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MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DE

MIGRANTES NO BRASIL
Os casos Zulmira Cardoso e Brayan Capcha*
Augusto Veloso Leão
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo – SP. E-mail: augustovl@usp.br

Peter Robert Demant


Universidade de São Paulo (USP), São Paulo – SP. E-mail: prdemant@usp.br

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/319102/2016

Mobilizações sociais para a reivindicação de di- tre 2013 e 2015 no Brasil. Para McAdam, Tarrow
reitos ou de contestação aos governos são comuns e Tilly (2001, p. 5), por exemplo, o conceito de
em sistemas políticos contemporâneos – seja em política contenciosa envolve as interações episódicas,
democracias, seja em regimes fechados –, e eventos públicas e coletivas em que grupos apresentam suas
contenciosos e/ou violentos são considerados ações demandas a governos e entram em uma disputa para
políticas relevantes para chamar a atenção de go- fazer avançarem seus interesses. Mesmo partindo
vernantes para uma questão. Entre os exemplos re- de outro referencial, com foco nos relacionamentos
centes, podemos citar as mobilizações da Primavera sociais e na questão da identidade dos movimentos
Árabe, no norte da África e no Oriente Médio, as sociais, Melucci (1989, p. 57) também enfatiza que
manifestações em decorrência da morte de Michael os movimentos sociais são ações coletivas baseadas
Brown, em Ferguson, nos Estados Unidos, e tam- em solidariedade que desenvolvem um conflito que
bém as manifestações de caráter político e social en- desafia os limites do sistema.
Apesar de central para os movimentos sociais
* Agradecemos às contribuições dos pareceristas anôni- contemporâneos, o elemento do confronto polí-
mos da revista, de Deisy Ventura e de Leandro Piquet;
às sugestões de Aline de Oliveira; e ao apoio de Eliceli
tico nas mobilizações sociais de migrantes apre-
Bonan com as entrevistas. Esta pesquisa é apoiada pela senta um tipo de tensão extra, pelo fato de eles
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São terem seus direitos políticos restritos na maioria
Paulo (Fapesp) pelo processo 13/20518-4. dos países. No Brasil e em outras democracias, a
Artigo recebido em 29/12/2014 mobilização política de migrantes acontece em um
Aprovado em 08/04/2016 ambiente controverso, em que a limitação dos di-
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reitos políticos convive com o reconhecimento não são organizados para a efetiva realização da liber-
formal do direito dos indivíduos de apresentarem dade, segurança, proteção da lei, igualdade perante
suas demandas, ainda que a situação dos migran- o sistema judicial, liberdade de expressão, assem-
tes e em outras democracias seja muito melhor que bleia e associação, direito à família, propriedade,
em diversos outros lugares, onde seus direitos são trabalho, saúde, educação e cultura dos migrantes,
ainda mais limitados. como expressos na Declaração Universal dos Direi-
A atual Lei de Migração brasileira (lei n. tos Humanos, adotada em 1948 (Penninx, 2005).
6.815/1980, artigo 107) proíbe aos estrangeiros O foco principal do debate apresentado aqui são os
qualquer atividade de natureza política. Mani- migrantes econômicos voluntários, ou seja, os tra-
festações desse grupo social são, portanto, raras balhadores migrantes permanentes e temporários e
e, em sua maioria, organizadas por entidades de as pessoas que se beneficiam das regras de reunião
brasileiros que defendem os direitos dos migran- familiar para esses trabalhadores.
tes. Assim como no Brasil, migrantes em diversos Este artigo inicia-se com uma breve contextua-
países têm direitos econômicos, sociais e culturais lização do debate corrente sobre migração e direitos
garantidos em lei, mas pouco ou nenhum acesso a humanos. A segunda seção apresenta os dois casos
direitos políticos. Tal situação de falta de direitos e os analisa a partir da perspectiva de movimentos
políticos é potencialmente problemática para a in- sociais, desde o período de mobilização anterior,
tegração social de migrantes se acompanhamos o passando pelo momento de ativismo e observando
argumento de Reis (2004): somente com direitos as trajetórias dos movimentos após os atos, espe-
políticos um indivíduo pode efetivamente partici- cialmente refletindo sobre as pontes entre o forma-
par de uma comunidade e exercer sua cidadania; to dessas mobilizações, a ausência de direitos políti-
portanto migrantes não podem ser considerados cos os migrantes e sua situação perante a sociedade
cidadãos até que se naturalizem no país hospe- hospedeira. A terceira seção, por sua vez, discute a
deiro. Moulin (2011, p. 146) também identifica questão dos direitos humanos dos migrantes e os
nos migrantes econômicos e nos refugiados (assim efeitos da participação política na integração des-
como nas populações indígenas marginalizadas) ses grupos. A quarta seção avança no debate sobre
um grupo em expansão de “humanos sem direi- o sentimento de injustiça social causado pela fal-
tos”, desprotegidos por se encontrarem fora do ta de reconhecimento legal e de estima social dos
marco de proteção da cidadania. migrantes e seu possível efeito na integração deles
Este artigo propõe um estudo de dois casos de na sociedade hospedeira. Por fim, analisando o im-
mobilização de migrantes em São Paulo e procura pacto dessas mobilizações para o processo de inte-
analisar a forma como essas mobilizações se orga- gração desse grupo social, apresentamos um deba-
nizaram, assim como a tensão criada dentro dos te que interliga uma integração bem-sucedida dos
movimentos pela ausência de direitos políticos dos grupos migrantes e o reconhecimento integral de
migrantes. Com base nessas informações, ensaia- seus direitos humanos, assim como a construção de
mos uma análise do impacto dessas mobilizações uma estima social positiva para eles.
de migrantes para o processo de integração desse
grupo social e questionamos a importância da exis-
tência de oportunidades de participação política Migração e direitos humanos
para uma integração bem-sucedida dos migrantes.
Os dois casos analisados aqui compreendem protes- Como apontado por Freeman (2004), o desen-
tos ocorridos em 2012 e 2013 depois da morte de volvimento dos direitos atualmente garantidos aos
dois migrantes, vítimas de violência urbana em São migrantes se deu em um sentido diferente daquele
Paulo: Zulmira Cardoso e Brayan Capcha. observado por Marshall, em “Citizenship and So-
Compreendemos integração de migrantes cial Class” (2009), para os cidadãos nacionais in-
como a extensão em que os direitos humanos dos gleses. Cronologicamente, os migrantes tiveram
migrantes e os deveres que derivam desses direitos acesso a direitos sociais e econômicos primeiro, es-
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pecialmente aqueles relacionados com um contrato to dos sans-papiers, na França, procura marcar a
de trabalho válido. Somente mais tarde começaram existência dos migrantes indocumentados e expor a
movimentos em alguns países hospedeiros a fim de situação de desrespeito e injustiça que sua invisibili-
lhes garantir as liberdades civis (como o acesso à dade exacerba1, mostrando uma ligação forte entre
justiça e o direito à propriedade), à semelhança dos o reconhecimento legal e o social para a efetivação
direitos que já eram compreendidos como funda- dos direitos. Nail (2015, p. 109) argumenta que os
mentais para os cidadãos nacionais. sans-papiers são uma referência teórica e prática im-
De modo análogo ao que ocorreu com os cida- portante para os movimentos atuais de migrantes
dãos ingleses, Freeman (2004, p. 956) argumenta sem direitos políticos por buscar a autonomia dos
que os direitos sociais e econômicos foram garan- movimentos políticos de migrantes. Porém, as mu-
tidos aos migrantes principalmente por meio de danças efetivas são ainda tímidas e as organizações
ações judiciais, uma vez que há uma tendência no atuais têm que diversificar cada vez mais seu campo
meio jurídico em garantir direitos iguais para todos e formas de atuação.
e menos pressão da opinião pública e eleitoral. Por Uma das características de maior destaque da
outro lado, o autor pondera que os direitos polí- lei n. 6.815/1980, o “Estatuto do Estrangeiro” no
ticos dependem de mudanças constitucionais, que Brasil, é a sua preocupação securitária exagerada,
necessitam de maior debate público e em relação que limita e criminaliza liberdades civis para os mi-
às quais os migrantes não têm poder político. Por grantes – segundo Ventura e Illes (2010), um re-
conta disso, são poucos os direitos políticos estendi- flexo da preocupação do governo militar brasileiro
dos aos migrantes quando comparados aos direitos com o desenvolvimento da Guerra Fria. Para lidar
econômicos e sociais que lhes são garantidos, mas com o anacronismo da legislação, grande parte dos
há algumas iniciativas no sentido de ampliar esse dispositivos é hoje adaptada informalmente ou é
conjunto de direitos. Cidadãos da União Europeia, atualizada por meio de resoluções normativas do
por exemplo, podem votar em eleições municipais Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – órgão
em países-membros do organismo no qual residem, vinculado ao Ministério do Trabalho, com partici-
independentemente de sua nacionalidade, enquan- pação de sindicatos, empregadores e organizações
to em outros blocos regionais, como o Mercosul e da sociedade civil.2 Baraldi (2014, pp. 101-105)
o Nafta, os direitos políticos ainda são debatidos revela que os membros do CNIg declararam a pro-
de forma incipiente. Alguns países, como Suécia, moção de ações paliativas para superar a ausência
Chile e Nova Zelândia, também estendem certos de um marco legal para as migrações dentro do pa-
direitos de voto para migrantes residentes. radigma dos direitos humanos. Um dos exemplos
No contexto político internacional, os movi- mais relevantes é a “política nacional de imigração e
mentos políticos de migrantes contabilizam avan- proteção ao(à) trabalhador(a) migrante”, de 2010,
ços e retrocessos discursivos e práticos. É notório focada nos direitos humanos dos migrantes e em
como o discurso dos direitos humanos, incluindo sua integração social e econômica, que recomenda
os dos migrantes, desenvolveu-se mais rapidamente igualdade de direitos e de oportunidades entre ci-
do que as propostas políticas para superar as difi- dadãos brasileiros e trabalhadores migrantes.
culdades vividas por grupos migrantes e sociedades A referência mais significativa para as discus-
de acolhida. Reis (2006, pp. 40-41) discute que sões da Lei de Migração brasileira do ponto de vis-
as assimetrias de poder e as lacunas democráticas ta da integração social, especialmente no que diz
da política internacional têm minado o potencial respeito à promoção da participação política e à
transformador dos direitos humanos. A dificuldade garantia dos direitos humanos dos migrantes, seria
de coordenação política e as reações emocionais ao a discussão da legislação na Argentina (Ley de Mi-
drama vivido por refugiados e migrantes no Medi- graciones n. 25.871, de 2004). Essa lei foi criada
terrâneo e no Leste Europeu ao longo de 2015 são por uma comissão mista formada por sociedade
um dos exemplos mais visíveis desta situação. No civil e governo argentino, além de receber contri-
campo prático, desde os anos de 1990, o movimen- buições e críticas em consultas e audiências pú-
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blicas (Caggiano, 2011; Brumat e Torres, 2015). Paulo, que receberam grupos migrantes recente-
Caggiano (2011, p. 11) relata que a participação mente, existem iniciativas ainda tímidas para or-
na formulação da ley n. 25.871 foi feita quase ex- ganizar e sistematizar as políticas para recepção
clusivamente por organizações para migrantes, e e integração dos migrantes, na maioria das vezes
não por organizações de migrantes, uma questão dependendo quase exclusivamente da atuação de
que também pode ser percebida nas mobilizações entidades filantrópicas.
analisadas aqui no Brasil.
As discussões sobre o tema da participação
política de migrantes no Brasil aumentaram Movimentos sociais de migrantes
consideravelmente nos últimos anos. No âmbi-
to político nacional, destaca-se a importância da Nesta seção, apresentamos um estudo de dois
Conferência Nacional sobre Migrações e Refú- casos de mobilização de migrantes no Brasil: o caso
