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2 — DOUTRINA NACIONAL O DIREITO DE MERA ORDENAGAO SOCIAL NO SISTEMA JURIDICO-PENAL ALEMAO HELIANA MARIA DE AZEVEDO COUTINHO Juiza Substituta 1. Intervenco mfnima do Estado eo Movimento de Descriminalizag3o Penal no Estado Social de Direito — 2. A delimitagao e conceituacao do bem juridico penal e social: atutela dos direitos individuais e sociais — 3. As doutrinas de Goldschmidt, Erik Wolf e de Eberhard Schmidt ea promulgacao das Leis de Direito Penal Econdmico de 1949 ¢ de Mera Ordenacdo Social de 1952 e de 1968 — 4. Aspectos fundamentais da Lei de Mera Ordenaao Social Alem’ (OWIG de 1968); censurabilidade, coimas, procedimento e 6rgio competente — 5. Conclusées. Bibliogratia. 1. Interven¢gao minima do Estado e 0 Movimento de Descriminalizacao Pe- nal no Estado Social de Direito O Estado Moderno passou por trans- formagées histéricas e sociais desde 0 surgimento do Estado Absolutista (Séc. XV), descrito pelas doutrinas politicas de Maquiavel e de Thomas Hobbes, até o surgimento no pés-guerra, do Estado do Bem-Estar Social. A tripartigao dos poderes esbogada por Aristételes (A Politica) foi delimitada por Montesquieu (Do Espirito das Leis) e consagrada em todas as modernas Cons- tituigdes. O estudo das formas de governo e a maior ou menor intervengdo no ambito privado e nas relacGes sociais do homem na sociedade civil é 0 “ponto inicial para a elaboragéo da Teoria da Ciéncia Juri- dica e para a Teoria da Justiga, no sentido de que esta é 0 conjunto de valores, bens e interesses para cuja proteco e mere- cimento os homens se valem do Direito enquanto técnica de convivéncia”. 1. Norberto Bobbio, A Teoria das Formas de Governo, p. 14. Durante o Estado de Policia Iluminista amplia-se a esfera da Administragao Publica com um profuso ordenamento policial sem a correspondente subordina- Go aos limites da legalidade e As garan- tias constitucionais de Direito. O advento da Revolugao Francesa e da Declaragao de Direitos do Homem e a promulgacao das Constituigdes, garantin- do os direitos subjetivos fundamentais do cidadao, marcam a triparti¢do de poderes © os principios da Legalidade e da An- terioridade da lei penal so elevados a categoria de normas constitucionais, A formagdo do Estado de Direito formal faz com que a administragdo do aparato policial e a aplicagéo da justica fiquem subordinadas a esses princfpios constitucionais. A fungao do direito penal volta-se para a protecdo preventiva de ameagas e perigos e repressiva das infra- g6es que atingem os interesses primérios tutelados pelo direito penal: direitos subjetivos, positivados em uma Consti- tuigdo? A vigéncia deste perfodo, apés 2. Jorge de Figueiredo Dias, “Jornadas de Direito Criminal”, in Periddicos do Centro de Estudos Judicidrios, p. 319, traz elucidacao ao tema ao dispor que “quando foi necessério 92 REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 a promulgagao da Constituigao de Weimar (1914), prolonga-se até a ascensio de Hitler ¢ a formagéo de um Estado Na- cional Socialista, cuja intervengéo no setor privado alarga o campo de aplica- ¢40 do Direito Penal, agambarcando as condutas contrérias as politicas estatais como ilicitas e, portanto, merecedoras de penas criminais. O aumento descontrolado de normas criminais em conseqiiéncia da repressio do Estado Hitlerista buscando impedir comportamentos contrarios a certos inte- resses sociais que visava realizar, em vez de utilizar uma adequada e diferenciadora politica de prevencao, informacéo € as- sisténcia a condutas eticamente irrelevan- tes para a ordenacio social, amplia o espectro de ac&o do direito criminal. Trata-se do fenémeno da “hipercrimi- nalizagao”, de acordo com os ensinamen- tos de Jorge Figueiredo Dias, como fruto da inflagdo incriminatéria surge a legis- lagdo penal extravagante de cardter ad- ministrativo e contetido econémico-social cada vez mais abundante, fugindo ao controle dos érgéos de fiscalizacio e repressdo, tanto do ponto de vista poli- tico-criminal como do ponto de vista dogmatico? Neste periodo, surgem muitas normas penais em branco (Blankettnormen) e normas penais incriminadoras contra as préticas econémicas e administrativas (Wirtschafts-und Verwantungsstrafen), Cujo controle é outorgado aos 6rgaos de repressio do Poder Estatal, sem respeito as garantias constitucionais e ao devido processo legal perante um Judiciério dependente e submisso as regras do Executivo ditador. Nao era possivel fa- procurar um enquadramento juridico para as ofensas a, exercicio da referida atividade po- licial da Administragio, ele foi encontrado no conceito de crime ¢ contravencdo e assim dentro do direito penal e das formas de infragao”. 3. Jorge F. Dias, idem, p. 320, zer-se uma distingdo entre sangao crimi- nal e sangao de mera ordenagao social.