EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 3ª
VARA CRIMINAL DE GOVERNADOR VALADARES/MG.
Autos: 10516038201-3.
GABRIEL MARTINS BANDEIRA, brasileiro,
solteiro, nascido no dia 05 de fevereiro de 1994, portador da Cédula de Identidade nº MG-283922029, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o nº 252.449.936-04, residente e domiciliado na Rua Florianópolis, nº 72, Bairro de Santa Terezinha, Governador Valadares/MG, CEP: 35030-160, por seu advogado infra-assinado, com endereço indicado na nota de rodapé 1, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, apresentar:
DEFESA PRÉVIA
Nos termos do art. 55 da Lei nº. 11.343/06, em
face da denúncia oferecida pelo Ministério Público, pelas razoes de fato e de direito a seguir expostas: I- PRELIMINARMENTE:
1.1- DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA:
Ab initio, insta esclarecer que o Denunciado
GABRIEL MARTINS BANDEIRA, goza de pouca condição econômica, haja vista tratar-se de arrimo de família.
1 Escritório na Rua 10, nº 13, Bairro 7, CEP 12345-234, Governador Valadares/MG
Natura e nos dias de folga/descanso, eventualmente, trabalha como panfletário para ajudar em casa, ou seja, faz frente a uma gama de despesas decorrentes da manutenção de um lar. Logo, é forçoso perceber que não pode o denunciado arcar com os custos e despesas decorrentes de um processo judicial, sem privar a si mesmo do próprio sustento, ou mesmo de seus familiares. Assim, requer-se, desde já, com base nos artigos 98, 99 do CPC e art. 32, § 1º do CPP, que se digne Vossa Excelência em conceder os benefícios da assistência judiciária nos termos da legislação em vigor, mormente por não dispor de recurso material para arcar com os custos e despesas processuais.
1.2- DA INÉPCIA DA DENÚNCIA
Não obstante, numa análise preliminar da peça
exordial acusatória, tem-se que esta é completamente inepta, vez que desobedece ao comando insculpido no art. 41 do Código de Processo Penal, pois claramente deixa de expor todas as circunstâncias do suposto fato criminoso. Segundo o Código de Processo Penal:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (destaquei)
Isto porque, em relação ao acusado GABRIEL
MARTINS BANDEIRA, a acusação o aponta como traficante (art. 33, caput da Lei nº. 11.343/06), entretanto, em momento algum traz narrativa e elementos que sustentem essas afirmações, o que dificulta o exercício da ampla defesa e do contraditório. Ademais, de forma inaceitável, a denúncia formulada é omissa ao deixar de indicar diversas informações e circunstâncias que são relevantes para o processo no que se refere a acusação feita ao Autor, pois, apesar de se ter formulado acusação envolvendo o crime de tráfico (Art. 33, caput da Lei nº. 11.343/06), em nenhum momento o parquet narra a relação, salvo a de que o ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
acusado era traficante; mas não narra qualquer histórico criminoso do
acusado nem se o mesmo teve contato com a substância, ou que a conduta do acusado foi premeditada, intencional, ao praticar o crime. Nesse sentido, ensina o doutrinador Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, p. 102, 2017) que “Inepta é a acusação que diminui o exercício da ampla defesa, seja pela insuficiência na descrição dos fatos, seja pela ausência de identificação precisa de seus autores.” Ora, nenhuma acusação penal se presume provada. As alegações exordiais em relação ao denunciado, não passam de um mero juízo especulativo. Ademais, não compete ao denunciado demonstrar a sua inocência. Cabe, sim, ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do denunciado. Pois bem, constatado que a denúncia não logrou estabelecer um vínculo entre o denunciado e o delito a ele atribuído, havendo nítida carência na descrição do comportamento imputado, tem-se como caracterizada sua inépcia, impondo-se sua rejeição. Portanto, diante dos argumentos supramencionados, conclui-se que a r. Denúncia padece de inépcia, merecendo rejeição por este Douto Juízo, nos termos do art. 395, I, do CPP.