gio (Comigrar), realizada em maio de 2014. Em Zulmira e o caso Brayan. Pretendemos debater o ar-
2015, o Legislativo retomou as discussões de gumento de que a existência desse tipo de mobiliza-
uma nova Lei de Migração: o projeto de lei do ção, que visa a reivindicar melhorias na qualidade de
Senado (PLS) n. 288/2013 recebeu emendas a vida dos migrantes, é importante para sua integração
partir de um anteprojeto de lei de migração pro- social efetiva, bem como observar como as oportu-
posto pelo Ministério da Justiça3 e foi aprovado nidades políticas se apresentam para os migrantes,
na Comissão de Relações Exteriores do Sena- mesmo sem a garantia dos direitos políticos.
do em julho de 2015, entrando em tramitação Realizamos entrevistas semiestruturadas com
na Câmara dos Deputados (o projeto de lei foi ativistas que estiveram presentes nas mobilizações
apensado a outro projeto em discussão na Câma- nos dois momentos e com um funcionário da Co-
ra, o PL n. 5.655/20094). O atual texto do pro- ordenação de Políticas de Migrantes da Prefeitura
jeto de lei aumenta significativamente a proteção de São Paulo,9 visando a compreender: a) o pe-
dos direitos humanos do migrante e inclui uma ríodo de mobilização: quem foram as pessoas e
preocupação com os emigrantes brasileiros em as organizações envolvidas na mobilização, como
outros países. O PLS n. 288/2013, porém, cria elas se organizaram e quem foram os atores prin-
uma categoria diferente de direitos para migran- cipais da articulação; b) o período de ativismo:
tes indocumentados, o que pode comprometer quais foram as ações realizadas, quem as sugeriu
o acesso aos direitos e a integração social desse e os motivos pelos quais foram adotadas; c) os en-
grupo, que tende a ser bastante marginalizado e quadramentos: quais eram as bandeiras dos movi-
invisível. mentos e os motivos principais acionados para a
É importante também apontar o protagonis- mobilização; d) as trajetórias dos movimentos: o
mo da cidade de São Paulo em alçar o tema para que ocorreu após os momentos de ativismo, quais
o debate nacional. Em 2013, a cidade criou a Co- foram os ganhos identificados e a avaliação sobre a
ordenação de Políticas para Migrantes e logo após mobilização. As mobilizações em torno dos casos
realizou uma Conferência Municipal de Políticas Zulmira e Brayan estão localizadas em um con-
para Imigrantes.5 Notam-se ainda a abertura de texto de crescente manifestação política dos mi-
cadeiras para migrantes no Conselho Participativo grantes em São Paulo: podemos destacar a Marcha
Municipal, em março de 2014,6 e a formulação dos Imigrantes, realizada anualmente desde 2007,
do projeto de lei da Política Municipal para a Po- a campanha “Aqui Vivo, Aqui Voto”, em 2009, e a
pulação Migrante (PL n. 143/2016), apresentado expansão do número de organizações para mi-
pelo Executivo à Câmara Municipal de São Paulo grantes e, posteriormente, de migrantes, nos anos
em março de 2016.7 Por último, São Paulo será 2000 e 2010.
a sede do Fórum Social Mundial das Migrações,
em 2016.8 Em cidades como Caxias do Sul e nos Racismo e violência urbana nos casos Zulmira
próprios estados do Rio Grande do Sul e de São e Brayan
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Zulmira de Sousa Borges Cardoso, estudante migrante africana, e o caso obteve bastante reper-
angolana, comemorava, em 22 de maio de 2012, cussão em Angola. A polícia prendeu um homem,
o aniversário de um amigo em um bar frequentado suspeito pelo crime, mas o liberou alguns meses de-
pela comunidade angolana no bairro Brás, em São pois por falta de provas.
Paulo. Um dos frequentadores do bar envolveu-se Na madrugada de 28 de junho de 2013, cinco
em uma briga com um grupo de angolanos, insul- homens armados com facas e revólveres tomaram
tando a todos de “macacos que vieram de Angola”. como reféns o menino boliviano Brayan Yanarico
A polícia foi chamada ao bar para conter a con- Capcha, de 5 anos, seus pais e um tio na casa onde
fusão e um grupo de brasileiros retirou-se do bar. eles moravam, no bairro São Mateus, Zona Leste
Cerca de vinte minutos depois da saída da polícia, de São Paulo. Segundo os relatos da família, um
um homem retornou ao local e disparou contra os dos criminosos se irritou com o choro de Brayan
frequentadores do bar. Quatro pessoas foram atin- e atirou contra sua cabeça. Logo depois, o grupo
gidas pelos tiros, entre elas Zulmira, que morreu fugiu com R$4,5 mil que a família mantinha em
no local. casa, e Brayan foi levado ao hospital, mas não re-
Em 25 de maio, duas organizações – o Insti- sistiu e morreu. Menos de uma semana depois do
tuto para o Desenvolvimento da Diáspora Africa- assassinato, seus pais decidiram mudar-se de volta
na no Brasil (IDDAB), que luta contra o racismo, para a Bolívia, e posteriormente declararam planos
e o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do de retornar para o Brasil em agosto de 2014.11
Imigrante (CDHIC), uma organização voltada O caso resultou em quatro grandes protestos
para a defesa dos direitos humanos dos migrantes – organizados pela comunidade boliviana. Ao lon-
lançaram notas de repúdio ao crime. Observando go do dia 28, cerca de trezentos manifestantes, em
a oportunidade política de mobilização, ativistas sua maioria bolivianos, encontraram-se em frente à
de ambas as entidades, que se conheciam através 49º Delegacia de Polícia, em São Mateus, exigindo
de outras organizações do movimento negro e do a busca e a prisão dos suspeitos. No dia 30 de junho,
recém-criado Fórum Social pela Integração e Direi- organizações culturais e comerciais realizaram um
tos Humanos dos Migrantes no Brasil (FSIDHM), minuto de silêncio em uma das feiras populares com
propuseram a organização de uma reunião de arti- maior concentração de migrantes bolivianos, a da
culação aberta no dia 30 de maio na Câmara Mu- praça Kantuta, no centro de São Paulo. No dia 1º
nicipal. A partir daí, criou-se um grupo formado de julho, houve uma manifestação com participa-
principalmente de movimentos negros, de cultura ção de mais de trezentas pessoas que se concentra-
africana e de direitos humanos dos migrantes, de- ram na região próxima à rua Coimbra (onde outra
nominado Mobilização Zulmira Somos Nós,10 que feira com importante participação de bolivianos é
concentrou a organização dos atos públicos refe- realizada) e fizeram uma passeata com o bloqueio de
rentes ao caso. O primeiro protesto em São Paulo parte da avenida Paulista, no centro de São Paulo.
ocorreu em 21 de junho, no centro da cidade e foi Nesse ato, o cônsul-geral da Bolívia em São Paulo foi
seguido por um ato plurirreligioso no trigésimo dia chamado a dar informações e, diante de sua negati-
de morte da estudante (22 de junho). O grupo tam- va, o consulado foi vandalizado pelos manifestantes.
bém conseguiu que fosse organizada uma Audiên- O quarto ato foi realizado no dia 6 de julho, data do
cia Pública na Comissão de Defesa dos Direitos aniversário de 6 anos de Brayan, com uma missa de sé-
Humanos, Cidadania, Segurança Pública e Rela- timo dia em memória do garoto e uma marcha até a
ções Internacionais da Câmara Municipal de São Praça da Sé. Todos os atos tiveram participação proe-
Paulo no dia 28 de junho, assim como uma reunião minente de organizações culturais de bolivianos e de
com o CNIg, o Ministério da Justiça e a Secreta- organizações sociais ligadas à igreja Católica. O ato
ria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do dia 6 de julho ainda contou com a presença das
da Presidência da República (Seppir), no dia 13 de representações sindicais da Central Única dos Traba-
julho. Outros protestos também foram realizados lhadores (CUT) e da União Geral dos Trabalhado-
no Rio de Janeiro, cidade com grande população res (UGT). Próximo a esse período, organizaram-se
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também duas audiências públicas, uma na Câmara organizações, os ativistas têm a possibilidade de des-
Municipal de São Paulo, em 22 de agosto, e outra cobrir demandas em comum e perceber uma janela
na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 27 de institucional no governo que viabilize a mobilização
novembro, sobre a situação dos migrantes na cidade em torno de um tema.
e no estado. A Mobilização Zulmira Somos Nós surgiu da
A violência acompanhou o caso Brayan inclu- articulação de mais de quarenta organizações dife-
sive em seu desfecho. Quatro dos cinco suspeitos rentes – dentre as quais se destacam o IDDAB, o
do crime foram encontrados mortos, em julho de CDHIC, a Casa das Áfricas, a Missão Paz e o Comi-
2013. Dois deles estavam cumprindo prisão tem- tê Contra o Genocídio da População Negra –, espe-
porária em um presídio em São Paulo, e a suspei- cialmente através dos elos formados depois da cons-
ta é de que eles tenham sido obrigados por outros tituição do FSIDHM. A maioria das organizações
presidiários a tomar veneno. Outros dois suspeitos, participantes está envolvida com as questões de cul-
entre eles o suposto assassino de Brayan, foram en- tura negra e de defesa dos direitos dos negros; estão
contrados com tiros na cabeça em uma região de também presentes organizações relacionadas com a
mata na Zona Norte de São Paulo. O quinto sus- causa migrante. Nota-se, ademais, a presença de as-
peito estava internado na Fundação Casa por ser sociações de estudantes angolanos no Brasil. É im-
menor de idade. A hipótese principal, segundo a portante também assinalar que há um forte envol-
polícia, liga as mortes a uma facção criminosa, o vimento da comunidade latino-americana no caso
Primeiro Comando da Capital (PCC), que não to- Zulmira, segundo os ativistas, por causa de um ca-
lera assassinatos de crianças por seus membros. Há so de violência contra uma mulher peruana revela-
também hipóteses que ligam a execução dos assas- do durante as mobilizações.12
sinos de Brayan à importância que o tráfico de dro- Já no caso Brayan, a mobilização é descrita pelos
gas proveniente da Bolívia tem para o PCC. próprios participantes como quase autônoma, com
grande participação de pessoas de sua comunidade,
Os caminhos da mobilização política como amigos e vizinhos, e pessoas que se sensibili-
de/para migrantes zaram com o caso. Não obstante, organizações eco-
nômicas, como a de comerciantes da praça Kantuta
A análise dos dois casos segue os períodos de (Associação Gastronômica Cultural Folclórica Bo-
mobilização, partindo dos momentos anteriores aos liviana Padre Bento) e da rua Coimbra (Associação
eventos; de ação, discutindo os atores e as formas de de Empreendedores Bolivianos da rua Coimbra), e
ativismo escolhidas pelos migrantes; os enquadra- culturais, como a Associação Bolívia Cultural, tive-
mentos utilizados; e as trajetórias dos movimentos, ram papel central na organização dos eventos. Além
refletindo sobre as opções seguidas no momento pos- disso, diversas rádios comunitárias organizadas por
terior aos eventos (McAdam, Tarrow e Tilly, 2001). migrantes tiveram papel proeminente em mobilizar
A bibliografia do confronto político indica a pessoas em torno do caso. As rádios comunitárias
existência de laços sociais e institucionais entre os cumprem uma função importante nas comunidades
ativistas que são, na maioria das vezes, anteriores aos migrantes, uma vez que oferecem informações e en-
períodos de mobilização e que podem ser conside- tretenimento em língua nativa e, portanto, são pon-
rados pré-condições para a eclosão do movimento tos de referência para a socialização e a organização
social (Tarrow, 2011; Jasper, 1998). Tarrow mostra de eventos da comunidade.13 O CDHIC, o Centro
que a mobilização normalmente ocorre pela percep- de Apoio ao Migrante (Cami) e outras organizações
ção dos ativistas sobre as oportunidades de mudança de brasileiros voltadas para os direitos humanos dos
que ela pode causar. Para isso, o autor lembra a im- migrantes também se envolveram na mobilização,
portância de formas latentes de organização social, buscando, segundo a percepção de seus ativistas,
quase sempre representadas por organizações que dar um caráter político às mobilizações, em vez da
não têm necessariamente fins políticos, como as simples manifestação de frustração que era proposta
associações religiosas ou de bairro. Por meio dessas pelos manifestantes não organizados.
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Se antes do período de mobilização, conforme mobilizações do caso Brayan e trouxeram de novo


