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AMBIENTE E APROPRIAÇÃO
DO RELEVO
SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1. Relações Homem-Natureza e suas Implicações . . . . . . . . . 10
Conceito de Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
O Trabalho como Mediador das Relações Homem-Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Relações de Produção e Relações Homem-Natureza ..... 17
Relação Homem-Natureza no Sistema de Produção Capitalista . . . . . . . . . . . . . 21
Apropriação Privada da Natureza como Relação de Negatividade . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2. O Significado do Relevo no Estudo Ambiental . . . . . . . . . 28
Geossistema como Ponto de Partida 29
O Relevo na Análise Geográfico-Ambiental 34
Conceito de Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Síntese Evolutiva das Posturas Geomorfológicas .. ... .. 38
Geomorfologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3. Dinâmica Processual do Relevo: A Vertente comoCategoria 54
Conceito de Vertente em Geomorfologia . . . . . . . . . . . . . 55
Relações Processuais das Vertentes (As RelaçõesExternas) . . . . . . . 63
Fatores que Comandam o Balanço Morfogenético daVertente 67
Relação Vertente-Sistema Hidrográfico . . . . . . . . . . . . . 72
Da Cobertura Vegetal na Estabilidade da Vertente. ..... 74
Processos Denudacionaís Decorrentes da Apropriação e Transformação da Vertente 79
Ocupação da Categoria Vertente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
4. Derivações Geomórfïco-Ambientais e suas Implicações .. 92
Impactos Geomórfïco-Ambientais em Áreas Rurais ..... 97
Alterações Hidrodinâmicas das Vertentes em Áreas Urbanizadas e suas Implicações 113
Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
O Autor no Contexto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
INTRODUÇÃO
O presente trabalho procura chamar atenção para o significado do relevo, sobretudo como suporte
das derivações ambientais observadas durante o processo de apropriação e transformação realizado pelo homem.
Para entender tal consideração, necessário se faz partir do princípio de que o relevo se constitui
em produto do antagonismo das forças endógenas (forças tectogenéticas) e exógenas (mecanismos
morfodinâmicos), registrado ao longo do tempo geológico, e responsável pelo equilíbrio ecológico. É,
portanto, através do jogo dos referidos componentes que se estruturam o solo e sua cobertura vegetal, os quais,
associados às riquezas minerais, constituem a maior parte dos recursos responsáveis pela materialização da
produção. É evidente que o recurso por si só não poderia ser materializado ou transformado em produção se o
homem não estivesse presente na paisagem geográfica, assim como não seria possível conceber o próprio
conceito de espaço.
Após apresentar uma rápida evolução do conceito de natureza (a natureza externa e a unicidade
natureza-sociedade), procura-se demonstrar sua relação dialética com o homem (forças produtivas),
evidenciando que essa relação encontra-se vinculada às relações entre os próprios homens (relações de
produção). Portanto, ao considerar o espaço produzido social como resultado das relações entre o homem e a
natureza, procura-se justificar as possíveis implicações ambientais (relação de negatividade) pelas próprias
relacoes sociais de produção (Tópico 1). Dá-se ênfase ao modo de produção capitalista (apropriação privada da
natureza) como forma de dilapidação da capacidade produtiva da terra.
Num segundo momento, procura-se evidenciar o relevo como componente do estrato geográfico que
reflete o jogo das interações naturais e sociais. Demonstra-se a importância da ciência geográfica nos estudos
ecológicos, uma vez que se dispõe dos métodos necessários e informações cientificas sobre o meio natural e seus re-
cursos, bem como o seu aproveitamento econômico pelo homem (relações com as leis específicas da natureza como
forma de servir-se dela e de seus objetivos).
A geomorfologia, por sua vez, como integrante da análise geográfica e responsável pela
compreensão do comportamento do relevo, fundamentando-se na noção de "fisiologia da paisagem", procura
evidenciar, de uma forma dinâmica, as derivações ambientais resultantes do processo de apropriação e
transformação do relevo ou de suas interfaces (como a cobertura vegetal) pelo homem (Tópico 2). Esse fato oferece
um significado social à geomorfologia, com consequente interesse para a ciência geográfica.
No terceiro tópico, utilizando-se o conceito de vertente (a vertente como categoria central da
estrutura do pensamento) e das relações processuais (processos morfogenéticos e pedogenéticos), procura-se
oferecer algumas noções elementares necessárias à compreensão da dinâmica do relevo. Procura-se mostrar ainda
que, através da apropriação e transformação da natureza pelo homem, inicialmente através da exploração biológica,
tem-se a ruptura do equilíbrio climáxico (relação entre o potencial ecológico e exploração biológica), originando
implicações resistásicas.
Após considerações a respeito dos fenómenos externos, procura-se demonstrar o significado das
relações internas, que individualizam a essência da categoria vertente, que juntos (fenómenos e relações) representam
o conteúdo da paisagem.
Finalizando (Tópico 4), são apresentados alguns exemplos de estudos de caso, em que o processo de
ocupação das vertentes e demais compartimentos tem produzido impactos ambientais, momento que se aproveita para
se considerarem as implicações políticas e económicas nos efeitos de degradação registrados (concepção
malthusiana dos "azares" da natureza). Ao mesmo tempo em que se propõem algumas alternativas, preventivas e
corretívas, fundamentadas em uma técnica natural, chama-se a atenção para a necessidade da organização da
sociedade, sobretudo da classe trabalhadora que sofre os efeitos diretos das contradições próprias do sistema de
produção capitalista, em defesa dos valores ambientais, obrigando assim, conforme Contí (1986), "o capitalismo a
fazer algo que não pode realizar sem se contradizer ostensivamente".
Os fundamentos metodológicos da análise geomorfológica foram desenvolvidos com base nos níveis
sistematizados por Ab'Sa-ber (1969); procura-se demonstrar o significado do compartimento topomorfológico e de sua
estrutura superficial (ou formação superficial) na forma ou maneira de ocupação, considerando-se sobretudo os efeitos
processuais determinantes. Tal análise tem por objeti-vo alertar para a necessidade de preservação de certos
compartimentos, independentemente da "espontaneidade" que caracteriza os anseios do sistema de produção
capitalista; ou independentemente de tratamentos técnicos sofisticados e caros, que muitas vezes têm por objetivo
exclusivo fortalecer os interesses do próprio capital em detrimento das necessidades reais da sociedade. Pretende-se,
ainda, aleitar para a necessidade de uma preocupação constante com o processo de ocupação de compartimentos
considerados "favoráveis", observando-se sempre a importância das relações processuais.
Antes de se iniciar uma análise específica são indispensáveis algumas considerações. É preciso refletir
sobre o conceito de "natureza", fundamental ao direcionamento da ciência, que incorpora a teoria integral do
espaço.
CONCEITO DE NATUREZA
Esse conceito tem sido utilizado largamente tanto pela ciência natural como pela social. Contudo, pouca
discussão metodológica tem acontecido nos últimos anos.
Tal descuido tem sido considerado consistente com a prática contemporânea da ciência e com a sua
auto-imagem. Para Smith & O'Keefe (1980), a "ciência natural" é uma relíquia histórica, que aparece nos séculos
XVI e XVÜ, com a necessidade de apropriação da natureza pela indústria, refletindo essa necessidade
concretamente por continuar posicionando a natureza como totalmente externa à atividade humana. "No preciso
momento em que a natureza estava sendo teorizada como externa, contudo, o último vestígio dessa extemalidade
estava sendo praticamente destruído."
A tradição positivista pressupõe que a natureza existe nela e por ela mesma, externa às atividades
humanas. Assim, além de extema, o paradigma positivista revela uma concepção dualística da natureza.
Conforme os autores considerados, a concepção positivista de natureza é dada
dualisticamente, contraditoriamente, por um dos três principais caminhos:
a) A "natureza" é estudada exclusivamente pela ciência natural, enquanto a ciência social
preocupa-se exclusivamente com a sociedade, a qual não tem nada a ver com a natureza;
b) A "natureza" da ciência natural é supostamente independente das atividades humanas,
enquanto a "natureza" da ciência social é vista como criada socialmente. Portanto, permanece uma
contradição da natureza real, que incorpora a separação entre o humano e o não-humano;
c) A terceira contradição dispersa a natureza humana dentro da natureza externa. O
comportamento humano é regido pelo conjunto de leis que regulam os mais primitivos artrópodes. Essa
visão determinista é defendida pelo darwinismo social e grande parte do behaviorismo. Na prática,
observa-se que a natureza humana demonstra o seu domínio sobre as "leis da natureza" no processo de
apropriação.
Marx, que elaborou uma teoria não-sistemática da natureza, oferece uma alternativa
unificada e não-contraditória de natureza. Essa teoria, elaborada como crítica à economia política
clássica, é comumente chamada de materialismo histórico, por ter a história como unidade com a
natureza. É através da transformação da primeira natureza em segunda natureza que o homem produz os
recursos indispensáveis a sua existência, momento em que se naturaliza (a naturalização da sociedade)
incorporando em seu dia-a-dia os recursos da natureza, ao mesmo tempo em que socializa a natureza
(modificação das condições originais ou primitivas).
Considera, portanto, a natureza em dois momentos, cuja transição acontece ao longo da
história, através do processo de apropriação e transformação realizado pelo homem. "A história pode
ser considerada de dois lados, dividida em História da Natureza e História dos Homens. No
entanto, esses dois aspectos não se podem separar " (Marx, 1970).
Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é
relacionada material e idealmente com a atividade social. A "primeira natureza" é entendida como
aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geoecológicas encontram-se
caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. Ë
todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais - alterações climáticas, atividades
tectônicas... - onde as próprias "leis da natureza" respondem pelo reequilíbrio de fases resistásicas. Essa
natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o "alvorecer" da
existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa
escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana.
Com o aparecimento do homem, em algum momento do pleistoceno, a evolução das forças
produtivas vai respondendo pelo avanço na forma de apropriação e transformação da "primeira na-
tureza", criando a "segunda natureza". Assim, conclui-se que a história do homem é uma continuidade
da história da natureza; não / existindo, portanto, uma concepção dualística de natureza, onde a i
segunda natureza é vista como primeira.
As leis que regulam o desenvolvimento da segunda natureza, não são, ao todo, as que os
físicos encontram na primeira natureza. Elas não são leis invariáveis e universais, conforme observam
Smith & O'Keefe (1980), uma vez que as sociedades estão em curso, constantemente se transformando
e se desenvolvendo.) Daí se conclui que a forma de apropriação e transformação da natureza é
determinada pelas leis transitórias da sociedade.
Em síntese, a dialética de Marx é uma maneira de pensar completamente diferente da lógica
formal da ciência positivista. Descreve a produção como um processo pelo qual a natureza é alterada.
... É uma eterna necessidade material imposta, sem a qual não podem existir trocas
materiais entre os homens e a natureza e, portanto, a vida (Marx, 1967, p. 43).
Trata-se, portanto, de um processo de produção da natureza, onde a natureza e o homem se
integram e interagem. Esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem, coloca
em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção da natureza numa
forma adaptada às suas próprias necessidades. "Por assim agir no mundo externo e mudando-o, ele ao
mesmo tempo muda sua própria natureza" (Marx, 1967).
A natureza, conforme expressou Engels (1979, p. 33), é:
A atividade do homem entra em relação produtiva e cognos-citiva com a natureza através do trabalho,
o que o difere dos demais animais; ele transforma a natureza em objeto da própria consciência teórica.
Ainda, com relação ao trabalho, dizem os economistas que é a fonte de toda riqueza.
O modo como os homens se relacionam com a natureza depende do modo como os homens
se relacionam entre si. "Para produzir, os homens contraem determinados vínculos e relações; através
desses vínculos e relações sociais, e só através deles, é que se relacionam com a natureza" (Marx, 1967,
p. 441).