1.3 – DO EXAME DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA
A defesa entende ser necessário o exame de
dependência toxicológica do acusado, uma vez que desde o seu primeiro depoimento afirmou ser usuário de drogas, o qual, com base nos documentos juntados aos autos, tem-se comprovada sua dependência química. Com efeito, aventada possível inimputabilidade ou semi-imputabilidade do requerente, circunstâncias relevantes, com provável repercussão em seu favor, isentando-o de pena ou reduzindo-a significativamente. A realização do competente exame clínico será hábil para resolver a matéria, não sendo possível substituí-lo por qualquer outro elemento de convicção. ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
Nenhum prejuízo trará à instrução a instauração do
incidente correspondente. Ao contrário, maior segurança disporá a este Juízo para apreciar o caso, sempre na busca da verdade real. Nesse sentido, o E. Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de decidir que:
“se há alegação de que o agente do crime de tóxico é
viciado, é de ser ele submetido a exame especializado para que se verifique ser isso verdadeiro. Anulação da sentença, em consequência, para que outra seja proferida após dito exame” (RT 639/384).
Na mesma linha, a E. Corte do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) já salientou que:
“fazendo o réu declaração de dependência a
psicotrópico, imprescindível a realização do exame de verificação de dependência e imputabilidade, cujo resultado poderá, se positivo, isentá-lo de pena ou determinar sua redução, configurando a falta dessa perícia psiquiátrica cerceamento de defesa” (HC 157.638 3/3, rel. Luiz Pantaleão, j. 20.12.93) (grifo meu).
Verifica se, portanto, que a confissão do acusado
revela concordância com outros elementos de convicção e, por isso, dispõe de valor probante, de acordo com o art. 197 do Código de Processo Penal. Porquanto, necessário será a realização de exame de dependência toxicológica, para comprovar a confissão de dependência do acusado.
I. DOS FATOS
O Ministério Público, através de denúncia subscrita
pelo ilustre Promotor de Justiça, imputa-lhe a prática do crime previsto no art. 33 da lei nº 11.343/06, sob o argumento de que, no dia 16 de maio de 2016, por volta de 21h, a Polícia Militar compareceu à Rua Florianópolis, nº 72, Bairro Santa Terezinha, depois de receber diversas denúncias anônimas informando que um indivíduo conhecido como Gabriel, estaria realizando intenso tráfico de drogas na região. Não bastasse, sem qualquer mandado judicial, os policiais militares se deslocaram até a residência do Paciente, ingressaram na residência e encontraram, em síntese, 500 ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
(quinhentas) gramas de substância semelhante a “maconha”, além
de apreender uma balança eletrônica e R$ 36,00 (trinta e seis reais) em espécie. Sustentam que para ingressarem na residência lhes foi “franqueada a entrada da polícia militar na residência” pelo Sr. Wilson (Tio de Gabriel). Contudo, não colheram os depoimentos das pessoas que presenciaram o ingresso dos policiais na residência do acusado, o que se demonstra não haver qualquer prova nesse sentido. Na mesma data, foi formalizado o auto de prisão em flagrante de GABRIEL MARTINS BANDEIRA (fl. 05), o qual permanece preso até o presente momento, em decorrência de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, conforme mov. 10516038201-3 dos autos do processo originário. Foram acostados o Auto de exibição (fl. 13), o Auto de Constatação Provisório de Substância Entorpecente e depoimentos. Ressalta-se que o Auto de Constatação Provisório de Entorpecente foi procedido pelos próprios policiais civis que assinaram e formalizaram os documentos do Auto de Prisão em Flagrante. O acusado foi interrogado e exerceu seu direito constitucional de permanecer em silencio e responder somente perante a presença de um Juiz. A nota de culpa (fl. 07) foi devidamente entregue e assinada pelo acusado. O Ministério Público pronunciou-se pela homologação do flagrante, bem como pela manutenção da prisão cautelar do acusado, convertendo-se em prisão preventiva, com fulcro nos arts. 311, 312 e 313, inciso I, todos do Código de Processo Penal, como forma de garantia da ordem pública. A Autoridade Coatora homologou o flagrante, pelos seguintes fundamentos: “Autoria e materialidade se encontram devidamente comprovadas, razão pela qual o denunciado deve se ver processado a fim de receber a respectiva reprimenda judicial.” e converteu a prisão em flagrante em preventiva, pois entendeu haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, além do que a prisão do acusado faz-se necessária para a garantia da ordem pública, eis que as medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal seriam insuficientes e inadequadas ao caso concreto.