McAdam, Tarrow e Tilly (2001) argumentam, os para o centro do repertório dos movimentos sociais
movimentos sociais são constrangidos pela percep- a ocupação dos espaços públicos como forma de
ção de restrições e oportunidades de atuação; quan- ativismo. Outra característica que também exem-
do agem eles utilizam um repertório conhecido de plifica a relativa falta de experiência institucional
ações. Esse repertório é formado principalmente da mobilização em torno do caso Brayan é que, na
por ações modulares, que podem ser utilizadas para Audiência Pública organizada em 22 de agosto de
diferentes movimentos (ao contrário de ações par- 2013, os ativistas tiveram dificuldade de problema-
ticulares, sem aplicação fora de seu contexto), de tizar a questão da segurança dos migrantes, deba-
reivindicações cosmopolitas (opondo-se às deman- tendo muitas dificuldades burocráticas, como a de-
das paroquiais dos episódios contenciosos do sécu- mora em marcar entrevistas com a Polícia Federal e
lo XVIII e anteriores) e autônomas (que começam para receber o documento do registro nacional de
com a iniciativa do próprio demandante e estabe- estrangeiros (RNE). Ao mesmo tempo, na Audiên-
lecem uma forma de contato entre ele e os centros cia de 27 de novembro de 2013, parte da questão
de poder) (Tarrow, 2011, p. 41). Esse repertório é da segurança e da xenofobia foi levantada a partir da
utilizado também de acordo com as ações que os mobilização do caso Zulmira.
ativistas consideram importantes e eficazes no sen- O conceito de repertório como um arquivo de
tido de avançar suas demandas. práticas acionadas pelos ativistas encontra parale-
O episódio de racismo no caso Zulmira per- lo no conceito de ressonância cultural (Gamson,
mitiu que o movimento acessasse o repertório dis- 1992). Ao agir, ativistas recorrem a um reservatório
ponível para os movimentos de brasileiros negros. cultural de significados, buscando favorecer a iden-
Assim, a mobilização foi marcada por protestos de tificação das pessoas com o movimento social. Essa
rua e manifestações com fundo cultural, mas conse- ressonância ocorre quando tais significados promo-
guiu também uma audiência pública na Câmara de vem uma conexão com o contexto político mais
Vereadores de São Paulo e uma reunião com órgãos amplo e uma consequente familiarização com as
do governo federal para que o caso fosse acompa- propostas defendidas. Segundo Gamson, significa-
nhado por políticos e por organizações de defen- dos são acionados em um processo de negociação,
sores públicos, por exemplo. Desse ponto de vista, isto é, entre as opções culturais possíveis, os movi-
os movimentos sociais contra o racismo em 2013 mentos buscam enquadramentos que possam favo-
têm acesso a instrumentos institucionais que foram recer a mobilização e o avanço de suas demandas.
conquistados pelos movimentos anteriores e utili- Comparando os casos Zulmira e Brayan, per-
zam esses instrumentos sem grande custo, como cebemos a utilização de enquadramentos bastan-
as comissões de defesa dos direitos humanos mu- te comuns nos movimentos sociais brasileiros: o
nicipais, regionais e nacionais. O caso Brayan, por racismo, no primeiro caso, e a violência urbana,
outro lado, além de ter recebido apoio de organi- em ambas as situações. A intensa mobilização de
zações com menor experiência com reivindicações organizações não ligadas diretamente à causa mi-
institucionalizadas (várias pessoas não vinculadas grante no caso Zulmira demonstra que o enqua-
a organizações e diversas organizações culturais e dramento do racismo permitiu o envolvimento
econômicas de migrantes), ocorreu em meio a uma dessas instituições, enquanto, no caso Brayan, o
onda de grandes manifestações populares com ocu- enquadramento da violência urbana teve repercus-
pação de espaços públicos, em junho de 2013, em são limitada fora das organizações migrantes. Por
diversas cidades brasileiras.14 A escolha dos migran- outro lado, foi o tema da violência urbana e a luta
tes por ações como passeatas, reuniões públicas na contra a xenofobia que atraíram organizações de
Praça da Sé e bloqueios na avenida Paulista corres- grupos migrantes de diferentes culturas para ambos
pondia em larga medida às ações que outras organi- os casos, especialmente no caso Zulmira e sua pro-
zações brasileiras estavam praticando no momento. ximidade com o assassinato de Ana López. É nesse
As manifestações de junho foram inspiração para as ponto que questões de estima social podem ser evi-
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denciadas para análise. Com o episódio de racismo, movimentos são transpostas para outros setores e
a luta por estima social de um negro (ou migrante) grupos; a repressão, em que esforços são realizados
é entendida como uma luta de todos os negros (mi- para que as ações contenciosas sejam suprimidas; e
grantes), por todos os negros (migrantes), e permite a radicalização, em que a mobilização é expandida
que mais pessoas se identifiquem com o tema. Já no para temas mais radicais e as ações se tornam mais
caso Brayan, a estima social do grupo de bolivianos transgressoras.
somada à estima negativa atribuída aos moradores A morte de Zulmira pode ser considerado um
pobres de periferias repercute como mais uma fata- caso em que houve difusão para os movimentos so-
lidade entre as diversas que ocorrem todos os dias ciais de negros, que o adotaram como emblema do
nas grandes cidades brasileiras e contribui menos racismo que persiste na sociedade brasileira. Os ati-
para a mobilização de pessoas que não estão envol- vistas envolvidos com as causas dos migrantes ne-
vidas diretamente com a questão dos migrantes. gros relatam que, entre 1980 e 2010, o movimento
Os entrevistados descreveram que as bandeiras e as negro brasileiro quase não manteve conexões com
motivações para a mobilização em torno do caso os movimentos africanos e sua diáspora, retomando
Brayan estavam mais relacionadas com a revanche esses contatos parcialmente após as mobilizações re-
da situação, focando na punição dos suspeitos,15 lativas ao assassinato de Zulmira. Pode-se argumen-
na defesa de penas mais duras para evitar reinci- tar que o caso contribuiu, então, para aumentar a
dência de criminosos, do que em questões políticas possibilidade de as demandas de migrantes – ao
ou na defesa dos direitos humanos dos migrantes. menos dos migrantes negros – serem adotadas pela
Um exemplo é a pouca preocupação em debater as mobilização de organizações sociais brasileiras – ao
especificidades da situação de insegurança vivida menos por aquelas envolvidas com a causa negra.
pelos migrantes durante a mobilização. Ademais, O assassinato de Zulmira é ainda citado como o
os ativistas relatam que o caso foi explorado de ma- motor de uma mudança de percepção dos próprios
neira sensacionalista pelos meios de comunicação, estudantes africanos sobre sua realidade no Brasil
que deixaram de lado as questões de discriminação no sentido de enxergarem a necessidade de se or-
e xenofobia e focaram no drama da família e na ganizar politicamente para reivindicar o cumpri-
perseguição aos suspeitos. mento de seus direitos. Notamos, por exemplo, a
Vale lembrar, sobre ambos os casos, que os revitalização das organizações de estudantes angola-
ativistas mencionam especialmente a questão nos, que se tornaram atores proeminentes na defesa
da discriminação do migrante africano e latino- dos direitos humanos dos migrantes durante e após
-americano pela sociedade brasileira.16 A percep- as mobilizações, como a União de Estudantes An-
ção dos ativistas é que migrantes vindos de outras golanos em São Paulo. Além disso, o caso Zulmira
regiões, ainda que sofram com várias dificuldades é referência como o criador de uma base de mo-
em comum com africanos e latino-americanos, bilização do movimento de direitos humanos dos
não sofrem tanta discriminação quanto esses migrantes e de diálogo com o poder público que
grupos e acabam enfrentando menos dificulda- culminou na criação da Coordenação de Políticas
des no processo de integração social. Em muitos de Migrantes da Secretaria de Direitos Humanos e
sentidos, os migrantes não escapam ao contexto Cidadania da Prefeitura de São Paulo, em 2013.17
sócio-histórico do Brasil e, por isso, sofrem dis- O caso Brayan, talvez por sua característica me-
criminação paralela com os setores marginaliza- nos institucionalizada, não se encaixa exatamente em
dos da sociedade brasileira. nenhum dos mecanismos sugeridos pelos autores.
Por fim, é importante considerar as opções Por um lado, certas características de difusão podem
de trajetória seguidas pelos movimentos sociais de- ser percebidas pelas primeiras medidas tomadas pela
pois dos momentos de ativismo. McAdam, Tarrow Coordenação de Políticas de Migrantes. Apesar de
e Tilly (2001, pp. 68-70) identificam três opções não ter sido uma reivindicação direta do movimen-
principais de trajetória para os movimentos sociais: to, a Coordenação firmou, em outubro de 2013, um
a difusão, em que as informações levantadas pelos acordo com a Caixa Econômica Federal para facilitar
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DE MIGRANTES NO BRASIL 9