Em síntese, pode-se concluir que os fenómenos resultantes da relação homem-natureza
encontram-se determinados pelas relações entre os próprios homens, em um determinado sistema
social, conforme esquema:
P o r t a n t o , a transformação da natureza pelo emprego da técnica, com finalidade de
produção, é um fenómeno social, representado pelo trabalho. Daí se infere que as relações de produção
entre os homens mudam conforme as leis, as quais implicam a formação econômico-social e, por
conseguinte, as relações entre a sociedade l e a natureza.
Para melhor compreensão de tais fenómenos, necessário se faz observar as relações
evidenciadas nos diferentes modos de produção. Inicialmente, deve-se considerar a base ou infra-estrutura do
modo de produção, comandada pelas relações de produção. Conforme se observou, as relações de produção
referem-se às relações entre os próprios homens, responsáveis pelas relações de trabalho, forma de propriedade e
relações de distribuição e troca nos diferentes sistemas.
As forças produtivas, por sua vez, que tratam das relações do homem com a natureza, correspondem a
determinadas relações de produção, evidenciadas nas diferentes fases da história da humanidade. Os elementos internos
das forças produtivas são justificados por duas grandes categorias analíticas: a força de trabalho e os meios de
produção, onde se inserem o objeto de trabalho (a própria terra) e os instrumentos de trabalho, que se encontram numa
dependência direta do grau de desenvolvimento cientffico-tecnológico (fig. 1).
Portanto, é nas forças produtivas da base do sistema que se evidenciam as relações entre o homem e a
natureza que, através do trabalho, respondem pela produção material do espaço. Tais forças produtivas, conforme se
considerou, vinculam-se às relações de produção, determinantes das relações de trabalho e da forma de
propriedade nos diferentes meios de produção.
As relações de produção (relações homem-homem), ao mesmo tempo em que implicam as relações entre o
homem e a natureza (forças produtivas), respondem pelo comportamento da superestrutura (concepções político-
jurídicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e suas instituições correspondentes, representadas pelo próprio
Estado).
Deve-se observar, contudo, que as forças produtivas são os elementos mais dinâmicos e
revolucionários da produção e que também a superestrutura não é algo passivo. Enfim, as forças produtivas, em sua
unidade dialética com as relações de produção, constituem a base material do modo de produção que caracteriza
cada época histórica. Ou ainda, enquanto as forças produtivas respondem pelo conteúdo do processo produtivo, as
relações de produção caracterizam a forma económica e social do referido processo (fig. 1). "Só no quadro dessas
relações económicas (relações de produção), nem sempre tangíveis e visíveis, existe a relação dos homens com a
natureza e tem lugar a produção social" (Ilíne & Motiliov, 1986).
Ainda, partindo do princípio de que enquanto o conteúdo da base material (forças produtivas) não se
constitui em fator de mudança radical da sociedade, o que é justificado pelo estágio em que se encontra, entende-se
que a forma (relação de produção) assume papel de domínio no sistema de relações sociais, o que é corroborado pela
superestrutura ideológica. Assim, admite-se que o meio natural é o substrato em que as atividades humanas respondem
pela organização do espaço, conforme os padrões económicos e culturais. Portanto, quanto maior o avanço científico-
tecnológico de um povo, menores serão as imposições do meio natural e maiores as transformações acontecidas, o
que implica o próprio comportamento ambiental.
A história do homem tem demonstrado a procura permanente de sua harmonia com a natureza, o que
não exime a degradação ambiental de ser considerada também histórica: inicia com a agricultura predatória na
África (6.000 a.C.), continua com a quebra do equilíbrio natural decorrente da substituição da população nómade
pela sedentária, como nas estepes da Ucrânia e América e intensifica-se com a implantação do sistema capitalista.
Em 1844, Engels, referindo-se à classe operária, mostrava quanto a atmosfera de Londres ou Manchester era mais
pobre de oxigénio e mais rica em gás carbónico do que a atmosfera do campo (Biolat, 1977).
Essas transformações são relativamente rápidas se comparadas com o estágio evolutivo da natureza.
Basta imaginar que os homens, lavrando a terra todos os anos,
reviram uma massa três vezes maior que todos os produtos vulcânicos jorrados
durante o mesmo tempo das entranhas do solo. Durante os últimos cinco séculos, a humanidade
extraiu do subsolo pelo menos cinquenta bilhões de toneladas de carvão e dois bilhões de toneladas
de ferro. Durante o último século, as fábricas adicionaram à atmosfera, cerca de 360 bilhões de
toneladas de gás carbónico, o que aumentou o seu teor em cerca de 13%. Calcula-se que a
quantidade de gás carbónico atualmente adicionada à atmosfera chegue a aumentar a
temperatura média de um grau a um grau e meio (Podossetnik & Spirkine, 1966, p. 16).
A forma de apropriação e transformação da natureza responde pela existência dos problemas ambientais,
cuja origem encontra-se determinada pelas próprias relações sociais. Ou conforme Biolat (1977), "o homem, ao
atuar para modificar a natureza, provoca, por sua vez, efeitos sobre o seu pensamento, o que acarreta a necessidade
de novas relações entre os homens, para melhor dominar a natureza". Em síntese, conclui-se que uma nova estrutura
sócio-econômica implantada em uma região implica uma nova organização do espaço, que por sua vez
modifica as condições ambientais anteriores. Ou ainda conforme Tompes da Silva (1988), a ausência de um
equilíbrio ou harmonia na relação homem-natureza decorre em primeiro lugar
A utilização espontânea da natureza, onde está implícita a dilapidação de suas riquezas, esboçou-se
nas primeiras etapas da história da sociedade e se acentuou na época feudal, porém, alcançou um grau máximo no
curso da sociedade capitalista. ^'O capitalismo cria a grande produção e a competição, que levam aparelhada a
dilapidação da capacidade produtiva da terra" (Marx, 1967). Ou ainda, conforme Frolov (1983, p. 19),
no capitalismo, a produção material se inspira na obtenção de benefícios; é um
processo de desenvolvimento das forças produtivas imanentes que não se conjuga com as
necessidades e demandas do indivíduo real, nem com as possibilidades e os limites da natureza
exterior.
Conforme Duarte (1986, p. 47), no capitalismo, "quanto mais o trabalhador se apropria da natureza,
mais ela deixa de lhe servir como meio para o seu trabalho e meio para si próprio".
A título de exemplo, no sistema de produção capitalista, as relações de trabalho respondem pela
exploração da força de trabalho (trabalho assalariado, cujo pagamento não corresponde ao produzido, gerando "mais-
valia"), e a forma de propriedade dos meios de produção é privada. Apenas a força de trabalho não se caracteriza
como propriedade do capital, o que processa verdadeiras maquinações das relações de produção, como a criação do
exército de reserva, que implica a relação.oferta-procura, e consequente controle salarial do trabalhador. Trata-se
portanto, de uma relação de classe, tendo de um lado o proprietário do dinheiro ou da mercadoria, e de outro, homens
que não possuem nada senão sua própria força de trabalho.
No capitalismo dependente e excludente como o brasileiro, tais considerações se agravam. Se por um
lado o Estado é permeável às determinações do capital estrangeiro, o que pode ser justificado pelo grau de
dependência gerado pela dívida externa, por outro, encontra-se subordinado aos interesses do capital interno, como o
dos grandes latifúndios ou grandes grupos económicos. A imposição ao direito da propriedade é tal que acaba
obstando a possibilidade de uma reforma agrária, apesar de esta se constituir em alternativa para a própria evolução
capitalista. A ação governamental encontra-se fundamentada na legislação vigente, que tem por função, proteger o
capital. Portanto, o Estado exerce a violência que legitima os privilégios de classe.
A filosofia idealista, por sua vez, impede uma visão da estrutura aqui apresentada, procurando
justificar os efeitos através de causas indiretas, o que automaticamente é repassado ao desenvolvimento científico.
Como exemplo, as ciências humanas sempre foram relegadas a um segundo plano (ao contrário das ciências ditas
"nobres"), por terem tido uma função inútil, quando na realidade possuem uma importância fundamenta] no
desenvolvimento da consciência social. A geografia desde sua sistematização como ciência sempre serviu ao
poder, o que levou Lacoste (1976) a assinalar a dupla função histórica que sempre a caracterizou: a geografia do
poder, aquela utilizada pelas forças armadas, com objetivo estratégico-político; e a geografia dos professores, que foi
introduzida na vida académica por Vida! de La Blache, no século XIX, na França. O próprio sentido da geografia
possibilista lablachiana demonstra sua função servil, ao combater a geografia determinista alemã (Ratzel),
utilizando-se da neutralidade científica. Portanto, a neutralidade científica, que é uma postura filosófica com finalidade
de mascarar a realidade objetiva, foi e continua sendo difundida com base nos pressupostos positivistas. As
pesquisas, por sua vez, nessa visão de neutralidade, ou são inúteis ou possuem a finalidade de contribuir para a
geografia do poder, relegando o sentido social da ciência, deixando de contribuir para o desenvolvimento de uma
consciência critica.
Como se observa através da própria evolução do pensamento cientifico, a geografia tem sido resistente
ao conceito contraditório de "natureza", sobretudo a partir do momento em que se interessa pelas relações entre o
homem e a natureza.
Assim sendo, o caráter dual imposto pelo modo de produção capitalista tem se constituído em recurso
ideológico para falsear a relação dialética entre o homem e a natureza e, por conseguinte, impedir a participação da
força de trabalho no processo produtivo. Como a sistematização tanto da geografia como da própria geomor-fologia, a
ser considerada oportunamente, acontece com o processo de expansão capitalista (fins do século XVIII), toma-se
evidente a vinculação da estrutura filosófico-ideológica voltada aos interesses do capital. Isso tem sido repassado
por diferentes gerações, respondendo pelo processo de alienação em detrimento da formação crítica da consciência
social.
A mesma estratégia ideológica pode ser sentida com relação ao processo de importação de cultura,
podendo este ser exemplificado através do prestígio da música estrangeira e a carência de recursos para a produção da
cultura nacional.
Por outro lado, a mídia tem sido importante instrumento do sistema, contribuindo para a deformação
da personalidade. A ideologia capitalista, sob enfoque positivista, convence as "massas" de que o aumento
dos conhecimentos técnicos e o desenvolvimento industrial se constituem, automaticamente, em bem-
estar social, deixando de observar "de quem".
Na realidade, capital e trabalho são antagónicos, uma vez que o capital é gerado pela
exploração do trabalho ao entrar em contradição com a natureza. "Como o processo de trabalho é uma
relação homem-meio, apontada para o lucro pela via de produção de mercadorias de baixo custo, a
relação é de predação" (Moreira, 1981).
Estudos realizados nos últimos anos, para compreender a essência da revolução científico-tecnológica
contemporânea e seus impactos sobre o meio ambiente, têm estendido os limites do conceito de ecologia,
introduzindo na ciência, junto com outros, os termos "ecologia do homem" e "ecologia da sociedade", e atri-
buindo um conteúdo vago às relações entre o homem e a natureza (Guerasimov, 1983). Observa-se portanto, um
processo de "ecolo-gizaçáo" das ciências naturais e sociais contemporâneas.
Tais investigações, por mais diversos que sejam os objetivos do estudo, procuram analisar os vínculos
existentes entre o meio ambiente, o homem e a sociedade.
... somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a natureza como um
conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza; nós lhe
pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; estamos no meio dela; e todo o
nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que levamos sobre os demais seres de poder chegar
a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.
Embora a terra possa ser considerada um enorme sistema, encontra-se representada por três
subsistemas integrados: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico (fig. 2).
Na zona de interação dessas três unidades ocorre a vida (subsistema biosférico). Numa relação direta
do sistema natureza em relação ao homem, Gregoriev (1938) considerou o estrato geográfico da terra
composto pela crosta terrestre, hidrosfera, baixa camada da atmosfera (troposfera), cobertura vegetal e
reino animal que, em conjunto, definem os ambientes onde vivem os homens socialmente. Ou ainda,
conforme Mine (1987, p. 16), a natureza "é um palco iluminado pelo sol, onde coexiste uma série de
formas de vida, através de numerosos fenómenos biológicos, químicos e físicos que se integram e se completam
alimentando-se reciprocamente". Portanto, refere-se a um conjunto de ecossistemas em equilíbrio dinâmico, em
que qualquer intervenção num ponto do sistema repercute no conjunto.