‘ Ap6s a derrota do Governo Nacional Socialista, surge a necessidade de uma nova ordem, adaptada 2 satisfacto das garantias do Estado Federal Democratico e Social (Sozial-Rechtsstaat consagrado na Lei Fundamental de 1949, art. 20,1), que garanta jurisdicionalmente os direitos sub- jetivos fundamentais, com uma legislagio penal forte, porém, menos abrangente no tocante a comportamentos sociais etica- mente indiferentes, que s6 afetam a politica de bem-estar social (Daseinvorsorge)> A intervencéo minima do Estado e 0 movimento de descriminalizago penal so instrumentos de politicas publicas criados para a melhor conformacao do direito penal, e também do direito admi- nistrativo e do direito econémico as exigéncias das relagdes sociais de uma sociedade dinamica e em constante mutagao. A desqualificaco de uma série de condutas consideradas ilicitas penais e a redugo do aparato policial e das investigages criminais, em relacdo a estes crimes, reduz a custosa movimen- taco da mAquina judicidria, ao mesmo tempo em que redireciona-a para persecucgdo e execugdo de sangGes aque- les ilfcitos que efetivamente afetam o bem juridico tutelado pelas leis penais e constitucionais.® 4, Ebhard Schmidt, Straftaten und Ordnungs- widrigkeiten, p. 416 ss. 5. Manoel da Costa Andrade, Contributo para o conceito de contra-ordenagdo, p. 83: “A intervengao do Estado deixou de apelar para transcendentes “raisons d’Etat’, passando a responder as reivindicagdes da propria socie- dade e a legitimar-se nela. O homem, recorda Fortsthof, “vive nao s6 no Estado mas também do Estado”. A assungio da Daseinvorsorge pelo Estado constitui assim, o fundamento e a legitimagio de reas cada vez maiores da atuagio conformadora e, por isso mesmo, potencialmente repressiva do Estado” 6. A descriminalizagio vai buscar a sua justificagao priméria e a razdo de sua forga em 2 — DOUTRINA NACIONAL. 93 2. A delimitagao e conceituagdo do bem juridico penal e social: a tutela dos direitos individuais e socials A fungao do direito penal moderno é a protecio dos bens juridicos (Rechts- giiterschutz), apartando-se das controvér- sias sobre a tutela da moral ou de padrées éticos sociais. De acordo com as pesquisas juridico- cientificas de Amelung, a delimitago e conceituagao do bem jurfdico tutelado pelo Estado deve acompanhar a evolugao histérica das transformagées s6cio-eco- némicas e mutacao da relevancia dos valores e interesses protegidos pelo ordenamento juridico vigente. Os bens juridicos tutelados pelo ordenamento penal devem estar, pois, individualizados, tendo como respaldo os direitos fundamentais descritos no corpo de uma Constituigao. Direitos subjetivos pablicos conclamados por uma ordenag4o axiolégica jurfdico-constitu- cional.” uma proposi¢o bésica da politica criminal. Proposi¢ao, segundo a qual, a politica criminal propria de um Estado de Direito Materi Social e Democritico, deve exigir do direit penal que s6 intervenha com seus instrumentos prdprios de atuagdo ali, onde se verifiquem lesGes insuportéveis as condigdes comunitérias essenciais de livre realizagdo e desenvolvimen- to da personalidade de cada homem. Por aqui somos conduzidos & problemética do ilfcito de mera ordenagio social (Jorge de F. Dias, 0 Movimento de Descriminalizagao e 0 ilicito de mera orderiagdo social, p. 232). 7. Jorge F. Dias, ob. cit, n. 2, p. 322. © bem juridico surge como imanente do sistema ou antes como nogo transcendente Aquele e, portanto, como um padrio politico criminal Gti, s6 este dltimo caminho é possivel. Para melhor compreensio do sen- tido e alcance dos bens juridicos no sistema penal alemio, principalmente, em relag&o aos crimes contra a religiéo e a moral ou o sistema politico: Karl Amelung, Recthsgiiter- schute und schutz der Gesellschaft, Frankfurt aM., Athendum, 1972. Assim, a conseqiiente subsung4o do fato social e eticamente relevante & norma incriminadora, positivada no ordenamen- to juridico-penal; a fungéo punitiva as- sumida pelo Estado aqueles que com seu comportamento reprovavel ousem con- trarié-lo, s6 devem ocorrer dentro dos pardmetros legais, subordinados aos Prin- cfpios da Legalidade estrita e da submis- so ao Poder Judicidrio de toda lesio ou ameaga a direito, Segundo Jorge F. Dias, daf derivam conseqiiéncias para a exata compreensio do realinhamento do direito penal moder- no e do surgimento do direito de mera ordenacdo social. “Em primeiro lugar, a de que nao devem constituir crimes, nem caber no objeto do direito penal, todas as condutas que no violem bens juridi- cos claramente individualizdveis, por mais pecaminosas, anti-sociais ou politicamen- te nocivas que elas se apresentem. Em segundo lugar, a de que 0 mesmo deve suceder A condutas que, violando embora um bem jurfdico, possam ser suficientemente contrariadas ou controla- das por meios nao criminais de politica social; com 0 que a necessidade social se torna em critério decisivo de interven- do do direito penal: este, para além de se limitar a tutela de bens juridicos, s6 deve intervir como ultima ratio da po- Iftica social. Em terceiro lugar, a de que bens juridicos h4 que, sendo concretizago de valores constitucionais ligados aos direi- tos, liberdades e garantias, se relacionam com 0 livre desenvolvimento da perso- nalidade de cada homem como tal, for- mando 0 corpo daquilo que com razao se designard por direito penal cldssico ou de justica. Como outros bens juridicos ha que, sendo concretizagdes dos valores constitucionais, se relacionam com a atuagao da personalidade do homem como fendmeno social, em comunidade e em dependéncia reciproca dela: ainda estes pertencem ao direito penal, em regra de cardter secundrio, especial, extravagante 94 REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 ou econémico-social. Pelo direito penal de justiga j4 no deverao ser abrangidas, porém, as condutas que, dada a sua neutralidade ético-social nao mais permi- tam uma referéncia & ordem axiolégica constitucional, mas se se entender que, apesar disso, elas devem ser contrariadas com sang6es exclusivamente pecuniérias, de cardter ordenativo, é isso sinal seguro que estamos perante contra-ordenagoes, constitutivas de um ilfcito de mera orde- nagdo social.”