a abertura de contas bancárias por migrantes. A di- las bilíngues por comunidades bolivianas no orça-
ficuldade de abrir uma conta é uma das característi- mento participativo no bairro Brás, em São Paulo,
cas citadas para a ocorrência frequente de assaltos a em 2001 (Sánchez, 2005, p. 437), e, mais recente-
suas residências, já que muitos deles não têm outra mente, a participação nos conselhos participativos
opção a não ser guardar seu dinheiro em casa. Isso municipais de São Paulo. O segundo empecilho
já tinha sido assunto de diversas reuniões do CNIg tem a ver com a cultura política de migrantes, que
(por exemplo, em maio de 2008 e fevereiro de 2009) não raro vêm de sistemas fechados e pouco partici-
e o Banco Central já havia esclarecido que o regis- pativos ou têm poucas habilidades pessoais para a
tro nacional de estrangeiros e a carteira de trabalho participação política. O fenômeno da migração in-
e previdência social permitiriam que eles obtivessem ternacional proveniente de áreas rurais para áreas ur-
os documentos necessários para abrir contas bancá- banas também contribui para uma menor experiên-
rias (carta circular n. 3.355, de 1o de dezembro de cia dos migrantes com participação política. Por
2008). Adicionalmente, o próprio CNIg recomen- fim, os entrevistados sugerem que a predominância
dou ao Ministério da Justiça que tomasse ações para de organizações para migrantes de cunho assisten-
garantir que os documentos já emitidos pudessem cialista e de tutela atua para que eles adotem uma
ser utilizados para exercer direitos, até mesmo o de postura mais passiva com relação a suas demandas e
abertura de contas (resolução recomendada n. 12, de se envolvam menos em questões políticas.
18 agosto de 2010). Apesar disso, funcionários da A análise dos períodos de mobilização, de
Coordenação de Políticas de Migrantes descrevem ativismo, dos enquadramentos e das trajetórias
que o caso Brayan foi decisivo para que os bancos dos movimentos sociais de migrantes indica que,
decidissem pela facilitação de aberturas de conta em analogia com os movimentos sociais nacio-
(apenas com a apresentação do protocolo do RNE nais, as demandas dos migrantes precisam: (a) se
para migrantes do Mercosul e associados), já que tal basear em organizações previamente estabeleci-
iniciativa vinha sendo discutida pelos movimentos das que tenham experiência em reivindicar ques-
sociais há bastante tempo sem avanços. Por outro tões aos governos; (b) obter acesso a repertórios
lado, o movimento envolvido no caso Brayan não de atividade política com poder de contestação;
alcançou seus objetivos principais, como a atenção à (c) utilizar enquadramentos que promovam a
situação fragilizada dos migrantes do ponto de vista identificação de mais pessoas e grupos com sua
de segurança pública, a falta de acesso a serviços e causa; e (d) transformar os períodos de ativismo
a estima social negativa. Acreditamos que essas de- em respostas concretas dos governantes. Uma
mandas não conseguiram ser adequadamente pau- vez que os migrantes não podem exercer ativi-
tadas durante a mobilização e permanecem relativa- dade política, todas as atividades políticas dessa
mente invisíveis ainda hoje, com exceção da atuação população precisam ser encampadas por organi-
da Coordenação de Políticas de Migrantes em São zações brasileiras para que sejam ouvidas e para
Paulo. que providências sejam tomadas. Sob esse ponto
Os entrevistados descrevem ainda três empeci- de vista, a falta de direitos políticos pode trazer
lhos para a efetiva mobilização política dos migran- uma série de consequências que limitam a possi-
tes. O primeiro é a legislação brasileira, que não bilidade de lutar pela melhoria de sua qualidade
oferece estímulos para participação dessa popula- de vida e criam empecilhos para a sua integração
ção, mesmo em outros espaços além das eleições. ao país hospedeiro.
As experiências brasileiras de participação política As associações para migrantes acabam funcio-
– como os conselhos de saúde e os orçamentos par- nando como a única opção para debater questões
ticipativos – não buscam garantir a participação de políticas, visto que a eles é proibido estabelecer or-
migrantes e, em muitas delas, o título de eleitor é ganizações com fins políticos. Clemens (2003) iden-
utilizado como documento de identificação, o que tifica no início dos movimentos pelos direitos das
os impede de participar. Alguns exemplos de parti- mulheres uma situação similar, na qual associações
cipação política de migrantes é a demanda por esco- religiosas e de voluntárias, grupos de caridade e as-
10 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