A intervenção dos referidos subsistemas não pode, portanto, ser entendida de forma dissociada, uma vez
que implicaria a ruptura das relações processuais como um todo, proporcionando uma abordagem metafísica.
Assim, todo conjunto pertence a um sistema, cujas ações e reações estão condicionadas pela matéria (em seus três
estados) e pelas fontes energéticas (internas e externas).
A interdependência das unidades consideradas foi tratada por Kalesnik (1958) em artigo que destaca o
significado da geografia física como ciência de integração. Utiliza-se do conceito de "Landschaft-esfera" como
objeto da geografia física, onde a referida integração é vista através das leis geográficas gerais da terra, ou leis da
Landschaft-esfera, que são: 1) integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura; 2) existência dos
fenómenos circulares da matéria e energia; 3) presença do ritmo em seus fenómenos; 4) coexistência da estrutura da
Landschaft-esfera de particularidades zonais e azonais; e 5) continuidade de sua evolução, cujo resultado é a luta dos
processos exógenos e endógenos.
Através das leis que compõem a Landschaft-esfera evidencia-se a interação de um sistema material único
e integral. Tal fato pode ser compreendido através da "relação entre o clima e o relevo, o clima e a formação dos solos,
o clima e mundo orgânico...". Nesse sistema geral de relação, o homem está presente, desempenhando papel
considerável no movimento circular das substâncias da terra.
Os processos circulares são os grandes responsáveis pela dinâmica processual, podendo ser
caracterizados pela circulação atmosférica, o ciclo da água e uma infinidade de outros exemplos. Devem ser vistos
como sistemas abertos, considerando-se a troca de energia e matéria existentes entre os diferentes componentes, ou
conforme o autor, "seria preferível representá-los simbolicamente como uma curva traçada em pontos de
circunferência de uma roda que gira em linha reta".
Os fenómenos rítmicos (diurnos, sazonais, anuais...) caracterizam as diferenças nas relações internas da
paisagem. Por exemplo, cada paisagem apresenta um ritmo anual e sofre mudanças de acordo com as estações.
A zonalidade, por sua vez, resulta dos fenómenos que se processam na superfície do globo, sendo a
forma da terra e sua posição em relação ao sol, as causas principais dessas diferenciações. Além disso, a repartição
irregular entre terra e água, diferenças térmicas das correntes marítimas, além de outros fatores, fazem com
que a natureza não se pareça com a matemática. Apesar das determinantes exógenas nas diferenciações zonais - o
que faz entender a zonalidade de forma dinâmica -, deve-se considerar ainda as implicações endógenas, como
as forças tectogenéticas, que caracterizam os processos azonais.
Por último, observa Kalesnik (1958), através da continuidade da evolução, que a "Landschaft-esfera
desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As influências externas, como a radiação solar, criam as
condições de seu desenvolvimento". Ou ainda, a origem e evolução dinâmica da Landschaft-esfera resulta do en-
contro de inúmeras tendências antagónicas que nela se acham unidas.
O homem se faz presente nesse sistema geral de relações, exercendo grande pressão sobre o meio
geográfico e influenciando o movimento circular das substâncias da terra. Isso pode responder por alterações dos
fenómenos rítmicos (disritmias), os quais, ampliando a escala de abrangência, poderão influenciar na dinâmica
zonal, e em última instância, ter implicações na manutenção do equilíbrio dinâmico e conseqüentemente na
continuidade da evolução da Landschaft-esfera.
Bertrand (1968), a ser melhor considerado adiante, incorpora os diferentes subsistemas - litosfera,
atmosfera e hidrosfera - no conceito de "potencial ecológico" (relevo, clima e hidrologia), enquanto a biosfera
vincula-se à "exploração biológica" (vegetação, solo e fauna). O equilíbrio existente entre o potencial ecológico e a
exploração biológica caracteriza o "equilíbrio climáxico", muitas vezes rompido pela intervenção do homem na
"exploração biológica" (por exemplo, o desmatamento para o desenvolvimento de determinado projeto).
Se por um lado a análise dos sistemas naturais é comandada pelas leis da própria natureza, sua
apropriação pelo homem (produção da natureza) responde por intervenções que muitas vezes afetam de maneira
significativa a atividade do sistema (segunda natureza). Portanto, as propriedades geoecológicas convertem-se em
propriedades sócio-reprodutoras (como suporte ou recurso), momento em que surgem as consequências
ambientais. Deve-se acrescentar que a escala de abrangência de tais problemas aumenta numa relação direta ao
processo e modo de produção, quando os homens contraem determinados vínculos e relações sociais.
Em síntese, é preciso oferecer subsídios ao conhecimento sistemático dos sistemas naturais,
procurando entendê-los sempre num processo de interação e interconexão, onde o homem se faz presente.
Portanto, o conhecimento sistemático dos subsistemas deve envolver questões relativas à atmosfera, hidrosfera,
litosfera e biosfera, tendo o homem como agente responsável pela organização do espaço produtivo social.
Apesar de as considerações serem lógicas e tais conhecimentos integrarem a maior parte dos
currículos do curso de geografia, deve-se observar a necessidade de serem estruturados segundo as
preocupações ambientais, como as alterações físicas e químicas dos solos, a contaminação das águas
superficiais e lençóis freáticos, as disritmias pluviométricas e efeitos de deserti-ficação, a ocupação das vertentes e
processos morfogenéticos resultantes...
Em síntese, ao se procurar abordar as derivações ambientais processadas pelo homem, deve-se
entender que tudo começa a partir da necessidade de ele ocupar determinada área, que se evidencia pelo
relevo, ou mais especificamente, individualiza-se pelo elemento do relevo genericamente definido por vertente.
Assim, a ocupação de determinada vertente ou parcela do relevo, seja como suporte ou mesmo recurso,
conseqüentemente responde por transformações do estado primitivo, envolvendo desmatamento, cortes e demais
atividades que provocam as alterações da exploração biológica e se refletem diretamente no potencial ecológico.
O relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das
interações naturais e sociais. Refere-se, ainda, ao produto do antagonismo entre as forças endógenas e exógenas, de
grande interesse geográfico, não só como objeto de estudo, mas por ser nele - relevo - que se reflete o jogo das
interações naturais e sociais.
CONCEITO DE GEOMORFOLOGIA
Antes de se fazer qualquer comentário a respeito do assunto, convém apresentar algumas considerações
do que seja a geomorfologia. Trata-se de um ramo principal da geografia, ainda de pouca divulgação popular, apesar
da importância social de que se reveste, sobretudo quanto às questões ambientais.
A conceituação dificilmente será feita através de uma análise etimológica da palavra, lembrando que seu
campo de estudo é restrito que o sugerido (limitações positivistas), conforme bem lembrou Sparks (1972).
O "estudo das formas do relevo" não se restringe apenas à ciência geomorfológica, como por um
número razoável de outras ciências, entre as quais deve-se considerar a geologia, a geodésia, a
geofísica e a própria geografia. Entretanto, a forma como propõe e desenvolve a análise do relevo é
própria, definida a partir da obra de James Hutton (1726-1797), primeiro grande fluvialista e criador da
teoria do "atualismo".
Entendida como uma ciência que busca explicar dinamicamente as transformações do geo-
relevo, portanto, não apenas quanto à morfologia (forma) como também à fisiologia (função),
incorporado organicamente ao movimento histórico das sociedades, é natural que sua vinculação com a
geografia é mais que justificável. Como responsável pelo entendimento das relações do geo-relevo,
constitui-se em importante referencial para a manutenção e estruturação dos sistemas físico-naturais
diante das transformações sociais, o que justifica a sua função ambiental.
Quanto ao significado da geomorfologia para a geografia, Hamelin (1964) entende que se
encontra determinado pela opinião que se tem da própria geografia. Para muitos geógrafos "a morfo-
logia não deveria ser nem sistemática, nem necessariamente genética - isto é, descrição e explicação do
relevo em si -, mas seletiva e funcional. Nessa ótica só se faz geomorfologia aquém de um certo ponto,
o limiar da incidência geográfica; a morfologia é, então, simplesmente um meio. Não é, pois, todo o
relevo que se tenta compreender, mas somente o seu coeficiente de intercâmbio geográfico" (Hamelin,
1964, p. 8). Na ótica dessa geografia global (simples prolongamento da geografia clássica), far-se-ia
menos a geomorfologia especializada, porém, mais frequentemente, a geomorfologia funcional. "Esta é
um pouco a geomorfologia de todos."
Diante da tendência de se ver uma geomorfologia puramente parcial, na ótica de uma
geografia global, o autor (Hamelin, 1964) entende que a mesma geomorfologia poderia ser vista de
maneira
diferente em uma geografia total, ou seja, ao mesmo tempo mo-noísta e pluralista. Portanto,
enquanto o monoísmo permitiria a unidade da geografia (preocupação dos soviéticos, como Anuchin, 1962), o
pluralismo ofereceria um estudo mais intensivo das disciplinas que compõem a área física, como a geomorfologia.
Esta, em vez de estudar somente as relações entre o relevo e o homem, ampliaria seu objetivo além dos aspectos
genéticos defendidos pela geografia clássica (geomorfologia integral - estudo do relevo sob todos os aspectos).
Para Hamelin (1964), a geografia global relaciona-se sobretudo com o método, enquanto a geografia total relaciona-
se muito mais com a divisão do objeto (estudo de maior profundidade).
Assim sendo, a geomorfologia seria feita em dois graus: "no primeiro, os especialistas do relevo irão
produzir uma geomorfologia completa em que alguns aspectos poderão auxiliar a solução dos problemas
geomorfológicos dos geógrafos globais; no segundo, estes últimos somente farão uma geomorfologia parcial, menos
exigente e mais funcional para a geografia dos conjuntos" (Mackay, 1961).
Tal proposição (Geomorfologia parcial) parece romper a sequência metodológica do conhecimento
geomorfológico, deixando de fundamentar o terceiro nível de integração preconizado por Ab'Saber (1969), ou
seja, o da "fisiologia da paisagem", a ser abordado adiante.
Segundo Hamelin (1964, p. 14) a geomorfologia integral, ou tomada em sua totalidade, deve envolver o
estudo do relevo sob todos os seus aspectos, descrição dos fenómenos elementares,
tipos de formas e de relevo, trabalhos de laboratório e estágios sobre o terreno, estudo-montagem,
história geológica, estrutura, processos, condições, variações morfòclimáticas, nomenclatura,
geomorfologia aplicada, geomorfologia comparada, fatos regionais e estabelecimento de cartas de
conjunto e detalhadas, questões propostas a outras ciências tais como a geografia global,
climatologia, hidrologia, ciências dos solos e dos vegetais.
37
36
"O estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da geologia, ora da geografia, quanto
ao objeto, e tem se desenvolvido ora apoiado em uma perspectiva teorizante, ora em uma base empirista, quanto à
forma de abordagem" (Abreu, 1985, p. 154). Enfim, depende da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo,
observando-se as reais necessidades do homem, a quem a ciência deve servir. Hartshorne (1939) deu grande
importância a esse tema. Russell (1949) e Bryan (1950) publicaram ensaio a respeito do significado de uma
geomorfologia geográfica, Wooldridge & Morgan (1946) registraram a pertinência da climatologia e geomorfologia em
suas aplicações, no campo da geografia. Bunge (1973) lembra o papel da geografia física e da própria geomorfologia
como fonte de leis e padrões de comportamento espacial.
A seguir será apresentada uma síntese evolutiva do conhecimento geomorfológico, a partir de sua
sistematização, fundamentada em estudo desenvolvido por Abreu (1983).
Precipitação
Car W. M. W. Penck
acterísticas Davis (1899) (1924)
Rel Início da Intensida
ação Soergui- denudação (co- de de denudação
mento/Denudaç mandada pela incisão associada ao
ão fluvial) após fim de comportamento
ascensão crustal crustal
Pro Evoluçã Evolução
cesso Evolutivo o morfológica de por recuo paralelo
cima para baixo das vertentes (wea-
(wearing down) ring back)
Está Peneplan Superfíci
gio Final ou ização (formas e primária Oenta
Parcial da residuais: monad ascensão compensada
Morfologia rocks) pela denudação).
