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Irmhild Wüst*
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W ÜST, I. Etnicidade e tradições ceramistas: algumas reflexões a partir das antigas aldeias Bororo do Mato Grosso.
Rev. do Museu de A rqu eologia e Etnologia, São Paulo, Suplem ento 3: 303-317, 1999.
2 - tradições ceramistas distintas podem Schmitz (1987) associa a uma economia de caça e
estar relacionadas a povos que, do ponto de coleta generalizada. No período subseqüente, in
vista êmico, se consideram pertencentes a uma clusive durante o optimum climaticum, regis
mesma sociedade; tram-se nos abrigos do sudeste do Mato Grosso
indústrias líticas locais, ainda pouco definidas,
3 - grupos indígenas atuais podem ser
uma vez que nesta categoria de sítios o lascamento
resultado de fusões étnicas e culturais, inclu
se restringiu predominantemente à curadoria de
sive posterior à Conquista, de modo que não
instrumentos, como é atestado para o abrigo MT-
deverão ser considerados como entidades ho
SL-71, cuja ocupação acerâmica recua ao redor de
m ogêneas;
5.000 a.C. e perdura até a era cristã (cf. Wüst 1990).
4 - as sociedades nativas sofreram mu As primeiras práticas agrícolas parecem ini-
danças culturais significativas devido ao ciar-se no sudeste do Mato Grosso ao redor de
contato com as sociedades de origem euro 800 a.C. e antecedem o período cerâmico, como é
péia e africana, de modo que o presente etno atestado por mudanças significativas nos pa
gráfico não deverá ser projetado de forma sim drões de assentamento dos sítios a céu aberto,
plista para o passado; identificados com a tradição Tombador. Esta in
dústria caracteriza-se por grandes lascas de quart-
5 - os dados etnoarqueológicos nos pa
zito obtidas por percussão dura e ocasionalmen
recem ser mais úteis quando apenas contras
te pela técnica bipolar. Os instrumentos apresen
tados com o contexto pré-contato.
tam um reduzido trabalho secundário e foram pre
dominantemente empregados para raspar, cortar
e perfurar (Wüst 1990: 347-8,1992). Os primeiros
A ocupação pré-colonial no
grupos ceramistas, cujos vasilhames apresentam
tradicional território Bororo
uma certa semelhança com a tradição Una (cf. Wüst
e Schmitz 1975) se fazem presentes ao redor da era
A pesquisa etnoarqueológica entre os Bo cristã e ocuparam predominantemente abrigos.
roro foi realizada entre 1983 e 1984 nas aldeias As grandes aldeias anulares dos ceramistas
de Tadarimana e Córrego Grande e as prospec- da tradição Uru, cujos diâmetros podem atingir 500
ções e escavações arqueológicas se estenderam metros, formando as suas unidades residenciais
na área do rio Vermelho (sudoeste do Mato Gros um, dois ou mesmo três anéis concêntricos, marcam
so) até 1994.1 Esta região pode ser considerada a sua presença a partir aproximadamente de 900
o coração do território Bororo e se caracteriza por d.C. Apesar de uma certa continuidade no lasca
um complexo mosaico fito-geográfico que abran mento da pedra, característico da tradição Tomba
ge cerrados e florestas, sendo estas últimas mais dor (cf. Wüst 1990), o aparecimento relativamente
abundantes ao longo dos principais cursos d’água. repentino deste novo modo de vida indica não ape
Um resumo das ocupações pré-coloniais, com uma nas profundas mudanças no modo de subsistên
seleção das respectivas datações absolutas, en cia e na organização sociopolítica, mas também
contra-se na Tabela 1. significativos “inputs” populacionais, eventual
As primeiras evidências da ocupação huma mente oriundos da região amazônica ou do nor
na na bacia do Rio Vermelho recuam a aproxima deste brasileiro (cf. Robrahn-González 1996, Wüst
damente 10.000 anos, como é atestado pelo mate e Barreto, no prelo). Tanto as estimativas demográ
rial lítico das camadas inferiores do abrigo MT- ficas e a localização dos seus assentamentos, quan
SL-31 e que se assemelha à tradição Itaparica. Tra to os utensílios cerâmicos, que englobam grandes
