos, que sugeriram um outro título para o seu livro: “A essência do Anti-Cristianismo” e a do pensador
anarquista Max Stirner, que fazia parte da esquerda hegeliana. Stirner -criador de um individualismo radical
que fundamenta a liberdade- ataca Feuerbach dizendo que este substituíra meramente a palavra Deus pela
palavra homem. Dessa forma, Feuerbach rezaria pelo homem. Segundo Stirner, ele não teria deixado de ser
hegeliano, porque apenas transpôs o ideal teológico e divino por uma noção abstrata de humanidade.

Mas Feuerbach teve influência ativa nos hegelianos de esquerda. Engels escreveria, mais tarde, que todos os
neo-hegelianos foram feuerbachianos. Dentre eles estava Marx, que de inicio adotou alguns conceitos e
terminologia de Feuerbach. No primeiro manuscrito de 1844, Marx trata da questão da alienação. Tal termo
fazia parte do vocabulário de Feuerbach, para quem a religião era uma alienação, pois, colocando sua
essência e sua humanidade num Ser fora de si próprio, no mundo invertido da divindade, o homem vira um
ser que não se pertence. Esse é o aspecto religioso da alienação que Feuerbach usa. O homem adora os ídolos
que projeta. O próprio Marx afirma que, quanto mais se atribui a Deus, menos sobra para o homem .7

O termo alienação foi usado também por Hegel, fazendo parte da dialética, pois o homem aparecia em
cada etapa da dialética como distinto do que era antes. Althusser observa que Marx aplicou a teoria da
alienação de Feuerbach à política e a economia. 8 Para Althusser, Marx “esposou” a terminologia e a
problemática de Feuerbach durante as suas obras de juventude.9 Por isso, o impacto das obras de 1845, no
momento em que rompe com Feuerbach seria muito grande.

Para Marx, a alienação religiosa seria gerada pela alienação econômica. Tal estado é, para Marx,
resultado da realização de o trabalho aparecer como a desrealização do trabalhador. O objeto produzido pelo
trabalhador aparece como estranho e independente a ele. As mercadorias existem para suprir necessidades. O
sistema capitalista transforma o trabalhador e o trabalho em mercadorias, ao privar o trabalhador dos objetos
que produz. Quanto mais ele produz, menos pode possuir. Essas apropriação do objeto pelos possuidores da
propriedade, se realiza como alienação do trabalhador. Este, ao pôr sua vida na produção de objetos que não
lhe pertencem, perde a posse desta.

Como afirma Marx, “a alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se
transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele
estranho, e se torna um poder autônomo em oposição com ele”.10

Marx critica a economia política de então esconder a verdadeira relação entre o empregado e o
empregador. O Estado submete os trabalhadores a seus próprios interesses. O trabalhador ganha um salário
que não consegue comprar os produtos que ele próprio produziu. Ele produz coisas para os ricos, mas pouco
sobra para ele. Esta é a contradição básica do sistema capitalista na época de Marx. O empregado aparece
então apenas como instrumento para o bem estar dos possuidores.

Marx, dialeticamente, oferece um quadro de inversões para as atividades dos trabalhadores: quanto mais
produz, menos possui, quanto mais civilizado é o produto feito por ele, tanto mais bárbaro ele se mostra. Nas
fábricas as limitações a que o empregado é submetido, como os movimentos repetitivos, as jornadas de
trabalho sobre-humanas, o baixo salário, a repressão e outras, apenas evidenciam seu caráter apenas
funcional. Ele não transforma mais a natureza para fazer coisas que estão relacionadas a ele, ou que vão
beneficiá-lo diretamente. Sua atividade apenas vai garantir que não morra de fome, pois o salário mínimo é a
soma das condições mínimas de subsistência (alimentação e moradia).