Não haveria
produção de elevação
real da superfície
Car Fases Processo
acterísticas antropomórficas: s de declividades
Morfológicas juventude, laterais das
maturidade e vertentes: convexas,
senilidade retilíneas e côncavas
(relação incisão do
talvegue-denudação,
por implicação
crustal)
Além das implicações tectônicas (lato sensu), o balanço mor-fogenético da vertente (stricío sensu) é
comandado pelo valor do declive, a natureza da rocha e o clima. Deve-se chamar atenção, para o fato de as
variáveis enumeradas encontrarem-se numa mesma escala taxonômica em relação aos processos morfogenéticos,
devendo-se incluir o significado da cobertura vegetal ou modalidade do uso do solo.
RELAÇÕES PROCESSUAIS DAS VERTENTES (RELAÇÕES EXTERNAS)
Por processo geomorfológico entende-se todo e qualquer fenómeno responsável por alterações
evolutivas das vertentes. São portanto os responsáveis pela esculturação das vertentes, representando a ação da
dinâmica externa, envolvendo as seguintes etapas: abrasão, transporte e acumulação.
Conforme se considerou anteriormente, o relevo, ou mais especificamente a vertente, resulta da ação
processual ao longo do tempo, que pode ser reconstituída através das evidências intimamente ligadas aos
paleoprocessos, como a forma e depósitos correlativos. Tal fato demonstra uma certa analogia com as evidências
impregnadas na paisagem pêlos diferentes conteúdos (conjunto articulado entre a essência e o fenómeno),
característicos nos diferentes modos de produção. Portanto, a aparência ou forma da vertente atual deve ser vista
sob o enfoque histórico (assim como a sociedade deve ser analisada no contexto do materialismo histórico),
momento em que se caracteriza por diferentes componentes que integram as relações processuais.
Assim, a evolução da vertente analisada ao longo do tempo geológico necessariamente incorpora o
antagonismo determinado pelas forças endógenas (comandadas pelas atividades tectônicas) e exógenas (relativas
aos processos morfoclimáticos). Contudo, a partir do momento em que se procura analisar a vertente na atuali-
dade, os fatores internos são desconsiderados, uma vez que tais reflexos são sentidos numa escala de tempo
geológico, com exceção dos catastróficos, como os vulcanismos ou abalos sísmicos, comuns nas zonas de dobramentos
recentes (fig. 8).
Em síntese, a vertente vista na atualidade, ao mesmo tempo em que desconsidera ou não atribui
grande importância às forças endógenas, necessariamente incorpora outros elementos que não integram as
variáveis responsáveis pela evolução do relevo na "primeira natureza". Trata-se do homem, que através do
processo de apropriação e transformação da vertente implica o estado de agravamento da referida evolução (a
evolução torna-se sensível na escala de tempo histórica), por oferecer condições à intensificação dos processos
exógenos. Como exemplo, em condições de biosta-sia, o elemento do clima, como a chuva, sofre a interceptação
da cobertura vegetal, favorecendo a infiltração e consequente evolucão pedogênica (predomínio do componente
perpendicular). A partir do momento em que o homem se apropria da vertente e inicia um processo de transformação,
tendo-a como suporte ou recurso, o que normalmente se dá através do desmatamento, com consequentes cortes ou
aterros, as relações processuais são alteradas: a chuva deixa de ser interceptada, proporcionando a desagregação
mecânica do solo pelo efeito de "splash", ao mesmo tempo em que responde pelo aumento do fluxo por terra com
consequente dessoloa-gem, ravinamento, boçorocamento ou mesmo deslizamento de massa. Portanto, o componente
paralelo passa a predominar sobre o perpendicular, implicando o desequilíbrio da vertente e agravando o estado de
saída.
O referido exemplo, utilizando os conceitos apresentados por Bertrand (1968), considerado
anteriormente, evidenciaria a intervenção do homem na "exploração biológica" (o desmatamento implica a expulsão
ou eliminação da fauna e expõe o solo aos efeitos abrasivos), provocando o "desequilíbrio climáxico", que por sua
vez repercute no comportamento do "potencial ecológico", alterando a vertente substancialmente. (A eliminação da
referida interface implicaria alteração hidrodinâmica - determinada pela chuva -do predomínio da infiltração ao
domínio do fluxo por terra. Isso, por sua vez, processaria alterações substanciais no relevo ou vertente que,
dependendo da escala de abrangência, poderia inclusive modificar as condições climáticas locais, como as
representadas pelas disritmias pluviométricas.)
Nas regiões intertropicais, o comportamento hidrodinâmico das vertentes assume importância capital,
conhecendo-se o significado da intensidade e frequência das chuvas em função das alterações processadas no relevo.
Horton (1933) delineou pela primeira vez o modelo clássico de hidrologia da vertente, considerando
que a superfície pode oferecer dois componentes básicos: a) a água infiltrada, que acontecerá enquanto a capacidade
de infiltração permitir, sendo responsável pelo abastecimento indireto dos cursos d'água; b) a água de escoamento,
que inicia com a saturação do limite de capacidade de infiltração, que pode ser determinada pela intensidade da
chuva, condicão de armazenamento hídrico do solo, disposição topográfica e mesmo cobertura vegetal.
Gregory (1978) considera a evolução da vertente (variável dependente) em função dos processos
atuantes e dos materiais existentes (variáveis independentes). Se os processos encontram-se na atualidade
comandados pêlos elementos climáticos, devendo-se incorporar o próprio homem, os materiais submetidos aos
processos referem-se àqueles previamente produzidos ou em processo de elaboração (como material intemperizado,
depósitos superficiais...).
Carson & Kirkby (1972) discorrem sobre a evolução da vertente considerando os componentes força
(força de gravidade, de tensão e pressão da água, força do fluxo da água, distribuição da água na vertente, força do
impacto da chuva e forças de expansão e difusão) e resistência (mitigadores de forças, resistência ao ciza-Ihamento
e demais fatores associados).
Tricart (1957), após traçar algumas considerações quanto ao jogo dos componentes sintetizados por
Jahn (1954), demonstra o significado do valor do declive, natureza da rocha e o clima, no balanço morfogenético
da vertente, que serão discutidos a partir de então.
Perdas
Tipo Terra Água
de Solo (t/ha/a) (% da chuva)
Aren 21,1 5,7
oso
Argil 16,6 9,6
oso
Terra 9,5 3,3
Roxa
Nota: Média com base em 1300 mm de chuva e declives entre 8,5 e 12,8%.
Conforme se pode observar, o tipo roxo foi o que registrou menor perda de terra, enquanto por
unidade de volume de enxurrada escoada foi o argiloso. Isto significa que o solo argiloso, ao mesmo tempo em
que proporciona maior escoamento, o que é justificado pela expansão minerálica em condição de hidratação, res-
ponde pela agregação ou acréscimo da coesão dos agregados do solo, aumentando a resistência aos processos
erosionais.
Queiroz Neto (1976), em pesquisa realizada, conclui que os solos B texturais, com descontinuidade,
apresentam um comportamento ligado aos processos de erosão em lençol, além de movimentos coletivos,
enquanto os B latossólicos, homogéneos, profundos, são atingidos mais pelo escoamento concentrado, ravina-
mentos e boçorocamentos.
A litologia intervém ainda na forma do perfil da vertente, conforme já se considerou, o que pode
facilmente ser identificado pêlos quartzitos no domínio tropical que, normalmente, implicam declives acentuados
(grau de massividade elevado), ou individualização de elementos do relevo, como as cornijas estruturais (free-
faces), que muitas vezes protegem as rochas tenras subjacentes.
A história do processo de ocupação do território brasileiro tem demonstrado que a terra sempre foi
utilizada de modo intensivo e numa visão imediatista, até o limite de sua potencialidade. Trata-se, portanto, de uma
postura capitalista primitivista, em que a concentração do capital se faz em detrimento da potencialidade, limitando
o período de exploração, uma vez que a renovação do recurso implica, muitas vezes, uma relação de tempo
geológico,, "incompatível" com os anseios do sistema.
Dados da Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, 1983 (Petrobrás, 1986)
demonstram que o país perde 600 milhões de toneladas de solo agrícola por ano, devido à erosão e ao mau uso.
Estudos realizados no noroeste do Paraná mostram que são necessários 24 mil anos, nas condições climáticas atuais,
para se formar uma camada de 60 cm de solo, e que em certos casos, o mau uso já reduziu essa em 15 cm. Como
resultado, têm-se a perda física do solo, a perda de nutrientes e a conseqüente queda da produção agrícola,
assoreamento de rios, barragens e represas.
O controle de erosão depende fundamentalmente da redução do impacto direto das gotas de chuva,
diminuição da desagregação mecânica das partículas do solo, aumento da infiltração da água e redução da
velocidade de escoamento da água excedente. Tais ob-jetivos são atingidos pela adoção conjunta de práticas
mecânicas e culturais.
Como exemplo de práticas mecânicas tem-se o terraceamento, que é um conjunto formado pela
combinação de um canal com um dique de terra, construído no sentido transversal ao declive do terreno. A
escarifïcação, que é o rompimento do solo, na camada arável, utilizando-se de escarificador, ou descompactação, que
pode ser feita através de disco, também são práticas mecânicas, que normalmente implicam perdas erosionais,
conforme se considerou anteriormente. A opção mais correta seria a utilização de práticas culturais, como a rotação
de culturas, que consiste no controle do esgotamento químico do solo melhorando as suas características físicas.
O plantio direto e a diversificação de culturas são práticas complementares que estão sendo
adotadas gradativamente. O plantio direto se caracteriza como prática que implica o mínimo de revolvimento do
solo, procurando-se manter sobre ele os restos culturais que formam uma camada protetora na superfície
(cobertura morta). Essa cobertura morta contribui para a manutenção da umidade, impedindo o ressecamento do
solo; protege-o contra a ação da chuva e diminui as oscilações de temperatura na superfície.
À guisa de inter-relação das variáveis consideradas, pode-se observar os seguintes resultados (tabela 3),
relativos ao comportamento da cobertura/modalidade do uso do solo e respectiva disposição da vertente, conforme
observações realizadas em Goiânia (1980/1) por Casseti (1983).
Nota: Valores para um total de 1.401,2 mm de chuva. Mesmo comprimento de rampa para as
parcelas experimentais (12 metros). Forma geométrica cias vertentes: W, comprimento e largura
convexos; CV, comprimento côncavo e largura convexa (*).Participação percentual em relação ao total.
Num primeiro momento constata-se de imediato o efeito da cobertura vegetal ou mesmo da pastagem
na contenção da estabilidade da vertente. Enquanto as duas primeiras parcelas do grupo de cultivos (a primeira
correspondente a solo preparado para plantio e a segunda ao plantio de arroz) responderam por 99,07% do total de
perdas de solo, as demais apresentaram valores insignificantes. Nas perdas de água por escoamento superficial, os
mesmos talhões responderam por 66,04% do total, o que demonstra uma certa ausência de correspondência,
provavelmente em função do uso e manejo do solo, que permitiu uma maior percolação relativa.
Nesse momento deve-se acrescentar a variável declive, que, por exemplo, justifica a própria
diferença de perdas de solo entre as duas parcelas mencionadas (41,64 e 51,65% do total).
O mesmo pode ser observado com relação aos grupos de pastagens e mata (entre a primeira e
segunda parcelas). Quanto ao erceiro talhão, de todos os grupos considerados, a mesma progressão não foi
obtida em função de dois fatores. A) Forma geométrica da vertente: tanto para a terceira parcela do
grupo de pastagem quanto de mata, apesar do aumento do declive (36,0 e 40,6% respectivamente), a
forma CV (comprimento côncavo) que difere do domínio W (comprimento levemente convexizado),
parece se constituir na principal justificativa.