ta-se de um amplo horizonte cultural cujos sítios bacias, assadores e jarros (cf. Wüst 1990), indicam
se estendem do nordeste ao Brasil Central e que que a agricultura, sobretudo da mandioca, desem
penhou um papel importante no sistema de abas
tecimento. A camada arqueológica destes assen
tamentos geralmente não ultrapassa 30 cm de pro
(1) A pesquisa arqueológica e etnoarqueológica foi em
grande parte financiada pela FAPESP (Fundação de Am
fundidade, apontando para um relativo curto tem
paro à Pesquisa do Estado de São Paulo) e contou com po de ocupação. No entanto, a densidade e o espa
a colaboração de Renate B. Viertler (Universidade de çamento dos sítios remete, sobretudo, a micro-des-
São Paulo). locamentos, de modo que fatores ambientais, tais
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TABELAI
Sítios arqueológicos Datação absoluta A.P. Data absoluta calibrada* N° do laboratório Culturas arqueológicas
Aparecimento da cerâmi
M T -SL-72 2390±60 400 a.C. B e ta -7 8 2 5 6
ca Una em abrigos
Sítios Líticos: Tombador
M T-SL-37 2570±70 790 a.C. B eta -2 7 4 2 8
(transição para agricultura)
M T-SL-71 5750±80 4580 a.C. B e ta -3 1037 Tradição lítica local
como esgotamento de solos, não devem ser res pelo menos a partir do século XH3 da nossa era, uma
ponsabilizados por este tipo de mobilidade, como certa tendência em ocupar de forma mais sistemáti
já foi constatado, por exemplo, por Carneiro (1983) ca os vales principais onde os solos apresentam uma
e Gross (1983). As diferenças consideráveis, no maior fertilidade e o acesso aos abundantes recur
tamanho e na morfologia dos assentamentos dos sos aquáticos é facilitado. Esta mudança na apro
portadores da tradição Uru, parecem indicar uma priação do espaço foi interpretada em termos de
hierarquia relativamente fluida, bem como freqüen uma certa intensificação das estratégias de capta
tes processos de cisão e fusão de comunidades ção de fontes protéicas alternativas, motivada por
locais. Uma correlação estatística entre sítios mai um aumento demográfico e uma certa circunscrição
ores e uma maior quantidade de artefatos líticos e (Wüst 1992: 418-419). A partir do final do século
cerâmicos “intrusivos” sugere uma certa hierar x n i e o início do século XIV, o Brasil Central foi
quia de assentamentos, mas sem que haja qual cenário de pressões demográficas não apenas in
quer evidência para uma centralização do poder, ternas, mas também externas, provavelmente oriun
especialização econômica ou artesanal em nível das das do oeste e do norte. No alto Xingu, são atesta
comunidades locais (Wüst 1990). No entanto, a das pela construção de imponentes valetas de na
análise espacial do sítio MT-RN-32 sugere a ocor tureza defensiva (cf. Heckenberger 1996) e, na ba
rência de uma certa divisão de trabalho entre uni cia do rio Vermelho, pela instalação de assenta
dades residenciais, especialmente no que tange ao mentos Uru nos topos de elevados morros testemu
processamento da mandioca. Constatou-se, adicio nhos de difícil acesso, como é o caso do sítio MT-
nalmente, que também nem todas as unidades re SL-51, e uma maior diversidade das tradições cerâ
sidenciais participaram das redes de troca que, por micas (Wüst 1990:418). Entre os grupos que podem
exemplo, envolveram artefatos cerâmicos tempera ter contribuído para o surgimento destas estraté
dos com cauixi de origem distante (Wüst 1990:440). gias defensivas, parecem ter figurado os portadores
Estes dados fornecem os primeiros indicadores pa da tradição policrômica Tupiguarani. Os seus as
ra uma certa complexidade organizacional interna. sentamentos, embora numericamente reduzidos, re
Apesar de algumas variações estilísticas tem cuam pelo menos ao século X m e perduram até o
porais e regionais, no que se refere às formas dos período histórico, quando os seus artefatos apa
recipientes e aos atributos decorativos, observa-se, recem em algumas aldeias Bororo.
