ACHEBE, Chinua. O nome difamado da África. In: ACHEBE, Chinua. A
educação de uma criança sob o protetorado britânico. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. pp. 82-99.
No ensaio “O nome difamado da África”, publicado na coletânea
ensaística A educação de uma criança sob o protetorado britânico, o escritor Chinua Achebe faz uma breve, porém contundente, reflexão sobre a construção do imaginário do continente africano, sob o olhar europeu, focando suas ponderações, sobretudo, no romance Coração das Trevas de Joseph Conrad, mas também passando pelas artes visuais, como na acertada análise de um quadro de Gainsborough, a qual retomaremos mais adiante.
Achebe inicia sua discussão recorrendo à ironia presente na ideia de um
distanciamento, histórico e geográfico, entre o continente africano e o europeu. Para tal, faz uso de um poema de Leopold Sedar Senghor (Oração às máscaras), com o qual evidencia uma paradoxal proximidade entre os continentes, estratégia discursiva que o autor lança mão para esboçar seu argumento sobre a falaciosa narrativa, consolidada em diferentes áreas do conhecimento, de uma África distante, exótica e selvagem.
Na sequência do ensaio, já é possível identificar a questão central do
argumento do autor: a imagem construída sobre o continente africano é legatária muito menos da ignorância e mais de um expediente consciente, o qual se definiria, recorrendo ao texto, como: “uma invenção deliberada, concebida para facilitar dois gigantescos eventos históricos: o tráfico transatlântico de escravos e a colonização da África pela Europa” (p.83).
Recorrendo a um estudo de Dorothy Hammond e Alta Jablow (The Africa
That Never Was), Achebe ratifica essa questão, destacando a mudança que houve no foco da produção textual britânica sobre o continente africano, a partir de uma intensificação do tráfico de escravos, tal produção, segundo as pesquisadoras citadas por Achebe, “passou de relatos quase indiferentes e factuais sobre aquilo que os viajantes tinham visto para o julgamento de africanos”.
Como herança desse universo narrativo sobre a África, Achebe identifica
dois produtos: uma tradição literária, segundo ele já extinta e uma maneira particular de ver (ou não ver) a África e os africanos. Assim, o que segue no ensaio é uma tentativa do autor de evidenciar o enraizamento desse imaginário sobre o continente, ou seja, Achebe nos mostra ao longo do ensaio a inegável permanência de um pensamento imperial e fincado numa perspectiva colonizadora que modula, até hoje, o olhar sobre e sob África.