* Neste ponto, as constituigdes modernas consagram os direitos de primeira cate- goria: direitos fundamentais que dizem respeito ao proprio homem como espécie da raga humana, cuja vida, liberdade, propriedade sao diretamente tutelados pelo ordenamento juridico-penal dos Estados. Logo em seguida, mas com menor inten- sidade, s&o tutelados os direitos de se- gunda e terceira categoria: direitos soci- ais, coletivos, meta-individuais do ho- mem, enquanto ser vivente em sociedade, inter-relacionando-se no Ambito econé- mico, trabalhista, educacional, sanitério, administrativo e ambiental com outros da mesma espécie e, portanto, igualmente (no aspecto formal) dignos de protegao por um estado intitulado Social e Demo- cratico de Direito. Por isso, deparamo-nos, hodiernamente, com esta descriminalizagao (Entkrimina- lisierung), descrita por Klaus Tiedemann, de condutas da vida social, que fez com que no curto espaco de menos de quinze anos, o direito das mera-ordenagdes fosse convertido num reservatério de condutas (Tatensamelbecken) infracioniais de pro- veniéncia muito dispar daqueles crimes propriamente ditos. Ao lado de auténticas infragdes administrativas (v.g., violagdes de informagdo, registro, contabilidade, preenchimento de formuldrios, contra- vengées de transito etc.), apareceu — por fora de numerosas contravengdes em 8. Ob. cit. n. 6, p. 323. “contra-ordenagdes” — em especial, a extensa 4rea de pequena criminalidade. Nem faltam no mais recente direito das meras ordenagées os delitos de perigo abstrato orientado para a tutela tanto dos bens individuais como também dos su- pra-individuais. 3. As doutrinas de Goldschmidt, Erik Wolf e de Eberhard Schmidt e a promulgacao das Leis de Direito Penal Econémico de 1949 e de Mera Orde- nag&o Social de 1952 e de 1968 Propdem os Autores alemaes uma visao hist6rica, fenomenoldgica e dogmatica da divisio material (qualitativa) e também formal (quantitativa) da crescente inde- pendéncia do direito penal administrativo (Verwaltungsstrafrecht) do direito penal de polfcia ou classico (Justiz-oder Kriminalstrafrecht)? A medida em que vao se desenvol- vendo os debates doutrindrios para a caracteri-zagao do direito penal secun- dario (Nebenstrafrecht)."° Aperfeigoam- se con-cepgdes dogmético-normativas, paulatinamente, até a delimitagao do sistema do direito de mera ordenagao (Ordnungswidrigkeitenrechts) e a positivacdo de seus princfpios, regras e Pprocedimento nas Leis de Mera Ordena- 9. H. Mattes, Untersuchung zur Lehre von den Ordnungswidrigkeiten, p. 251 e ss., expoe em trabalho de pesquisa profundo sobre as controvérsias doutrindrias, que se desenvolve- ram desde a época de Feuerbach e von Liszt com a formulagao do direito penal de policia e a diferenca entre este e o direito criminal até a concep¢ao valorativa do direito para a convi- Yéncia social do homem (Begriindung des Rechts aus der sozialem Wesenheit des Menschen) os debates de Goldschmidt, Wolf e Eberhard Schmidt em prol da criago do Cédigo Penal Econ6mico e finalmente do Cédigo de Contra- ordenagSes Sociais de 1968, com as consequién- cias para a Reforma Penal de 1975. 10. Bberhard Schmidt, Strafiaten und Ordnungswidrigkeiten, p. 101. 2. — DOUTRINA NACIONAL 95 gao Social (Ordnungswidrigkeitengesetz). A maioria dos paises europeus, Itélia, Espanha, Suica, Portugal, Austria, j4 aperfeigoaram seu ordenamento juridico- penal, adotando o sistema do direito de mera ordenago social. Com a obra Verwaltungsstrafrecht publicada em 1902, James Goldschmidt abre o ciclo dos debates juridicos sobre o Direito Penal Administrativo e Direito Penal de Policia.’ A doutrina desenvolvida por esse penalista alemio concentra-se na diferen- ciago material-qualitativa das infragoes penais administrativas das de direito penal de justica. Parte Goldschmidt de uma contraposi- do entre as normas do Direito de Justica (Justizstrafrecht), que considera o ho- mem como ser individual e, conseqiien- temente, a tipicidade esta voltada para a descrigéo dos direitos juridicamente re- levantes, gerando efeitos na ordem juri- dica (Rechtsfolgen) das meras normas penais administrativas (Verwaltungsstra- frecht), que tutelam os planos sociais do Estado, considerando os individuos no seio social, com ordenamentos ou regu- lamentos administrativos (Verwaltungs- vorschriften), dando causa a atuagio do Estado-Administragao.!? O critério diferenciador entre ambos os direitos deve ser buscado na maior ou menor ameaga ou leséo aos bens juridicos tutelados por normas de direito penal ou por decretos penais adminis- 11, James Goldschmidt, Verwaltungsstraf- recht, Berlin, Carl Heymans, 1902. 