Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Introdu¸cão
Nos últimos anos temos vivenciado um avan¸co surpreendente nas tecnologias da
informa¸cão e comunica¸cão, tal como a Internet, as quais estão modificando os modos
de vida da sociedade. Em fun¸cão destes avan¸cos, a forma¸cão de recursos humanos as-
sociados, como para a área de redes de computadores, precisa ser revista. É tão forte a
dinâmica dos conhecimentos tecnológicos, que já não é mais possı́vel termos um ensi-
no baseado somente na transmissão de conhecimentos aos alunos. Precisamos encontrar
meios apropriados para capacitá-los a aprender de modo permanente e reconstrutivo, de
forma a estarem preparados para viver em uma sociedade em permanente transforma¸cão.
Como ponto de partida, buscamos compreender às concep¸cões que dão suporte
as tecnologias de rede, recorrendo ao seu desenvolvimento histórico, procurando levan-
tar os fatos e a idéias que construı́ram o progresso do conhecimento tecnológico neste
Em doutoramento no DAS/UFSC, realizou estágio sanduiche no Institut Eurecom, Fran¸ca, financiado
pelo programa PDEE/CAPES, sob a orientação do professor Keith Ross, o qual este autor agradece pela
orienta¸cão e colabora¸cão no levantamento histórico da bibliografia de redes de computadores.
domı́nio. Fizemos esta análise com base em alguns livros-texto com destaque na área de
redes de computadores, considerados desde os primeiros livros até os dias atuais, tentando
compreender a evolu¸cão da base conceitual da área de redes, a forma de organiza¸cão dos
conhecimentos, assim como a influência destes pontos no ensino desta disciplina.
No que se refere às questões metodológicas, procuramos trazer para o ensino tec-
nológico algumas contribui¸cões das teorias da educa¸cão, visando criar uma base para
aprimorar o processo de ensino-aprendizagem na área de redes de computadores. Em par-
ticular, com a rápida evolu¸cão das tecnologias da informa¸cão e comunica¸cão, os métodos
tradicionais de ensino, em geral baseados na transmissão de conhecimentos, têm sido co-
locado frente a sérias contradi¸cões. Primeiro, com o rápido avan¸co tecnológico, a massa
de novos conhecimentos tem crescido enormemente, ficando impossı́vel ensinar tudo. Por
outro lado, o tempo de vida útil destes conhecimentos tem diminuı́do drasticamente. Nes-
te sentido, procuramos investir em metodologias de ensino-aprendizagem que valorizem
qualidades como a capacidade de aprender-a-aprender, associadas a outros valores con-
siderados fundamentais no momento atual, como valoriza¸cão da ética, criatividade, senso
crı́tico, trabalho cooperativo, etc.
1
Esta afirma¸cão está baseada em uma pesquisa realizada na Internet, em fevereiro de 2002, com apoio
da ferramenta de busca www.google.com em sı́tios .edu (majoritariamente de universidades americanas). A
pesquisa procurou computar o número de universidades (encontradas a partir das páginas dos respectivos
professores) que utiliza cada obra como livro-texto. Não foram computadas às referências simples aos
livros. Foram encontrados aproximadamente os seguintes números:
Pesquisa em universidades americanas
Livro-texto Resultados
Kurose e Ross 87
Peterson e Davie 65
Stallings 39
Tanenbaum 23
Bertsekas e Gallager 20
Leon-Garcia e Widjaja 13
redes de computadores de um modo independente da arquitetura em camadas, desenvol-
vendo uma perspectiva, por eles chamada, de abordagem de sistema. Segundo os autores,
em uma área dinâmica como as redes de computadores o principal que um livro-texto
deve oferecer é a perspectiva de distinguir entre o que é importante e o que não é, entre o
que é perene e o que é superficial.
O livro procura iniciar com os primeiros princı́pios e seguir as idéias que levaram
às redes atuais, numa tentativa de responder por que as redes são como são.