existentes no processo posto em análise. A Autoridade Coatora, conforme se observa na decisão destacada, escorou-se na possibilidade de ingresso na residência, em hipótese de “flagrante delito”, sendo o crime de tráfico de drogas permanente. Contudo, pela narração fática da denúncia, o Paciente não se encontrava em flagrante delito no local de sua residência. Não há nos autos qualquer informação de que o Acusado estaria traficando drogas, pelo contrário, as provas trazidas demonstram a verdade real dos fatos, qual seja, de que o Acusado é apenas usuário de drogas. Extrai-se da denúncia que os policiais militares abordaram o Paciente, e que, o deslocamento até a residência do Paciente ocorreu de maneira forçada e impositiva, desancorada de qualquer parâmetro lícito para tanto, ausente de qualquer fundada razão, além do mais, não justificadas a posteriori. Isso porque os policiais militares sustentaram que foi “franqueada a entrada” pelo Sr. Wilson, contudo não trazem aos autos qualquer prova que confirme essa versão. As testemunhas que presenciaram o ingresso dos policiais na residência do acusado, não foram ouvidas na Delegacia Policial. Nesse sentido, o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, constitui um dos princípios mais sagrados, qual seja, a casa como asilo inviolável do cidadão e a ausência de mandado judicial autorizador inviabiliza, nesse caso, a legalidade da ação. Indubitável que os agentes do Estado devem seguir os parâmetros legais e Constitucionais, pois agem segundo o princípio da legalidade. Neste caso, a anuência de eventual morador feita a policiais militares não se identifica com à anuência/consentimento estabelecido pelo art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Nítida, porquanto, a ilicitude da apreensão realizada na residência do Paciente, ainda que se alegue a suposta “anuência” relatada pelos policiais militares na factível invasão domiciliar por estes realizada. ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
Ora, é de conhecimento geral que o Paciente ou
qualquer outro cidadão, não convidariam a polícia a penetrar em sua residência, para que esta fosse vasculhada. Por esse motivo, as provas colhidas ferem amplamente o disposto não só no art. 5, inciso LVI, da Constituição Federal, mas o art. 11, do Pacto de São José da Costa Rica e o art. 17 do Decreto nº 592/92 – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, in verbis: ‘‘Artigo 11 – Proteção da honra e da dignidade 1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensa ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da Lei contra tais ingerências ou tais ofensas.’’
‘‘Artigo 17 – 1. Ninguém pode ser objetivo de ingerências
arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensa ilegais à sua honra ou reputação. 2. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.’’
São normas internacionais de caráter judicial que
se incorporam à cláusula do devido processo legal. Não existe previsão legal para a busca domiciliar a partir da permissão informal do proprietário. De qualquer modo, a citada anuência de ingresso na residência do acusado é ônus probatório da acusação para convalidação da ação policial, o que não se fez até o presente momento. Portanto, a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária e manifestamente ilegal. É o que se vê neste caso! Além disso, o laudo de Constatação Provisório de Entorpecente, que sustenta o decreto prisional, foi realizado pelos próprios policiais que preencheram e elaboraram os documentos dos Autos de Prisão em Flagrante. Conforme se extrai da denúncia:
‘‘Sr. Wilson, tio do denunciado e que
autorizou a entrada dos militares na residência onde foi procedida busca, sendo encontrado pelo CB. Vilarino mais precisamente ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
entre o forro de PVC e o telhado uma barra de
substância semelhante à maconha de peso aproximado de 500 gramas com embalagem, pesado em balança não oficial, sendo encontrado pelo CB Remi no quarto do autor uma porção de substância semelhante à maconha, mais precisamente no guarda roupas e pelo SGT André na varanda uma sacola contendo em seu interior uma balança eletrônica de precisão, um frasco de ácido bórico, duas buchas, duas porções médias (barras) de substância semelhante a maconha, a quantia de R$ 36,00 (Trinta e seis reais) em dinheiro e Hum dólar americano. Dentre os materiais apreendidos também se encontra 01 aparelho celular Iphone, de cor preta, com a carcaça danificada.’’ (grifo meu).