12. Goldschmidt, idem, p. 222: O direito penal administrativo constitui-se materialmente de ordenamentos administrativos ptiblicos, re- guladores do bem-estar social (Wohifahrt), inte- resses coletivos e sociais da administragao soci- al da existéncia dos homens (Daseinvorsorge), enquanto do direito penal de justica esté adstrito & antijuridicidade descrita pela norma penal incriminadora, que tutela a liberdade e os interesses juridicamente reconhecidos do individuo. trativos.' Portanto, hd que se considerar o direito penal administrativo sob o prisma das infragdes de politica (Polizei- strafrecht) em termos de autonomia material e qualitativa destes direcionados contra o ordenamento do Estado-Admi- nistragao. A autonomia do direito penal adminis- trativo é, pois, relativa em relagéo ao direito penal de justiga, porquanto deste nao se aparta totalmente sendo um direito subsididrio ou secundario para as infra- gGes de cunho meramente sociais ¢ para a necessidade da preservacdo da ordem juridica estatal, de onde resultam bens tipicamente administrativos ao lado de bens juridicos primérios, ancorados em portadores individuais. Logo, “o direito penal administrativo é um filho bastardo do direito e da administragdo. Sua fonte origina-se nos decretos policiais, que sao, materialmente, apenas regulamentos ad- ministrativos no ordenamento juridico em constante mutagio”.!* A teoria desenvolvida por Goldschmidt, com o apoio de Frank, Belling, Otto Mayer, Dohna, Trops, transforma-se em um anteprojeto para a codificagio legal do direito penal administrativo, porém sem lograr éxito naquela época de grande rigidez do ordenamento juridico-penal.' Erik Wolf introduz com sua obra, 0 Lugar do Delito Administrativo Penal no Sistema Juridico Penal (1930), novos e importantes conceitos para uma mais profunda concepgéo dogmitico-juridica do direito penal administrativo.'* 13, Idem, ibidem, p. 225. 14, Goldschmidt, Begriff und Aufgabe eines Verwaltungsstrafrechts, p. 213: “nur historich zu verstehen, erscheint das Verwaltungsstrat- recht gleichsam als — sit venia verbo — Bastard von Recht um Verwaltung. Seine Hauptquelie, die Polizeiverordnungen, sind materielle Verordnungen in wesentlichen Rechtsgewande”. 15, H. Mattes, ob. cit. n. 10, p. 254 e ss, 16. Erik Wolf, Die Stellung der Verwaliuns- delikte im Strafrechtssystem Frank — Festgabe, Band 2, s. 516 ff. Deutsch. 1930. 96 REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 Sua doutrina toma por base a autono- mia material do direito penal administra- tivo, que ainda no aspecto formal estava ligado ao direito penal de justica, deven- do corresponder aos conceitos fundamen- tais e as categorias formais do direito penal: tipicidade, ilicitude, culpa (imputabilidade e censurabilidade).”” Afasta-se da teoria de Goldschmidt. Nao busca exclusivamente a diferencia- do material sobre bens jurfdicos penais e administrativos, primdrios e secundé- trios ou na fungao da justiga como ga- rantidora unica da estabilizagéo da per- sonalidade juridica do homem; enquanto a fungdo da administragao exigia a par- ticipacdo ativa do cidadao, nao bastando sua manutengdo dentro dos limites do direito. As sangdes penais ou administrativas penais diferenciam-se conforme a ilicitude da conduta do agente em rela- go ao dano individual ou social que produzem no sistema juridico. “A pena administrativa nao reage contra uma personalidade contrdria ao direito, por- quanto o autor deste delito nao se mostra socialmente danoso ou perigoso, mas socialmente descuidado ou omisso, nao cauteloso em observar as ordena- Ges impostas pelo Estado para alcangar o bem-estar social”.? O autor de um crime é um ser anti-social, perigoso, por isso necessita de uma sancdo penal, que garanta a retribuicdo ao mal cometido € que ao mesmo tempo possa resguardar a paz social. O autor de um delito administrativo, de uma lesdo, de uma norma penal em branco ou de uma ameaga ou lesdo de perigo abstrato, revela uma conduta eticamente indife- rente pela falta de zelo social; em rigor nio age ilfcita mas apenas indiferente- mente contra a ordem estatal para a manutengao do bem-estar social. (Er tut 17. Idem, ibidem, p. 560. 18. H. Mattes, ob. cit. n. 10, pp. 234 ss. 19. Idem, ibidem, p. 262. nicht eingentlich umrecht, sondern ungut, unwohl.” Destarte, a diferenga da natu- reza das sangdes ou “reages” do Estado, refletem diretamente na repressdo A con- duta produzida pelo agente, enquanto a ilicitude esté no préprio desvalor da conduta frente a um interesse, a um valor (Sein-Wesen des Rechtsstaates). Tomando por base a doutrina de Rudolf Smend e Georg Jellinek, dispde Erik Wolf em trés planos os valores tutelados pelo Estado: valores juridicos, valores da autoridade executiva e valores do bem-estar social. Desta tricotomia axiolégica do poder estatal extraem-se as sangdes, que perten- cem ao direito penal de justica ou a0 direito penal administrativo, sendo com- petente para conhecer do primeiro o Poder Judiciério; do segundo, o Poder Executivo, no sentido dos 6rgaéos que compdem a Administrago Ptiblica do Estado. O mais alto valor da Adminis- traco: o bem-estar (Wohifahrt) constitui- se em fundamento ou princfpio do direito penal administrativo, o mais alto valor juridico: a justica (Gerechtigkeit) consti- tui-se no fundamento do direito penal de justiga2! O direito penal administrativo assume uma fungio dinamica e impulsionadora da atividade do homem em sociedade, nao permitindo que este seja omisso ou socialmente descuidado; 0 direito penal de justica permanece em sua funcdo garantidora e mantenedora dos direitos individuais do homem, assumindo um papel conservador e estatico.”