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ÁREA DE PESQUISA
TERRITÓRIO TRADICIONAL BORORO
FRONTEIRA NACIONAL
FRONTEIRA DE ESTADO
CIDADES
ALDEIAS BORORO 1997
São L ourenço, na localidade A rua B ororo deias parece ter sido relativamente curta sendo
(Albisetti e Colbacchini 1967: 127-137). Uma al que as razões principais do deslocamento das
deia posterior, e a primeira na região do rio Ver mesmas devem ser procuradas na deterioração
melho, é Arigao Bororo, identificada com o sítio das casas, condições sanitárias, freqüentes mor
MT-SL-11. Segundo o mesmo relato mítico, o tes, e não no esgotamento dos solos, como já foi
aumento demográfico nesta aldeia levou ao sur observado por Gross (1983: 436).
gimento de sete novos assentam entos. Estes
distam entre 23 a 60 km da aldeia mãe e alguns
ainda estão sendo lembrados pelos Bororo da As evidências arqueológicas
atualidade, como é o caso de Pobojari, Jarudore, das antigas aldeias Bororo
Aijere, Itubore e Kejari, que foram ocupados até
meados do século XX. Padrões de assentamento
Como a nomeação de uma aldeia se refere a
toda uma região e não a um assentamento espe A prospecção sistemática em 5 áreas-piloto
cífico, a tradição oral proporcionou em alguns (20 x 15 km) e o levantamento extensivo nas áre
casos informações sobre a seqüência cronológi as adjacentes resultou no registro de 155 sítios
ca daqueles sítios que pertenciam a uma mesma arqueológicos dos quais 26 puderam ser identi
comunidade local e que se situam muito próxi ficados como antigas aldeias Bororo e dois como
mos. Anterior ao contato, a permanência nas al sítios de atividades específicas articuladas (vide
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| METADE ECERÁE
| METADE TUGAREGE
• FRONTEIRA NACIONAL
Fig. 2 - Mapa emico dos territorios das antigás aldeias Bororo com hegemonía dos proto-clás.
Figura 3). A relação destes sítios, suas respecti aldeias do rio Verinelho é bastante regular e va
vas características ambientais e morfológicas, bem ria entre 18 e 23 km (vide Figura 4). Na primeira
como a sua posição cronológica, encontram-se metade do século XX, no entanto, ocorrem mu
na Tabela 2, juntamente com a cultura material, danças significativas, não apenas no que tange
fornecerão os subsídios para a interpretação dos aos aspectos demográficos, mas também em re
processos e das mudanças culturais. Para 12 des lação à localização e à morfologia das aldeias.
tas aldeias dispomos de coletas sistemáticas que As tradicionais aldeias anulares foram substituí
abrangem um total de 3037 fragmentos cerâmicos, das por pequenos acampamentos de poucas ca
227 peças líticas e 134 objetos industrializados. sas irregularmente dispostas (MT-RN-19, MT-
O padrão tradicional dos assentamentos Bo GA-04, MT-GA-05), situando-se em relevo mais
roro é linear. As aldeias mais antigas se encontram acidentado e altitudes maiores. Mesmo quando
exclusivamente ao longo dos maiores cursos d’água, a forma anular foi ocasionalmente mantida, es
que favorecem a pesca, a defesa do território con tes assentamentos se encontram longe dos rios
tra grupos canoeiros, como, por exemplo, os Gua e em áreas pouco favoráveis à agricultura, como
to (Koslowsky 1895), e onde os solos das matas- no caso das sucessivas ocupações de Tori Paru
galerias permitem o desenvolvimento de uma agri nas proximidades de Guiratinga (MT-SL-13, MT-
cultura predominantemente baseada no milho (cf. SL-14, MT-SL-15). Em todas estas localidades as
Serpa 1988). Durante os primeiros contatos com práticas agrícolas tradicionais foram amplamente
a sociedade brasileira, o espaçamento entre as substituídas pela caça e coleta, bem como pela aqui-
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Fig. 3 - Os sítios arqueológicos na área do rio Vermelho e alto rio São Lourenço.
Fig. 4 - Aldeias Bororo no rio Vermelho e alto rio São Lourenço, primeira metade do século XX.
