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INFECTOLOGIA – RESUMO

Leptospirose

 Introdução e Epidemiologia

- A leptospirose é uma doença febril aguda causada pela espiroqueta do gênero Leptospira, possuindo curso
clínico variável desde uma doença febril aguda leve a manifestações hemorrágicas com risco de vida.

- É uma zoonose importante nos países em desenvolvimento e emergente nos países desenvolvidos.

- Esta doença acomete praticamente todos os estados brasileiros, sendo considerada um importante problema de
saúde pública.

- A infecção pelo Leptospira ocorre durante contato com reservatórios animais ou em ambiente contaminado pela
sua urina.

- Num percentual variável de casos, pode se apresentar com uma forma grave e potencialmente fatal, conhecida
como Doença de Weil, caracterizada pela tríade: icterícia, hemorragia e insuficiência renal aguda.

- A leptospirose tem distribuição mundial.

- Algumas profissões são consideradas de risco para leptospirose, como trabalho em abatedouros de gado, redes
de esgoto, limpadores de fossa e lixeiros, lavradores e pescadores, colhedores de arroz, escavadores de túneis e
mineradores, operadores da construção civil, criadores de animais e veterinários.

- Certas atividades recreacionais também podem se constituir fontes de aquisição da doença, como a natação em
represas contaminadas e pescaria; e animais de estimação contaminados, como cão e gato.

- No nosso meio, enchentes e chuvas fortes são um grande favorecedor do contato do ser humano com água
contaminada, fazendo a leptospirose perder totalmente a sua natureza ligada a certas atividades profissionais ou
animais domésticos. Os principais surtos ocorrem na estação chuvosa do ano, no verão.

 Agente etiológico e ciclo evolutivo

- Leptospira deriva do grego leptos, fina, e do latim spira, enrolada.

- São micro-organismos aeróbios obrigatórios, helicoidais, flexíveis e móveis, podendo permanecer viáveis em
solo úmido ou na água por semanas a meses, mas que precisam de um hospedeiro animal para manter seu ciclo
vital.

- O principal reservatório é o rato, mas mamíferos, repteis e anfíbios podem albergar essa espiroqueta. Roedores
das espécies Rattus novergius (rato de esgoto), Rattus rattus (rato de telhado) e Mus musculus (camundongo)
constituem os principais reservatórios.

- Ao se infectarem, os animais não desenvolvem a doença, mas albergam os vermes nos rins, excretando-os vivos
e contaminando o ambiente. São hospedeiros acidentais.

# O R. novergicus é o principal portador do sorovar icterohaemorraghiae, um dos mais patogênicos para o


homem.
- A leptospira é capaz de penetrar ativamente por pequenas abrasões cutâneas, através de membranas mucosas
(oral, faríngea e conjuntiva) ou pela inalação de gotículas microscópicas. A infecção se dá pelo contato da pele ou
mucosa com a urina contaminada.

- Como a L. interrogans sobrevive em meio úmido ou aquoso, o contato com o solo ou água contaminada passa a
ser uma importante forma de transmissão.

- É o caso das enchentes!

- O AE pode ser identificado por microscopia de campo escuro ou por coloração pela prata.

 Patogênese

- Após penetrarem na pele ou mucosa, as leptospiras alcançam a corrente sanguínea, se multiplicando e


disseminando por diversos órgãos e sistemas. Esta é a fase da leptospiremia.

- A leptospira causa lesão direta do endotélio vascular, levando a uma espécie de “capilarite generalizada”, que
determina extravasamento de líquido para o terceiro espaço e fenômenos hemorrágicos, característicos da
doença, especialmente na sua forma grave. Além disso, há adesão das leptospiras à membrana das células,
determinando lesão ou disfunção celular, desproporcional aos achados histopatológicos.

- A síndrome febril pode ser decorrente da liberação de citocinas induzida por fatores de virulência da leptospira.

- Na forma grave da doença, a Síndrome de Weil, os órgãos mais afetados são o fígado, rim, pulmão, coração e
músculo esquelético.

- Fígado: no fígado, há sinais de colestase, com sinais inflamatórios discretos. Observa-se, entretanto,
hiperplasia das células de Kuppfer e praticamente nenhuma necrose. A disfunção hepática predomina
nitidamente na excreção biliar, justificando grandes elevações da bilirrubina, mas com leves aumentos das
aminotransferases.

- Rins: pode haver nefrite intersticial e necrose tubular, mas a disfunção renal é desproporcional aos
achados necroinflamatórios. A isquemia renal decorrente da hipovolemia – perda de líquido pro terceiro espaço –
é um importante fator contribuinte para a lesão renal. O edema intersticial pode ser proeminente, justificando o
aumento do órgão.

* A disfunção tubular predomina no túbulo proximal, elevando significativamente a excreção de sódio e


potássio. Isso explica por que eventualmente a insuficiência renal aguda da leptospirose pode não ser oligúrica e
frequentemente não cursa com hipercalemia – o potássio inclusive pode estar baixo.