? Erik Wolf contribuiu para a delimita- go dos delitos de mera ordenago social € também para o conceito de delitos de bagatela (Bagatelldelikten), pela ilicitude graduada das condutas sociais e potencialidade de danos infimos para o cidadao, pelo mero descumprimento de 20, Erik Wolf, ob. cit. n. 17, p. 525. 21 © 22. Idem, ibidem, pp. 522, 585 ¢ 586. 2 — DOUTRINA NACIONAL 97 tarefas impostas a todos pelo Estado Social. A doutrina de Eberhard Schmidt, to- mando por base as ligdes dos penalistas anteriores, revelou-se proficua em seus objetivos pragmiticos, traduzindo-se na elaboragio das Leis de Direito Penal Econdmico (Wirtschftsstrafgesetz de 1949) e nas subseqilentes Leis Quadro de Mera Ordenagao Social (Ordnungs- widrigkeitengesetz de 1952, reformulada em 1968). O direito penal de ordem, ou simples- mente, direito de mera ordenagao social (Ordnungsstrafrecht) tomava por base a imposig&o de medidas sancionatérias do Estado, denominadas Geldbusse (Coi- mas)? A aplicagaéo de censuras (Gelbusse), ‘desprovidas de qualquer macula ético- social por operadores econémicos ou administrativos, funcionérios pertencentes aos quadros da Administragdo Publica, revela a natureza juridica deste instrumen- to de controle estatal, traduzida como uma adverténcia meramente ordenativa e so- cial, desprovida do sentido de expiagdo ética ou retribuigio da sangio criminal, que visa penalizar e ressocializar o agente perigoso & sociedade. Assim, ressalta Eberhard Schmidt, “a Administrago Pablica limita-se a reagir contra a desobediéncia de certos impe- rativos, visando, mediante o forte apelo 23, O nomen juris Coimas, que tomo a liberdade de citar em vdrias partes deste tra- balho, foi mencionado, pela primeira vez, pelo penalista portugués, Eduardo Correia, para caracterizar o pagamento de certas quantias em dinheiro, com o sentido de censura ou adver- téncia puramente social, diferenciando-as das multas, designativas de sanco penal pecuniéria Wireito Penal e Direito de Mera Ordenagao Social, p. 273). O Dec.-lei 433 de 27.4.82 — Lei que institui o ilfcito de Mera Ordenagao Social no Ordenamento juridico portugues, dispSe em seus arts. 1." ¢ 17 sobre a natureza da coima e sua aplicagio. em que se traduzem, tornar sensiveis as suas intengdes”.* A Comissio composta para a criagio do CP Econédmico (Wirtschaftsstrafgesetz de 1949) fez muitas criticas a definigao de um tipo especial de ilfcito (Zuwider- handlung gegen wirtschaftliche Vors- chriften) de cardter ambivalente que podia tanto ser um ilfcito penal como uma mera ordenagao, deixando uma larga margem de atuacio do legislador para a criagio de tipos abertos, que seriam preenchidos por agentes piiblicos. Estes ilfcitos foram elencados nos arts. 7 e 22 da Wirtschaf- tsstrafgesetz, sendo denominado de “fér- mula mégica” (Zauberformel) de onde extraiam-se as diferencas qualitativas para a imposigao de penas ou de coimas, de acordo com a natureza do fato (nach der Natur der Sache entsprechend).® Esta conceituagiio objetiva do ilicito ensejou a criagdo de tipos mistos de ilicito (Mischtatbestéinde), isto é, infragdes abs- tratamente qualificaveis como crimes ou contravengio em fun¢ao das circunstin- cias concretas e da apreciacio pelos Grgdos repressores do Estado. 24, Eberhard Schmidt, “Straftaten und Ord- nungswidrigkeiten, Erinnerungen an die Arbeiten de Wirtschaftsstrafrechtskommission (1947-1949)" p. 424, H. Mattes ob. cit., pp. 251 ¢ ss. faz um profundo estudo sobre a origem, natureza juridica e diferenciagto entre Geldbusse ¢ Krimminalstraf no ordenamento juridico-penal alemao. 25, Eberhard Schmidt, ob. cit., p. 423: “Ob die Wirtschaftsbehrden oder die Staatsanwalt- schaften zu bestimmen hatten, ob ein wirts- chatlicher Vertosse im Funktionsbereich der Justiz oder in dem-jenigen der Verwaltung zu erledigen sei, das ist keine rechtsstaaliche Losung der von der Wirtschasstrafrechtskommission zu meisternden Aufgabe gewesen. Von den ‘machtstaalichen Perversion de dberkommenen. Wirtschaftsstrafrechts ist nur zu loszukommen gewesen, wenn es gelang, ein fur Justiz und Verwaltung gleichermassen verbindliches, materielles, Kriterium gesetzliche festsulegen, nach welchen”, 98 REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 Para tentar solucionar a controvérsia, propée Eberhard Schmidt um critério objetivo de apreciacio da conduta do agente (censurdvel ou culpavel) para a aplicagdo da sancdo penal ou de simples coima e também a utilizagio de indices conceituais-formais para orientar 0 legis- lador em sua escolha em relagdo a zonas limftrofes entre 0 ilfcito penal e o ilfcito administrativo penal, nas quais poderia ocorrer a perda de parametros para a elaboragao do tipo de ilfcito. Este critério formal de distingo quantitativa dos ilfci- tos foi introduzido pelo art. 6 da Wirtschafisstrafgesetz de 1949.6 O desenvolvimento das doutrinas dos penalistas alemZes culminou na pro- mulgagdo em 25.3.52 da primeira Lei Quadro do Direito de Mera Ordenagdo Social (Ordnungswidrigkeitengesetz de 