A alienação para Marx ocorre não na relação do trabalhador com o produto de seus trabalhos, mas
também na própria atividade produtiva. Ou seja, o trabalho não pertence à natureza do trabalhador, mas sim é
condição para que esse sobreviva minimamente, sendo obrigado a se adequar à condições de trabalho acima
descritas. Por esse fato, ele apenas se esgota, e não se realiza na plenitude de suas capacidades mentais e
físicas. Como afirma Marx, o trabalho “não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio
de satisfazer outras necessidades”. 11 Estas outras necessidades geralmente se reduzem à prioridades
mínimas, como alimentação, moradia. O meio para satisfazê-las é o dinheiro, um valor que não existe
naturalmente, mas é abstraído e convencionado. O trabalhador vendeu seu tempo, seu sentimento, sua força,
suas aspirações pelo dinheiro, e na posse de algum, pode trocá-lo por qualquer tipo de mercadoria, inclusive
pelas que ajudou a produzir. Este trabalho alienado é um processo de mortificação, em que homem exerce
uma atividade cansativa que não condiz com sua aspiração de indivíduo opinante, de cidadão livre, ou
mesmo de animal, que tem emoções, orgulho, instinto, prioridades físicas. Marx afirma que o trabalhador só
consegue ser livre nas funções animais, como beber, procriar, comer, mas nas atividades humanas se vê
reduzido a animal. Mas estas funções animais primárias estão implicadas com o sistema social a ponto de
perderem seu sentido original.
O homem, ao modificar sua animalidade e sua humanidade, subordinado-a a um sistema social de
valores e limitações, modifica-se, perde sua essência. E as esperanças humanas são então projetadas em um
além, num Ser Divino, perfeito, de valores eternos. Esta alienação religiosa, subordinada à alienação
econômico-política, leva o homem à incapacidade de reconhecer sua humanidade em si mesmo, porque seu
Deus é definido por tudo aquilo que ele mesmo não possui, ou que perdeu.

Marx, depois de reconhecer dois aspectos do trabalho alienado – a relação do trabalhador com o produto
de seu trabalho, e a relação do trabalhado ao ato de produção, a auto-alienação - fala de uma terceira
determinação do trabalho alienado, que parte das outras duas. Marx, usando de um vocabulário feurbachiano
sobre Ser genérico, afirma que os dois primeiros tipos de alienação alienam o homem enquanto espécie. A
atividade produtiva se transformou em social. Os meios de sobrevivência do homem estão condicionados
pelas leis de mercado e do trabalho. Dessa forma, a vida genérica do homem serve de meio para a vida
individual, pois a atividade produtiva é o único modo de continuar existindo fisicamente. Marx então faz
uma comparação entre o homem e o animal, que lembra muito a Introdução da Essência do Cristianismo. Ele
afirma o animal é a sua própria atividade, não se distingue dela.12 Enquanto o homem possui uma
“atividade vital consciente”, pois submete sua atividade vital à vontade e à consciência. Feuerbach, como já
observamos, afirmava que a diferença principal entre o homem e o animal é que o homem tem consciência
no sentido estrito, que tem como objeto o seu gênero, a sua espécie.13

Marx continua sua argumentação observando que, se o animal também produz, o homem reproduz toda
a natureza, enquanto o animal apenas se reproduz a si. É interessante notar que Marx, embora esteja tratando
de uma questão já exposta por outros autores, consegue aprofundar as questões, usando um vocabulário
ainda hegeliano, ainda feuerbachiano. Isso acontece, porque naquele momento, Marx transformava sua
consciência filosófica em economia política. Os Manuscritos tem esse duplo caráter, o filosófico e o
econômico. Segundo Althusser, os encontros anteriores de Marx com a economia política tratavam apenas de
algumas questões e efeitos relacionados com a política econômica. 14 Marx encara, nos Manuscritos, a
Economia Política de verdade, formulando teorias que tratam dela como um todo, procurando seus
fundamentos. No início dos Manuscritos, Marx afirma que a Economia Política de então parte do fato da
propriedade privada sem o explicar. A propriedade privada era pressuposto, por isso os economistas não a
haviam problematizado como deviam. Nos Manuscritos, são levantados diversos conceitos e problemas que
aparecerão mais tarde em O Capital. Marx analisa a economia política burguesa a partir de um conceito
chave, o de trabalho alienado.

