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Resenhas Críticas

BRANDÃO, Zaia (org.) A Crise dos Paradigmas e a Educação. São Paulo:


CortezEd., 1994.

Esta obra de 100 páginas, em Nas duas primeiras exposições,


formato 10 x 17cm., é uma coletânea tratou-se de definir, explicar, o con-
de breves exposições de algumas ceito de paradigma, que anterior-
disciplinas e titulares (filosofia, mente se conhecia também como
ciência política, psicologia, educação Weltanschaurmg (sistema filosófico,
popular, história e antropologia) que sistema de pensamento, cosmo-
compõem o currículo e corpo visão/matriz ou marco teórico,
docente do curso de pós-graduação teoria de sociedade etc). O conceito
em educação da PUC/RJ. É um de paradigma apresentado pelos
diálogo interdisciplinar — uma expositores tem duas faces ou dois
interlocução, uma exposição de momentos:
intersubjetividades —- sobre o final
de ciclo de alguns paradigmas e sua — pode ser o conjunto de
metamorfose em outros, na conceitos, pressupostos e preceitos
perspectiva de Educação, realizado básicos com que usamos nossos
como abertura do ano letivo de 1993. cérebros individual ou coletiva-
Não constam nele as reações ou mente, para perceber-nos no e como
discussões entre os diversos interlo- parte do ecossistema ou da reali-
cutores. É um livro a nível episte- dade;
mológico, de crítica e discussão da — pode ser o produto ou
construção do conhecimento, seus resultado do uso desses pressu-
métodos, seu condicionamento his- postos e preceitos em forma de
tórico e geográgico e suas aplicações entendimento, explicações, conheci-
na organização do ecossistema mento, teorias, ciência sobre nossa
planetário. realidade planetária e cósmica, para
organizar-nos, agir, reproduzir-nos moderna e sua estruturação cientí-
e produzir nossa sobrevivência em fica por Bacon, Descartes e New-
cada época e região (atendendo às ton, hoje conhecido como positi-
necessidades só humanas ou de vismo em teoria e capitalismo na
todos os seres participantes do prática, bem como o surgimento da
ecossistema ou realidade). contestação crítica hegeliana e
marxista que se constituiu num
Podemos referir-nos à primeira paradigma alternativo, conhecido
face ou primeiro momento como como dialético em teoria e socialista
paradigma-instrumento e, ao segun- na prática. Tanto o paradigma
do, como paradigma-produto. Os (neo)liberal como o socialista se
paradigmas-instrumento são cons- desatualizaram porque a época
trutos generalistas, de (suposta) histórica e a situação geográfica de
abrangência global e de vigência integração planetária são diferentes
mais duradoura, marcados mais pela e têm novos desafios que tais para-
época que pela geografia (são, digmas deixam sem solução.
supostamente, mais universais); os Podemos, entretanto, dizer que
paradigmas-produto são ramifi- em época anterior existia um
cações, especializações profissio- paradiga sacro, teológico-filosófico
nais dos generalistas, são também cristão, contestado pelo paradigma
construtos, mas menos perma- teológico-filosófico islâmico (a
nentes, mais evolutivos e mais civilização egípcia tinha o seu, a
marcados pelo local em que surgem, persa tinha o seu, o Oriente tinha o
enfraquecendo ou até esquecendo seu, hoje sintetizado como zen-
seus vínculos de filiação com a budista, a Grécia já sistematizara o
grande matriz e suas relações de seu, de natureza mais racionalista
parentesco interdisciplinar. que sacral, depois subsumido na
Os autores não fazem uma teologia islâmica e cristã). Os
listagem de quais sistemas gerais ou paradigmas teológico-filosóficos
cosmovisões estão em uso e co- perderam a hegemonia para o novo
existem no planeta. Mencionam a paradigma liberal/racional/científico
filosofia ou sistema liberal da idade desencadeado pela reforma protes-
tante e instaurado pela reforma de católico que é o hegemónico,
Cromwell na Inglaterra, mas não criado, imposto e defendido pelos
