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As virtudes da cautela:
um apelo ao despertar de
nossas respostas estéticas1
JAMES HILLMAN
Resumo Abstract
nea ante um momento de beleza tam- der se pôr em jogo mais vezes e mais
bém é verdadeira para a feiúra, pois, perceptivelmente. Em outros tempos,
como disse Plotino, a feiúra faz a alma isso era denominado aperfeiçoamento
recuar para dentro de si mesma e vol- gradual do bom gosto.
tar-se para um outro lado. Aqui é preciso distinguir o momen-
A apreensão, ahh-h, está na raiz to de parada do movimento de uma
da palavra estética. Essa resposta identificação com a própria parada, co-
estética, quer ao feio ou ao belo, mos- mo se a beleza precisasse ficar imóvel.
tra uma compreensão instintiva e ime- Porque a beleza, como a cautela, não
diata do mundo, anterior aos julgamen- foi feita para ficar quieta. O ditado não
tos estéticos e aos discernimentos. A é Não salte, mas Olhe antes de sal-
beleza recai sobre nós num relance, tar. A beleza só quer que nós dete-
agarra-nos e solta. O horror faz o mes- nhamos por um momento o insensato
mo. A resposta estética é dada com a e insensível impulso para a frente a fim
psique, como um daimon interno de abrir os sentidos ao provocar a res-
acautelador que nos detém, como o hu- posta estética. Conforme o momento
mor depressivo que recusa a ação. de suspensão escapa, o princípio de
A beleza, porém, impele à ação. Isto precaução pode incorporar às suas ex-
é, a resposta estética simples conduz plorações inovadoras uma consciência
ao protesto estético contra a feiúra, por estética, insistindo que qualquer plano
um lado, e ao desejo estético de pre- ou projeto não negligencie a exigência
servar, proteger e restaurar o belo, por que faz a beleza, ou os efeitos deleté-
outro. Sem dúvida, várias tentativas de rios da feiúra.
conservar podem se transformar em Se conseguíssemos despertar nos-
conservadorismo reacionário, hostil à sos sentidos de seu entorpecimento
mudança tecnológica. Mas ir para trás psíquico, da anestesia, muitos dos pro-
não é a intenção da resposta estética, dutos e dos programas, o próprio rio
nem da precaução. Voltar para trás re- do tempo acelerado em seu curso
sulta da identificação da beleza com o pelos poderes que regem os governos,
momento particular de sua aparição; a economia, as corporações, a mídia e
um estilo singular, que então se crista- as indústrias desacelerariam o sufi-
liza numa ideologia da beleza, quer seja ciente para infiltrar-se por outros ca-
em naturalismo, romantismo, moder- nais, por canais nunca dantes irrigados
nismo, formalismo, nacionalismo, po- e que, por isso, nunca tiveram oportu-
pulismo, vernaculismo ou idealismo. nidade de vicejar.
Cada um desses termos mantém cati- A anestesia parece ser necessária à
va a resposta estética, acorrentada a um resistência heróica. Como um cavalo
dogma e privada de sua espontanei- com anteolhos, a vista fixada no prê-
dade cândida. Mas, o que essa respos- mio, o herói corre com ímpeto para a
ta mais livremente busca é sensibilida- feiúra o próprio mundo que cons-
de e largueza intensificadas para po- truiu. Estivessem despertas nossas res-
Recebido em 22/9/2002
Aprovado em 30/6/2002