1952).27 Esta primeira lei quadro trouxe impor- tantes inovagdes para a conceituagao da figura da contra ou mera ordena¢ao social dentro do sistema penal, porquanto estabeleceu a autonomia do direito penal econémico-administrativo, introduzido em leis posteriores, ao mesmo tempo em que 26. Eberhard Schmidt, ob. cit, p. 426. H. Mattes, p. 179, a introdugdo destes critérios adicionais quantitativos para delimitar as zonas limitrofes ficou consagrado na Doutrina Alemd como Schmidtsche-Formel. Muitos autores ale- mies (H. H. Jescheck, H. J. Hirsch) contestam a existéncia de qualquer critério material de distinglo e fazem assentar esta, em definitivo, Go-s6 numa diferenga quantitativa, descrita pela formula de Schmidt. Porém, prefere Jorge F. Dias fundamentar sua distinggo em um critério material, antes que qualitativo entre ambos 0s ilicitos, tomando como critério a valoragao legal da conduta, ou seja, ao desvalor da conduta, indiferente eticamente, a que nao corresponde um mais amplo desvalor moral, cultural ou social, sendo, pois axiologicamente neutral (Jorge F. Dias, ob. cit, n. 2, p. 364 © notas). 27, E. Gohler, “Einfihrung des Ordnungs- widrigkeitengesetzes", pp. 9-21 estabeleceu a diferenciagéo do ilicito anti-social do ilicito criminal na andlise de cada caso e em relacéo & conduta contréria 4 norma conformadora do Es- tado, quando este intervém no dominio administrativo ou econdmico para asse- gurar 0 Daseinvorsorge do Estado Social de Direito.% A segunda Lei Quadro do Direito de Mera Ordenagdo Social, introduziu algu- mas reformas na lei anterior, principal- mente no que diz respeito a eliminagio dos tipos mistos (Mischtabesténde), que remanesciam da antiga Lei Wirts- chafisstrafgesetz de 1949, com o aperfei oamento dos procedimentos para a apli- cago das coimas, descritas as condutas e a censura correspondente em outras leis extravagantes. Como p. ex., em relaco as contravencdes de transito (Verkers- strafenrecht) e contravengdes sobre pré- ticas restritivas da concorréncia (Kartell- gesetz), que sofreram o processo de descriminalizagao.* Com a reforma penal de 1975 (EGStGB) consolidou-se 0 processo de separagdo das meras ordenagées sociais, antes consideradas contravengGes penais (ubertretungen) juntamente com os cri- 28, Para aprofundamento sobre as inovagdes introduzidas pela “Ordnungswidrigkeitengesetz- OWIG” de 1952: H. Mattes, ob. cit, p. 234 ss.; Tiedemann, ob. cit., p. 286; W. Knapp, Das Recht der Ordnungswidrigkeiten; J. Bohnert, Die Entwicklung des Ordnungswidrigkeiten- rechts, P. Hiinerfeld, A Pequena Criminalidade € 0 Processo Penal; H. H. Jescheck, Das Deutsche Wirtschafisstrafrecht. 29, H. Mattes, ob. cit, n. 10, p. 53 e ss., elenca uma série de leis administrativas que trazem em seu bojo a descrigtio de contra- ordenagdo, culminando como censura uma Geldbusse, e outras que descrevem tipos penais Vergehen, ou seja, na fronteira entre ambos ilfcitos, v.g., Atomgesetzes, arts. 45, § 1, alineas 15 e 11, § 1, alinea 1 Passgesete sind Vergehen, 58, § 1, alineas 2, 6, 8, 12 da Luftsverkehrsgesetz ¢ 12, § 1, alinea 1 da Mihlengesetz sind Ordnungswidrigkeiten, 2 — DOUTRINA NACIONAL 99 mes (Verbrechen und Vergehen) descri- tos pelo CP Alemao (StGB). Muitas foram extintas € outras transformaram-se em ilfcito de mera ordenagio.” Johannes Wessels, comentando a Re- forma Penal de 1975, dispde que a nova parte geral do Strafgesetzbuch nao mais reconhece a triparticao das infragdes penais, pois as contravengdes deixaram de existir e passaram para uma nova categoria: mera ordenagdo social, censu- raveis com uma coima (Geldbusse), de competéncia dos érgaos da Administra- ¢40 Publica. Os tipos penais constituem- se em Verbrechen, apenados com no minimo, pena privativa de liberdade de um ano ou mais (§ 12, I do StGB) e Vergehen, apenados com uma pena pri- vativa de liberdade de curta duragdo ou com pena de multa (§ 12, II do StGB), cuja competéncia para julgé-los pertence ao Poder Judiciério?" O movimento de descriminalizacéo ganhou contorno definitivo e foi positivado com a introdugao das Leis de Mera Ordenacdo, espraiando-se por todas as areas do sistema juridico alemao e, conseqiientemente, refletindo-se na me- Thor administragdo da justiga pela movi- mentagdo mais rpida da mdquina judi- cidria, que ficou livre das contravengdes e delitos de bagatela.” E importante ressaltar que sob 0 aspec- to constitucional, a nova sistemética do direito de ordenacao social e a imposiga0 de coimas pelos drgdos da AdministragZ0 Publica competentes para fiscalizarem os decretos ordenativos, foi constitucional- mente corroborada pelo Tribunal Federal Constitucional Alemao, em perfeita con- sonancia com 0 art. 92 da Lei Fundamen- tal (Grundgesetz), que dispoe sobre a competéncia do Poder Judicidrio,# 30. Gohler, ob. cit., pp. 11 e 12. 31. Johannes Wessels, Strafrecht Algemeiner Teil, p. 5. 32. P. Hinerfeld, ob. cit., p. 57. 33. “Bundes Verfassungsgericht in Beschluss von 16.7.69, N. J. W. 1969”, p. 169: 0 ponto 4. Aspectos fundamentais da Lei de Mera Ordenagio Social Alemé (OWIG de 1968). Censurabilidade. O art. 1.