A Lei 11.343/06 é clara ao estabelecer que o
laudo de constatação de natureza e quantidade da droga deve ser firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea, nos termos do art. 50, § 1º, da Lei de Drogas. Ainda, prevê o prazo de 10 (dez) dias do recebimento da cópia do auto de prisão em flagrante para certificação da regularidade formal do laudo de constatação e determinação de destruição das drogas apreendidas. Ocorre que, até o presente momento, não se tem o laudo definitivo de exame das substâncias apreendidas, em flagrante ofensa às garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal. Data vênia, levantam-se, desde já, dúvidas quanto à natureza das substâncias e a forma como foi apreendida, ensejando plena nulidade das provas apresentadas até então. E não está se falando em análise das provas colhidas nesse momento, mas sim de matéria de Direito quanto à forma como foram realizados os procedimentos e a decisão prolatada pela Autoridade Coatora, que acarretam em evidente nulidade do processo, contra o qual se pretende que seja concedida a presente ordem de trancamento. ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
3.2 – DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO
Apontadas as nulidades acima, em sendo
acolhidas, é nítida a ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal em desfavor do Paciente. Do mesmo modo, mesmo que não se invalidem as provas colhidas para sustentar o recebimento da denúncia, verifica- se, de plano, a ausência de necessidade de valoração do acervo fático ou probatório dos autos, vez que inexiste qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito de tráfico. Isso porque, insignificante a quantidade de suposta substância entorpecente encontrada em posse do Paciente, para caracterizar o disposto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Em verdade, não foi encontrado em posse do acusado sequer a quantidade de 500 (quinhentas) gramas de substância análoga à maconha. Vale mencionar ainda, que a suposta ‘‘maconha’’ não foi definitivamente periciada para caracterizar o disposto no art. 28 da Lei 11.343/06. Ressalta-se que os valores apreendidos, no importe de R$ 36,00 (trinta e seis reais) e Hum dólar americano, bem como a balança eletrônica, não estavam em posse do acusado. Ainda, os bens apreendidos na residência do acusado, ainda que se esforcem para caracterizar a traficância, não se prestam a tal finalidade, pois lá só encontraram 500 gramas de substância prensada análoga à maconha, 02 buchas de suposta ‘‘maconha’’, 01 porção de suposta ‘‘maconha’’, 02 unidades de suposta ‘‘maconha’’ prensada pesando aproximadamente 20g cada, 01 balança de precisão, 01 frasco de ácido bórico, R$ 36,00 (Trinta e seis reais) em notas diversas e Hum dólar americano, pecúnia e balança eletrônica, colhidos de forma ilícita. Não se vislumbra nesse fato, qualquer indicativo de traficância por parte do Paciente, sendo forçoso reconhecer que o que foi apreendido em posse dele se destinaria para tal fim. Jamais desmerecendo o valoroso trabalho exercido pela nobre Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, contudo, no presente caso, ausentes os requisitos necessários à prossecução penal por este Douto Juízo, em relação aos fatos descritos na ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
denúncia. Não há qualquer procedimento investigatório em desfavor
do acusado, que o caracterize como incurso no crime de tráfico de entorpecentes naquele processo penal. Nesse sentido é o entendimento basilar do Supremo Tribunal Federal, exarado pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski no HC 138.565, vejamos:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. EXISTÊNCIA DE
TERATOLOGIA APTA A AFASTAR A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691. TRÁFICO DE DROGAS. QUANTIDADE ÍNFIMA DE ENTORPECENTES (8,3 GRAMAS). DENÚNCIA POR TRÁFICO. CONDUTA QUE NÃO SE ADEQUA AO TIPO PENAL DO ART. 33 DA LEI DE TÓXICOS. EXISTÊNCIA DE FATOS E PROVAS QUE DEMONSTRAM O DEPÓSITO PARA CONSUMO PESSOAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO JUSTIFICADA PELA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. I – Peculiaridades do caso que revelam a existência de contexto fático apto a ensejar a admissão da presente ação constitucional, de modo a superar o verbete da Súmula 691/STF. II – Preso em flagrante, teve prisão posteriormente convertida em preventiva, por guardar em sua residência, 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Conduta que se assemelha ao tipo penal de consumo pessoal e não do tráfico de drogas. III – O trancamento da ação penal em habeas corpus só é justificável diante da ocorrência de situações de ilegalidade ou teratologia, tais como aquelas constantes do art. 395 do Código de Processo Penal: (i) a denúncia for manifestamente inepta; (ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; (iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal. IV – Ordem concedida para trancar a ação penal e conceder a liberdade ao paciente, salvo se estiver preso por outro motivo. (HC 138565, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 02-08-2017 PUBLIC 03-08-2017)
Deve-se, portanto, ser reconhecida a ausência
de justa causa, por ausência de provas que demonstrem a traficância, também pela inexistência da materialidade da infração penal, em virtude da ilicitude do Auto de Constatação de Entorpecente e de provas apreendidas na invasão domiciliar, demonstrando, destarte, a existência de inequívoca ilegalidade da prova pré-constituída, devendo ser concedida a ordem para trancamento da ação penal. A decisão da Autoridade Coatora, que converteu a prisão em preventiva e recebeu a denúncia, além de contrariar a ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
interpretação do Supremo Tribunal Federal, viola o art. 5º, incisos XI,
LVI e LVII, da Constituição Federal, bem como o art. 157, caput, e § 1º, do Código de Processo Penal, tratando-se, portanto, de ato manifestamente ilegal. Considerando que na residência do Acusado foi encontrado aproximadamente 500 gramas de uma substância análoga à maconha, não existem indícios suficientes de que a suposta droga seria destinada a uma finalidade diversa do consumo pessoal, o que caracteriza claramente ausência de justa causa para a propositura de uma ação penal por tráfico ilícito de droga.
