Você está na página 1de 22
Intervengao Psicossocial e Algumas Questées Eticas e Técnicas Fora CasteLta SARRIERA ‘Marti ApeEt pa Siva, AvoLrO Pizzinaro, Cristiane Uncarerrt Zaco Parricis Meiza NoLan Pouco se tem escrito na literatura psicol6gica brasileira sobre Intervengao Psicossocial, embora haja uma multiplici- dade de praticas psicossociais e de profissionais envolvidos na aco social. Dessa forma, nosso objetivo é desenvolver os principais aspectos tedricos, metodolégicos e praticos da Interveneao Psicossocial e, ao mesmo tempo, provocar uma reflexao sobre os aspectos éticos envolvidos. Pessamos a considerar quatro enfoques: (1°) uma andli- se sobre os valores pertinentes ao facilitador-interventor; (2°) os valores/cultura que podem ter os grupos sujeitos a uma intervengao na relagdo com o facilitador-interventor; (3°) al- gumas consideragdes a respeito do que “pode ser” ¢ o “que pode ter” uma intervengao psicossocial; ¢ (4°) por tiltimo a apresentacao de um caso pratico, observando, os aspectos téc- nicos e os valores que permearam as escolhas do Programa realizado, frente as necessidades do grupo-alvo. Nio temos a pretensdo de abarcar ou esgotar esses t6- picos nas dimensdes que eles representam. Apenas, nos pro- 31 pomos a colocar alguns pontos que possam permitir reflexdes dos profissionais da area social. O facilitador-interverttor Em primeiro lugar, gostariamos de analisar o significa- do etimoldgico da palavra intervengdo, pois ela nos remete a algumas consideragées, Intervengao origina-se do latim, inter- ventio, surgiu no final do séc. XVII, provavelmente adaptado do francés, para um uso estrito nos meios juridicos (Machado, 1977), Significava intromissio do governo na administragao de uma provincia, estado, companhia, empresa, como admi- nistrador, governante, a fim de restabelecer a ordem interna. Ja intervir hoje significa poder intrometer-se, interferir, tomar parte em, sobrevir (Bueno-Santos, 1974). O significado stricto sensu de intervengao, em prinei- pio, parece contradizer as tendéncias atuais das ciéncias so- ciais, embora a etimologia das palavras nem sempre carac- terize seu uso comum. Gera a ideia de que pessoas externas tomam medidas sobre um grupo desprovido de poder e co- nhecimento. Dessa forma, pode parecer que 0 uso desta pala- via seja apropriado para esta pratica em nossa atuali de, visto que tal pratica tem como um de seus pressupostos a visao de que “os seres humanos so atores fundamentais do Processo de construgao, tanto social quanto pessoal. (...) Se originando, entao, uma relagdo dialégica e horizontal entre investigadores ¢ investigados” (Monteiro, 1996, p. 104). Entretanto, em uma andlise mais abrangente, podere- mos ver que esta palavra esta inserida em nosso colidiano profissional ¢ diz respeito a quando estamos nos dirigindo a lade do outro, interferindo nela ¢ de alguma forma mo- dificando-a. Temos hoje uma tendéncia a yalorizar o saber alheio e 0 “interesse pelo estudo da vida cotidiana e do sentido comum como produtor de significado, de conhecimento e de ideolo- gia” (Monteiro, 1996, p. 114). Mas, dirigimo-nos com nossas 32 estratégias de acdio psicossocial as comunidades e aos grupos com acrenga de que detemos um saber diferenciado, devido a sua base cientifica, que pode vir a acrescentar o saber alheio. Acreditamos que somos mais criticos em relagéio as ideolo- gias dominantes e portanto capazes de suscitar certa “liberta- do” de outro ser humano. Na verdade, estamos intervindo, entio, no saber e na consciéncia alheia em prol de nossas crengas e valores, utili- zando de um poder que nos situa no mundo, 0 poder do co- nhecimento. Essa questo ndo pode ser desprezada, pois por mais dialégica e horizontal, ou quem sabe democratica e nao ditatorial que seja nossa relagao com 0 grupo-alvo, nao faze- mos parte dele enquanto construgao histérica, embora pas- semos a fazer parte da histria deste grupo e ele da nossa. E © que nos faz legitimados nesse poder, auténticos em nossos intentos, sto exatamente nossas crengas e valores que justifi- cam nossos “porqués” e 0 “como” de nossas acées. Vemos que a utilizagio do termo “intervengao” nao contradiz nossos atuais paradigmas, nem sequer os abarca in- teiramente. Fica A margem — da propria palavra e da ago — a explicitagdio do que consideramos como ético. Lembramos que a ética da ciéncia social aplicada ori- ginou-se da filosofia funcionalista. A finalidade das “inter- veng6es” no organismo comportamental e no sistema social era de manter 0 equilibrio dos sistemas, ou seja, manter o ser humano “adaptado” ao seu meio, através da crenga de que o método cientifico se diferenciava das questées de valor, pos- tulando a neutralidade cientifica (Castro & Aratijo, 1994). Estamos mudando nossos valores, entretanto nao é e nem sera meramente uma palavra, como signo frio, que poder tradu- zir a abrangéncia das posturas ético-filoséficas que surgem. Pois, questées relativas a dignidade, sentido de vida e felicidade, que fazem parte da consciéncia ético-moral, marcam a construgiio de nossa identidade contemporanea (Taylor, 1999). Tais conceitos foram sendo construidos historicamente e passam a ter significa- do apenas em nossa época, complexificando-a 33 Realidades que estejam pouco conformes com essas quest6es nos parecem propicias as nossas intervencdes, prin- cipalmente quando percebemos que elas esto sendo de al- guma maneira denegridas ou pela pobreza, ou pela falta de satide e educagao, ou pela escassez de trabalho remunerado, entre outros fatores. Aspectos associados aos