O homem, ao reproduzir-se fisicamente na natureza através da transformação da mesma pelo trabalho,


reflete a si próprio no mundo objetivo. Sua individualidade é refletida pela obra que ele mesmo criou. Como
já dissemos, a atividade produtiva é social, ou seja, pertence à vida genérica do homem, que ao representar-
se, representa também a humanidade. O trabalho alienado tira do homem o fruto de sua produção, tirando
assim, ao mesmo tempo, a sua vida genérica. Para Marx, o homem só era capaz de realizar suas forças
intelectuais e físicas interagindo com o ambiente. O homem depende da natureza para crescer e conseguir
sustento. Sua consciência não pode ser fechada, subjetiva, mas sim ser moldada pela realidade natural e
social. O trabalho alienado transforma o homem estranho a si mesmo e ao ambiente onde vive. Segundo a
concepção etimológica, alienatus é aquele que não se pertence, aquele que pertence a outro. O homem,
alienado-se no seu trabalho, na sua vida genérica, aliena-se também dos outros homens. Marx continua
dizendo que o ser estranho a quem pertence o trabalho alienado tem de ser algo real, objetivo. Dessa forma,
não é nem à natureza nem aos deuses que ele pertence, mas sim ao próprio homem. O produto do trabalho
pertence a alguém distinto do trabalhador, ou seja o capitalista. O trabalho é sofrimento para alguns,
enquanto suas condições o afastam de si e da natureza, mas é fruto de gozo para aquele que desfruta dos
produtos.

Portanto, a propriedade privada é fruto do trabalho alienado. A propriedade privada, para Marx, é
conseqüência e causa do trabalho alienado, da mesma forma que o salário também é conseqüência deste.
Marx chegou ao conceito de trabalho alienado a partir da economia política, que “tudo atribui 15 à
propriedade privada” e nada ao trabalho. Ela apenas formulou as leis do trabalho alienado, e não denunciou
o seu caráter hostil à natureza humana, escravizador, que transforma o homem em um instrumento da riqueza
de outros. Marx, depois de explicitar as implicações do trabalho alienado, parte para a explicação da
propriedade privada.
Essa importância que Marx dá às condições materiais da transformação humana, esta aplicação da
economia à filosofia levariam Marx a romper com o idealismo da esquerda hegeliana. A famosa afirmação de
Marx, no Manifesto Comunista, de que a história de toda sociedade até hoje tem sido a história da luta de
classes, está ligado à maturidade de seu pensamento que encontra marco definitivo no ano de 1845, com a
publicação de A Ideologia Alemã, em co-autoria com seu amigo, Engels. Neste livro estão lançados a base do
materialismo histórico e do materialismo dialético, que ficaram sendo conhecidos como uma designação da
teoria marxista, apesar de Marx não usar exatamente estas expressões, mas sim “concepção materialista da
história”. Nas teses sobre Feuerbach, Marx dirige àquele que havia sido seu inspirador, como já vimos,
críticas duras. O centro dessa crítica é fundamentado pela economia, pela atividade humana produtiva, pela
política. O motor da história não pode ser, de modo algum, as idéias ou as teorias, mas sim a atividade
humana objetiva - o trabalho.