sociações formadas em clubes sociais formavam uma exclusivo em cultura, esportes ou questões econô-
densa rede de grupos de mulheres que serviu para micas para abranger também assistência social ou
criar consciência política e oferecer estrutura organi- regularização documental, e recentemente passaram
zacional para o início do movimento feminista. também a se envolver com questões políticas.18 O
Assim como no caso dos migrantes na década autor também relata a importância das mobiliza-
de 2010, as mulheres no final do século XVIII uti- ções, como a Marcha dos Imigrantes, para criar
lizaram alternativas para os partidos políticos e as laços sociais e institucionais que possibilitem a
formas institucionais de participação política, por- identificação de demandas, a coordenação de ações
que igualmente não possuíam direitos políticos an- entre as comunidades migrantes e a visibilidade dos
tes de sua mobilização. Clemens (2003) descreve grupos na cidade (Idem, pp. 115-120).
que a gama de possibilidades e restrições (ideia si- Nos dois casos analisados, os migrantes consegui-
milar ao conceito de repertório) tem o papel de de- ram, em maior ou menor proporção, obter o engaja-
limitar as formas organizacionais possíveis e de es- mento de organizações de brasileiros, o que foi impor-
tabelecer os modos de relacionamento entre grupos tante para o sucesso do movimento social em todos os
sociais e poder político. Em outra analogia com o seus momentos. No caso Brayan, certamente o acesso
movimento feminista, a organização dos migrantes aos atores governamentais foi mais restrito, tendo em
em associações não políticas lhes permite conhecer vista a menor participação de organizações de brasi-
e estabelecer demandas políticas em comum e ini- leiros. Com isso, observamos dificuldades específicas
ciar o engajamento com questões da esfera pública dos migrantes que não encontram ressonância em
(Clemens, 1993). A mobilização de organizações demandas de brasileiros. Reclamações desse tipo pos-
econômicas e culturais em favor das demandas po- sivelmente têm maior dificuldade em se transformar
líticas dos migrantes não deve ser vista como coin- em reivindicações concretas e, por conta disso, apre-
cidência, mas como a opção principal do migrante, sentam um campo oculto no caminho da integração
porque é proibida a eles a participação em qualquer dos migrantes à sociedade brasileira. O sentimento de
atividade de natureza política. injustiça social gerado por essas demandas ocultas não
Swidler (2001, p. 71) dá um passo adiante na pode ser resolvido adequadamente se não for encam-
argumentação de Clemens ao estabelecer um rela- pado pelos próprios migrantes de maneira eficaz. Ao
cionamento direto entre cultura e o modo como ela analisar as organizações argentinas envolvidas com os
é utilizada para “construir, manter e remodelar as direitos dos migrantes, Caggiano (2011, p. 20) encon-
‘capacidades culturais’ que constituem os repertó- tra uma situação similar, na qual as organizações para
rios básicos de ações dos autores”. Com isso, a auto- migrantes acabam criando uma “distância com relação
ra liga as formas culturais às possibilidades que esses aos desejos e às demandas dos migrantes”, e enfatiza a
grupos enxergam para sua atuação social e política. importância de garantir meios de participação para as
Assim, as associações culturais e econômicas po- organizações de migrantes e para eles próprios.
dem ser consideradas uma consequência do fato de A Argentina também tem casos similares de
os migrantes se perceberem como culturalmente di- manifestações iniciadas por migrantes: em 2006, mi-
ferentes, economicamente vulneráveis e impedidos lhares de bolivianos saíram em protesto em diversas
de atuar politicamente. Dentro do quadro institu- cidades do país depois de um incêndio em uma ofi-
cional apresentado, essas associações correspondem cina de costura irregular que matou seis bolivianos.
aos modos de ação compreendidos como possíveis Uma das maiores repercussões da manifestação foi
e promissores para que os migrantes possam atuar uma operação de fiscalização nas oficinas têxteis e a
na melhoria de sua qualidade de vida. denúncia de casos de trabalho escravo e em condi-
Guirado Neto (2014, pp. 102-113) descre- ções degradantes (Caggiano, 2012, p. 63), porém,
ve uma situação similar ao tratar do histórico de acidentes análogos em 2015 mostram que a situação
três associações da comunidade boliviana em São mudou pouco.19 Outras manifestações relevantes por
Paulo. É notável que algumas associações tenham seu aspecto contencioso são as revoltas nas banlieues
transformado sua atuação, passando de um foco francesas, em 2005, e em Tottenham, na Inglaterra,
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DE MIGRANTES NO BRASIL 11

em 2011, após mortes de migrantes por policiais. tes visões sobre o que são os direitos humanos. O
Nesses dois últimos casos, a maioria dos migrantes autor mostra, por um lado, que discursivamente o
que se mobilizaram tinha cidadania e, portanto, di- conceito tem sido adotado por diferentes grupos
reitos políticos naqueles países, mas, segundo Moran e países e, por outro, que diferenças referentes à
e Waddington (2015), no início dos protestos a per- aplicação dos direitos são comuns mesmo entre os
cepção de exclusão política e social foi semelhante à países fundadores do conceito. Um exemplo disso
causada pela falta de reconhecimento legal e de esti- é a questão da pena capital, cuja aplicação é encon-
ma social, o que discutiremos a seguir. trada em alguns países e contestada com base em
argumentos sobre os direitos humanos.
Donnelly (2003, p. 208) argumenta que o foco
O que são os direitos humanos dos migrantes? no indivíduo garantiria retoricamente os direitos
a todas as pessoas, mas direitos coletivos criariam a
O debate sobre os direitos humanos dos mi- possibilidade de que a garantia de direitos pressu-
grantes está localizado na disputa mais abrangen- poria o pertencimento a determinados grupos so-
te sobre a universalidade dos direitos humanos e, ciais. Para o autor, direitos individuais somados aos
portanto, na discussão sobre a existência de direitos direitos de livre expressão e associação formam uma
fundamentais inerentes às pessoas, independen- combinação que protege o indivíduo e os grupos
temente de sua nacionalidade, identidade e local simultaneamente, assegurando ainda que nenhum
de residência. Essa perspectiva tornou-se uma das grupo receba mais direitos que outros, fato que po-
mais difundidas após a Declaração Universal dos deria enfraquecer o conceito de igualdade entre os
Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Ge- indivíduos. Mesmo que o debate entre o universa-
ral da Organização das Nações Unidas, em 1948. lismo e o relativismo cultural do conceito de direi-
Porém, ela não é a única e recebe contestações teó- tos humanos atravesse as discussões deste artigo, o
ricas, porque deixaria de levar em conta especifici- que será considerado direito de um nacional ou de
dades culturais, em prol de um conceito de indi- um migrante dependerá do local e da época, haven-
vidualismo forjado majoritariamente pelas nações do variações entre cada país ou região – a mesma
ocidentais desenvolvidas da metade do século XX, lógica será aplicada para discutir o que compõe a
e práticas, com a existência de grande apoio para a estima social em um país.
defesa de direitos diferentes baseados em identida- Se os direitos de participação política são con-
de e pertencimento a uma comunidade. siderados direitos humanos, para garantir a reali-
Vale lembrar que o conceito de direitos hu- zação da natureza humana do ponto de vista libe-
manos é datado, isto é, representa os valores vi- ral (ou seja, liberdade e igualdade), é importante
gentes na Europa ocidental do século XIX (Pollis e que todos tenham acesso a esses direitos, inclusive
Schwab, 2006). Mesmo com sua disseminação por os migrantes. Desse ponto de vista, os direitos po-
diversos países, os direitos humanos correspondem líticos não poderiam ser restringidos pelas legisla-
a apenas uma das visões de mundo possíveis sobre ções nacionais, uma vez que se trata de um tipo
o tema. Isso pode ser comprovado pela ampliação de direito constitutivo de nossa atual concepção de
do que são considerados direitos ao longo dos anos, natureza humana. Portanto, as legislações deve-
especialmente no debate estabelecido entre os di- riam reconhecê-los a todas as pessoas de maneira
reitos civis e políticos e os direitos econômicos e integral e indivisível.
sociais. Autores como Preis (1996), contudo, afir- Com essa perspectiva, poderíamos debater a
mam que a noção de relativismo cultural parte do aplicação dos direitos humanos dos migrantes em di-
princípio de que culturas são homogêneas e imu- versos países na atualidade. O que vemos hoje é um
táveis, o que é contestado atualmente. Ademais, movimento com efeitos similares em diversos países:
Donnelly (2003) argumenta que mesmo com a os direitos humanos são contestados em decorrência
noção de direitos humanos ligada a um grupo de do foco dado para as consequências negativas da imi-
países, o conceito pode ser expandido para diferen- gração. Grande parte das respostas aos movimentos
12 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