Para explicar como os protocolos funcionam são tomados como exemplos proto-
colos em uso, mostrando como as redes funcionam na prática.
Como nos nı́veis mais baixos as redes são construı́das por hardware, em geral
comprados de fabricantes ou prestadores de servi¸cos de comunica¸cão, os autores enfati-
zam aspectos da implementa¸cão do software de rede. Desta forma, mostram como a rede
pode prover novos servi¸cos e se adaptar a novas circunstâncias.
Para lidar com a complexidade das redes, construı́das a partir de muitos compo-
nentes, destaca-se o estudo do comportamento fim-a-fim, mostrando como cada pe¸ca se
relaciona com as demais, evitando o estudo fragmentado de cada componente individual.
A tı́tulo de conclusão, poderı́amos dizer que os livros didáticos, de certa forma,
refletem a evolu¸cão da área de redes de computadores. Nos primeiros tempos vemos a
tentativa de afirma¸cão das redes de pacotes e a preocupa¸cão com a análise matemática.
Num segundo momento ruma-se a uma abordagem mais descritiva das redes, com a
organiza¸cão dos conhecimentos em camadas, influenciadas pelo modelo OSI, a princı́pio
sem uma preocupa¸cão de olhá-las com respeito às aplica¸cões fim. Mais recentemente
observamos a forte influência da Internet e o grande destaque dado às aplica¸cões, onde o
modelo de camadas é apresentado visando seu uso.
A partir desta breve introdu¸cão, apontando algumas noções retiradas do vasto campo das
teorias da educa¸cão, procuramos relacioná-las com o ensino de redes de computadores.
3.2.1. Abordagem tradicional
Pode-se dizer que a forma de organiza¸cão dos conhecimentos de redes, como utilizada
por exemplo nos livros de Tanenbaum [TAN96] ou Soares et alli [SLC95], influenciou
de maneira direta o modo como tradicionalmente os professores conduzem a atividade
pedagógica da disciplina. Em geral, é bastante grande a ênfase sobre os conteúdos, que
no caso são bastante extensos e complexos, incluindo muitos conceitos, protocolos, mo-
delos de referência e uma vasta cole¸cão de tecnologias. Além disto, diversos protocolos,
topologias ou modelos não têm aplica¸cões práticas disponı́veis ou acessı́veis, o que torna
o estudo bastante monótono e as vezes até desinteressante para os alunos. Toda a expec-
tativa de iniciar um curso de redes de computadores é sufocada no momento em que se
mergulha no estudo de padrões e especifidades muita vezes longe de serem vislumbradas
no nı́vel aplicativo. As expectativas de entender como funcionam as aplica¸cões fim nor-
malmente ficam transferidas para o final dos cursos. Em geral os professores seguem a
ordem de apresenta¸cão dos conteúdos da mesma forma como estão organizados os dois
livros acima citados, partindo de baixo para cima, ou seja, iniciando pelo estudo da ca-
mada fı́sica, que corresponde aos aspectos fı́sicos da comunica¸cão entre as máquinas, e
depois prosseguindo pelas demais camadas até finalmente abordar às aplica¸cões de rede.
Outro ponto a destacar é que muitas vezes a abordagem é fragmentada, tratando
cada camada ou tópico de forma estanque, com estudos aprofundados e especı́ficos de
protocolos e tecnologias, não havendo uma integra¸cão dos mesmos com as aplica¸cões
onde são utilizados. Como as aplica¸cões são deixadas para serem estudadas no final,
é comum serem tratadas de forma bastante superficial ou mesmo não serem abordadas,
seja por falta de tempo, seja por que não houve interesse do professor em abordá-las,
ficando subentendido que os alunos teriam condi¸cões de tratá-las e relacioná-las com as
tecnologias que lhes dão suporte, o que nem sempre acaba acontecendo.