3.3 – DA POSSE PARA USO PESSOAL
Busca a denúncia ministerial a condenação do
denunciado pelo crime de tráfico de drogas. Ocorre que, a própria descrição dos fatos como trazida na inicial já deixa claro que o denunciado seria apenas um usuário e foi surpreendido logo quando adquiria a suposta droga. Não há nos autos qualquer informação de que o Acusado estaria traficando drogas, pelo contrário, as provas trazidas demonstram a verdade real dos fatos, qual seja, de que o Acusado é apenas usuário de drogas. A narrativa não demonstra certeza suficiente da destinação comercial das substâncias, nem qualquer prova da traficância, mas, ao revés, reforça a conclusão de que seria exclusivo para uso próprio, devendo ocorrer a desclassificação do crime denunciado, conforme precedentes sobre o tema:
DESCLASSIFICAÇÃO DO TRÁFICO DE DROGAS PARA O CRIME
DE USO PRÓPRIO (ARTIGO 12 DA LEI Nº 10.826/2003) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INSURGÊNCIA DA ACUSAÇÃO CONTRA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO PRÓPRIO - NÃO CABIMENTO - PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA COMPATÍVEL COM O CONSUMO DIÁRIO DE UM USUÁRIO - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE CONFIRMEM A TRAFICÂNCIA - SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJPR - 3ª C.Criminal - 0000567-66.2018.8.16.0038 - Fazenda Rio Grande - Rel.: Desembargador Gamaliel Seme Scaff - J. 08.08.2019) ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
APELAÇÃO CRIMINAL - Artigo 33, "caput", da Lei nº 11.343/06
- Desclassificado para o artigo 28, da mesma lei. Recurso do Representante do "Parquet" - Pleiteia a condenação nos termos da denúncia - INADMISSIBILIDADE - DÚVIDAS SOBRE O DESTINO COMERCIAL DA DROGA - DESCLASSIFICAÇÃO Inexistindo prova segura de que MANTIDA. a substância entorpecente apreendida destinava-se ao comércio ilícito, e restando demonstrada, pela prova oral colhida, pela pequena quantidade de drogas apreendidas e pelos demais elementos probatórios constantes nos autos, que as drogas seriam para consumo próprio, imperiosa a manutenção da desclassificação de tráfico para uso de drogas. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Criminal 0059882- 78.2016.8.26.0050; Relator (a): Paulo Rossi; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal; Foro Central Criminal Barra Funda - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 08/05/2019; Data de Registro: 13/05/2019)
Esta premissa é confirmada diante dos resultados
toxicológicos positivos que demonstram tratar-se de usuário, especialmente quando é de notório conhecimento de que os traficantes não fazem uso dos produtos que comercializam, conforme precedentes semelhantes:
POSSE DE DROGA PARA CONSUMO PESSOAL.