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TABELA2
M T -S L -02 TAD ARIM ANA 2 1974 1979 AD 345 x 80 mata ciliar 210
M T -SL-31 MORRO DA JANELA 1** p ré-con tato 102 x 4 mata ciliar 320
M T -SL -47 SÍTIO DA LAGOA p ré-con tato 100+ x 110+ mata ciliar 245
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sição de bens junto às fazendas, onde os Bororo to no sítio mais antigo desta seqüência (MT-SL-
foram ocasionalmente engajados como mão-de- 11), que recua à segunda metade do século XVII,
obra. Esta mudança drástica na localização dos os artefatos da tradição Uru atingem quase 80%,
assentamentos e no sistema de subsistência levou no sítio MT-RN-36, ocupado ao redor de 1900, os
vários autores a caracterizar os Bororo, de forma artefatos cerâmicos da tradição Uru são represen
errônea, como predominantemente caçadores/co tados por menos de 1%. Em quatro antigas aldeias
letores (cf. Baldus 1979, Bordignon 1986, Lowie Bororo registra-se adicionalmente a presença da
1946). tradição Tupiguarani que alcança no sítio MT-RN-
12 dos primeiros contatos 18%, enquanto no sí
tio MT-RN-36 apenas 0,5%. Nos assentamentos
Heterogeneidade cultural
mais recentes, todavia, há uma clara tendência
para uma homogeneização do repertório cerâmico
Apesar de uma relativa homogeneidade tec
e que poderia ser interpretada em termos de uma
nológica e morfológica dos artefatos cerâmicos dos
imposição estética pelos portadores originais da
Bororo etnográficos, encontramos, em graus va
tradição ceramista Bororo, com o objetivo de for
riados, em 11 das 26 antigas aldeias, material cerâ
talecer a identidade grupai. No entanto, uma certa
mico que pode ser identificado como as tradições
continuidade do uso de caco moído como tem
Uru3 e Tupiguarani Policrômica4 (vide Figura 5).
pero (característico da tradição Tupiguarani) em
A repetição deste fenômeno, bem como a associa
vasilhames externamente identificáveis como
ção estratigráfica das diferentes tradições ceramis
aqueles dos Bororo, poderia indicar uma resistên
tas, tomam a hipótese de uma reocupação dos mes cia sutil em relação à imposição deste novo pa
mos locais pouco provável. Por este motivo, sugeri drão, e que em alguns sítios perdura até o final
mos não apenas a existência de redes de troca, mas, da primeira metade do século XX. Por sua vez,
particularmente, um processo de possíveis fusões com a crescente adoção de implementos indus
culturais e étnicas, como é indicadq por meio da trializados (vidro, metal e plástico), a confecção
troca mútua entre os aspectos estilístico e tecnoló cerâmica caiu em rápido declínio, sendo totalmen
gico de tradições ceramistas distintas. Desta forma, te abandonada nos anos 70.
encontramos não apenas recipientes cerâmicos Bo Apesar desta clara descontinuidade na tec
roro temperados com caco moído (tempero típico da nologia cerâmica e lítica na bacia do rio Vermelho
tradição Tupiguarani), mas também recipientes a partir do final do século XVII e o início do sécu
policrômicos Tupiguarani temperados com cariapé lo XVIII, quando se estabeleceram os Bororo et
(antiplástico característico das cerâmicas Bororo e nográficamente conhecidos, encontramos algu
Um). Como não há nenhuma aparente explicação de mas continuidades culturais, sobretudo no que
natureza tecnológica para estas modificações, es tange aos aspectos morfológicos dos assenta
tou inclinada a atribuir a este fenômeno uma cono mentos e à estratégia de sua localização. As uni
tação simbólica, eventualmente relacionada a ques dades residenciais, tanto dos sítios Uru quanto
tões que envolvem a identidade grupai. Bororo, são organizadas em dois ou mesmo três
Como se pode observar na Tabela 3 e no Grá anéis concêntricos ao redor de uma praça cen
fico 1, a heterogeneidade da cerâmica é maior nos tral. Enquanto nos sítios da tradição Uru apenas
sítios mais antigos do período pré-contato e con ocasionalmente foi registrada uma estrutura cen
tato inicial que nas aldeias mais recentes. Enquan tral (equivalente à casa dos homens), no contex
to etnográfico Bororo, esta sempre está presen
te, podendo ser considerada um indicador para
uma vida ritual mais elaborada, bem como para
(3) Esta tradição ceramista foi inicialmente descrita por uma maior divisão entre sexo e idade que no perío
Schmitz et al. 1982 para Goiás e, até o atual estado do do anterior. No que se refere à localização das pri
nosso conhecim ento, apresenta uma ampla distribuição meiras aldeias Bororo, privilegiaram-se as mar
geográfica entre os paralelos 11 a 16 desde o rio Tocantins gens dos rios principais, uma vez que o milho e
(Goiás) até o rio São Lourenço (Mato Grosso).
o peixe figuraram como as principais fontes de abas
(4) Para uma síntese desta tradição cerâmica e as teorias
de sua dispersão, vide Brochado (1984, 1989). No Brasil tecimento.