Nesse momento deve-se lembrar do sistema de referência de Penck (1924), em que a forma
côncava caracteriza uma condição de estágio final do processo erosivo da vertente, ao contrário da
convexa, que demonstra uma fraca tendência denudacional; B) Tipo de cultivo: no terceiro talhão do
grupo de cultivo, o plantio do Napier, pelo elevado índice de área foliar e mesmo sistema radicular,
que contribuem para a resistência mecânica dos agregados, parece justificar plenamente as diferenças
consideradas.
Não foram estabelecidas comparações quanto ao comprimento de rampa, uma vez que,
conforme observação, todas as parcelas apresentavam a mesma dimensão (eixo maior de 12 metros) e
nem quanto à formação superficial, uma vez que todas possuíam uma certa correspondência,
resultantes da decomposição de gnaisses do Complexo Goiano, com textura argilo-areno-limosa, entre
12,5 a 25,0% de argila (latossolo vermelho-amarelo eutrófico). Deve-se acrescentar, ainda, que as
observações em questão foram realizadas no período de um ano (de agosto de 1980 a julho de 1981),
utilizando-se de parcelas isoladas (cercas com chapa galvanizada e tanques de sedimentação) de
formas hexagonais, de 100 m2 cada uma.
Com base nas observações consideradas, a título de se oferecerem estimativas de perdas de
solo e água, Casseti (1984/86) apresentou as relações que se seguem (figs. 9 e 10), onde se pode,
através das curvas traçadas, visualizar as discrepâncias erosionais geradas pelo fluxo por terra em
relação às diferentes coberturas ou modalidades de uso do solo.
Também foram estabelecidas considerações quanto às perdas de terra e água (figs. 11 e 12)
entre a precipitação total (entendida como a quantidade de chuva caída durante o dia) com a intensidade máxima
de chuva em 30 minutos (índice de Wischmeier, 1959).
Observa-se que na fig. 12, por falta de melhores indícios, optou-se pela simples comparação
entre as parcelas de solo preparado para cultivo e plantio de arroz.
Através da seleção de episódios pluvioerosivos, obteve-se (Casseti, 1983) uma grande
demonstração do potencial de perdas determinado pela intensidade das chuvas. A título de exemplo, o
episódio de 17 de dezembro de 1980, marcado por uma precipita cão total de 76,9 mm. e intensidade máxima de
28,3 mm/30 (chuva forte na classificação do INEMET), respondeu por uma perda de 118,71 kg-terra e 867 litros de
água escoada, nos 100 m2 da parcela de arroz, fenómeno que não chegou a implicar perda de solo no domínio da
mata, ou perda insignificante de água por escoamento (inferior a 100 litros).
Ainda, com relação à perda de nutrientes pelo agravamento dos efeitos denudacionais, conclui
Casseti (1983) que não existe uma dependência direta entre solubilização dos elementos químicos analisados em suas
observações (perdas de cálcio, magnésio, potássio e fósforo, contidas nas águas excedentes) com a quantidade de
água escoada. "A perda por solubilização acha-se vinculada ao estado químico da superfície, a qual encontra-se de
certa forma ré lacionada à cobertura vegetal." Assim sendo, através da pesquis; experimental, constatou-se que
as áreas de mata e pastagens, ape sar do baixo escoamento resultante das ocorrências pluviométricas perdem os
mais elevados teores de macronutrientes considerados. Acredita-se, contudo, que os baixos teores de perdas nas
áreas de cultivos resultam de retiradas anteriores, não oferecendo tempo de reposição natural por troca de bases,
ou ausência de cobertura vegetal para permitir a redução do processo denudacional, ou retorno de nutrientes ao
solo através da decomposição do restolho.
Neste capítulo pretende-se apresentar alguns estudos de caso, de repercussão ambiental, resultantes
da utilização do relevo ou da categoria vertente, como suporte. O objetivo é evidenciar a aplicação de esforços
(fenómenos), procurando-se demonstrar a articulação entre as relações internas e externas (conteúdo), oferecendo,
assim, subsídios à compreensão da essência da paisagem.
Os exemplos a serem relatados referem-se ao processo de multiplicação incontrolada do espaço, o
que implica a degradação do meio ambiente. Conforme observou Prestipino (1977), a planificação deve
fundamentar-se não apenas nas relações de produção, no nível de sociedade total, como também nas forças
produtivas, no nível de intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza.
Problemas considerados muitas vezes como "catástrofes naturais" têm sido reproduzidos cada vez com
mais intensidade, decorrentes do processo de ocupação. Conforme Smith & O'Keefe (1980), na sociedade
capitalista é a produção material da natureza que unifica os domínios natural e social, previamente separados, mas
mesmo sem torná-los idênticos simultaneamente - sem a dissolução de um dentro do outro. Isso favorece uma
estrutura superior, dentro da qual os desastres são considerados. "É uma relação social que na sociedade capitalista
representa uma relação de classe" que responde por um acesso diferenciado à natureza.
Conforme se considerou anteriormente, a extemalização da "natureza" com relação à atividade
humana, apresentada por Smith & O'Keefe (1980), dentro da concepção positivista de natureza, tipifica o evento
do azar (deslizamentos de terra, enchentes, terremotos...): primeiramente, a interpretação aceita o azar como
natural, significando com efeito que são "atos de Deus"; uma segunda abordagem entende a ocorrência dos
desastres como "uma interface entre uma população vulnerável e um evento externo" (como se a natureza fosse
neutra); a terceira equivale à dissolução da natureza humana dentro da natureza externa. Trata-se de uma
perspectiva malthusiana, onde "o pobre é o mais afetado na maioria dos desastres, não somente pela falta de
recursos, mas principalmente pela tendência de se reproduzir rapidamente". Exemplo clássico de culpar a vítima,
considerado anteriormente.
Tragédias como as registradas em fevereiro de 1988 no Rio de Janeiro e no Acre (Rio Branco)
demonstram as implicações de natureza geomórfica, vinculadas a questões hidrodinâmicas, agravadas ou produzidas
pelo processo de ocupação indevido, mas que refletem as diferenciações espaciais no sistema de produção capitalista:
"o espaço não é algo indiferenciado, mas segmentado, dependendo de seu valor económico, forma de domínio e
significado político e social" (Lipietz, 1977).
Tanto no Rio de Janeiro como no Acre, apesar da distância que os separa, a renda da terra responde
pela discriminação no processo de apropriação do espaço, individualizada como "espaço-mercadoria" nas revelações
de produção capitalista. O espaço, com seu preço determinado pela lei de mercado, traduzida pela especulação
imobiliária, reserva os compartimentos susceptíveis de desencadeamento de "catástrofes naturais", à ocupação
clandestina pêlos desprovidos de recursos ou marginalizados do sistema de produção. Isso ocorreu em
compartimentos de riscos representados por vertentes de declives acentuados - caso da ocupação do Maciço da Tijuca
no Rio de Janeiro —, e em áreas de várzeas, como a planície de inundação do rio Acre, em Rio Branco.
Como se sabe, a estabilidade das vertentes no domínio dos "mares de morros" é determinada pela
relação biostásica, na qual a infiltração de água responde pelo predomínio da pedogenização, cujo manto
intemperizado é preservado pela ação mecânica da cobertura vegetal (exploração biológica); essa cobertura é retirada
para dar lugar ao desenvolvimento de habitações, observando-se o desequilíbrio climáxico, ou seja, ruptura do
equilíbrio entre a exploração biológica e o potencial ecológico, conforme conceito de apresentação por Bertrand
(1968). Tal desequilíbrio é agravado por cortes de vertentes para proporcionar suporte às construções, retirando-se a
sustentação, a jusante, do volume intemperizado a montante.
Considerando que o material resultante da intemperização acha-se representado sobretudo por argila,
proveniente da decomposição dos feldspatos existentes nos granitos ou gnaissés que caracterizam a estrutura,
observa-se para ele comportamento distinto segundo a condição hídrica da capacidade de campo: quando seco,
oferece resistência muito grande, dado o grau de coesão dos agregados, o que acontece principalmente a partir do
desmatamento, quando os depósitos de cobertura ficam diretamente expostos à incidência dos raios solares,
submetidos à dissecação. Essa situação dá uma sensação de estrutura superficial estável própria à implantação de
ocupações, que é desfeita a partir da saturação hídrica da capacidade de campo. A argila torna-se plástica,
apresentando um efeito de "lubrificante" entre o manto intemperizado e a rocha subjacente, reduzindo o atrito
(redução das pressões neutras negativas) pelo escoamento hipodérmico e permitindo o deslizamento de massas.
Conforme se considerou anteriormente, tal fenómeno decorre da eliminação da ação mecânica do sistema
radicular das formações vegetais e cortes de taludes, que rompem o equilíbrio da vertente.
Considerando as possibilidades de fenómenos de movimentos de massa, os "mares de morros" se
constituem em áreas de preservação, conforme legislação constante do Código Florestal Brasileiro e lei n- 948/59, do
então estado da Guanabara. O Código Florestal Brasileiro, em sua lei n- 4.771/65, estabelece "preservação
permanente às florestas e demais formas de vegetação natural situadas no topo de morros, montes e montanhas e
nas encostas ou parte destas com declividade superior a 45o" (art. 2-, alíneas d, e) "preservação permanente,
quando assim declarados por ato do poder público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a
atenuar a erosão de terras; a assegurar condições de bem-estar público" (art. 3-, alíneas a, h). Proíbe a derrubada
de florestas "em áreas de inclinação entre 25 e 45°, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime
de utilização racional" (art. 10).
O poder público do antigo estado da Guanabara, motivado pêlos tradicionais escorregamentos dos
morros cariocas, acumulou extensa legislação sobre a matéria. Como medidas preventivas são estabelecidas áreas
"não-edificadas" em reservas florestais, tanto urbana, suburbana quanto rural. Também a posição topográfica e o
declive são critérios usados na fixação de reservas florestais: na zona rural (mesmo em sua porção sujeita à
expansão urbana), fixa como reserva florestal "toda área situada acima da curva de nível de 80 metros..., nas
elevações menores que a referida cota, em declives superiores a 15%..., toda área de cumeada acima da cota definida
pelo ponto situado sobre a linha de menor declive e que diste do cume uma distância equivalente a um terço da
cota desta ao nível do mar" (alínea a do art. 23, da lei 948/59). Ainda estabelece inúmeras reservas florestais nas
zonas urbana e suburbana, tendo como critério os terrenos de difícil acesso.
O processo de metropolização determinado pelas oportunidades de emprego e a tendência crescente do
êxodo rural responderam pela concentração populacional nos grandes centros, como Rio de Janeiro, implicando
ocupação de fortes encostas, dada a condição de miséria que caracteriza o migrante, determinada pela "ganância
destes midas do capitalismo selvagem que equiparam ao pa-drão-ouro o metro quadrado da terra" (Revista Senhor
360, 1988, P- 21).
Sabe-se perfeitamente que a ocupação de tais compartimentos exige obras de contenção caríssimas,
impossíveis de serem realizadas por aqueles que nem direito à terra têm..
As várzeas, por outro lado, tradicionalmente apropriadas
paia determinados usos, têm sido consideradas áreas de preservação na moderna legislação do uso do
solo, uma vez que são susceptíveis aos fenómenos de enchentes ou inundações que acontecem no período das
chuvas (com tendência crescente de intensificação, como se observará adiante). Conforme se considerou ante-
riormente, o regime torrencial que tem caracterizado as descargas fluviais, decorrentes das disritmias pluviométricas
e alterações dos fluxos hidrodinâmicos das vertentes (impermeabilização de superfícies) além do evidente
assoreamento, resultante do crescente desmatamento, têm agravado as possibilidades de enchentes e con-
seqüentemente, aumentado o número de "catástrofes naturais".
Mais uma vez, a população desprovida dos recursos necessários a uma vida digna obriga-se a ocupar as
planícies de inundação, que "afogam" as esperanças e levam o pouco dos que nada têm.
Cabe aqui ainda observar que os conhecimentos geomorfoló-gicos assumem significativa importância
para a compreensão dos fenómenos considerados, ou seja, para o entendimento das relações externas que integram o
conteúdo do espaço.