deveres de um Estado Social. Queremos pontuar que nossa compreensao do que consideramos como “realidades desfavorecidas” podera estar sendo limitada, se ditigirmos nossas intervenes sem maiores questionamentos. Por isso, torna-se funda- mental avaliarmos nossos valores e a ética que adotamos para definirmos que mudangas de fato buscamos em nos- so cotidiano quando ingressamos nos grupos-alvo, Mesmo como cientistas-profissionais da area social, podemos estar a mereé (e estamos) das tendéncias ¢ dos valores que re- gem nossa civilizagao contemporanea. Como estamos inseridos nesses valores e na cultu- ra respectiva, podemos ser tdo fidgeis as ideologias circun- dantes como qualquer outro ser humano, e contendo antigos equivocos em nossas “ciéncias”. Dessa forma, a Intervengaio Psicossocial, que a principio acreditamos estar nos pautando sobre um novo sentido ético na ciéncia, podera vir a sofrer reducionismos em suas concepgdes. Pois, conforme Reale (1999, p. 133), ha na atualidade uma certa falta de valores éti- Cos pessouis e coletivos, por causa da perda de um significado maior de vida. Um paradoxo logo nos é colocado: se por um lado te- mos como ideal a busca de dignidade, de sentido de vida e de felicidade, a cultura da atualidade remete a falta de valores éticos pessoais e coletivos, Ao adentrarmos na realidade do outro, interferindo nela com a legitimidade de produtores de conhecimento e saber, temos uma respousabilidade social da qual ndo nos tornamos isentos em momento algum. Portanto, quando intervimos na realidade alheia ou quando desvendamos um conhecimento, 34 somos responsaveis pelas vidas ai presentes, bem como pelos préximos conhecimentos que irdo surgir ¢ até pelo andamento das tendéncias da ciéncia, da cultura e da sociedade. Assim, temos o dever de avaliar nossas posturas € po- sicionamentos, tendo em vista que exercemos o poder de co- nhecimento, frente ao grupo-alvo num momento histérico que se complexifica quanto a valores e sentidos éticos. O grupo-alvo Os grupos para os quais dirigimos nossas intervengdes também estao inseridos nos idearios da contemporaneidade. Como cientistas sociais colocamos-nos no papel de estudar quais sao esses valores e como esto sendo vivenciados nas coletividades, Como interventores sociais consideramo-nos sujeitos capazes de colocar em pratica ages que possibili- tam a melhoria do bem-estar psicossocial. Abordaremos 0 importante papel que a intervengao psicos- social pode ter na construgao cotidiana e histérica do grupo-alvo 4 medida que possa facilitar 0 bem-estar psicossocial. Conceitua- mos bem-estar psicossocial como “a liberdade que é deixada ao desejo de cada um na organizacio de sua vida individual, compre- endendo que este desejo esta inexoravelmente ligado ao dos outros € que, portanto, esta aco é coletiva” (Sawaia, 1994, p. 163). SAnchez-Vidal (1999) coloca que a escolha do grupo- alvo realizada pelo facilitador-interventor é baseada nos seus valores e ideologias. Se estes se pautam no “ideal de cresci- mento e de riqueza econdmica, que incentiva a produtividade, © esforco e a capacidade individual” (p. 95), 0 facilitador- interventor termina por colocar como objetivo da interven- gio “a promogio dessas qualidades, reduzir seus contrarios (ineficiéncia, incapacidade, o nao trabalho) e ajudar os mais pobres” (p. 96). Dessa forma, percebe o que esta em descon- formidade com tal ideal visto como um problema social que necessita de correco e 0 que esta em conformidade represen- ta critérios valorativos indicativos de avango social. 35 Nesse sentido, se faz necessdrio que os facilitadores- interventores analisem com profundidade os valores pessoais € os paradigmas cientificos que embasam seus critérios de escolha dos grupos-alvo. Essa andlise se faz necessdria ain- da mais se lembrarmos que a populagao emergente, ou seja, de classe popular, nao é a tinica que necessita de bem-estar psicossocial, ha varios aspectos da vida contemporanea em diversos contextos que merecem estudos e interven¢des. Ri- queza econdmica nao é necessariamente sindnimo de bem- estar. Além do mais, ao termos o interesse de melhorar a re- alidade social, nossas intervengdes podem ser ampliadas em suas concepgdes origindrias. Observamos a necessidade de novos sentidos e rumos a ciéncia ¢ as a¢ées interventivas, visto que as ciéncias passam por profundas reformulagdes. Também os grupos e as pessoas vivenciam a necessidade de busca de novos caminhos e senti- dos de vida, levando em conta 0 momento critico em gue nos encontramos em relagao aos sistemas vigentes sdcio-politico- econdmicos (Reale, 1999), “As grandes certezas terminaram. Com elas entra- ram em crise as grandes estruturas da riqueza e do poder (e também os grandes esquemas tedricos). Dai decorrem os desafios deste nosso tempo. Os desafios da vida e os desafios da ciéncia (...)” (Marins, 1998, p. 2). Acreditamos scr importantes, previamente a qualquer agao interventi- va, reflexdes aprofundadas a respeito do significado e da conceituagado do termo “bem-estar psicossocial”, objetivo maior de nossas agdes, para que possamos estar mais cons- cientes dos valores e dos paradigmas gue permeiam nossas escolhas metodoldgicas. So assim sera possivel observarmos os variados aspec- tos das relagées intra ¢ intergrupos por prismas inovadores e pouco usuais aos modelos tedrico-metodoldégicos comumente utilizados. Poderemos fazer recortes nos grupos-alvo de for- ma diferenciada, tal quais, os estudos sobre cultura e religiao que surgem na atualidade. 