°da Ordnungs- widrigkeitengesetz (OWIG) conceitua a mera ordenacdo social, como sendo uma conduta ilicita e censurdvel, que preencha © tipo legal descrito em uma lei, cuja reprimenda comine uma Geldbusse. ‘A conduta é descrita como apenas censuravel (Vorwerfbarkeit), pois o desvalor da conduta praticada pelo agen- te representa uma ilicitude anti-social, eticamente indiferente e irrelevante para atingir 0 bem jurfdico tutelado pelo Direito Penal. O agente nio se conduz dolosa ou culposamente (Schuldhaft), apenas mere- ce uma censura por meio de coima por ter se omitido ou ter contrariado seu dever de cidadio dentro do Estado So- cial. A culpabilidade foi atingida diretamen- te pelo legislador, pois 0 conceito de culpa stricto sensu est4 ligado ao elemen- to ético-social relevante da tipicidade penal, que nao pode ser sancionado com uma simples Geldbusse.* central da discussio voltou-se para a compe- téncia material do Poder Judiciério (GG, art, 92), que diante do principio da Legalidade deve aplicar sangées criminais, apés 0 devido pro- cesso legal, porém a coima foi determinada para o novo ilicito de mera ordenac4o, irelevante eticamente para uma apreciagio valorativa da maquina judicidria, de interesse Go-s6 para a Administragaio Publica aplicar a Daseinvorsorge, apartando-se dos limites estri- tos do principio da Legalidade e tomando como principio Informador o da Oportunidade (Opportunitétsgrundsatz) para a atuagao discri- ciondria (Ermessenbeschluss) do agente pabli- co, quando previsto pela norma administrativa (Knapp, ob. cit., p. 612). 34, Gobler, OWIG, art, 1°: “Begriffsbes- timmung. (1) Eine Ordnungswidrigkeiten ist eine rechtswidrige und vorwerfbare Handlung, die den Tatbestand eines Gesetzes verwirklicht, das die Ahndung mit einer Geldbusse zilasst” 35. Knapp, ob. cit., p. 612. 100 Geldbusse (Coimas). O conceito de coima do art. 1. (2) é fundamental para 0 direito de mera ordenagdo. Este carac- teriza materialmente a conduta anti-social. “A coima é uma sangdo aplicada a uma conduta anti-social, descrita como tipo de mera ordenagao social por uma lei, de acordo com a alinea 1, independentemen- te do cardter censuravel do fato”.> A coima € 0 instrumento sancionatério utilizado pelo agente piblico, que por meio de uma anilise discriciondria do fato e da conduta do argilido, pode impor-lhe uma censura, uma reprimenda estabelecida por uma quantia em dinheiro prevista pela Lei de Mera Ordenacio Social (Ordnungswidrigkeitengesetz, art. 17) ou por outras leis, que descrevem a tipicidade © a coima. Procedimento e 6rgdo competente. O procedimento de aplicacdo das Geldbusse as meras ordenag6es sociais € bastante simplificado e mais célere, sem a rigidez dos principios informadores do Direito Processual Penal, bem como ndo prevé uma fase investigat6ria e outra acusatoria em Juizo. De acordo com os arts. 35 a 110 da Ordnungswidrigkeitengesetz, as medidas so aplicadas pelo agente piblico com- petente, de acordo com as leis determi- nativas de fiscalizacdo e previsio, porém, deve o funciondrio verificar se estio presentes os pressupostos subjetivos (censurabilidade) € objetivos ou materi- ais: tipicidade da conduta despida da expiacao ética para aplicagio formal da coima. A andlise destes pressupostos est adstrita a uma certa discricionariedade (Ermessen) do 6rg0 administrativo, to- mando como fundamento o Principio da Oportunidade (Opportunitétsgrundsatz, 36. Gohler, OWIG, art. 1 (2) “Eine mit Geldbusse bedrohte Handlung ist cine techtswidrige Handlung, die den Tatbestand eines Gesetzes im Sinne des Absatzes 1 vewirklicht, auch wenn sie nicht vorwerfbar begangen ist”. REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 art. 47 da Ordnungswidrigkeitengesetz- OwIG).” Se, porém, houver concurso de crime e de mera ordenacio social ou se o agente tiver de responder por ambos os delitos, intervira 0 6rgio do MP. O procedimento deve ser judicial (art. 47, Il, OWIG). Ha possibilidade de conversdo do pro- cedimento administrativo em judicial, pois o Tribunal nao esté limitado pela decisio administrativa anterior e nem tampouco a andlise material dos pressu- postos faticos para a tipicidade da mera ordenagdo, podendo o érgio do MP requisitar ‘os autos do procedimento e converté-lo em proceso criminal perante © Poder Judiciario. Abrir-se-4 ao argiiido oportunidade para defesa, apés sua cita- 0 quando da mudanga de instancia, ou melhor, de justigas (art. 81 da OWIG).* 5. Conclusdes O estudo do sistema juridico de Mera Ordenagio Social e a andlise dos prin- cipios doutrindrios introduzidos pelos penalistas alemes, constituem importan- te fonte para o aprofundamento das nossas pesquisas e para o aperfeicoamento do nosso sistema juridico-penal. Em primeiro lugar, destaca-se 0 mo- vimento de descriminalizagao iniciado no p6s-guerra na Alemanha Ocidental, que vem crescendo em importincia e se alastrando por todos os patses do con- tinente europeu, com 0 objetivo de de- limitar a intervengao do Estado no ambito privado e com 0 intuito de agilizar e reprimir crimes hediondos, tréfico de 37. Knapp, ob. cit., p. 616: “Die Verfolgung von Ordnungswidrigkeiten liegt im ptichtmassen Ermessen der Verfolgungsbehorde. Solange das Verfahren bei ihr anhingig ist, kann sie es einstellen”. 