As relações processuais tratadas correspondem ao terceiro nível metodológico preconizado por
Ab'Saber (1969), considerado anteriormente, ou seja, a "fisiologia da paisagem". Aproveita-se para observar que,
apesar de o termo "fisiologia" encontrar-se di-retamente ligado à ciência biológica, herança darwiniana - o que
caracteriza o sentido de "função" ou funcionamento da paisagem -, e "paisagem" referir-se à disposição dos
objetos ou coisas no espaço físico (as ditas relações externas), na prática do emprego deve ser bem mais amplo,
incorporando ou devendo incorporar, as relações do homem com a natureza, vinculadas as relações de produção (as
relações internas), procurando, assim, desvendar as aparências, ou melhor, buscar a essência do conteúdo que
representa as causas e consequências.
Contudo, para se desenvolver com segurança as relações processuais atribuídas à fisiologia da
paisagem, necessária se f az a compreensão dos dois níveis metodológicos anteriores, ou seja, o entendimento da
compartimentação topográfíco-morfológica e da estrutura superficial ou formação superficial.
Ó exemplo apresentado evidencia a integração dos referidos níveis metodológicos. As
descontinuidades topográficas no Rio de Janeiro respondem pelas diferenciações espaciais: enquanto a superfície
intermontana cenozóica foi ocupada pela população de melhor poder aquisitivo, o compartimento caracterizado pêlos
"mares de morros", com raras exceções, é destinado à população de baixa renda, que representa a força de
trabalho bruta ou componente do exército de reserva. Portanto, a ocupação em diferentes compartimentos, na
maioria das vezes, constitui-se em referencial para a individualização de classes, como as diferenciações espaciais
registradas pelo suporte morfológico no Rio de Janeiro.
A necessidade de se compreender a estrutura superficial no referido exemplo justifica-se pelas
características dos depósitos de cobertura, que implicam diretamente o processo de deslizamento de massas. Portanto,
necessário se faz entenderem as relações entre a estrutura geológica e processos morfoclimáticos responsáveis pela
génese dos depósitos de cobertura, para se entender as características argiláceas da referida formação, responsável pelo
cizalhamento determinado pela redução de atrito (redução das pressões neutras negativas) com aumento da plasticidade
favorecida pela saturação hídrica (grandes aguaceiros), sobretudo em função da ruptura de equilíbrio das vertentes
submetidas a cortes para instalação de habitações.
A partir de então, torna-se possível considerar as relações processuais (fisiologia da paisagem) ou o
funcionamento dinâmico da paisagem, causas e consequências resultantes.
IMPACTOS GEOMÓRFICO-AMBIENTAIS EM ÁREA RURAL
Procurando-se evidenciar as características ecodinâmicas do meio ambiente, elegeu-se uma área-tipo,
cujas diferenciações estruturais das propriedades agroecológicas se constituíssem em subsídios para o estabelecimento
das comparações pretendidas (Cunha Santos & Casseti, 1984/86). Para tal, escolheu-se a seção setentrional de
Goianésia-GO, individualizada pelas intrusivas básico-ultrabásicas encravadas em estruturas araxaídes, cuja
evolução morfológica, apesar das implicações topográficas, respondeu por um uso intensivo do solo, criando
transformações geoecológicas, que de certa fornia caracterizam tendências resistásicas.
A área em questão, conforme se considerou, acha-se individualizada pelas intrusivas básico-
ultrabásicas, representadas sobretudo por gabros, anfibolitos e serpentinitos, em estruturas me-tassedimentares do
Grupo Araxá, além de ocorrência de "janelas", caracterizadas pêlos leptinitos e gnaisses do Complexo Goiano.
Enquanto o grande corpo intrusivo responde por uma morfologia acidentada, o domínio encaixante é individualizado
pelo pediplano intermontano.
Se, por um lado, as rochas básico-ultrabásicas respondem pela fertilidade dos solos (brunizéns
avermelhados, latossolo roxo distrófico e terra roxa estruturada eutrófíca), por outro, as implicações geotectônicas
tomaram o relevo restritivo a uma prática agrícola intensiva.
Considerando tais aspectos, uma vez que as condições climáticas também são favoráveis, tem-se uma
certa intensificação do uso do solo através de culturas cíclicas e pastagem que, muitas vezes, desconsiderando as
implicações morfológicas, sem nenhuma preocupação conservacionista, têm respondido por impactos ambientais
que carecem de controle. Testemunhos de uma floresta estacionai caracterizam certos pontos em biostasia que, em
grande parte, tendem à resistasia, principalmente onde as implicações morfológicas são mais agressivas.
O comportamento periférico representado pêlos metassedi-mentos araxaídes, por apresentar-se
pediplanado, apesar de favorecido pelo comportamento topográfico, sofre restrições pedológicas, sendo caracterizado
por cambissolos e latossolos distróficos, de baixa troca de bases. Apesar disso, o uso de insumos tem contri-
buído para o desenvolvimento de cultivos comerciais, embora o domínio seja de pastagens,
principalmente na seção circunjacente às intrusivas, onde colúvios provenientes do complexo atenuam as implicações
edáficas.
Diante das transformações agroecológicas e sobretudo em função do grau de restrição imposto pelo
relevo, tem-se a diferenciação determinada pela intensidade e distribuição dos processos comandados sobretudo pela
dinâmica pluvial.
Após apresentar a compartimentação topomorfológica e análise da estrutura superficial, com o intuito de
evidenciar as implicações geomórfico-ambientais decorrentes do processo de ocupação, foram produzidos os
documentos cartográficos adiante considerados (esboço geomorfológico, fig. 13, e da situação da cobertura
vegetal, fig. 14, reflexo do próprio processo de ocupação), que permitiram a compreensão da paisagem resultante
(fig. 15).
Considerando a faixa de superposição dos componentes vegetais (1966/84), constatou-se o
desmatamento de aproximadamente 18.000 ha (fig. 14), entre formações do tipo florestal e do tipo cerrado, que
correspondem a 30% da área estudada (58.700 ha, aproximadamente). A preservação de pouco mais de 5.000 ha
de mata responde por menos de 10% da área em questão, o que de certa forma é preocupante, principalmente ao se
considerarem as restrições impostas pelo relevo, no core intrusivo, quanto ao aproveitamento agropecuário.
Deve-se observar aqui, que um dos fatores responsáveis pelo agravamento do desmatamento nos
últimos anos vinculou-se ao temor da propalada reforma agrária, acreditando o agricultor que tal procedimento
responderia pela afirmação do direito de propriedade.
Diante da superposição da representação referente às derivações da cobertura vegetal (fig. 14) com os
compartimentos morfológicos (fig. 13), pode-se chegar a algumas conclusões.
No domínio das formas muito aguçadas constata-se ainda a grande ocorrência de erosão acelerada,
marcada por ravinamentos e boçorocamentos (instabilidade crónica), sem contar a participação da dessoloagem,
que se faz presente principalmente nas áreas utilizadas para cultivos. Deve-se acrescentar que em
pontos visitados na referida unidade morfoestrutural, observou-se, mesmo em áreas de pastagens, o
desenvolvimento de litossolos por decapitação do horizonte superior, à medida que o declive se
intensifica. Isso demonstra a participação da dessoloagem, que assume certa liberdade de ação na
medida em que as gramíheas deixam de oferecer uma total cobertura do solo, associado ao forte
declive, que tende a proporcionar a queda gravitacional dos agregados (creeping ou reptação),
intensificada pelo pisoteio do gado (instabilidade generalizada). Além disso, quando das precipitações,
apesar da implicação da greamínea na determinação do fluxo por terra, este de certa forma é agravado
pelo acréscimo da energia cinética em função do declive transportando principalmente partículas de
menores dimensões, mesmo considerando a relativa resistência mecânica dos agregados, determinada
pelo resultado da participação do plagio-clásio decomposto.
Quando a incisão vertical do fluxo concentrado se faz presente, tem-se a exumação de
fragmentos subarredondados ou su-bangulosos de gabro (resistasia), o que é facilmente obtido em
função da pequena espessura dos brunizéns (aproximadamente 50/80 centímetros).
No segundo compartimento considerado, representado por formas aguçadas ou pouco
aguçadas (fig. 15), observa-se também um agravamento das derivações geoecológicas, o que foi
individualizado principalmente através da tendência crescente à instabilidade ou semi-estabilidade,
onde a morfogênese já se faz presente e em certos pontos chega a predominar sobre a pedogênese.
Como no caso anterior, são áreas utilizadas largamente pelas atividades agropecuárias,
dada principalmente a fertilidade do solo. O que mais preocupa são os desmatamentos considerados
que, além de desconsiderar o fator declividade, têm acontecido com grande insistência nas cabeceiras
dos cursos de primeira ordem, o que tem promovido a desperenização constatada em certos casos. . .
É comum observar em praticamente toda área levantada processo de desmatamento sucedido de
queimaduras, o que tem respondido pela destruição da camada húmica, bem como dos microorganismos, causando
um empobrecimento precoce do solo a ser utilizado. Como exemplo podem ser citados os desmatamentos visando a
expansão canavieira, nas proximidades da usina de Goia-nésia (Monteiro de Barros), sobretudo a partir de 1981,
com o advento da política agroenergética. Apesar da menor movimentação topográfica na seção considerada,
fenómenos de dessoloagem são registrados principalmente no início das chuvas, quando a cana-de-soca (brotação de
sequeiras) ou plantio recente, representam baixo índice de área foliar, expondo o solo aos efeitos pluvioerosivos. As
queimadas realizadas durante as safras respondem pelo calcina-mento dos microorganismos e redução da
fertilidade, além da propensão à mineralização, que de certa forma atenua a resistência mecânica dos agregados.
Outras áreas que já se encontravam bastante desmaiadas em 1966, como as de Cafelândia e
Natinópolis (fig. 14), continuaram sofrendo a destruição dos restos florestais, encontrando-se, hoje, com uma das
menores densidades vegetais da área estudada.
Observa-se, ainda, assoreamento de certos cursos d'água (como o dos formadores do rio do
Peixe), determinado pelo processo de desmatamento, associado às disritmias pluviométricas que já são sentidas
(chuvas torrenciais), como as registradas no período de 1984/85 (índices pluviométricos, como os do mês de janeiro
de 1985, demonstram a capacidade erosiva através do efeito de splash e consequente ação mecânica do fluxo por terra).
Em menores proporções são constatados alguns pontos de instabilidade ou semi-estabilidade no
domínio das formas convexi-zadas ou mesmo dos pediplanos intermontanos (fig. 15), o que pode ser justificado
principalmente pelo baixo declive (inferior a 10%), uma vez que as práticas agrícolas e processo de desmata-
mento são mais ou menos proporcionais às demais áreas analisadas. Mesmo assim, tais efeitos erosionais são
identificados em setores específicos, como vertentes desprovidas de testemunhos de pedi-planação, ou seja,
onde o processo de reafeiçoamento pleigto holocênico respondeu pelo aumento do declive em função
da incisão dos talvegues, ou cabeceiras mais elevadas que respondem pelo aumento do gradiente, ou
ainda em contato com unidades morfo-gestruturais mais movimentadas. Trata-se de compartimentos
onde a agricultura comercial se intensifica, principalmente no domínio das formas convexizadas, ou
de uma pecuária extensiva, como no domínio dos pediplanos intermontanos. Deve-se acrescentar que
associadas à extensividade da pecuária encontram-se as práticas predatórias da queimada, que só não
agravam mais as consequências pelo baixo declive e considerável resistência mecânica dos
agregados, determinada pelo grau de laterização.
Em síntese, pelo volume de evidências de transformações geoecológicas geradas pela
ação do homem, os compartimentos representados por formas muito aguçadas e aguçadas requerem
atenção especial por parte dos órgãos de apoio, tanto da administração municipal quanto dos
programas técnicos específicos, devendo contar com a vontade de se minimizarem os impactos
ambientais em detrimento da maximização dos lucros dos agricultores ou pecuaristas.