6 Outro aspecto importante a ser abordado ¢ que uma das metas da intervengao psicossocial, dentro dos novos paradig- mas cientificos que surgem, é propiciar a conscientizagao nas relagdes a fim de desenvolver uma critica a respeito dos valo- res ¢ ideologias construidos para o estabelecimento de novas estratégias, atitudes ¢ agdes grupais. Lévy (1994) comenta que “as praticas de intervengado (...) dizem respeito, diretamente, aos grupos de pessoas em seu “devir coletivo”. A tomada de consciéncia, as aquisigdes de conhecimento ou de compreensao resultantes do trabalho analitico que se desenvolye nesse contexto tém sentido apenas em fungao de seus efeitos concretos na historia do grupo”(p. 175). A intervengao é um “trabalho psicoldgico, feito paula- tinamente com grupos relativamente pequenos, nos quais os conflitos e as contradigdes sao trabalhados concretamente por cada um, em relagées diretas, face a face” (p. 175). A intervencao psicossocial ¢, dessa maneira, um tra- balho de relagéo direta entre facilitador-interventor com o grupo-alvo, que incide em transformagoes nas historias, ou melhor, na vida cotidiana, espago onde as histérias pessoais, grupais ou coletivas ocorrem. Enfocamos “espago” segundo a conceituagao de Certeau (1996) como “um lugar praticado” (p. 201) através de sujeitos historicos que lhe dao significado. A vida cotidiana diz respeito ao senso comum — em que pequenos acontecimentos ocorrem: “O senso comum € comum nao porque seja banal ou mero e exterior conhecimento. Mas porque é conhecimento comparti- lhado entre sujeitos da relagdo social. Nela o significado a pre- cede, pois é condigao de seu estabelecimento e ocorréncia. Sem significado compartilhado nao ha interagao, Além disso, nao ha possibilidade de que os participantes da interagdéo se imponham significados, jd que o significado € reciprocamente experimen- tado pelos sujeitos. A significacdo das agdes 6, de certo modo. negociada por eles” (Marins, 1998, p.2-3). A importéncia de enfocar nossas pesquisas € nossas acdes interventivas para o espaco do cotidiano e do senso co- 37 mum ocorre porque é nele que as transformages sociais acon- tecem quando atravessado pelo compartilhar de significados. Significados que se modificam continua e dialeticamente para novos sentidos. De acordo com Spink e Medrado (1999) 0 sentido é uma “construgdo social, um empreendimento coleti- vo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas (...) constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situagdes e fendmenos a sua volta” (p. 41). TE. nesse espago~ do cotidiano — que as éticas das relagdes se praticam e onde com nossas intervengdes colocamos nossas éticas, ou seja, é nele que nossos valores e paradigmas podem sofrer transformagdes através da aquisigao de compreensdes a cerca do dia a dia. Utilizamos deliberadamente a palavra “so- frer”, pois um de seus sentidos, dentre outros, diz respeito a passar por uma “dor moral” (Laurousse, 1992, p. 1043). E com a alusao a “dor moral” queremos referenciar o investi mento (em varios Aambitos) necessario para que seja possivel ocorrer as necessarias reformulagGes de nossos valores-para- digmas, para que nao venhamos a repetir continuamente anti- gos equivocos, conforme comentado por Reale (1999), tanto na construcdo de nossas ciéncias como de nossas histérias — pessoais, grupais e coletivas. Como cientistas e profissionais sociais temos que con- siderar nossas contribuicdes as transformacées da realidade, além de estarmos cientes de nossas responsabilidades sobre as vidas alheias (do grupo-alvo em que atuamos). “Somos sujcitos sociais inseridos na cultura. Cada um de nds ‘é a sociedade. S86 existimos a partir das relagdes e nas conexdes que faze- mos. Sao as relagdes que produzem nossos sentidos como lin- guagem a nos construir” (Britto, 1996, p. 40). Contextualizando nossa fala para a realidade brasileira, o Brasil esta sendo atravessado pelas consequéncias do pro- cesso de mundializagao em que a “autonomizag&o de esferas desapareceu em favor de uma economia-mundo, em que o econémico é mais que uma mera ciéncia operacionalizado- ra de solug6es; ela é um modo de pensar, ela conforma uma 38 visao de mundo, que estende sua influéncia alem de si, desde um principio de racionalizacao estratégico utilitario, em con- comitancia com os avangos técnicos e cientificos, seus aliados imprescindiveis, tais como: novas tecnologias, globalizagaio da midia, ete.” (Sidekum, 1999), Dessa forma, vivemos varios paradoxos entre o “anti- go” eo “novo”, ou seja, das culturas colonialistas que aliam- se as culturas que emergem da mundializacéo. Logo, nosso desafio ético como profissionais-interventores sociais é, por assim dizer, no minimo complexo. Temos um longo e arduo caminho de reflexes ¢ debates, pois somos sujeitos € sujeila- dos a nossa cultura contemporanea, tal qual as pessoas para as quais dirigimos nossas agGes interventivas. © que é uma intervencao psicossocial? Diante dos aspectos éticos e ideolégicos discutidos, podemos perguntar o que é, entao, uma intervengao psicosso- cial? Lembramos que ha um bom ntimero de tedricos e teorias que podem estar a mercé dessa pratica. Assim nosso objetivo, nesta parte deste capitulo, é abordar sumariamente a respeito de alguns aspectos que podem constar em uma intervencao, antes de discutirmos uma intervengao implantada na prat A intervengao psicossocial tem como objetivo princi- pal possibilitar melhores condigdes humanas e de qualidade de vida. Para Sanchez-Vidal (1991), sua drea de ago se con- figura nos sistemas macro e/ou meso-sociais e no