migratórios é composta por políticas pensadas a partir universais e direitos reservados somente a cidadãos
de uma ênfase nas dificuldades de adaptação das co- nacionais convivem lado a lado nos sistemas políti-
munidades migrantes nos países hospedeiros, basean- cos modernos, e há várias interpretações diferentes
do-se ademais nos dilemas colocados pela competição sobre quais direitos devem ser extensíveis a todos e
de recursos e de serviços que o aumento exagerado das quais são garantidos apenas a alguns.
comunidades migrantes causa (Menz, 2009). O au- Aqui, propomos entender a dinâmica de in-
mento do desemprego, a diminuição dos salários mé- tegração de migrantes com base nas dimensões do
dios e a retração da oferta de benefícios de seguridade respeito legal e estima social da teoria do reconhe-
social são apontados como as consequências negativas cimento proposta por Axel Honneth (1996, 2003,
mais visíveis da imigração. 2007). Acreditamos que essas duas dimensões –
Assim, é preciso discutir a importância da ga- que abarcam a garantia de direitos a um grupo so-
rantia dos direitos humanos aos migrantes e de pen- cial e o reconhecimento das realizações e das de-
sar políticas públicas focadas em favorecer a aplica- mandas de um grupo por uma comunidade – são
ção desses direitos como um dos fatores importantes importantes para uma integração bem-sucedida de
para a integração dos migrantes. Procuramos aqui grupos migrantes e que um Estado pode organizar
dar um passo além das obrigações morais de garan- políticas públicas que promovam ou enfraqueçam
tir os direitos humanos dos migrantes, mostrando o reconhecimento de ambas. Leis e regulamentos
a justificativa prática da participação política para de entrada, permanência e saída de migrantes, leis
sua integração.20 Essa forma de integração, ou seja, que estabelecem direitos aos migrantes e programas
a criação de um sistema de direitos e deveres que de governo voltados para a sua integração são com-
permitam aos migrantes uma vida com segurança ponentes de políticas públicas que promovem o di-
e liberdade, deveria ser um dos focos preferenciais recionamento para a integração desse grupo social
das legislações nacionais sobre migração, em vez da ou limitam essa integração.
busca em impedir a entrada de migrantes ou de fa- Exploramos a hipótese de que a integração de
cilitar sua expulsão. Independentemente das noções migrantes passa por um processo de reconhecimen-
universalistas e relativistas sobre os direitos huma- to dos migrantes como grupos de pessoas que “têm
nos, a existência de um rol de direitos diferentes para necessidades”, “têm direito que sua autonomia seja
cidadãos nacionais e para migrantes pode ser consi- levada em consideração” pelos Estados e pelas socie-
derada a base de diversos conflitos sociais entre esses dades que os acolhem, e são, “igualmente capazes de
dois grupos. A isso soma-se o fato de que políticas realizações” (Honneth, 2007, p. 337). Ademais,
restritivas são pouco eficazes em controlar o fluxo, Honneth (1996) argumenta que a justiça social,
mas aumentam em maior proporção a vulnerabilida- sob o ponto de vista da tradição liberal (que parte
de dos migrantes irregulares (Castles, 2006, p. 760), do pressuposto de autonomia e igualdade moral de
causando o acirramento de problemas econômicos todos os seres humanos), é composta por três prin-
e de conflitos sociais. De acordo com a teoria do re- cípios básicos: amor, respeito legal e estima social. A
conhecimento, seria possível compreender a falta de dimensão do amor está ligada aos relacionamentos
acesso a direitos como um tipo de injustiça social, e pessoais; o respeito legal, à garantia de direitos por
essa percepção de injustiça pode prejudicar a integra- um Estado; a estima social, ao reconhecimento de
ção dos migrantes à sociedade hospedeira. realizações por uma comunidade. O autor defende
que a garantia de direitos e a estima social influen-
ciam diretamente a integração de um indivíduo a
Teoria do reconhecimento e integração um grupo (ou de um grupo a uma sociedade), espe-
de migrantes cialmente por sua força no estabelecimento de laços
sociais e de solidariedade em uma população.
Como vimos, há bastante controvérsia sobre É assim que a teoria do reconhecimento per-
as prerrogativas dos cidadãos de um país e as ga- mite estabelecer uma conexão direta entre con-
rantias básicas de todos os seres humanos. Direitos ceitos de estima social e reconhecimento legal e o
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DE MIGRANTES NO BRASIL 13

conceito de justiça social. No caso dos migrantes, mente, por exemplo, com formas de discriminação
a teoria possibilita enxergar a falta de reconheci- racial ou cultural, sua percepção de injustiça social
mento de seus direitos (reconhecimento legal) e de poderá ser mais acirrada que a do outro migrante.
suas contribuições para a comunidade hospedeira O aumento dos casos de violência, especialmente
(estima social)21 como injustiças, uma vez que con- contra haitianos, como os ocorridos no Rio Grande
tradizem o princípio de igualdade jurídica e moral do Sul e em São Paulo,22 em 2015, são exemplos
humana. Daí podermos analisar o impacto desses extremos de como a estima social negativa, expres-
conceitos na integração social de migrantes. sa em xenofobia pela população de acolhida, pode
Em pesquisa que visa a operacionalizar a teoria comprometer a integração social dos migrantes. É
do reconhecimento para a luta de grupos estigma- importante notar que ambos os casos não geraram
tizados, Mendonça (2011), em um estudo de caso mobilização por parte da sociedade civil, e as res-
sobre os portadores de hanseníase, obteve informa- postas demoradas do ponto de vista de segurança
ções que mostram que a estima social é comple- e saúde públicas no caso dos haitianos baleados
mentar à garantia de direitos para o sentimento de em São Paulo são situações comumente enfrenta-
autorrealização de grupos marginalizados, influen- das pelos migrantes, que, como argumentado, têm
ciando principalmente na disposição desses grupos poucas oportunidades de chamar atenção para sua
em lutar contra o desrespeito. A especificidade dos situação.
direitos humanos dos migrantes, porém, reside no
fato de que, na maioria das vezes, os próprios mi-
grantes têm pouca expressão política para reivin- Conclusão
dicar que governantes atentem para sua situação
fragilizada mesmo em democracias consolidadas. A estratégia de integração de estrangeiros está
Em geral, a situação de migrantes em democracias relacionada com o conceito de cidadania que uma
contemporâneas pode ser mais delicada do que a de sociedade adota. Trata-se de um conceito central
alguns grupos minoritários compostos por cidadãos para o estudo das migrações, porque define quem,
nacionais de um país, mas que ainda possuam po- em um país, terá acesso a determinados direitos
der de voto de organização e participação política. (Reis, 2007, p. 36). Uma cidadania baseada no
O ponto de observação da teoria do reconhe- comunitarismo defende que a criação de laços de
cimento permite examinar diversas situações como responsabilidade mútua e de concepções de bem
injustiças sociais e as demandas de grupos margina- comum são possíveis por meio do processo social
lizados como lutas por reconhecimento dentro do de construção de uma comunidade política em tor-
mesmo quadro conceitual. O que será observado no de história, cultura, língua e território comuns
como injustiça pelos grupos de migrantes depen- (Bellamy e Warleigh-Lack, 1998, p. 459). A cida-
derá da situação de cada grupo e de sua posição em dania cosmopolita reforça as obrigações morais dos
relação à sociedade hospedeira, porém, o concei- indivíduos com todos os outros, baseadas na exis-
to nos permite conceber que, em todos os casos, tência de laços que criam uma comunidade huma-
a percepção dessa injustiça provocará um impacto na, anterior à nacionalidade. O ideal kantiano de
na integração social dos migrantes. Em um exem- cidadania universal baseia-se na existência de laços
plo, a situação econômica e social de um migrante de solidariedade entre todos os humanos, mais que
pode ser melhor no país hospedeiro do que no país na existência de um governo mundial (Linklater,
emissor, mas isso não impedirá que ele perceba sua 1998). Em uma sociedade, os indivíduos estabele-
situação de direitos reduzidos em relação ao cida- cem quem são os detentores dos direitos e como
dão nacional ou de estigma social como uma injus- esses direitos devem ser promovidos, consolidando,
tiça. Ainda como contraexemplo, tomemos o caso assim, o compromisso desses indivíduos em relação
de dois migrantes em um mesmo país com posições a uma organização política – o Estado nacional –
sociais e econômicas de semelhante exclusão (ou que garante a produção e a distribuição dos bens
inclusão). Se um desses migrantes sofre adicional- públicos (Habermas, 2004, vol. II, cap. 2). Apesar
14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