Outra forma de iniciar o estudo das redes de computadores seria tomar como partida o
uso das tecnologias da informa¸cão e comunica¸cão, ou no nosso caso, o ponto de vista
das aplica¸cões de rede. Aqui, relacionando com a idéias de Paulo Freire ou Papert,
poderı́amos afirmar que, ao centrar o foco na Internet e nas aplica¸cões, estamos muito
mais próximos do que seria o ensino temático ou a aprendizagem sintônica. Da mesma
forma, algo similar poderia ser realizado para o caso do estudo de redes locais, redes
industriais, etc.
Para Freire, o ensino temático está associado a possibilidade de desenvolver o
ensino em torno de temas que fa¸cam parte do universo cultural dos alunos. No caso
da Internet e das aplica¸cões, cada dia mais vemos estas tecnologias permeando nossas
atividades corriqueiras, muitas vezes provocando rupturas no comportamento das pessoas.
Neste sentido, entender como as aplica¸cões funcionam, ou são construı́das, pode vir a
contribuir numa melhor visão desta nova sociedade da informa¸cão.
Já o sentido colocado por Papert para a aprendizagem sintônica, refere-se sobre-
tudo a aprender algo que tenha uma rela¸cão afetiva com o aprendiz. Neste caso, a par-
tir do momento em que o aluno pode compreender como funcionam as aplica¸cões que
usa diariamente, vendo a possibilidade de modificá-las ou aprimorá-las, certamente dá a
ele um sentimento de domı́nio sobre estas que são as tecnologias contemporâneas mais
avan¸cadas.
A abordagem top-down com foco na Internet de Kurose e Ross [KR00] segura-
mente caminha nesta dire¸cão. Segundo os autores, iniciar pelas aplica¸cões é um forte
fator de motiva¸cão, onde o estudo come¸ca a partir daquilo que os alunos usam no seu dia-
a-dia. Uma vez que compreendem como funcionam as aplica¸cões, podem partir para o
estudo dos protocolos e servi¸cos que lhes dão suporte, vendo as diferentes possibilidades
de implementá-los.
4. Conclusão
O objetivo deste artigo foi apresentar um conjunto de diretrizes metodológicas para serem
aplicadas no ensino-aprendizagem de redes de computadores.
As sugestões apresentadas tiveram como base, em primeiro lugar, uma análise
de alguns livros-texto de destaque utilizados na disciplina de redes de computadores. A
partir desda análise também nos foi possı́vel tra¸car uma resenha histórica da área e a
evolu¸cão da apresenta¸cão dos conhecimentos de redes. O segundo ponto de inspira¸cão
foi a contribui¸cão das teorias da educa¸cão, aplicadas ao ensino tecnológico, com destaque
para alguns autores da linha construtivista.
Quanto as diretrizes metodológicas, o primeiro ponto proposto foi a utiliza¸cão da
no¸cão de temas geradores, da obra de Paulo Freire, que no nosso caso refere-se a iniciar
o estudo partindo do uso das tecnologias da informa¸cão e comunica¸cão, ou seja, o ponto
de vista das aplica¸cões de rede.
A segunda sugestão recomenda que os princı́pios fundamentais sejam trabalhados
no inı́cio do processo de ensino-aprendizagem. Estas são idéias do educador Bruner, que
diz que a medida que os alunos compreendam a estrutura de base de qualquer matéria, o
aprendizado terá utilidade por muito mais tempo durante suas vidas. No caso das redes de
computadores, por se tratar de um domı́nio com forte dinâmica, a medida que os alunos
compreendem os princı́pios fundamentais, estarão mais preparados para compreenderem
as novas aplica¸cões e servi¸cos que certamente surgirão num futuro próximo.
Por fim, enfatiza-se as atividades de desenvolvimento de projetos e resolu¸cão de
problemas, utilizadas como ferramentas para auxiliar os alunos na constru¸cão do próprio
conhecimentos.