desapareceram. Há um coexistência anglo-saxões (no oriente Médio e
de paradigmas. Tanto é que o na Ásia o componente "protestante/
diálogo sobre paradigmas se deu católico" é substituído pelo islâmico
numa Pontifícia Universidade e zen-budista); e o paradigma
Católica, cujo paradigma inspirador hegeliano-marxista-teologia da
é o teológico-filosófico, em associa- libertação, que é o antagonista,
ção com o racional-positivista (já escolhido e utilizado por povos ou
esteve associado ao paradigma grupos populacionais em confronto
racional-dialético, antes da chegada com o anterior. É claro que os
do cardeal Sales). maias, os aztecas, os incas, os africa-
Por isso, além dos paradigmas nos tribais e os nossos indígenas,
positivista e dialético (laicais) seria tinham seus paradigmas, mas foram
bom incluir considerações sobre os diluídos ou devastados pelo
paradigmas ou cosmovisões genera- etnocídio praticado pelos europeus
listas de cunho sacral ou espiri- na Africa, Ásia e Américas.
tualista como o católico-protes- Foram feitas algumas recomen-
tante, o islâmico (tão invocado na dações sobre o monopólio das
guerra do Golfo Pérsico) e o zen- verbas de pesquisa pelas chamadas
budista (tão badalado como um dos ciências exatas e naturais, sobre a
fatores do milagre dos "tigres opressiva multiplicação de discipli-
asiáticos" do desenvolvimento). nas académicas e sobre a neces-
Estes paradigmas são cúmplices ou sidade de cada estudioso declarar
competidores dos paradigmas previamente seus pressupostos
positivista e dialético. Em conse- ético-políticos e metas que o
quência, pode-se dizer que o nome motivam (os deste resenhista são os
dos paradigmas generalistas que da Cibernética Social).
predominam (embora em fase de Os demais expositores fazem
mutação) no planeta são: o baco- abordagens desde suas áreas
niano-cartesiano-smithiano- específicas, cada uma delas com um
darwiniano-keynesiano-protestante/ pouco mais ou um pouco menos de
consciência de sua filiação nados antes, urgindo re-funda-
cartesiano-capitalista ou marxista- mentação do paradigma-instru-
socialista (ninguém menciona o mento e uma nova arrumação do
componente sacral-religioso). A paradigma-produto de forma mais
Psicologia, a Antropologia e a integrada e complementar, com
Educação Popular têm noção da "pontes" para a circulação inter-
intercalação de componentes racio- disciplinar (e não com trincheiras
nais com não racionais (mitologia, para impedir o acesso). Mas será
criatividade, crenças populares, possível escapar ao condiciona-
arte, inconsciente) na maneira como mento da cultura fragmentária e
a maioria das populações, desenvol- comercial, pregada diariamente do
vidas ou não, usa seus cérebros in- alto das torres de televisão, mantida
dividual ou coletivamente. pelas supervigilantes redes informa-
O diagnóstico dado é de per- tizadas dos banqueiros multina-
plexidade, sensação de vazio, perda cionais e patrulhada pelos serviços
de estabilidade e segurança na secretos de informação dos Esta-
população; e de uma enorme frag- dos?
mentação do conhecimento, de iso- O livro pouco menciona os
lamento das especializações, e da esforços que se vem fazendo na
necessidade da desconstrução das superação da crise. A UNESCO,
fronteiras rígidas entre áreas desde 1987, no encontro de Veneza,
académicas e profissionais. vem estimulando não só a inte-
No posfácio, fazem-se algumas gração interdisciplinar, mas também
reflexões sobre as tarefas da a transdisciplinar; não só entre as
Educação como produtora de formas de conhecimento e de
conhecimento e orientação para as orientação dadas pelas disciplinas
populações, nesta fase de crise, académicas, mas também pelas
transição, metamorfose. É claro que tradições espirituais de cunho
é o tipo de organização social místico, bem como da arte (exem-
abalada pela tecnologia da infor- plos disso são: FritjoffCapra, David