Os filósofos sempre separaram o mundo intelectivo do mundo cotidiano, prosaico. De fato, há essa diferença
entre o ócio e o negócio. O cultivo do espírito, necessário para as atividades intelectuais, não se realiza com
o trabalho obrigatório. Os filósofos, muitas vezes propuseram uma linha de ação prática, como Bacon e
Descartes, mas a filosofia, na contemporaneidade, perdeu muito espaço para a ciência, às vezes ocupando até
um papel adjunto, de fundamentação da ciência. Isto se deve sobretudo à aplicação prática da ciência. A
ciência é o saber racional do mundo, mas suas descobertas tem valor prático sobretudo por direcionar melhor
a transformação da natureza em produtos utilizáveis pelo homem.

Marx critica os filósofos por desprezarem a praxis e se preocuparem apenas com a teoria. A praxis
estava sendo entendida até então como uma atividade suja e mundana, e não estava sendo respeitado seu
caráter revolucionário. Marx ataca Feuerbach por limitar sua crítica da auto-alienação ao terreno religioso,
divino. O fundamento terreno que projeta nas nuvens um reino autônomo deve ser explicado pela
decadência e contradições presentes no próprio processo evolutivo terreno. Por isso, a realidade terrena deve
ser revolucionada. O fato de que as relações sociais são todas práticas e sensíveis leva à revelação que o
indivíduo abstrato, sozinho, é apenas social. A XI tese adquire importância como crítica à filosofia,
especialmente ao Idealismo alemão, que representavam o mundo invertido, do invisível colocado acima do
sensível, da idéia colocada acima da matéria.

Marx critica, em Sobre a Questão Judaica, esta inversão. Vejamos este famoso trecho:
“O fundamento da crítica religiosa é o seguinte: o homem faz a religião, a religião não faz o homem
(…). O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. (…) Portanto, a luta contra a religião é
indiretamente a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A religião é o suspiro da criatura
oprimida, o sentimento de um mundo perverso, e a alma das circunstâncias desalmadas. É o ópio do
povo”. 16

Nas teses sobre Feuerbach, Marx afirma que o sentimento religioso é um produto social relacionado a
uma forma determinada de sociedade. Para ele, a fonte da deficiência religiosa deveria ser buscada na
deficiência do próprio Estado. Esta deficiência deveria ser suprimida com a tomada de consciência do
homem como um ser espécie, num coletivismo que mudava o homem individual, abstrato. Daí advém a
divisão da sociedade em classes sociais. Marx lembra que o homem não é apenas um produto das condições
materiais, pois a interação com a natureza possui um aspecto criativo e subjetivo. As circunstâncias são feitas
pelos homens, e o próprio educador deve ser educado. Mas sua crítica ao idealismo é cortante, como se vê no
Prefácio à Economia Política, onde Marx diz: “O processo de vida material condiciona o processo de vida
social, política e individual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser, mas pelo
contrário, é o seu ser social que lhes determina a consciência.”17 E em A ideologia Alemã afirma que não é
a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. 18

O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy, que fazia parte de um grupo chama de ideólogos
franceses. Nesse grupo constam também nomes como Cabanis, Volney, Garat, Daunou. A ideologia é a
ciência que tem por objeto de estudo as idéias, suas origens, formação e relação com os signos.
Posteriormente, em um sentido mais amplo passou a significar um sistema de idéias que refletem uma visão
de mundo e orientam uma ação política. Marx, como fez com o conceito de alienação, toma o termo num
sentido próprio, dando-lhe conotação pejorativa.
Marx inicia A ideologia Alemã ironizando os pensadores recentes hegelianos por acharem que uma
revolução no plano do pensamento foi mais importante que a Revolução Francesa. A Alemanha estava
atrasada em relação aos outros países da Europa, como a França e a Inglaterra. A Inglaterra era o pais mais
industrializado, e foi em sua vivência na França que Marx se tornou verdadeiramente um comunista. A
Alemanha sofreu um processo de unificação tardio com Bismarck, e nela ainda estavam presentes certos
elementos feudais. Para Marx, a filosofia alemã estava ainda nitidamente ligada ao sistema hegeliano, de
forma que toda a crítica que se empreendeu ao hegelianismo não a tornava independente e superadora de
Hegel. Esta crítica é dirigida especialmente a Feuerbach, Bruno Bauer e Max Stirner. Apesar das frases
destes pensadores que supostamente abalaram o mundo, Marx denuncia seu caráter conservador. Para Marx,
a chave estava na conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã.