de os migrantes terem seus direitos sociais e econô- perspectiva, a garantia dos direitos humanos dos
micos garantidos, acreditamos na centralidade dos migrantes poderia ser encarada como um pré-re-
direitos políticos para a sua integração; eles só po- quisito para a superação dos conflitos sociais entre a
dem ser considerados cidadãos efetivos se tiverem comunidade hospedeira e a comunidade migrante.
meios políticos para defender suas próprias deman- Para que isso ocorra, é necessário, portanto, o en-
das e lutar pela melhoria de suas condições de vida. gajamento dos governos na formulação de políticas
Os debates sobre a integração dos migrantes públicas que visem ao reconhecimento legal efetivo
são muitas vezes invisíveis no Brasil (Veloso Leão, dos direitos dos migrantes e à promoção de estima
2013) e, no pouco espaço que existe, as demandas social positiva para esses grupos.
desses grupos têm que ser encampadas por cidadãos
brasileiros para repercutirem nas esferas política e
pública, como vimos na análise dos casos de mobi- Notas
lização aqui apresentados. Para que isso possa ocor-
rer, os migrantes e as organizações lançam mão de 1 “Manifeste de sans-papiers”, Libération, 25 fev. 1997.
diferentes estratégias de mobilização política para Disponível em http://goo.gl/d21lsT, consultado em
chamar a atenção para os problemas que enfrentam 10 nov. 2015.
cotidianamente. Ambos os casos analisados aqui 2 Siciliano (2013) debate o trabalho do CNIg para a
mostram que a mobilização política de migrantes atualização de diversos aspectos da política migratória
é construída em um jogo entre a ilegalidade do ati- brasileira.
vismo e organização política de migrantes, de um 3 O Ministério da Justiça criou uma comissão de espe-
lado, e, de outro, a existência de demandas especí- cialistas para elaborar uma proposta de Lei de Migra-
ções e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil
ficas por parte desse grupo social que precisam ser
por meio da portaria n. 2.162/2013. O processo de
tornadas públicas e institucionalizadas para que os
elaboração do anteprojeto incluiu estudos de legisla-
governantes reconheçam a situação e ofereçam so- ção em outros países e consultas com representantes
luções eficazes. de órgãos do governo, promoveu audiências públicas
Os eventos de mobilização representados pelos sobre o tema e levou em conta as recomendações da
casos Zulmira e Brayan levam à percepção de que as I Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio.
demandas políticas dos migrantes necessitam estar Uma primeira versão do anteprojeto foi apresentada
associadas de alguma maneira a demandas de bra- em março de 2014 e recebeu contribuições de enti-
sileiros para serem respondidas pelos governantes. dades públicas e sociais. A versão final foi apresentada
Demandas concernentes ao reconhecimento legal e em agosto de 2014.
ao reconhecimento de estima social não atendidas 4 Para críticas ao PL n. 5.655/2009, ver Baraldi (2014,
podem criar um sentimento de injustiça social que pp. 87-88, 99-100) e Ventura e Illes (2010).
impede que os migrantes sejam percebidos e per- 5 “Conferência municipal debate políticas para imi-
cebam a si próprios como indivíduos livres e iguais grantes”, 1º dez. 2013. Disponível em http://goo.
aos cidadãos dos países que habitam. Pretendemos, gl/8wHsNq, consultado em 2 out. 2015.
com a discussão aqui empreendida, lançar luz sobre 6 “Imigrantes podem se candidatar para os conselhos
a capacidade de essas injustiças sociais atuarem para participativos municipais”, 28 jan. 2014. Disponí-
vel em http://goo.gl/ZniwF1, consultado em 2 out.
impedir o estabelecimento de laços sociais entre os
2015.
indivíduos e os grupos sociais em seu entorno, no
caso, migrantes e a sociedade que os acolhe. 7 A Política Municipal para a População Migrante foi
desenvolvida pelo Comitê Intersetorial da Política
Dessa maneira, argumentamos que, além da
Municipal para a População Imigrante (criado pelo
importância de garantir aos migrantes mecanismos decreto n. 56.353, de 24 de setembro de 2015) com-
institucionalizados para suas reivindicações com posto por representantes do governo e da sociedade
base em direitos políticos do ponto de vista moral, civil com o propósito de formular os princípios, as di-
a falta de garantia desses direitos pode significar um retrizes e os objetivos para o atendimento a migrantes.
grande empecilho prático à sua integração. Dessa Além das discussões no âmbito do Comitê, o projeto
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DE MIGRANTES NO BRASIL 15

recebeu contribuições em uma audiência pública, em Pró-Cotas Raciais de São Paulo; Igreja da Paz; Instituto
setembro de 2015, e esteve aberto para consulta pú- Amma Psique Negritude; Instituto do Negro Padre Ba-
blica em fevereiro e março de 2016. “Prefeitura envia tista (INPB); Instituto Luiz Gama; Instituto para o De-
à Câmara Municipal projeto de lei que cria a Políti- senvolvimento da Diáspora Africana no Brasil (Iddab);
ca Municipal para a População Imigrante”, 31 mar. Movimento Contra o Tráfico de Pessoas; Movimento
2016. Disponível em http://goo.gl/ZbocfH, consul- Nacional Quilombola Raça e Classe; Movimento Ne-
tado em 1º abr. 2016. gro Unificado (MNU); Negritude Socialista Brasileira
8 “São Paulo será a sede do VII Fórum Social Mundial (PSB); Núcleo de Consciência Negra da USP; Projeto
das Migrações”, MigraMundo, 7 set. 2015. Disponível Mediação – Missão Paz; Rádio Agência Notícias do
em http://goo.gl/jE7iAB, consultado em 2 nov. 2015. Planalto; Rede Apoio ao Imigrante de Guarulhos; Rede
Sul-americana Espaço Sem Fronteiras (ESF); revista
9 Realizamos entrevistas com quatro ativistas e um fun-
Brasil África; revista Ocas; Sindicato dos Advogados de
cionário da prefeitura. Duas dessas pessoas participa-
São Paulo/Com. de Direitos Humanos; SOS Racismo
ram das mobilizações nos dois casos, as outras três par-
– Alesp; Tribunal Popular – O Estado Brasileiro no
ticiparam em um dos casos. À época das mobilizações,
Banco dos Réus; União de Núcleo de Educação Popu-
um ativista era membro do Centro de Direitos Huma-
lar para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil);
nos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), um do Ins-
União de Negros pela Igualdade (Unegro); União dos
tituto para o Desenvolvimento da Diáspora Africana
Estudantes Angolanos em São Paulo, entre outros par-
no Brasil (IDDAB) e um participava de mais de uma
ticipantes individuais.
associação de cultura negra. Um ativista não era filiado
a nenhuma organização naquele momento. Os dois 11 “Pais de boliviano morto durante assalto decidem vol-
primeiros entrevistados foram os ativistas que tiveram tar ao Brasil”. Band.com, 28 jul. 2014. Disponível em:
papéis importantes no início da mobilização em cada http://goo.gl/VKGBLl, consultado em 2 de out. 2015.
caso, os outros nomes foram entrevistados por terem 12 Francisca Ana Villanueva López desapareceu em 12 de
sido mencionados como pessoas-chave para a mobili- maio de 2014 e foi encontrada morta em 14 de junho,
zação nas primeiras entrevistas. O roteiro semiestrutu- em uma área de matagal em Franco da Rocha (SP).
rado compreendia as seguintes perguntas principais: a) 13 O acesso aos meios de comunicação de massa é ainda
(mobilização) Quem foram as pessoas e organizações uma questão extra a ser discutida na integração dos
que se envolveram na mobilização? Quem iniciou a imigrantes. O artigo 106 da lei n. 6.815/1980 impe-
mobilização? Como foi a organização dos atos?; b) de que imigrantes sejam donos de empresas de comu-
(ativismo) Quais foram as ações realizadas? Quem as nicação ou os responsáveis principais pelo conteúdo
sugeriu?; c) (enquadramentos) Porque foram escolhi- dessas empresas, e a lei n. 9.612/1998 estabelece que
das essas ações? Quais eram os motivos principais dos somente brasileiros natos ou naturalizados podem ser
atos?; d) (trajetória) O que aconteceu depois dos atos? dirigentes de rádios comunitárias. Dada a invisibili-
Quais foram os principais ganhos? Como você avalia o dade das questões de relevância para imigrantes nos
resultado final da mobilização?. A transcrição das en- meios de comunicação nacionais, esse preceito signi-
trevistas pode ser acessada em: https://goo.gl/rNnj7b. fica um impedimento de facto à livre expressão dos
10 As entidades participantes da Mobilização Zulmira migrantes. As rádios comunitárias de imigrantes –
Somos Nós são: Aliança de Negras e Negros Evangé- todas elas irregulares, portanto – ganham enorme re-
licos (Anneb/SP); Associação Franciscana de Defesa de levância, uma vez que são a única opção de comuni-
Direitos e Formação Popular; Associação Nacional dos cação das comunidades. A questão da falta de espaço
Defensores Públicos Federais; Associação Paulista de nas mídias centrais para divulgar as dificuldades dos
Ajuda ao Imigrante (Apai); Câmara de Comércio Bra- migrantes foi um fato mencionado pela maioria dos
sil Angola (Afrochamber); Casa das Áfricas; Centro de ativistas para motivar a organização de atos públicos e
Apoio ao Imigrante (Cami); Centro de Direitos Hu- para o envolvimento de mídias alternativas na comu-
manos e Cidadania do Imigrante (CDHIC); Comitê nicação sobre ambos os episódios de mobilização. Ver
Contra o Genocídio da População Negra; Conselho Cogo (2012) para uma análise detalhada sobre o uso
Gestor da Cone; Cooperativa de Empreendedores Boli- das mídias para mobilização de migrantes.
vianos (Coebiveco); Educação e Cidadania de Afrodes- 14 A mobilização contra o aumento das passagens de ôni-
cendentes e Carentes (Educafro); Elas por Elas – Vozes bus em São Paulo foi marcada por uma série de protes-
e Ações; EmpregueAfro; Fala Negão; Federação Qui- tos, a maioria convocada pelo Movimento Passe Livre,
lombola do Estado de São Paulo; Fórum África; Frente que reivindica a gratuidade do transporte público e o
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 91