complexo processo de interag&o sujcito/meio social. Abrange satde mental, educagao politica, economia, etc., ou seja, a vida so- cial em relacao direta com o bem-estar humano. O processo de intervengao depende do seu Ambito, bem como das estratégias que seréio usadas e dos objetivos que se propée atingir. Na verdade, nao existe um conjunto estabele- cido de estratégias globais ou de técnicas especificas que seja identifi esse fim. O que ha siio técnicas e estratégias interventivas de diversos campos compativeis com os obje- 39 tivos prdprios da intervencao comunitaria, a partir de varias linhas tedricas, e que sao utilizadas pelos trabalhadores da in- tervengao psicossocial (Sanchez-Vidal, 1988). Para tanto, vamos referenciar sumariamente dois au- lores com suas abordagens sobre essa questo. Sdnchez- Vidal (1991) delineia “como pode ser estruturada” uma interven¢ao e Enriquez (1994) alude “como pode ser con- duzida” esta pratica. A elaboragao de um processo de intervengaio depende dos objetivos que se propée atingir. Sanchez-Vidal (1991), Sugere um processo composto por seis fases, que nao sao rigi- damente sequenciais. Primeiramente, so necessarias a definigao e a andlise do tema ou problema a ser enfocado, bem como do grupo-al- vo. E necessario o facilitador-interventor clarificar e delimitar a quem ird direcionar o seu trabalho e qual 0 objetivo geral de partida. Analisar 0 conjunto, com relagao aos seus proble- mas, recursos e a relacdo entre os componentes ¢ o sistema social total. Essas tarefas podem ser realizadas com base no conhecimento experencial do profissional sobre o tema ou por meio de documentagao indireta. A intervengao pode estar di- recionada a uma comunidade onde ha uma delimitacao social © geografica da tematica, 0 que facilita 0 acesso avaliativo e interventivo; a um problema que centra e simplifica 0 proce: so, porém dificulta a agao, devido a falta de delimitagao geo- grafica; ou a um tema. A importéncia do tema é fundamental para o interventor ¢ pata a comunidade. Para o profissional, porque contribui para ampliar seus conhecimentos e experi- Encias, assim como para 0 auxiliar no desenvolvimento das praticas psicossociais. Com relagao a comunidade, 0 proces- so sé sera possivel se houver uma participagao interessada e comprometida com o tema a ser desenvolvido, ou seja, se ti- ver continente as necessidades ¢ expectativas da mesma. Em seguida, faz-se uma avaliagdo inicial, referente a um levan- tamento das necessidades existentes no sistema social ou comunidade para posterior planejamento da intervencao. E 40 necessario ter uma visao global do sistema ou comunidade que participara do processo, realizando uma avaliagao cri- teriosa, sobre sua organizacao, dificuldades, capacidades, recursos, pensando na viabilidade de um programa para a mesma. Nesta fase, realiza-se 0 delineamento/planejamento e a organiza¢ao do programa interventivo. Esta inclui a criagao desenvolvimento de agées integradas, precedida da analise ¢ da avaliacao, nas quais houve contato direto ou indireto com a realidade social € psicossocial que precisa ser transformada. Com os dados obtidos na fase anterior, pode-se determinar os objetivos da intervengao; estabelecer as estratégias para atin- gir a populacao-alvo e, também, obter recursos e organizar programas em tempo definido. Como estamos abordando planejamento e elaboragao de programas, consideramos importante conceitualizar os mesmos. Sanchez-Vidal (1991) define programa “como um conjunto coerente de agées destinadas a alcangar uns objeti- vos ou resolver um problema” (p. 293). Destaca suas partes basicas que so: determinar os objetivos; estabelecer 0 conte- ido do programa; analisar a conexdo entre objetivos e com- ponentes; organizar o programa e obter recursos. J Craig ¢ Metze, citados por Tornero (1988), entendem por programa “uma atividade ou série de atividades encaminhadas a modi- ficar o estado inicial, psicologico, econdmico ou educacional de um individuo ou grupo de individuos” (p. 90). Com rela- ¢ao a isso, a elaboracdo de programas de intervencgao deve considerar o contexto cultural, social e econémice (Estra- miana, 1992). A importancia de um programa de intervengaio psicossocial e de sua elaboragado consiste em possibilitar ao cientista-profissional social organizar as aces direcionadas a um determinado grupo. Além de unir os referenciais tedricos 4 acgao visa a modificagao psicossocial. Outra fase é a da implantagao, na qual sera feita a apli- cagao do planejamento de modo fiexivel, sendo possivel rea- lizar moditicagées e corregées através do feedback avaliativo 41 da comunidade. Essa fase ¢ de fundamental importancia, pois €é nela que ocorre 0 contato face a face com o grupo-alvo, espaco para as mudangas e transformagdes sociais, em que as éticas do facilitador-interventor se evidenciam e as éticas nas relacdes do grupo podem ser discutidas e modificadas, bem como suas consciéncias criticas, surginda acées a partir do proprio grupo que possam incentivar de fato seu bem-estar psicossocial. Segue a fase da avaliagtio da intervengao. Com essa fase temos a legitimagao da agao social do interventor. Sem dtivida em algum momento sera necessario analisar como esta se desenvolvendo o programa e se os objetivos estéo sendo alcangados, ou seja, uma mediagao das consequéncias dese; yeis, ou nao, de uma acao executada para facilitar a obtengao de metas que se estima alcancar. Avaliar programas, pois, consiste em um questiona- mento do “como fazer”, “que paradigmas e valores estao implicitos neste fazer” e “como propiciar o fazer do grupo” Dessa maneira, a avaliag&o deve estar presente em todos os niveis do processo; desde a fase de diagnéstico passando pela fase do desenho, implantagao, execugio, resultados e efeitos. Alguns instruments podem auxiliar a efetivacao do processo de avaliagio, tais como, questiondrios: entrevistas estrutura- das, nao estruturadas ou focalizadas; observagdes, recom- pilagdes e andlise documental. E importante salientar que a avaliagao de programas nao é uma tarefa facil. Existe uma série de limitacées inerentes a este processo. Estas podem ser metodoldgicas (auséncia de objetivos, falta de coeréncia nas intervengées, etc.), estruturais (relacionadas com as di- ferentes orientagdes dos interventores e das pessoas enyol- vidas na criagdo do programa), politico-edministrativas, de custo para execugao do programa, pessoal qualificado, etc (Coursey apud Tornero, 1988). Apesar das limitagdes que esto presentes, consideramos a avaliag&o como um recurso imprescindivel que possibilita trabalhar de um modo coerente © seguro norteando a implantagdo e a aplicabilidade de uma 2 intervencao psicossocial. Cabe ressaltar, ainda, que trata-se de um processo dindmico que requer a participagao dos en- volvidos no programa. Como ultima fase esté a disseminagao de programas in- terventivos, que consiste em difundir programas jé aplicados © com resultados conhecidos para outros sistemas. Ou seja, programas que tiveram bons resultados em determinados gru- pos-alvo podem ser estudados quanto a viabilidade de sua im- plantagao para outros grupos com problematicas semelhantes, considerando as peculiaridades grupais. Em todas as etapas do processo de intervengao psicos- social, precisamos ter presente os principios que embasam essa proposta, bem como seus objetivos, para possibilitar ao grupo- alyo a atuacdo cooperativa. Ao longo do processo ha necessida- de da efetiva participacao dos participantes, contribuindo para o desenvolvimento do processo, além de avaliagdes constantes, 0 que permite o repensar, e modificar 0 que for necessario, conse- guindo, dessa forma, aces mais efetivas ao bem-estar. Através de outra forma de abordagem, Enriquez (1994) coloca alguns aspectos que dizem respeito ao modo de “ser” de uma intervencao. Primeiramente, devemos ter em vista que essa pratica trabalha com grupos possuidores de sua organi- zacao € estrutura, bem como de problematicas que querem ver resolvidas. Durante 0 processo de intervengao, as pessoas falam de seus sofrimentos e expectativas, ou seja, de sua vida cotidiana. Dessa maneira, “para que 0 processo de mudanga possa ser inaugurado, € necessario que ele seja evocado, vi- vido e ‘experimentado” por grupos que tém certas zonas de liberdade e de responsabilidade” (p. 214). Para esse autor, 0 direito 4 expressao por parte de todos os sujeitos participantes é um aspecto fundamental que deve ser garantido durante o trabalho interventivo. E necessario que © poder inerente ao grupo nao impega alguns de seus membros de falarem seus sentimentos, opinides e expectativas, “mas deve facilitar a expresso dos ‘excluidos’ e suscitar 0 nascimento de novos grupos sociais” (Enriquez, 1994, p. 215). 43 Temos, portanto, a necessidade de permitir novos cam- Pos € novos objetos sociais, ou seja, que o que nao é falado ou nao pode ser falado a seja. Pois, muitas vezes a problematica do grupo nao encontra-se no que aparece de imediato, mas nas relagdes de poder, de exclusao, de papéis estanques, etc. Assim, é importante que haja espaco para um olhar “transfor- mador do mundo, que faz surgir um ‘real’ percebido, um real rasgando os véus da realidade tal qual ela ¢ sempre mostrada pelos guardides do poder” (p. 215). O imaginario e 0 simbélico, como outro aspecto, sempre fazem parte da constituigdo das relagées grupais ¢ surgem nas experiéncias vivenciadas pelas pessoas € grupos. Como a inter vengao busca uma nova significagdo para as vivéncias, havera sempre a transformagao destas instincias através do que pode- mos chamar de maior conscientizagao e autonomia das pessoas. “£ a busca de uma ‘nova ordem simbélica’ que s6 pode existirna medida em que ocorrem atos novos, na medida em que as rela- ges se desestruturam ¢ se reestruturam de outra forma” (p. 216). Enriquez (1994) também coloca que as formas de pen- samento e linguagem do grupo devem ser questionadas. O pensamento dos grupos e, portanto, sua linguagem, muitas vezes encontra-se estanquem e com uma logica rigida, nao permitindo que percebam outras instancias de suas realidades, problematicas, valores, etc., limitando-Ihes quanto conscién- cia critica. Esta légica rigida de pensamento “deve se encon- trar e controntar com um modo de pensamento associativo, imaginativo, analogico, metaforico, no qual as coisas e seus contrarios possam ser consideradas, no qual as relacdes de equivaléncia (mesmo absurdas a primeira vista) possam ser colocadas”(p.216). Além do mais, a instancia do poder tem que ser consi- derada. A medida que Os grupos questionarem, expressarem seus conflitos e diferengas, sempre se estard referenciando o poder instituido, o poder que esta presente no proprio grupo nas relagdes entre seus membros. Uma intervengao “ destrdi as certezas e introduz o novo e o descontinuo” (p. 219). As- 44 sim, através desses questionamentos, ha a possibilidade dos grupos de planejar acdes transformadoras da realidade. Por ultimo, Enriquez (1994) refere-se aos limites de uma intervencao, dizendo que ela nao questiona o poder, mas sao 0s grupos sociais que podem a partir dela promover