Para tanto, serão apresentadas algumas sugestões de caráter geomorfológico para a área
considerada crítica:
a) Preservação de restos de cobertura vegetal existente, principalmente em vertentes com
declives iguais ou superiores a 40%, bem como nas cabeceiras e ao longo dos cursos d'água. Tal
procedimento evitará a progressão dos efeitos erosionais acelerados em novas áreas, além de
permitir o predomínio da pedogênese local, em função da infiltração (componente perpendicular),
com consequente abastecimento do lençol freático, contribuindo para uma tendência à perenização
dos cursos efluentes;
b) Reflorestamento, de preferência com espécies heterotípi-cas, principalmente nos
pontos considerados de instabilidade crónica ou generalizada, bem como outras práticas que se
fizerem necessárias, procurando-se evitar a progressão de ravinas e boçoro-camentos. Tais práticas
podem ser interpretadas como barreiras nas cabeceiras de ravinas e boçorocas (desvio de água ou
redução da energia cinética do fluxo por terra), sucedidas de proteção por leguminosas, ou em áreas de plantio, a
utilização de curvas de nível e terraços, com leirões, proporcionais ao declive, "amarrados" por leguminosas ou
outras espécies de poder de retenção mecânica dos agregados, pelo efeito foliar e radicular.
Deve-se ter bastante preocupação também com relação ao reflorestamento de cabeceiras dos cursos
de primeira ordem, bem como ao longo deles, procurando-se assim, manter o armazenamento hídrico prejudicado
pela estiagem.
O que deve ficar claro é que as áreas de elevado declive são as mais susceptíveis de erosão quando
utilizadas com finalidade sócio-reprodutora, devendo ser protegidas pela vegetação natural, responsável pela
manutenção biostásica e equilíbrio dinâmico da vertente. Ainda, além de proporcionarem a continuidade da pedo-
gênese, uma vez que predominará o componente perpendicular sobre o paralelo, ter-se-á um excedente hídrico do
lençol freático, ao contrário do que se observa com o processo de desmatamento (elevação do lençol e desperenização
dos cursos d'água).
Outro ponto a ser considerado, de natureza morfogenética, é a ação direta da insolação, desidratando
o solo, e os pingos da chuva, que proporcionam o deslocamento dos agregados superficiais (efeito de splasK) com
consequente transporte pelo fluxo por terra, uma vez que inicia o predomínio do componente paralelo (escoamento)
sobre o perpendicular (balanço morfogenético positivo).
O desmatamento e consequente erosão acelerada respondem pela condição resistásica, ou seja, a
remoção dos elementos que compõem a fase residual da biostasia, além dos integrantes da fase migradora. Diante
disso, tem-se a coloração avermelhada das enxurradas (elevada turbidez), que tinge as águas fluviais, principalmente
durante as chuvas, determinada pelo principal indicador representado pelo hidróxido de ferro, ao contrário do que se
evidenciava na fase biostásica (água clarificada pelo filtro seletor, representado pela vegetação).
c) Tratos culturais, visando o conservacionismo, conforme já se considerou, além de outras práticas de
manejo, como redução do número de arações e subsolagens, evitando o gradeamento e se possível a
utilização de técnicas de plantio direto. A aração deve ser bem superficial, quando indispensável,
considerando-se a baixa espessura dos solos na área intrusiva.
Mesmo nos declives moderados (20 a 40%), deve-se optar por cultivos de grande
densidade de área foliar. As pastagens devem ser formadas por espécies de boa encorporação e de bom
sistema radicular, como a brachiaria-sp, bem como Napier e outras.
d) Ainda, admitindo ser o sistema educacional o grande responsável pela formação da
consciência social, propõe-se, mesmo que seja apenas no nível municipal, a reestruturação curricular
nas escolas de primeiro e segundo graus, com o objetívo de se criar uma consciência crítica. Dentre
outras medidas indispensáveis, sugere-se a criação de disciplinas voltadas a preocupações ambientais e
práticas conservacionistas, visando a aptidão regional e local.
Em associação a essas medidas, deve-se propor a orientação sobre técnicas e práticas
agrícolas conservacionistas aos agricultores, o que poderia ser de iniciativa municipal, através de sua
secretaria especial, ou de órgãos governamentais (Emater, Engopa e Embrapa).
Além de práticas educacionais, necessárias se fazem a criação e exigência do cumprimento
de uma legislação específica, impedindo a ação de desmatamento em áreas críticas (como no domínio
das formas aguçadas), além do chamamento para a preservação da cobertura vegetal restante.
Deve-se promover uma política de incentivo ao refloresta-mento, com espécies
heterogéneas (construção de viveiros com formações heterotípicas), tentando reconstituir a mata
primitiva, sobretudo nos pontos considerados de instabilidade acentuada ou de tendência crescente à
instabilização.
Além das sugestões consideradas, propõe-se ainda a elaboração de cartilhas populares,
com .aplicações geomorfológicas às questões ambientais, que expliquem as principais razões da
preservação, demonstrando as relações processuais (relações entre os componentes paralelo e
perpendicular) como elementos da morfogénese e pedogênese, chamando atenção quanto ao tempo necessário
para a elaboração do solo (milhares de anos) e a possibilidade de sua degradação imediata (poucas décadas).
Após considerações quanto aos efeitos decorrentes das relações das forças produtivas, ou seja, das
relações externas, necessário se faz evidenciar as implicações de natureza interna ou relativas à essência do conteúdo da
paisagem.
Diante disso, deve-se observar que o processo de ocupação e a própria intensificação da produção da
natureza não se vincula apenas às condições edafológicas da área, mas sobretudo ao valor atribuído à propriedade
portadora de tais aspectos. Assim, a qualidade dos solos e a própria posição geográfica da área constituem-se em
subsídios de importância ao desenvolvimento da produção. E o relevo (vertente), suporte das referidas condições,
agravante das derivações processuais, como mercadoria, intensifica o processo de especulação, proporcionando
interesse àqueles que detêm o capital. É, portanto, uma percepção do sistema capitalista de mercado, em que se
constrói o conceito de "propriedade".
Esse mesmo sistema de produção, que determina a forma de propriedade e gera especulação,
responde pelo antagonismo de classe que acaba inclusive proporcionando uma certa ameaça à propriedade,
representada pêlos desvalidos e marginalizados dos meios de produção. A ameaça dos despossuídos, de uma
reforma agrária desejada, mobilizou os proprietários, não somente para se organizarem, como também para
recorrerem a outras estratégias para garantir a propriedade. Uma delas, sem dúvida, refere-se à intensificação do
processo de desmatamento, sentida na área, como forma de indução a uma aparente função social da propriedade,
guarnecendo assim o direito da terra. Tal fato foi evidenciado através do desmatamento ocorrido entre 1966 e 1984,
correspondente a aproximadamente 18.000 ha, ou seja, 30% da área estudada.
Diante do exposto, constata-se uma enorme fragilidade da legislação brasileira no cumprimento das
determinações constantes do Código Florestal, consideradas anteriormente, bem como o total desprestígio e
despreparo do órgão fiscalizador competente (IBDF), decorrente da própria ausência de uma autonomia económica
e política.
Ainda, deve-se observar dois aspectos vinculados ao sistema de produção, relacionados à modalidade
de uso da terra: a) o primeiro refere-se ao domínio da pecuária, que reflete a ineficiência do uso ao mesmo tempo
em que pretende induzir uma aparência de função social, responsável pela restrição da mão-de-obra (ao mesmo tempo
em que reduz as despesas do proprietário, colabora para o êxodo rural, evidenciando uma condição pré-capitalista de
produção); b) o segundo refere-se ao uso indevido do solo, pelo cultivo em vertentes de fortes declives, que responde
pelo agravamento dos impactos ambientais: erosão acelerada, que determina a redução da fertilidade natural e
implica reposição artificial de insumos, reflexo da indústria química sobre a produção agrícola, como consequência
das relações de produção capitalista. O resultado, em função da continuidade dos efeitos erosivos, é a
concentração de fertilizantes e defensivos agrícolas nos cursos d'água, com consequências toxicológicas para a
ictiofauna, além da contaminação dos solos e do próprio fruto produzido.
É necessário observar, ainda, a tendência crescente de concentração da produção e cultivo da cana-de-
açúcar na área em consideração. Para se ter uma ideia, na safra 1981/82, a usina Monteiro de Barros plantou 5.146
ha de cana, área essa ampliada para 11.806 ha na safra 1984/85, sobretudo em decorrência da implantação da
Destilaria Jalles Machado, em 1983. Tal fato reflete o efeito do Proálcool, que em Goiás se manifestou de
forma tardia (Cunha Santos, 1984/86).
Exemplo de concentração de terras pode ser evidenciado através da própria Usina Monteiro de
Barros, que no ano de 1985 adquiriu área superior a 380 ha , para ampliar o cultivo da cana.
Como se sabe, a concentração da terra reflete uma das características do sistema de produção vigente,
apesar de se constituir num entrave ao próprio desenvolvimento do capitalismo, uma vez que implica a
imobilização de capital na compra e aluguel da terra. Conforme Guimarães (1979, p. 153), esse fato muitas
vezes encontra duas fortes razões para a adoção de medidas contrárias: primeira, porque temem que a "abolição da
propriedade privada do solo se torne um precedente capaz de dar seguimento a outros golpes contra a propriedade em
geral; segundo, porque, com o desenvolvimento económico, os capitalistas estão por toda parte se transformando em
proprietários de terra'' (a terra como reserva de valor).
As relações de trabalho na agroindústria canavieira são bastante conhecidas pelo volume de estudos
realizados. O trabalhador é tido como simples "mercadoria", responsável pela "mais-valia", submetido à constante
substituição pelo exército de reserva que se amplia e responde pelo "paradoxo da abundância com escassez",
descrito por Souza (1980).
As relações de produção na agroindústria canavieira respondem ainda por uma série de implicações
ambientais ao considerar a natureza como efeito útil e imediato: processo de erosão acelerada ao se promover o
plantio em época de término de safra, quando os impactos meteorológicos respondem pela degradação mecânica da
formação superficial; queimadas, que destroem os humatos; ampliação da monocultura canavieira, que além de
implicar substituição de cultivos alimentares, contribui para o processo de proliferação de pragas, em decorrência da
simplificação do ecossistema (e-feito alelopático) e consequências do despejo de efluentes (vinhoto ou restilo), direta
ou indiretamente, nos cursos d'água, o que tem respondido pêlos grandes "acidentes" ecológicos. Deve-se observar
que o vinhoto se constitui no principal elemento poluente; basta observar sua relação com a produção alcooleira: uma
tonelada de cana produz em média 70 litros de álcool e 913 litros de restilo.
Considerando os problemas observados, além do forte agravamento das questões ambientais previstas,
apresentam-se aqui, a tftulo de sugestão, algumas medidas que se entendem como imediatas: para as descargas
urbanas, a lei deve estabelecer a necessidade de depuração de certas substâncias orgânicas nelas contidas, antes de
atingir as águas superficiais. "Que seja obrigatório o uso de depuradores de terceira fase, que detenham os nitratos e
fosfatos..." (Conti, 1986, p. 134), evitando-se o processo de eutrofïzação das águas. Ainda, Frederic Vester (1979,
Revista Scala, 5, RFA) apresenta alternativas de técnicas naturais que implicam pré-limpeza biológica de esgotos,
com o uso de "lama de clarificação" e "clarificação final por juncos e raízes" para águas pré-depuradas. Necessário
se faz, portanto, evitar que as consequências atinjam condições alarmantes, colocando em risco a saúde pública,
exterminando a fauna ictiológica ou gerando problemas que impliquem aplicação de recursos astronómicos como
alternativas corretivas, que poderiam perfeitamente ser destinados às verdadeiras necessidades sociais.
Conforme se observou, o encadeamento de derivações antro-pogênicas com consequente desrespeito
ambiental tem originado uma série de problemas que se agravam e ampliam no espaço da sub-bacia hidrográfica
em questão.. Em cada compartimento são observadas superfícies descontínuas, cujo tratamento deve ser condizente
com elas, exigindo-se uma tomada de consciência para que se possa entender a natureza e suas leis e aplicá-las
corretamente. Necessários se fazem a criação e o respeito de uma legislação específica, na qual as condições
ambientais sejam priorizadas em detrimento de interesses políticos ou injunções económicas.