Central e, sobretudo, no sudoeste de Goiás, foi primeira Como já foi observado por Hodder (1978,1982),
mente descrita por Fensterseifer e Schm itz (1975). não se pode estabelecer a priori nenhuma corre-
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lação entre estilos cerâmicos específicos e unida ficas e etnohistóricas, não há dúvida de que os
des sociológicas. Neste estudo de caso, no entan sítios aqui discutidos foram predominantemente
to, o repertório cerâmico, pelo menos no nível das ocupados por pessoas que se consideraram Bo
grandes tradições, parece indicar diferentes ma roro. Desta forma, estamos inclinados a interpre
trizes culturais. Diante das informações etnográ tar a heterogeneidade da cerâmica nestes sítios,
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TABELA3
M T -S L -1 1 1 80 ,6 5 19,35 62 6
(0-20 cm)
M T -S L -1 1 7 4 ,0 7 2 5 ,9 3 27 18
(2 0 -4 0 cm) 1
M T -R N -47 1 8 4 ,8 9 2 ,4 7 12 ,6 4 364 12
M T-SL-04 A 1 4 ,7 6 8 7 ,3 0 7 ,9 4 63 8
M T -R N -15 3 9 2 ,7 5 4 ,3 5 2 ,9 0 69 1 4
M T -R N -19 3 1 0 0 ,0 0 37 3 3
M T -SL -14 3 1 0 0 ,0 0 13 6 X
M T -R N -34 4 1 0 0 ,0 0 101 6
M T -R N -35 4 1 0 0 ,0 0 6 X
M T -SL -20 4 1 0 0 ,0 0 11 3 54
(0-40 cm)
M T-SL-26 B 4 1 0 0 ,0 0 7 1 44
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GRÁFICO 1
TRADIÇÕES CERÂMICAS NAS ANTIGAS ALDEIAS BORORO
AD 1982
1 Não Identif.
AD 1979-83 1 Tupig.
AD 1973-80 ■ Uru/Tupig.
□ Uru
AD 1950
□ Bororo/Tupig.
AD 1929-35 ■ Bororo
AD 1918-48
AD 1910-50
AD 1910-40
AD 1900
Pré-contato
Pré-contato
Pré-contato
9
AD 1660
tas com origens culturais e étnicas distintas, po meça a fazer sentido: “Cosa curiosa: antaño, la
deriam ter adotado este novo padrão estilístico, alfarería bororo parece haber sido decorada, pe
seja para mascarar diferenças sociais, promover ro quizás una prohibición religiosa relativamente
a comunicação ou, mesmo, expressar um senti reciente eliminó esta técnica. ” Estaríamos, assim,
mento de uma nova etnicidade emergente. diante de um fenómeno de um dominio político de
Usarei aqui o termo simbiose para designar um dos antigos grupos locais, inicialmente mino
um processo, segundo o qual comunidades locais ritários, semelhante ao daquele descrito, por exem
com origens culturais e/ou étnicas semelhantes plo, por Hodder (1979) e que certamente envolveu
ou distintas se agregam, dando origem a uma no de forma especial o segmento feminino, diretamente
va formação sociocultural. Este fenômeno pode engajado na confecção ceramista.
se dar em sociedades tanto igualitárias quanto Adicionalmente, a análise de alguns mitos Bo
fortemente hierarquizadas, podendo a cultura ma roro mostra que esta sociedade se concebe como
terial ser manipulada para reforçar ou suprimir resultado de uma fusão de grupos locais distin
etnicidades, como Ramos (1980) descreve, por tos e que, inclusive, antigos inimigos foram incor
exemplo, para diferentes contextos brasileiros. porados em clãs específicos, caso alguma reci
Os dados arqueológicos aqui apresentados pa procidade estivesse garantida (cf. Viertler 1986).
recem indicar que, no início deste processo, dife A tendência para uma maior homogeneidade nos
rentes tradições ceramistas foram mantidas, mas artefatos cerâmicos nas aldeais Bororo mais re
que ao longo do tempo deram lugar a um repertó centes pode ser interpretada ultimamente em ter
rio mais homogêneo. Neste contexto também a se mos de um processo no qual um grupo minoritá
guinte observação de Lévi-Strauss (1973: 217) co rio (segundo Viertler 1986 relacionado à atual me
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tade dos Tugarege) entrou na área e começou a do centro-oeste Brasileiro parecem ter sido o re
dominar os grupos ali estabelecidos, impondo no sultado de um processo relativamente recente de
vos padrões estéticos e culturais, entre os quais a incorporações de matrizes culturais e étnicas.