ag6es; nao rea- liza mudanga, apenas a favorece; ndo transforma estruturas, faci- lita para que os grupos desejem tais transformagdes; nao realiza analises, entretanto abre espaco para que o grupo faga suas pro- prias andlises. Portanto, como resultados da intervengao teremos algum nivel de mudanga nos grupos na qual esta pratica atuou apenas como um facilitador do processo. Como a intervengaio psicossocial é uma pratica, sera a posicdo tedrica e ética do pesquisador-profissional que ira embasar sua postura frente a esta. Dessa forma, para ilustrar o que discutimos até 0 momento, gostariamos de citar uma in- terveng4o implantada de fato, com base em uma perspectiva da abordagem ecoldgica. Esta abordagem sera melhor expli- citada a seguir. Segundo esta perspectiva, a intervengdo psicossocial diz respeito 4 relagio individuo e coletivo, na interagdo dos sistemas macro-meso-microssociais. Permite pautar os niveis de analise da realidade e das varias relagdes referentes aos fendémenos estudados, bem como os de intervengao que se pretenda atingir. Pode esiar associada a outras microleorias que possibilitem aprofundar os niveis explicativos dentro do enfoque adotado. Assim, essa abordagem permite que se as sociem microteorias que podem ser ditas “relacionais”, tendo em vista que ela é uma teoria sistémica. Apresentagao de uma intervencao psicossocial O exemplo que vamos ilustrar baseou-se na posi¢ao proposia por Sanchez-Vidal (1991), Trata-se de uma Interven- do Psicossocial Com Jovens em Busca de Emprego. Teve inicio em agosto de 1997 e prosseguiu até julho de 1999. Este projeto foi desenvolvido e aplicado pelo Grupo de Pesquisa 45 em Psicologia Comunitaria'. A Intervengao foi planejada atra- vés de um levantamento de necessidades com jovens desem- pregados em um estudo sobre “Aspectos Psicossociais e de Satide do Jovem Portoalegrense” (Sarriera e cols., 1996), de marco de 1994 até julho de 1997. Gostariamos de pontuar que para a elaboragao de uma intervengio é necessario que haja uma avaliagao da realidade. Neste momento (ou quem sabe, até previamente), deve se ini- ciar a discussao € uma reflexdo por parte dos profissionais-in- terventores a respeito de seus valores, pressupostos e paradig- mas que embasarao suas agoes. iscussao devera ocorrer em todo 0 processo de intervengao. So a partir dai sera possivel estabelecer critérios para que as agdes contribuam significati- vamente na transformagaio da consciéncia social do grupo-alvo. Logo, estabeleceu-se como meta desta intervengao desenvolver um Programa de Insergao Sécio-Laboral a partir da literatura empirica e do diagndstico realizado na populagao-alvo. Definiu-se como grupo-alvo jovens de- sempregados. Os objetivos estabelecidos visavam auxiliar 0 esclarecimento dos projetos vitais e profissionais destes jovens, ampliando as habilidades sociais para a procura de emprego, aprofundando a consciéncia de cidadania e traba- Tho. Buscou-se estabelecer parceria com as instituigdes pi- blicas ou privadas que visassem 0 apoio para o desenvolvi- mento de alternativas que objetivem orientagao psicossocial dos jovens desempregados. Participaram da Interven¢ao 36 jovens, pertencentes a familias de baixa renda, que frequentavam os cursos profis- sionalizantes de beleza, hotelaria ¢ auxiliar de escritorio, ofe- recidos por uma escola profissionalizante junto a um bairro de classe popular de Porto Alegre, em julho de 1998. Dentre os jovens participantes, 91,7% eram do sexo feminino e 8,3% do sexo masculino, com idades entre 14 e 21 anos (m = 16,92; dp=1,75). Os tumos variavam entre manha, com 44,4% dos jovens, e tarde, com 55.6%. br 46 Foi elaborado um questionario geral de ayaliagao, es- pecificamente para este programa. A aplicagao foi feita em dois momentos, pré e pés-intervengdo. Esse instrumento foi composto por dezesseis questées referentes a aspectos da in- sercao no mercado de trabalho. O objetivo desse instrumento foi, inicialmente, levan- tar algumas necessidades e déficits especificos dos participan- tes de cada grupo de intervengao visando, assim, uma melhor adequacao do programa e, finalmente, realizar uma compa- rag4o entre os escores iniciais e finais dos participantes, po- dendo, entao, avaliar de forma global a eficacia do programa. As questées correspondentes ao primeiro médulo gi- ravam em torno de atribuigdes externas e dificuldades pes- soais percebidas para a aquisi¢ao de emprego, projetos vila e estratégias para a realizacdo dos mesmos. Para 0 segundo modulo, as questdes enfocavam a apresentagado e postura pessoal nas entrevistas de emprego, bem como a cren¢a na capacidade de superagao das dificuldades encontradas. Final- mente, relacionando-se ao terceiro médulo, foram enfocados os conhecimentos das ocupacdes existentes no mercado de trabalho, dos direitos e deveres do jovem trabalhador. O programa foi desenvolvido nas dependéncias da es- cola, em uma sala ampla com cadeiras dispostas em formato circular. Como recursos, foram utilizados um aparelho de te- levisdio e videocassete, além de material grafico (cartolinas, -anetas, tesoura, colas), revistas e jornais. Os ensaios compor- tamentais foram gravados em video. No primeiro contato com os grupos, nos apresentamos e conhecemos melhor da realidade daqueles grupos especifi- cos, através das apresentacdes pessoais ¢ de expectativas de cada um frente A proposta de trabalho. Com 0 objetivo de se trabalhar 0 autoconceito e nos aproximarmos mais de uma discuss&o acerca dos projetos que cada um possuia para sua vida laboral, utilizamos algumas