38, Para aprofundamento sobre 0 procedi- mento judicial v. Gohler E. Kapp, ob. cit., pp. 53, € 88, 615 € ss. 2 — DOUTRINA NACIONAL 101 entorpecentes e outros de alta repercus- so social, deixando para érgdos admi- nistrativos e tribunais especiais de peque- nas causas as contravengées e delitos de menor potencialidade ofensiva 4 ordem social e ao equilfbrio das relagdes eco- némicas e politicas. Dentro desta nova concepgao do direito penal, corroborada pela doutrina Social da Agio (Social- rechtslehre) seguida por modemos pena- listas alemaes como Klaus Tiedemann, Hans-Heinrich Jescheck, Johannes Wessels, Arthur Kaufmann, entre outros, atribui-se ao autor de uma infragio a culpabilidade ou censurabilidade, 4 me- dida em que sua conduta seja relevante ou nfo para a comunidade onde vive, ou seja, 8 medida em que aja com conscién- cia e vontade e com desvalor em sua conduta, desprezando os interesses rele- vantes tutelados pela Constituigdo e Leis Penais vigentes. A intervengao do Estado Moderno para reprimir e sancionar os crimes que ofen- dam bens juridicos bésicos, como a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadaos deve ser constantemente aperfeigoada e adaptada as maiores exigéncias de uma sociedade complexa ¢ influenciada por meios de comunicagao de massa, que controlam as informagées ¢ direcionam 0s costumes € 0s comportamentos so- ciais. ‘A desqualificago penal dos delitos de bagatela e das contravencdes penais, ofensivas contra o Estado Social de Direito, mereceu uma anilise ético-social profunda pelos juristas alemes, culmi- nando nas Leis Quadros de Mera Orde- nacdo Social, na adaptagdo dos érgiios da Administragao Publica e Tribunais Espe- ciais e na reformulagdo de procedimen- tos, mais simplificados e mais céleres tanto quanto mais automatizados para solucionar estes litfgios de menor potencialidade lesiva e desafogar os Tribunais ¢ Juizos de 1.*Instancia. Ambos, por sua vez, sem uma sobrecarga de trabalho, podem concentrar-se na eficién- cia e aprofundamento dos casos mais graves e na maior celeridade de entrega da prestaco jurisdicional. Em segundo lugar, hd que se fazer referéncia aos principios bdsicos de di- reito processual penal em relacio aos princfpios norteadores do direito de mera ordenagdo social. Os principios da Lega- lidade, do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa, da Oficialidade, da Individualizag3o da pena, entre outros, que garantem a defesa das liberdades publicas dos cidadaos, sio observados. No entanto, como as condutas séo con- sideradas penal e eticamente indiferentes outros principios so considerados para a devida solugdo dos pequenos litigios. Entre esses destacam-se 0 Principio da Oportunidade de apreciaco discricion4- ria pelos agentes piblicos diante dos fatos que se Ihe apresentam, da Informalidade do Procedimento, das Citagdes e Intimagdes por vias postais, da Instrumentalidade das formas proces- suais ¢ da utilizagao de critérios previstos em leis esparsas para a imposicéo das coimas por érgéos administrativos com- petentes e da apreciagéo da conduta ilfcita perpetrada pelo agente, tomando como pressupostos a censurabilidade e desvalor da conduta frente ao ordenamento social. ‘As conseqiiéncias positivas da nova estruturagéo do ordenamento juridico constitucional-penal tém sido relevantes nos paises que adotaram este direito de terceira geragdo ou de mera ordenagaio social, principalmente desafogando o intenso trabalho dos juizes e Tribunais, deslocando para érgaos administrativos e tribunais especiais 0 julgamento e exe- cugo das sangGes pecunidrias dos ilicitos de menor potencialidade ofensiva. A CF de 1988 (art. 98, I) prevé a criagio de juizados especiais, por meio de lei, para a conciliagao, julgamento e execugdo de causas civeis de infracées penais de menor potencialidade ofensiva 102 REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS CRIMINAIS — 7 por meio de procedimentos simplifica- dos. ‘A criagio dos Juizados Especiais de Pequenas Causas Civeis tem trazido bons resultados, aproximando o Poder Judicié- rio da populagao mais carente e contri- buindo para a distribuigao da justica e para o engrandecimento e revalorizacéo de nossa Instituigao dentro de um Estado Democritico de Direito. N§o obstante a previsdo constitucional para a criagdo dos Tribunais de Pequenas Causas Penais, pouco de concreto a este respeito tem sido feito até 0 momento. Destarte, as idéias esbocadas neste trabalho visam, antes de tudo, a reflexéo e ao debate para o aperfeicoamento de nossas instituigdes democraticas. E, prin- cipalmente, para mitigar as severas cri- ticas feitas & morosidade da m4quina Judicidria, porquanto poucos se lem- bram de que este Poder, como os demais no jogo de balangos e contrapesos, depende da atuagio efetiva dos Poderes Legislativo e Executivo para dar equi- Mfbrio a organizagao estatal e consolidar o primado do Estado Social e Democré- tico de Direito. Bibliografia ANDRADE, Manoel da Costa: “Contributo para 0 Conceito de Contra-Ordenagio”, in Revista de Direito Econdmico 67 (19801 1981), pp. 81-117, Lisboa, Portugal, 1981. BOHNERT, Joachim: “Die Entwicklung des ‘Ordnungswdrigkeitenrechts”, in Jura 1984, Heft 1, pp. 11-22, Deutschland. CORREIA, Eduardo: “Direito Penal e Direito de Mera OrdenacZo Social”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XLIX, pp. 257-281, Portugal, 1973. 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