produção da cerâmica, com o objetivo de conso 2 - Como grupos étnicos podem aparecer em
lidar e reforçar a etnicidade de comunidades lo contextos sociais específicos e se caracterizam por
cais no limiar do contato direto com a sociedade uma maior ou menor estabilidade (cf., por exemplo,
brasileira. Cordell e Yanni 1991: 107), qualquer relação entre
As aldeias anulares podem ser consideradas culturas arqueológicas e grupos etnográficos es
como um desenvolvimento cultural autônomo do pecíficos precisa basear-se em uma clara evidência
Brasil Central (cf. Wüst e Barreto, no prelo) e apre de uma continuidade cultural, podendo a visão êmi-
sentam, no caso Bororo, uma forte relação com ca sobre processos históricos fornecer subsídios
aspectos sóciopolíticos e cosmológicos (Fabian valiosos na formulação de hipóteses.
1992, Viertler 1976). A continuidade desta mor 3 - Mesmo que a formação dos Bororo etno
fología dos assentamentos, também característi gráficos possa ser explicada parcialmente como
ca para os ocupantes anteriores desta região, ape resultado da pressão exercida pelo contato dire
sar da ruptura nos quadros tecnológicos, parece to e indireto do colonizador europeu, o surgimen
reforçar a idéia de uma simbiose cultural. Os nos to das aldeias anulares no centro-oeste brasilei
sos dados, todavia, indicam, em primeiro lugar, que ro não pode ser responsabilizado por isso, como
este processo parece ter sido muito mais complexo foi sugerido por Gross (1979).
que aquele descrito por Zerries (1953), segundo 4 - 0 contato direto com a sociedade brasi
o qual o sistema dual Bororo teria surgido a partir leira provocou profundas mudanças culturais no
da fusão de dois grupos étnicos distintos; e, em que tange à demografía, à localização de assen
segundo lugar, que os sistemas duais parecem ter tamentos, às estratégias de subsistência e à cul
existido, no sudeste do Mato Grosso, bem antes tura material. Desta forma, os grupos indígenas
da existência dos Bororo etnográficamente docu atuais não devem ser considerados como mode
mentados. los para interpretar o estilo de vida dos seus
Para corroborar estas hipóteses, futuras pes ancestrais, como já foi ressaltado, entre outros,
quisas se tomam necessárias, especialmente na por Roosevelt (1994) e Whitehead (1992).
quelas áreas nas quais os antigos proto-clãs te 5 - 0 presente exemplo mostra também que
riam exercido a sua influência política. Mesmo se possa esperar, para o período pré-colonial do
se parece utópico encontrar indicadores arqueo Brasil Central, movimentos migratórios signifi
lógicos para grupos étnicos auto-conscientes cativos, principalmente a partir do século XIV da
(como foi apontado por Jones 1997: 127), a nos nossa era e que se intensificaram a partir do con
sa interpretação das continuidades e descontinui tato direto e indireto com a sociedade brasileira.
dades na cultura material, em termos de um pro Desta forma, diferentes tradições ceramistas po
cesso de origem pluri-étnico e cultural, é passível dem constituir a base para o quadro tecnológico
de testes independentes por meio de evidências de grupos indígenas etnográficos. Isto significa
lingüísticas e biológicas. que esquemas classificatórios êmicos e arqueo
lógicos não expressam necessariamente a mes
ma coisa (cf. Dongoske et al. 1997). Assim, dife
Conclusões rentes tradições culturais arqueológicamente iden
tificadas podem estar relacionadas a uma socie
Os dados aqui apresentados têm algumas dade que se concebe como um único grupo, ou
implicações para a pesquisa arqueológica, sobre que culturas arqueológicas, aparentemente ho
tudo naquelas áreas nas quais se possa estabe mogêneas, possam ter sido produzidas por mem
lecer uma continuidade entre o registro pré-his bros de grupos culturais e/ou étnicos distintos.
tórico e grupos indígenas específicos: 6 - Uma vez que processos de natureza sim
1 - Os dados etnohistóricos, etnoarqueoló- biótica ocorrem em comunidades locais específi
gicos e arqueológicos, em uma pequena parte do cas e não necessariamente em todos os assenta
território tradicional Bororo, mostram que pelo mentos de um mesmo período, a interpretação de
menos algumas das sociedades indígenas atuais suas implicações na construção da etnicidade exi-
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Referências bibliográficas
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