- Pulmões: Hoje, a disfunção pulmonar é a principal causa de óbito na Síndrome de Weil, desde que a
diálise começou a ser utilizada na IRA por leptospirose. A lesão pulmonar é decorrente de uma capilarite difusa,
levando ao extravasamento de líquido e sangue para os alvéolos. Surgem infiltrados hemorrágicos no pulmão que
podem se expressar clinicamente com hemoptise ou insuficiência respiratória.

- Coração: afetado com uma miocardite mononuclear, semelhante aos achados da febre reumática, pode
levar à insuficiência cardíaca.

- Músculos: A miosite é um achado bastante frequente na leptospirose, mesmo na sua forma anictérica.
Os músculos apresentam necrose hialina focal, miócitos vacuolados e infiltrado mononuclear.

- A segunda fase da leptospirose começa quando surgem os anticorpos IgM antileptospira, sendo, portanto,
denominada fase imune.
- A resposta imune humoral é capaz de eliminar por opsonização as leptospiras de quase todos os órgãos, exceto
meninges, olhos e rins. Assim, o fenômeno da hipersensibilidade decorrente da resposta imunológica pode levar a
novas manifestações clínicas, como meningite asséptica, uveíte e febre prolongada.

* A eliminação urinária de leptospiras viáveis pode persistir por 6 semanas a 3 meses, tendo um importante
significado epidemiológico.

 Manifestações Clínicas

- Período de incubação: 7-14 dias, podendo variar entre 1-30.

- 90-95% dos casos apresentam-se apenas como uma síndrome febril, semelhante à influenza ou dengue. É a
chamada forma anictérica.

- 5-10% dos casos evolui para uma forma grave, denominada icterohemorrágica, a famosa Síndrome de Weil. Ela
se manifesta por icterícia, insuficiência renal aguda e hemorragia.

1. Forma Anictérica

- Síndrome febril aguda, de início súbito, tal como uma ‘gripe forte’.

- A doença tem um curso caracteristicamente bifásico. A primeira fase (leptospiremia), dura 3-7 dias, seguida de
um período de defervecência de 1-2 dias; evoluindo para a segunda, a fase imune, com duração entre 4-30 dias.

- O quadro da leptospiremia caracteriza-se por febre alta remitente (38-40ºC), calafrios, cefaleia (frontal e retro-
orbitaria), náuseas, vômitos e intensa mialgia. A palpação das panturrilhas é bastante dolorosa.

- Sufusões conjutivais são notadas em 30-40% dos casos.

- Outros sintomas podem ocorrer: diarreia, tosse seca/dor de garganta, erupção cutânea – rash eritematoso
maculopapular na região pré-tibial, com duração de 3-7 dias.

- Outros achados do exame físico encontrados numa minoria dos pacientes: linfadenopatia cervical,
hepatomegalia, esplenomegalia.

- O término da primeira fase é assinalado pela redução da febre em queda gradual, retornando, com menor
intensidade, no início da fase imune.

- A meningite asséptica é a manifestação neurológica mais comum da doença. As queixas podem ser cefaleia
intensa, vômitos e confusão mental; o exame físico mostra irritação meníngea. O quadro é semelhante ao de uma
meningite viral.

- A uveíte geralmente anterior se apresenta em 10% dos casos, geralmente uma manifestação mais tardia (após a
terceira semana de doença). O acometimento ocular pode ser uni ou bilateral; autolimitado.

- O hemograma costuma demonstrar leucocitose com desvio à esquerda. Plaquetopenia é um achado frequente
na leptospirose, em consequência à ativação endotelial (“consumo” de plaquetas). O VHS geralmente está
elevado.

2. Forma Íctero-hemorrágica (Síndrome de Weil)

- É definida pelo aparecimento de icterícia, disfunção renal aguda e diátese hemorrágica.

- Letalidade varia entre 10-40%.

- Normalmente o paciente inicia a doença com um quadro idêntico ao da fase leptospirêmica da leptospirose
anictérica, evoluindo de maneira fulminante para uma síndrome multissistêmica.
- Aqui o comportamento bifásico da febre não é mais a regra, ela simplesmente persiste, podendo diminuir ou
piorar.

- Hepatomegalia é comum, esplenomegalia acontece em 20% dos casos.

- O hemograma é semelhante ao da forma anictérica, porém, com uma leucocitose mais acentuada e maior
frequência de plaquetopenia. O VHS pode ultrapassar 90 mm/h.

- A icterícia é um sinal proeminente e tem uma característica especial – apresenta tom alaranjado, pela vasculite
conjuntival associada – sendo denominada icterícia rubínica.

- A hiperbilirrubinemia tem predomínio nítido da fração direta, refletindo um fenômeno de colestase intra-
hepática. Geralmente é acentuada, ao contrário das aminotransferases, que se elevam pouco. Não há disfunção
hepatocelular significativa, sendo as provas de função hepática próximas ao normal (exceto a bilirrubina). Quando
o TP alarga, costuma voltar ao normal após administração de vit. K.