mática e da cibernética, que está Bohm e Krishnamurti etc). O livro
descartando os paradigmas mencio- não aborda a teoria geral dos siste-
mas, a teoria do imaginário (esta cérebro individual ou coletivo
tem uma citação bem pertinente à compõe-se de três processos
p.56), a teoria do caos, a teoria da integrados mas diferenciados, que
convivencialidade (do mesmo autor levam à construção de três culturas:
de Sociedade sem Escolas), a uma pragmática, protagonizada pelo
epistemologia genética e o constru- cérebro central; uma artístico-
tivismo. O livro não menciona um espiritual, protagonizada pelo
seminário similar dirigido por Cre- cérebro direito-límbico; e uma
milda Medina, com os resultados racional-científica, protagonizada
publicados pela ECA/USP: Novo pelo cérebro esquerdo-cortical,
Pacto da Ciência — A Crise dos formando três paradigmas (ou um
Paradigmas (1990-1991), do qual superparadigma triúno), correspon-
já saiu o segundo volume, e está dendo aproximadamente a três
previsto o terceiro e último. grupos ou segmentos sociais, vistos
O livro A Crise dos Paradigmas horizontalmente ou verticalmente,
e a Educação, condicionado pela com alianças transversais, e que ora
estrutura hegemónica do eixo Rio- se acumpliciam, ora se confrontam,
São Paulo-Minas, analisada por ora ficam indiferentes entre si. O
Golbery do Couto e Silva, poste- paradigma que se tornou hegemó-
riormente chamado "Triângulo das nico é o pragmático, o da merca-
Bermudas Brasileiro" por Ulysses doria, do capital, dos executivos, dos
Guimarães, não analisou, sequer banqueiros, dos políticos, dos mer-
citou na bibliografia, as experiências cenários do dinheiro, dos de-
e publicações da Universidade predadores do ecossistema, depre-
Holística Internacional (Brasília), dadores da racionalidade e do dese-
dirigida por Pierre Weil, e as expe- jo artístico-espiritual de viver e ser
riências e publicações da Ciber- feliz. Os expositores do livro todos
reconhecem que falta um novo pro-
nética Social, que são contribuições
jeto do sentir/saber/fazer, baseado
brasileiras.
nalgum fundamento ético, nalgum
Na Cibernética Social, a abor-
ideal de vida e felicidade para todos
dagem é trialética (uma variedade da
os seres do planeta e do universo.
dialética) e sistémica. Por ela, o
A busca de uma nova identidade brasileira em 1984 pela Cortez
da Educação, que vem caindo aos Ed.
pedaços, não será pela receita carte- GRECO, Milton. A aventura humana
siana, concretizada como ciência entre o real e o imaginário. São
independente, auto-suficiente, coti- Paulo; Perpectiva, 1987. Primeira
dianizada no currículo por discipli- edição em 1984, pela Claxon Ed.
nas cartesianas que pouco têm a ver . Interdisciplinaridade
com a vida, e instituída em algoz da e revolução do cérebro. São
juventude por vestibulares que são Paulo: Pancast, 1994.
a chibata da academia corporativi-
zada. Não se pode prever o que será.
Mas o livro tem o grande mérito de
alimentar o debate e instigar a busca Waldemar de Gregori
e a criação de alternativas para a Associação Brasileira de Cibernética
crise. Queremos mais livros assim! Social

Bibliografia recomendada para


Nota do Editor: Para outro enfoque
consulta:
da questão, remetemos o leitor ao
artigo do Prof. Mário Osório
DE GREGORI, Waldemar. Ciberné-
tica social I e 11. São Paulo: Marques (UNIJUÍ), neste número,
Perpectiva, 1988. Primeira edição na seção Questão em Debate.

MACHADO, Lucília R. de Souza, NEVES, Magda de Almeida, FRIGOTTO,


Gaudêncio et ai. Trabalho e educação. Campinas: Papirus: CEDES; São
Paulo: ANDE: ANPEd, 1992. 134p.

O livro reúne as exposições sobre campus da Universidade de São


Trabalho e Educação, apresentadas Paulo, de 3 a 6 de setembro de 1991,
nos simpósios da 6a Conferência e organizada pela Associação Na-
Brasileira de Educação, realizada no cional de Educação (ANDE), pela

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