enquadra como um direito público, e não um serviço. culturais, recreativas, desportivas, sociais e políticas”.
Protestos desse tipo ocorreram em diversas cidades do Além disso, ele lembra que muitos migrantes têm a
Brasil, iniciando-se em Natal e Goiânia, e envolveram pretensão de retornar a seus países de origem e, por
passeatas com centenas de milhares de pessoas. Outras isso, envolvem-se menos nas questões sociais e polí-
características dos protestos de junho de 2013 são a ticas do país de acolhida. Somente após a ruptura do
enorme expansão das reivindicações apresentadas nas processo de “prolongação indeterminada” da estadia,
passeatas, a radicalização de alguns grupos manifes- os migrantes decidem aumentar seu envolvimento
tantes, a utilização da tática Black Bloc nos protestos com a sociedade de acolhida.
e a violenta repressão da polícia, com denúncias de 19 “Dos niños murieron en Flores al incendiarse un taller
prisões arbitrárias e pessoas feridas e mortas. Avritzer clandestino”, La Nación, 28 abr. 2015. Disponível em
(2013) enfatiza a busca desses movimentos sociais por http://goo.gl/14xcIo, consultado em 12 out. 2015.
participação política nas questões de infraestrutura.
20 Ver também Carens (2008) para uma discussão sobre
Já Tavares e Roriz (2014), em estudo de caso sobre
justificativas morais e práticas no processo de integra-
as manifestações em Goiânia, notam a dificuldade
ção de migrantes.
dos governos estaduais e municipais em lidar com a
participação social, fato que poderia explicar as mo- 21 Um episódio representativo da baixa estima social de
bilizações iniciais, com o objetivo de requerer maior migrantes é o debate causado pelo programa Mais
participação e abertura política sobre o tema, a forte Médicos, do governo federal, que pretende ampliar o
repressão policial que se seguiu e a expansão do nú- número de médicos per capita para 2,7 médicos por
mero de manifestantes, em reação à repressão. Sin- mil habitantes (atualmente calculado em 1,8 médicos
ger (2013, p. 39) sugere que as manifestações foram por mil habitantes) e aumentar o investimento em
compostas por dois grupos com motivações diferentes infraestrutura e formação de médicos, especialmente
e que muitas vezes entraram em conflito durante os focando na distribuição de profissionais nas regiões do
protestos: o “novo proletariado” – grupo de jovens interior do país. As controvérsias geradas pelo progra-
com empregos pouco qualificados e mal remunera- ma deveram-se ao fato de ele aceitar a contratação de
dos –, que reivindicava expansão de seus direitos, e médicos de outros países, caso não houvesse inscri-
uma classe média tradicional – que possui casa pró- ções suficientes de médicos brasileiros. Essa proposta
pria, ganhos estabilizados e ensino superior completo recebeu forte oposição, principalmente de associações
–, inconformada com o aumento do custo de vida e de médicos, que foram, por sua vez, criticadas pelas
questões de segurança. Ambos os grupos continuaram características xenofóbicas e racistas de seus comentá-
a organizar passeatas ao longo de 2014 e 2015, mas rios. Muitas críticas incidiram sobre questionamentos
separadamente e com demandas e participantes cada em relação ao país de origem do médico migrante,
vez mais diferentes. dentre os quais um dos mais mencionados foi Cuba.
O episódio corrobora a percepção de que, atualmente,
15 Um dos entrevistados nota a importância que a vin-
no Brasil, imigrantes latino-americanos e africanos re-
gança tem para o grupo cultural ao qual pertence a
cebem uma estima social mais negativa que migrantes
família de Brayan.
de outras regiões.
16 O racismo e a xenofobia vividos pelos migrantes an-
22 “Violência e paisagem”, Zero Hora, 15 ago. 2015, dis-
golanos no Brasil é tema do documentário Open arms,
ponível em http://goo.gl/6KGi9E, consultado em 2
closed doors (Braços abertos, portas fechadas), que usa o
out. 2015; “Nota sobre haitianos baleados no Glicé-
caso Zulmira como ponto de partida para a discussão.
rio”, 7 ago. 2015, disponível em http://goo.gl/jI6psY,
17 A Coordenação de Políticas de Migrantes foi criada consultado em 2 out. 2015; “O corpo de Fetiere, ne-
a partir de uma demanda dos movimentos sociais de gado três vezes”, El País, 24 out. 2015, disponível em
migrantes durante a campanha para eleições muni- http://goo.gl/Gp393I, consultado em 27 out. 2015.
cipais de 2012. Apesar de ter sido um dos eixos de
promessas eleitorais do prefeito eleito, a coordenação
somente iniciou suas atividades em meados de 2013,
devido aos trâmites da reorganização das secretarias BIBLIOGRAFIA
municipais na Câmara de Vereadores.
18 Guirado Neto (2014, p. 114) ressalta que os migran- ARENDT, Hannah. ([1951] 1979), The origins of
tes procuram primeiro garantir segurança material totalitarianism. San Diego, Harcourt Brace &
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OS CASOS ZULMIRA THE CASES ZULMIRA CARDOSO LES AFFAIRES ZULMIRA


CARDOSO E BRAYAN CAPCHA: AND BRAYAN CAPCHA: CARDOSO ET BRAYAN CAPCHA:
MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E POLITICAL MOBILIZATION AND MOBILISATION POLITIQUE ET
INTEGRAÇÃO DE MIGRANTES MIGRANT INTEGRATION IN INTÉGRATION DES MIGRANTS
NO BRASIL BRAZIL AU BRÉSIL

Augusto Veloso Leão e Peter Roberto Augusto Veloso Leão e Peter Roberto Augusto Veloso Leão et Peter Roberto
Demant Demant Demant

Palavras-chave: migração internacional, Keywords: international migration, hu- Mots-clés : Migration internationale  ;
direitos humanos, teoria do reconheci- man rights, theory of recognition, mi- Droits de l’Homme  ; Théorie de la re-
mento, integração de migrantes, políticas grant integration, public policy connaissance ; intégration d’immigrants ;
públicas politiques publiques.

Este artigo visa debater a questão dos di- This article means to debate the issue of Cet article aborde la question des droits
reitos humanos dos imigrantes propon- migrant’s human rights and suggests a re- fondamentaux des immigrants en pro-
do uma reflexão sobre as mobilizações flection about migrant’s social mobiliza- posant une réflexion sur leurs mobi-
sociais de imigrantes e a importância da tion and the importance of guaranteeing lisations sociales et l’importance de la
garantia efetiva dos direitos humanos rights to this population as a strategy to garantie effective des droits de l’homme
para os imigrantes de forma a facilitar a assist migrants’ integration to a host so- afin de faciliter leur intégration dans la
integração desse grupo à sociedade hos- ciety, not only through means of a moral société d’accueil, non seulement à partir
pedeira, não somente a partir da discus- justification for universal rights, but also de la discussion morale sur les droits de
são moral sobre os direitos humanos, with practical arguments supporting the l’homme, mais aussi suivant des justifi-
mas também com justificativas práticas integration process. We explore migrants’ catifs pratiques pour l’intégration de ces
para a integração desses grupos. Utiliza- protests in 2012 and 2013, following the groupes. Nous utilisons, en tant qu’ob-
mos como objeto empírico os protestos deaths of two migrants, victims of urban jet empirique, les manifestations d’im-
de imigrantes ocorridos em 2012 e 2013 violence in São Paulo, Zulmira Cardoso migrants qui ont eu lieu entre 2012 et
depois da morte de imigrantes vítimas de e Brayan Capcha. The present Brazilian 2013 suite à la mort de Zulmira Cardoso
violência urbana em São Paulo, Zulmira migration law (Law n. 6815/1980) pre- et de Brayan Capcha, immigrants vic-
Cardoso e Brayan Capcha. A atual lei de vents migrants to take part in any way times de la violence urbaine à São Paulo.
imigração brasileira (Lei no 6815/1980) in activities with a political nature. As a La loi d’immigration brésilienne (loi nº
proíbe aos migrantes qualquer atividade consequence, protests are extremely rare 6815/1980) interdit aux migrants toute
de natureza política e, por esse motivo, and are usually organized by Brazilian or- activité de nature politique. Par consé-
manifestações como essas são raras e, ganisations that defend migrants’ rights. quence, ce genre de manifestation est
em sua maioria, são organizadas por en- This article analyses the migrants’ social rare et, en général, organisée par des or-
tidades de brasileiros que defendem os mobilization cases and searches for a ganisations brésiliennes qui défendent les
direitos dos imigrantes. O artigo propõe bridge between the ways this mobiliza- droits des immigrants. L’article propose
um estudo dos casos de mobilização de tion was organised, the lack of political une étude des cas de mobilisation de mi-
migrantes em São Paulo e procura esta- rights for migrants and the issue of mi- grants à São Paulo et tente d’établir un
belecer uma ponte entre o formato des- grants’ social esteem in the eyes of Bra- pont entre le format de ces mobilisations,
sas mobilizações, a ausência de direitos zilian society. With this information, we l’absence de droits politiques aux
políticos aos imigrantes e a situação da examine the impact of such mobilization immigrants et la situation de respect
estima social de imigrantes perante a to the integration process of migrants social des immigrants face à la société
sociedade brasileira. Com base nessas in- groups and debate the effects of the rec- brésilienne. En nous appuyant sur ces in-
formações, ensaiamos uma análise do im- ognition of rights and the construction formations, nous proposons une analyse
pacto dessas mobilizações de imigrantes of a positive social esteem to migrants in de l’impact de ces mobilisations d’immi-
para o processo de integração desse grupo their integration. grants pour le processus d’intégration de
social e os efeitos do reconhecimento de ce groupe social et les effets de la recon-
direitos e da construção de uma estima naissance des droits et de la construction
social positiva para imigrantes neste pro- d’un respect social positif des immigrants
cesso de integração. dans ce processus d’intégration.

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