A mudança do modo de produção artesanal, feudal, para o modo de produção capitalista acarretou uma
série de exigências dos novos grupos comerciais, como por exemplo a livre competição econômica. Os
valores entendidos como representações da realidade ignoravam a base de toda ideologia, a existência no
plano material, sendo entendidos como válidos para toda a humanidade, quando na verdade eram
pertencentes apenas a uma classe determinada, geralmente a dominante.

O grau de avanço de um país, portanto, é determinado pelas relações de trabalho e pelas formas de
produção. Marx aplica então esta concepção à história, afirmando que cada nova fase da divisão de trabalho
acarreta uma mudança nas relações entre os indivíduos. Assim, inicia uma teoria da história, onde o homem
ativo – aquele que produz as condições materiais de existência- teria evoluído em diferentes estágios, desde
os tempos de caçador-coletor. Apresenta três formas de propriedade: a tribal, a comunal e a estamental. A
quarta forma de propriedade estaria ainda acontecendo: a propriedade burguesa. Como observa no Manifesto
Comunista, a burguesia revolucionou totalmente a economia e as formas de produção, gerando um novo tipo
de mercadoria industrial. A burguesia teria acabado com antigas tradições da cultura popular, de formas de
relacionamento. Marx inclusive chega a afirmar que a burguesia transformou as relações familiares em
relações monetárias.

Com a Revolução Industrial e a produção em escala, os países mais adiantados conseguiram acumular uma
riqueza jamais vista. O homem, ao satisfazer suas primeiras necessidades, chega inevitavelmente a novas
necessidades. Para satisfazer suas novas necessidades, precisava transformar os meios de produção, que
estariam constantemente se revolucionando.

A questão se houve ou não um corte no pensamento do Marx maduro para o jovem Marx é respondida pelo
próprio com sua afirmação de que ajustara suas contas com o a consciência filosófica de outrora. Iniciar a
Ideologia alemão com a crítica aos jovens hegelianos, grupo ao qual fez parte, marca seu avanço em direção
a uma visão própria. Como mostramos, seu vocabulário, e sua própria consciência de si anteriores eram
feuerbachianos ou inspirados em outras filosofia. Foi cm sua análise do sistema capitalista e seu apego à
Economia Política que Marx traçou profundamente seu marco na história. O socialismo, ao qual só aderiu
tardiamente, adquiriu com ele status científico. É na relação de O Capital com as outras obras que podemos
identificar este rompimento de pensamento. Resta perguntar se foi um corte político ou epistemológico.
Louis Althusser foi criticado por estabelecer “fases” para Marx, desde sua juventude como romântico em
Bonn até o intelectual máximo da esquerda. Althusser afirma, em Análise Crítica da Teoria Marxista, que
houve uma “cesura epistemológica” situada na Ideologia alemã. Nesta obra estão novos conceitos em
profusão, que ainda seriam desenvolvidos e que mostram sem nenhuma duvida que Marx passou a fazer uma
nova teoria da história, e uma teoria da ciência. Porém, como em toda transição, sempre encontramos
elementos antigos ainda não totalmente superados nas novas realizações. Marx não chegou ao estilo claro e
ao mesmo tempo erudito de O capital do nada, mas evoluindo de si mesmo, e arregimentando cada vez mais
a filosofia, a ciência, a economia para transformá-las.