A partir da análise histórica da nossa área observamos que muitos princı́pios fun-
damentais, a partir dos quais foram construı́das as primeiras redes, permanecem inaltera-
dos. Estes princı́pios constituem o que chamamos conhecimentos perenes, nos quais cre-
ditamos grande importância para balisar nossa proposta metodológica. No momento esta-
mos desenvolvendo esfor¸cos no sentido de melhor visualizar este conjunto de princı́pios.
Também estamos trabalhando no desenvolvimento de roteiros e sugestão de a¸cões, a se-
rem desenvolvidas pelos professores no ensino-aprendizagem de redes de computadores.
Referências
Dimitri BERTSEKAS and Robert GALLAGER. Data Networks. Prentice Hall, New
Jersey, second edition, 1992.
Jerome S. BRUNER. O Processo da Educação. Nacional, São Paulo, 1973.
Evandro CANTÚ. Contribuição da epistemologia e das teorias de educação no ensino
das tecnologias da informação e comunicação. In Anais do XXI Congresso
da Sociedade Brasileira de Computação (SBC2001), Workshop de Ensino de
Informática (WEI), Fortaleza, 2001.
David D. CLARK. The design philosophy of the darpa internet protocols. Proceedings
of SIGCOMM’88, Computer Communication Review, 18(4):106–114, Au-
gust 1988. http://www.acm.org/sigcomm/ccr/archive/1995/jan95/ccr-9501-
clark.html.
Douglas E. COMER. Internetworking with TCP/IP, volume 1 - Principles, Protocols and
Architecture. Prentice Hall, fourth edition, 2000.
Paulo FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1981.
Leonard KLEINROCK. Queueing System, volume II: Computer Applications. John Wi-
ley, USA, 1976.
James F. KUROSE and Keith W. ROSS. Computer Networking: A Top-Down Approach
Featuring the Internet. Addison Wesley, 2000. http://www.awl.com/kurose-
ross.
Barry M. LEINER, Vinton G. CERF, David D. CLARK, Robert E. KAHN Le-
onard KLEINROCK, Daniel C. LYNCH Jon POSTEL, Larry G. RO-
BERTS, and Stephen WOLFF. A brief history of the internet. 1998.
http://www.isoc.org/internet/history/brief.html.
Alberto LEON-GARCIA and Indra WIDJAJA. Communication Networks: Fundamental
Concepts and Key Architectures. McGraw-Hill, 2000.
José Antao B. MOURA, Jacques P. SAUVÉ, William F. GIOZZA, and José F. M. ARAU-
JO. Redes Locais de Computadores - Protocolos de Alto Nível e Avaliação
de Desempenho. McGraw Hill, 1986.
Priscilla OPPENHEIMER. Top-down Network Design. Cisco Press, 1998.
Seymour PAPERT. LOGO: Computadores e Educação. Brasiliense, São Paulo, 3 edition,
1988.
Larry L. PETERSON and Bruce S. DAVIE. Computer Networks: A System Approach.
Morgan Kaufmann, San Francisco, second edition, 2000.
Marcos A. SILVEIRA and Luiz C. S. CARMO. Sequential and concurrent tea-
ching: Structuring hands-on methodology. IEEE Transaction on Education,
42:103–108, 1999.
Mischa SCHWARTZ. Computer Communication Networks: Design and Analysis. Pren-
tice Hall, New Jersey, 1977.
Luiz F. G. SOARES, Guido LEMOS, and Sérgio COLCHER. Redes de Computadores -
Das LANs, MANs e WANs às Redes ATM. Campos, Rio de Janeiro, 1995.
Willian STALLINGS. Data and Computer Communications. Prentice Hall, sixth edition,
2000.
Andrew S. TANENBAUM. Computer Networks. Prentice Hall, 1981.
Andrew S. TANENBAUM. Computer Networks. Prentice Hall, second edition, 1988.
Andrew S. TANENBAUM. Computer Networks. Prentice Hall, third edition, 1996.
Liane TAROUCO. Redes de Computadores: Locais e de Longa Distância. McGraw Hill,
São Paulo, 1986.