Apelo ministerial buscando a condenação do apelado pelo crime de tráfico de drogas. Impossibilidade. Desclassificação correta. Apelante preso com cerca de 8g de cocaína. Exame de dependência toxicológica com resultado positivo. Presença de outros indivíduos que não foram alcançados pela polícia no conhecido ponto de venda onde foi preso. Apelo improvido. Decretação da prescrição da pretensão punitiva. (TJ-SP 00174899320138260196 SP 0017489-93.2013.8.26.0196, Relator: Otávio de Almeida Toledo, Data de Julgamento: 06/10/2017, 10ª Câmara Criminal Extraordinária, Data de Publicação: 11/10/2017)
Tal conduta, nos termos como foi narrada, é
descriminalizada conforme artigo 28 da lei 11.343/06, in verbis: ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Ou seja, o denunciado pode ser no máximo
advertido sobre os efeitos das drogas e convidado a comparecer em programa educativo. Necessário, portanto, a instauração de incidente de dependência toxicológica, que desde já se requer.
3.4 – DA NECESSÁRIA DESCONSIDERAÇÃO DO
DEPOIMENTO POLICIAL
Toda denúncia parte de uma presunção equivocada
da autoria do Acusado, calcada exclusivamente sobre um depoimento prestado pelo policial militar. Todavia, a doutrina e a jurisprudência possuem posicionamento firmado de que o agente policial, sem qualquer acusação à sua probidade, possui conflito de interesses inafastáveis, uma vez que participou ativamente das diligências que culminaram na prisão do acusado.
Nesse sentido:
Por mais idôneo que seja o policial, por mais honesto e
correto, se participou da diligência, servindo de testemunha, no fundo está procurando legitimar a sua própria conduta, o que juridicamente não é admissível. A legitimidade de tais depoimentos surge, pois, com a corroboração por testemunhas estranhas aos quadros policiais (Apelação n.º 135.747, TACrim-SP Rel. CHIARADIA NETTO) (grifo meu)
Apelação. Tráfico de Contradição no
drogas. depoimento policial. Absolvição. 1. Os elementos de informações produzidos na fase de inquérito policial e não confirmados perante a autoridade judicial (depoimento das testemunhas da acusação), não podem ser utilizados para fundamentar uma condenação, sendo a absolvição única solução a ser implementada. 2. Apelação conhecida e improvida. (TJ-AM 02549835720128040001 AM 0254983- ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
57.2012.8.04.0001, Relator: Elci Simões de Oliveira, Data de
Julgamento: 24/09/2017, Segunda Câmara Criminal) Assim, considerando a escassa prova gerada no inquérito, constata- se que inexiste elementos suficientes a incriminar o réu. (grifo meu)
Segundo consta na (fl. 5): ‘‘o denunciado
confessou a propriedade e comercialização dos entorpecentes e que a princípio a droga era para consumo pessoal, mas que diante das dificuldades financeiras resolveu vender parte dos entorpecentes para se manter.’’ Imperioso se faz destacar as palavras do ilustre doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira (2018):
‘‘A confissão, sobretudo, não terá valor
algum quando prestada unicamente na fase de inquérito (ou administrativa), se não confirmada perante o juiz. E, mesmo quando prestada em juízo, deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos probatórios (...) Por fim, a confissão é também retratável e divisível, o que significa que o acusado poderá arrepender-se dela, se ainda em tempo, e que o juiz, dentro de seu livre convencimento, poderá valer-se apenas de parte da confissão.’’ (OLIVEIRA; Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 22ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 333) (grifo meu).
Ademais, a prova obtida por meios ilícitos não
constitui suporte jurídico capaz de ensejar sentença condenatória, ainda que corroborada pela confissão do acusado.
IV. DOS PEDIDOS
DIANTE DO EXPOSTO, requer:
1) A rejeição da denúncia, com fulcro no art. 395, I
e III do CPP; ADVOCACIA AURÉLIO Dênis Aurélio Lopes Ferreira OAB/MG 150.009
2) Caso o pedido retro não seja acolhido, a
absolvição sumária do denunciado GABRIEL MARTINS BANDEIRA, com fulcro no art. 397, II, do CPP;
3) Caso o pedido retro não seja acolhido, que ao
final seja o Acusado ABSOLVIDO, com fulcro no art. 386, VI, do CPP.
4) A juntada da procuração e declaração de
pobreza. Em caso de entendimento diverso, protesta-se desde já, por todos os meios de provas admitidas em direito, em especial a pericial a ser realizado no aparelho celular pertencente ao denunciado GABRIEL MARTINS BANDEIRA, bem como protesta pela oitiva das testemunhas, cujo rol segue abaixo, e que devidamente intimadas, comparecerão às audiências que forem designadas.