O Primeiro capítulo de O Capital é destinado à análise da mercadoria. A mercadoria é um objeto que


satisfaz as necessidades dos homens, e distingue-se por qualidade e quantidade. Uma mercadoria pode ter
valor de troca e valor de uso. O valor de uso é real, imediato, determinado pela utilidade. As mercadorias
com esse valor diferenciam-se pela qualidade. O valor de troca pode apenas ser diferenciado pela quantidade,
pois produtos iguais tem o mesmo valor. Dessa forma x mercadorias a eqüivalem a y mercadorias b. A
quantidade de trabalho empregados nestas mercadorias estabelecem o valor de troca entre elas. Mas a
relação entre as mercadorias, entre os produtos, não existe por si só. É a convenção social quem determina o
valor de uma mercadoria em relação a outra. Pois foi relacionando-se socialmente que o homem logrou
produzi-la. No capitalismo, esta base social da mercadoria aparece como encoberta. A igualdade do esforço
humano de produção (trabalho) fica disfarçada sob a igualdade dos produtos como valores. A mercadoria
tem características sociais, na medida em que os homens trabalham uns para os outros. O homem que
consegue se manter sozinho foi superado desde a aparição da primeira sociedade, a tribal. Na primeira forma
de interação social, a família, já está implícito a dependência dos membros de um grupo entre si. Um ferreiro
que só mexe com ferro necessita de pão. E o padeiro que só mexe com pão necessita de ferro. Esta
característica da produção foi levado ao máximo no sistema capitalista, onde o trabalho é especializado e há
padrões universais para o intercâmbio de trabalhos e de mercadoria, como o valor do ouro e do dinheiro.
O mistério da mercadoria consiste no encobrimento das características sociais dos produtos do trabalho
humano, que aparecem como características materiais e pertencentes ao próprio objeto. Em última análise, o
valor de uma coisa é atribuído pelo sujeito. Uma muleta não teria muito valor para atleta saudável, mas seria
indispensável para um manco. Um produto nada mais é do que a natureza transformada. Uma muleta é
madeira transformada, medida, trabalhada. Mas não deixa de ser mera madeira, se olhada objetivamente. No
entanto, esta mesma madeira é transformada em mercadoria. O homem, um ser físico estabelece uma relação
com a madeira, outra coisa física. Mas o valor da madeira enquanto mercadoria nada tem de físico. Ou como
afirma Marx, “Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de
uma relação entre as coisas.”19 A isto Marx chama de fetichismo da mercadoria. As coisas, tomadas num
ponto objetivo, tem apenas existência material. É no plano físico onde acontecem as coisas, o trabalho, a
transformação. No entanto, é o homem que, abstraindo e convencionado com outros homens através da
linguagem, transforma o objeto em uma mercadoria de valor pessoal, subjetivo. E com a troca de
mercadoria, estabelece-se um outro tipo de valor.

Os trabalhos pessoais e privados pertencem ao todo do trabalho social, e é a relação social entre os
indivíduos que cria a relação entre os trabalhos. Os homens, inconscientemente, igualam os diferentes tipos
de trabalho e produtos numa qualidade comum do trabalho humano. Dessa forma, o valor de uma mercadoria
é um signo social, que precisa ser decodificado por padrões comportamentais comuns para se efetivarem
como valorosos em um sentido específico.

O interessante é notar a relação do conceito de mercadoria com a diferença clássica da filosofia entre a
coisa-em-si e a coisa-para-si. Esta distinção problematizada por Kant na forma de aporia, levada ao máximo
no Idealismo e colocada sob outra perspectiva pelo Absoluto hegeliano, é um problema filosófico
diretamente ligado aos autores que mais influenciaram Marx. Este, por sua vez, aplica-o aos valores do
mercado e da economia, sem largar mão de sua posição materialista. Marx, afinal, não nega que as coisas
adquirem um valor apenas na perspectiva do sujeito, mas submete esta perspectiva à relações definidas entre
os membros do corpo social. Não é o indivíduo sozinho que, em sua percepção estabelece relações
determinantes para o modo de se ver a realidade, mas sim as relações sociais entendidas com base em coisas
materiais, existentes além da existência individual.

Você também pode gostar