técnicas, que formaram o “Médulo I”. Nesta etapa empregamos uma técnica de frases incompletas, inspirada no modelo proposto por Bohoslavsky 47 (1998), onde proptnhamos que, em trios, completassem tra- ses cujos cnunciados referiam-se 4 busca de emprego ¢ aos planejamentos profissionais. A segunda técnica empregada foi de composi¢ado dg cartazes, com material grafico e recor- tes, onde os jovens podiam expressar as ideias que possuiam de si. Em ambos os momentos os jovens se reuniam em pe- quenos grupos acompanhados por um monitor do grupo de pesquisa que colaborava e participava das discussdes dos gru- pos. Apés preenchidas as frases ou compostos os cartazes, os pequenos grupos apresentavam seus resultados para o grande grupo, que discutia e comentava, acrescentando novas ideias © pontos de vista as questOes propostas e trabalhadas nos pe- quenos grupos. No momento que denominamos “Médulo II”, utiliza- mos técnicas que promovessem um treinamento em habilida- des sociais. Esse treinamento consistiu em uma apresentagao inicial de um video, elaborado pelo grupo de pesquisa. Nesse video estavam representadas diversas situagdes de busca de emprego, que eram avaliadas e comentadas pelos jovens mo- nitores do grupo de pesquisa. Nesses comentarios emergiam atribuigGes, crengas e conhecimentos experienciados que pos- suiam frente a posturas de busca de emprego. Apés a discus- sao, os monitores participaram com os jovens de uma série de dramatizagées de situacdes de busca de emprego, que eram discutidas e avaliadas por todo o grupo. Essas dramatizagdes cram filmadas, e depois da exibigéo ocorriam novas discus- sdes onde eram apontados os aspectos referentes as habilidades de comunicagado, apresentagado, postura fisica, vestuario, cor- dialidade, vocabulario e outras habilidades de trato social que © grupo pudesse apontar, No “Modulo II” foram trabalhadas quest6es como formas de busca de emprego, pré-requisitos, tipos de traba- Tho, remuneragao e legislagao trabalhista. Em um primeiro momento, através de recortes de jornal, cada jovem buscou individualmente anuncios de emprego que o atraissem. Pos- teriormente, no grande grupo, foram discutidos os tipos de 48 emprego, o trabalho temporario, pré-requisitos, graus de qua- lificagao e habilitagao e o mercado de trabalho, utilizando car- tazes compostos pelas ofertas que cada um havia encontrado. Em outro momento, os monitores do grupo de pesquisa co- mentavam aspectos da legislagao trabalhista, que eram im- pressos em pequenos cartGes, sorteados e apresentados pelos jovens. Apés, foi aplicado 0 mesmo questionario inicial. O tratamento estatistico foi realizado através do con- traste de médias para grupos repetidos, utilizando o teste ‘t’ de Student, em itens com categorias de variaveis ordinais e intervalares. Nos itens com alternativas de multipla escolha, foi feito o somatério das frequéncias de aparecimento de cada alternativa, antes e depois da intervencao, e analisada descri- tivamente a diferenca entre as mesmas. Nas perguntas abertas foram categorizadas as respostas e computadas as diferencas, antes e depois da intervengao. Percebemos, através de uma avaliacdo desse Programa, que houve o desenvolvimento de uma maior conscientizagiio ¢ atribuigdo dada, pelo jovem, a importancia do aperfeicgoa- mento pessoal ¢ profissional apés a aplicagdo da Intervengao. Como parte de um contexto de classe social desfavoravel, 0 jovem enfrenta dificuldades concretas para dedicar-se ex- clusivamente ao seu preparo profissional, o que influi na sua percepcdo de capacidade e autoestima, refletindo no seu com- portamento para a busca de emprego. Existe consciéncia por parte do Grupo de Pesquisa da necessidade de dar continuidade aos estudos, converiendo-se o Programa num incentivador do seu engajamento educacio- nal, através da analise das exigéncias do mercado de trabalho. Assim, ao resgatar e redescobrir capacidades e interesses, 0 adolescente sente-se mais seguro quanto a busca de emprego. Os projetos vitais desses jovens relacionam-se a pos- sibilidade de obterem, pelo préprio trabalho, bens materiais, aliando-se a mais um reforgo para a renda familiar, e nao mais como apenas um elemento nado produtivo em casa. Desejam um futuro com conforto, seguro e garantido. 49 O Programa conseguiu, de forma aceitavel, trabalhar uma proposta dinamica e motivadora para o desenvolvimento das ha- bilidades sociais e de procura de emprego, embora considerando que os avangos foram relativos devido ao pouco tempo da in- tervencdo. A forte referéncia 4 necessidade de se ter habilidades na comunicacao, assim como uma apresentacaio adequada para a busca de emprego sao um exemplo do movimento de mudanga, discutido ¢ obtido aps a Intervengao, ¢ de aquisi¢ao de habili- dades aprendidas para a procura de emprego. Sentir-se melhor preparado, trabalhando questées de autoestima e valor, incitaram 0s jovens a terem maior confianga em vencerem as dificuldades para o momento da entrevista de emprego, tal como habilidades. em aceitar e lidar com criticas de forma construtiva. As crengas sobre os fatores que levam a conseguir em- prego modificaram de forma positiva, naqueles indicadores que foram mais trabalhados, valorizando-se a propria capaci- dade do jovem. Isso significa que durante a intervengao houve uma diferenciagao quanto as expectativas pessoais e sociais no que concerne a busca de emprego. Os jovens apresenta- ram-se mais apropriados de suas responsabilidades e possibi- lidades pessoais, ao invés de atribuirem apenas a fatores exter- nos suas dificuldades