- A insuficiência renal aguda é comum, apresentando-se com elevação das escórias nitrogenadas, geralmente não
superiores a 100 mg/dL de ureia e 2-8 de creatinina. Contudo, em casos mais graves as escórias alcançam mais de
300 de ureia e mais de 18 de creatinina, cursando o paciente com síndrome urêmica franca e necessidade
iminente de diálise.

- Os fenômenos hemorrágicos são constatados em 40-50% dos casos. Variam desde petéquias e equimoses até
hemorragia pulmonar e digestiva alta ou baixa.

# A miocardite da leptospirose costuma se apresentar apenas com alterações eletrocardiográficas, como


mudanças de repolarização ventricular e arritmias cardíacas (extrassístoles e FA as mais comuns). Uma minoria
dos pacientes pode evoluir com IC e choque cardiogênico, quase sempre com êxito letal.

 Diagnóstico

- Isolamento da L. interrogans por cultura ou por exames sorológicos.

- Considera-se como caso confirmado de leptospirose quando da presença de sinais e sintomas clínicos
compatíveis, associados a um ou mais dos seguintes resultados de exames laboratoriais: a) teste Elisa-IgM
reagente (ou reação de macroaglutinação reagente); b) soroconversão na reação de microaglutinação, entendida
como uma primeira amostra não reagente e uma segunda amostra com título maior que 1:200 num intervalo de
14-21 dias; c) aumento de 4 vezes ou mais nos títulos de microaglutinação entre duas amostras num intervalo de
14-21 dias; d) título maior que 1:800 na microaglutinação; e) isolamento da Leptospira ou detecção de DNA por
PCR; f) imuno-histoquímica positiva para leptospirose em pacientes que evoluíram pra óbito.

- O agente da leptospirose pode ser isolado do sangue ou do liquor nos primeiros 7 dias da doença.

- Na prática, os exames sorológicos são os mais utilizados para o diagnóstico. Os principais métodos são:
macroaglutinação, microaglutinação, hemaglutinação indireta e ELISA. * Devemos lembrar que, como a sorologia
é voltada para a pesquisa dos anticorpos, nenhum teste costuma ser positivo nos primeiros 7 dias do início dos
sintomas!

- O padrão-ouro é o teste da microaglutinação, com sensibilidade em torno de 75% e especificidade de 97%.


Título de 1:800 é diagnóstico.

- ELISA IgM tem sido recentemente utilizado com sucesso na confirmação diagnóstica.
 Tratamento

- O tratamento antibiótico tem como principais objetivos: a) reduzir intensidade e duração dos sintomas, b)
reduzir a morbimortalidade da forma grave – a síndrome de Weil.

- a ATB deve ser iniciada, de preferência, nos primeiros 5 dias do início dos sintomas.

- Para pacientes com forma anictérica: amoxicilina 500 mg VO 8/8h por 5-7 dias; ou doxiciclina 100 mg VO 12/12h
por 5-7 dias.

- Para pacientes com forma icterohemorrágica: Penicilina cristalina 1,5 mi UI IV 6/6h; ou ampicilina 1g IV 6/6h; ou
ceftriaxone 1-2g IV ao dia; ou cefotaxima 1g IV 6/6h. Por 7 dias.

# Azitromicina e claritromicina 500 mg IV 24/24h são alternativas para pacientes com contraindicação de
amoxicilina e doxiciclina.

# Tetraciclina e doxiciclina são contraindicadas em gestantes, crianças < 9 anos e pacientes com IRA ou
insuficiência hepática.

- Medidas de suporte na fase precoce: Orientação de repouso com uso de sintomáticos, evitando-se uso de
aspirina; orientações de sinais de alerta ou piora dos sintomas; retorno em até 72h.

- Para Síndrome de Weil, as medidas de suporte são fundamentais, incluindo hidratação venosa para reposição da
volemia, reposição de potássio S/N e acompanhamento de função renal e pulmonar.

- Quando indicada, deverá ser realizada diálise peritoneal, uma vez que na hemodiálise há maior risco de
sangramento.

 Profilaxia

- Medidas gerais: 1) controle dos ratos; 2) educação em saúde com grupos ocupacionais de risco; 3) medidas de
saneamento básico; 4) adoção de medidas concretas que evitem as enchentes; 5) vacinação de animais
domésticos contra leptospirose.

- Medidas individuais: Quimioprofilaxia com doxiciclina 200 mg VO 1x por semana é controversa na literatura,
pois carece de evidências consistentes. Em geral, se aplica às situações de previsão de exposição temporária a
uma provável fonte de contaminação, logo antes que a exposição ocorra. (Ex: militares em treinamento). Vítimas
de enchente ou pessoas cronicamente expostas NÃO possuem indicação de quimioprofilaxia, pelo MS, uma vez
que já foram expostas.

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