na inser¢do laboral. O Programa possibilitou uma melhora no autoconhe- cimento dos jovens e na sua autoestima, contribuindo na de- finigdo de seus projetos vitais e profissionais, desenvolyendo habilidades sociais e de procura de emprego, e ajudando na relativizacdo de atitudes e cren¢as com relagao a consecugao do trabalho. Foi, também, um espago rico a exploragaéo ¢ co- nhecimento de direitos ¢ deveres dos jovens ainda nao prepa- rados para 0 mercado de trabalho. O “Manual de Orientagao para 0 Trabalho”, elaborado pelo grupo de pesquisa em Psicologia Comunitaria, foi fornecido para cada jovem e constituiu uma sintese dos conteudos vistos e trabalhados no curso, sendo muito bem aceito pelos mesmos como um material de apoio importante. Enquanto profissionais 2 Posteriormente convertido em livro Manual de Orientagao. 50 sociais, sabemos da complexidade da intervengao psicossocial, enquanto um processo dinamico, que envolve o facilitador-in- lerventor e 0 grupo-alvo, ou seja, a comunidade a que se destina. Devido a isso, 0 profissional precisa ter muita clareza de seus valores, a partir deles, de seu referencial tedrico, da sua postura ¢tica-técnica, dos objetivos a que se propde, bem como as técni- e estratégias que ira utilizar a fim de alcangar as metas pro- postas, como discutimos nas outras partes deste capitulo. Acreditamos ainda que, durante todo o processo, 0 profissional da intervengdo psicossocial deva estar em sinto- hia com as necessidades e expectativas da populacdo-alvo, respeitando ¢ solicitando a participacéo desta, enquanto in- legrantes ativos. Reconhecendo o valor de um trabalho inter- ventivo, é que nos propomos a realizar essas consideracdes sobre esse tema. Portanto, entendemos que reflexdes acerca das éticas que permeiam essa pratica se tornam fundamentais para a construgdo dos paradigmas cientificos emergentes ¢ das praticas que dai advirio. A intervencao psicossocial pode ser uma pratica que auxilie a construgéo dos novos rumos e sentidos de vida que buscamos nesta contemporaneidade, ao valorizar a interagio do ser humano e seu contexto, sua mitua influéncia, bem como considerar as capacidades e recursos proprios dos gru- pos-alvo para a promogao do bem-estar psicossocial. Referéncias BRITO, C. BE, A transigdo de paradigmas e a questéo metodologica. Cader- nos de metodologia, 3, 1996, p.35-41. BUENO-SANTOS, F. S, Grande diciondrio etimologico da Lingua Portu- guesa. Brasilia Limitada, 1974. CASTRO, E, M. & ARAUJO, J. N. G. Anilise social ¢ subjetividade, In A. LEVY, A. NICOLAI, E, ENRIQUEZ & J. DUBOST. Psicossociologia andlise social e imervencao, Petropolis: Vozes, 1994, p.15-23. CERTEAU, M. A arte do fever: a imvencao do cotidieno. 2*ed. Petropolis: Vozes, 1996. ENRIQUEZ, E, Da formacao e da intervengao psicossociolgicas. In A. LEVY, A. NICOLAI, E. ENRIQUEZ & J. DUBOST, Psicossociologia: andllise social ¢ intervengio, Petropolis: Vozes, 1994, p.199-222. O papel do sujeito humano na dindmica social. In A. LEVY, A. | NICOLAI E. ENRIQUEZ & J. DUBOST, Psicassociologia: andilise social ¢ intervencdo, Petrdpolis: Vozes, 1994, p.24-40. ESTRAMIANA, J. L. A. Programas de iniervenciin psicosocial. Desem- pleo y bienestar psicolégico. Espana: Siglo Veintuno Editores, 1992. Larousse ~ Cultural. Diclondrio da Lingua Portuguesa, Nova Cultural Modema, 1992. LEVY, A. Intervengiio como processo. In A. LEVY, A. NICOLAI, F. FN- RIQUEZ & J. DUBOST, Psicossociologia: anxilise social ¢ inervengao, Petropolis: Vozes, 1994, p.174-198. MACHADO, J. P. Diciondrio etimoldgico da lingua portuguesa: com a mais antiga documentacdo escrita ¢ conhecida, 3° ed. Lisboa: Horizo' 1977. MARINS, J. S. O senso comum e a vida cotidiana. Tempo Social; Revista ae Sociologia 10 (1), 1-8, USP, 1998. MONTERO, M. Paradigmas, corrientes y tendencias de la psicologia social finisecular. Psicologia & Sociedade, 8 (1), jan-jun, 1996, p.102-119. REALE, M. Paracligmas da eultura contempordnea. Sao Paulo: Cortez, 1999. SANCHEZ-VIDAL, A. Intervencién comunititia: introducién conceptual, proceso y panorimica. In GONZALEZ, A. W.., FUERTES, P, C. & GARCIA, M.M. (Orgs.), Psicologia comunitaria, Madrid: Visor, 1988, p.169-186. Intervencién comunitarta: concep'o, proceso y panordmica, Psi- cologia comunitaria ~ Bases conceptuales y operativas. Méiodos de inter- vencién. Barcelona: LCT-1, 1991. . Etica de la iniervencidn social. Barcelona: Paidés, 1999. SARRIERA, J. C.; SCHWARCZ, C.; CAMARA, S. G.; BEM, L. A. & GANDARILLAS, M. A. Bem-estar psicoldgico dos jovens porto-alegren- ses. PSICO ~ Revista Semestral do Instiuo de Psicologia da PUCRS, (2), 1996, 79-95, SAWAIA, B. B. Dimensdo ético-afetiva do adoecer da classe trabalhadora. In S. T. M. LANE & B. B. SAWAIA, Novas veredas da psicologia social. Sao Paulo: EDUC/Brasiliense, 1994, p.157-168. SPINK, M. J. P, & MEDRADO B, Produgao de sentidos no cotidiano: uma abordagem tedrico-metodoldgica para anilise das priticas discursivas. In M. J. SPINK (org.), Praticas discursivas e producdo de sentidos no coti- diano: aproximagdes tedricas € metodoldgicas, Sto Paulo: Cortez, 1999, p4l-61. TAYLOR, C. 4s fontes do self— a construcito da identidade moderna, Paulo: Edigdes Loyola, 1999. TORNERO, M. E. M. Evaluacién de programas. In A. M. GONZALEZ, F. C, FUERTES, & M. M. GARCIA (Orgs. }, Psicologia comunitaria, Madrid: 1988, p.87-108. SIDEKUM, A. Crise ética atual ¢ filosofic da libertagao. In C. P. PIRES (org.), Etica e cidadania: olhares da filosofia Latino-Americana, Porto Ale- gre: Dacasa/Palmarinea, 1999, p. 13-21 52

Você também pode gostar