Conforme já se considerou anteriormente, as relações internas, determinadas pelas relações de
produção, respondem pela forma de apropriação e transformação da natureza - a produção da natureza.
No presente caso, desde as derivações clímato-locais até os demais impactos ambientais evidenciados
encontram-se subordinados às relações internas. O primeiro, justificado exclusivamente pelo excedente
populacional das áreas urbanizadas, o que leva à individualização do ser (evita o "gueto" da pequena cidade, que
oferece condições de uma convivência comunitária), implicando assim o desconforto ambiental. O segundo,
determinado pela forma de propriedade, que transforma a terra em "mercadoria", o que implica especulação e
consequentes diferenciações espaciais.
Deve-se observar que ao mesmo tempo em que se evidencia a ocupação de fundos de vales pêlos
denominados "invasores" (o que, na maioria das vezes, é uma resultante da própria política agrária, que obriga
os marginalizados do sistema a buscarem trabalho nos centros urbanos), tal fato responde pelo acesso diferencial à
natureza, ficando-lhes reservadas as referidas áreas de risco, que em função das derivações acontecidas,
normalmente os convertem em vítimas dos "azares" naturais.
Observa-se ainda, na maioria das vezes, o proveito da situação por pretendentes eleitorais que, através
de certos "benefícios sociais", como iluminação ou água tratada dos referidos compartimentos de risco, acabam
contribuindo para a vulnerabilidade ao desastre, em vez de proporcionarem condições ou suporte adequado de
moradia. Tal fato encontra-se justificado pelo terceiro argumento dos "azares", apresentados anteriormente, que se
caracterizam por uma perspectiva virtualmente malthusiana, refletindo a contradição na concepção positivista de
natureza: "o pobre é mais afetado na maioria dos desastres, não somente pela falta de recursos, mas especialmente
pela tendência de se reproduzir rapidamente" (Smith & O'Keefe, 1980). Trata-se, portanto, de um exemplo clássico
de culpar a vítima.
A lógica malthusiana conduz à seleção "lógica", segundo a qual as vítimas devem ser socorridas
depois do evento, ao invés de previamente atendidas. Esse argumento pode ser ilustrado pelas enchentes que se
repetem todos os anos e que atingem diretamente não apenas os habitantes das margens dos córregos Areião e Bota-
fogo, como também em maior proporção, aqueles que ocupam as várzeas do rio Meia Ponte, na Vila Roriz (Goiânia).
í Os fenómenos de enchentes são atribuídos à pura autonomia da natureza, ou seja, são vistos como o
resultado dos processos essencialmente físicos, como os climatológicos. São considerados "atos de Deus" a que se
subordinam as influências sociais.]
Deve-se observar, ainda, que o processo de expansão urbana, através da especulação imobiliária,
converte inclusive os compartimentos de risco em espaços habitáveis. Tal fato pode ser comprovado através do
mencionado loteamento Goiânia 2, cuja incorpora-dora, através das mencionadas injunções políticas, determinadas
pelo potencial económico, conseguiu aprovar o referido projeto, contrariando inclusive as determinações
constantes da lei do uso do solo, além de responder por alterações substanciais na paisagem, a ponto de
agravar os impactos ambientais em desenvolvimento: o assoreamento considerado, que implica
tendência crescente de enchentes, favorecidas pelas disritmias pluviométricas e processo de ocupação.
Problemas de contaminação das águas produzidos pelo emprego de agrotóxicos em plena
planície aluvial ou mesmo vertentes imediatas, refletem o mau uso do solo, que gera dependência da
indústria química, cujo objetivo maior é vincular a produção agrícola às relações de produção
capitalista, mesmo em pequena escala.
No caso específico, necessário se faz observar que não bastam os limites de preservação
estabelecidos pela lei do uso do solo, quando as várzeas ou compartimentos de inundação os ultrapas-
sam.
Em síntese, é preciso esclarecer que a relação do homem com a natureza (primeira e
segunda naturezas) é uma relação social, que na sociedade capitalista representa uma relação de classe.
"A natureza não produz de um lado proprietários de dinheiro ou de mercadorias e, de outro, homens que
não possuem uma base material, nem é mesmo aquela base social comum a todos os períodos histó-
ricos" (Marx, apud Smith & O'Keefe, 1980). Assim sendo, conclui-se que a vulnerabilidade do pobre
aos "azares" da natureza resulta exclusivamente do acesso diferencial à natureza.
CONCLUSÕES
Através dos tópicos discutidos, tentou-se oferecer algumas noções relativas à apropriação do relevo
(vertente) e consequentes derivações ambientais. Para tal, insistiu-se na necessidade de se levar em consideração a
compartimentação topomorfológica e suas implicações, como critério indispensável a todo e qualquer processo de
ocupação ou transformação da paisagem, além, evidentemente, da necessidade de se compreenderem as relações
processuais e o comportamento da estrutura superficial.
Procurou-se, através das relações de produção, demonstrar as relações entre o homem e a natureza, as
quais, muitas vezes, no processo de apropriação e transformação do espaço, implicam o equilíbrio dinâmico do
relevo, resultando em consequências ambientais até mesmo dramáticas; os referidos "azares" da natureza.
Considerando que as mudanças radicais da sociedade acontecem a partir das transformações ocorridas
no modo de produção que tem, historicamente, as forças produtivas como elementos mais dinâmicos e
revolucionários do processo produtivo, conclui-se que os problemas ambientais só serão definitivamente superados
com o desenvolvimento de tal conteúdo.
Toma-se, portanto, impossível desejar mudanças substanciais quanto à essência do problema ecológico,
sem que exista desenvolvimento das forças produtivas; ou de acordo com Kolbasov (1983, p. 159), "a essência
do problema ecológico da sociedade contemporânea consiste em assegurar a conservação, a reprodução
e o melhoramento das condições naturais da terra, favoráveis à vida do homem, e o processo de
desenvolvimento continuo das forças produtivas, a cultura e a organização social".
No sistema capitalista dependente brasileiro (conforme Lut-zenberger, 1985, os países capitalistas
oligopolistas representam "um mal pouco menor que o capitalismo de monopólio total do Estado"), os recursos
da natureza são objeto de uma explotaçâb intensiva, onde o Estado tenta restringir a espontaneidade da produção
capitalista através de legislação protecionista, que na maioria das vezes é estiolada pelo próprio grau de dependência
económica nacional (as relações de produção) ou transnacional. Para eliminar tais implicações, necessário se faz
alterar a raiz da estrutura social, liquidando as relações de propriedade privada e os antagonismos de classe. A
expectativa é que o sistema amplie tais contradições (antagonismo de classe) a ponto de proporcionar a evolução das
forças produtivas, comandadas pela classe trabalhadora, que necessariamente culminará em alterações substanciais
nas relações de produção (forma de propriedade e consequente estrutura social). Tal fato leva a entender que
enquanto a terra, o subsolo, a água, os bosques não se constituírem em património comum, de todo o povo,
aumentando a riqueza social, elevando o nível material e cultural da vida da população, o problema ecológico
tenderá a crescer. Contudo, as mudanças nas relações de produção devem estar associadas a mudanças culturais,
para que a sociedade, como um todo, entenda que não basta a socialização dos meios de produção, sem que se
estabeleça uma política racional de aproveitamento dos recursos naturais (com base nas reais necessidades de consu-
mo, preservando-se assim a condição ambiental).
Diante disso, enquanto o processo de organização indispensável para uma existência digna e explotaçâb
racional dos recursos da natureza não se concretizarem, necessário se faz sensibilizar a sociedade para um
confronto, através de lutas políticas que se opo-'nham à tendência da espontaneidade. Portanto, enquanto não se
proceder às mudanças radicais necessárias às transformações sociais desejadas, tem-se que sensibilizar a
sociedade, observando que os recursos da natureza e as condições naturais da vida dos homens são patrimónios de
todo o povo. Isso é valido mesmo num sistema de produção em que os meios de produção são privados, o que faz com
que os detentores dos referidos meios, ou detentores do capital, sejam responsabilizados pêlos resultados de seu
funcionamento. Ou ainda, conforme Feldman (1988,p. 17), "oexercício do direito da propriedade está subordinado ao
bem-estardacoletividade, conservação de recursos naturais e proteção do meio ambiente''.
Conti (1986, p. 147) observa que "muitos intelectuais da extrema esquerda pensam que dentro de uma
sociedade capitalista, qualquer política de proteção ambiental esteja destinada ao fracasso", uma vez que o
capitalismo não pode respeitar a natureza. "É verdade; mas é precisamente por isso que vale a pena lutar pela defesa
dos valores ambientais, para obrigar o capitalismo a fazer algo que não pode realizar sem se contradizer
ostensivamente".
Honeste Gomes (1988), em importante contribuição, destaca três •posicionamentos como formas de
luta, lembrando que os dois primeiros não vão ao centro da questão ambiental por "não questionarem os
compromissos do Estado burguês com as empresas monopolistas nacionais e transnacionais..., não penetram a
fundo no domínio da formação económica do modo de produção capitalista, nas suas contradições, nos seus jogos
de interesses. Não compreendem o capitalismo em sua historicidade (...), não questionam o acelerado processo de
divisão internacional do trabalho, que, por sua vez, passa pela industrialização imposta na regionalização dos
espaços geográficos entre sistemas político-ideológicos e económicos opostos...".
São os seguintes os questionamentos apresentados pelo autor:
a) um de caráter utópico, podemos assim dizer, porquanto os seus propositores vêem a
solução via apelo à consciência das pessoas envolvidas no processo de destruição do património
natural. Acreditam que é uma questão que se define pela vontade, pelo querer das pessoas, no
sentido de que possam reverter os comportamentos dos indivíduos que destroem o meio ambiente;
b) outro, mais consequente, embora seja dotado também de forte dosagem idealista.
Seus propugnadores já cobram do aparelho estatal uma atitude mais agressiva contra os infrato-res
do espaço natural-cultural;
c) um terceiro, mais realista, que procura encaminhar as soluções dos problemas
ecológico-ambientais via incremento das lutas políticas. O problema é colocado contra a estrutura
do Estado dependente do capital financeiro, contra grupos e empresas que detêm não só o capital
monopolista, como também a posse e uso dos espaços regionais. Entende que a luta política não
elimina as outras formas de lutas, muito pelo contrário, ela se alimenta de todas, notadamente da
luta económica. Em razão de esta ser determinante — não a única e absoluta forma de luta —, o
objetivo é produzir mudanças na base (a questão da posse dos meios de produção, da produção, da
distribuição e do consumo); e adquirir assim um maior potencial de fogo contra os depredadores
do binómio Natureza-Sociedade, constituindo-se numa forma superior de produzir mudanças
fundamentais na superestrutura (as diferentes formas de consciência sociopolftica, jurídica, educa-
cional, científica, ética, estética, religiosa, etc.).
A partir do momento em que o Estado se sentir pressionado por uma política que parta da própria
sociedade, ou mais especificamente da classe trabalhadora, que detém a força de trabalho responsável pela
materialização do processo de produção, ele tenderá a assegurar a proteção necessária ao meio ambiente,
estabelecendo princípios, exigências, normas e prescrições jurídicas obrigatórias, sérias.
Apesar de tarde, a preocupação ambiental no Brasil começa a ser sentida e inclusive incorporada na
legislação maior. Contudo, muita luta política deverá ser travada contra as injunções políticas e económicas que
estiolam as prescrições jurídicas.
Sabe-se, contudo, que o modo de produção capitalista pode continuar a produzir a natureza enquanto
puder continuar a produzir sua própria base "natural".
"Para apreender cientificamente essa relação com a natureza, é necessário proceder como Marx:
através da Ciência conduzir a ciência ao ponto em que possa ser apresentada dialeticamente"
BIBLIOGRAFIA
(Schmidt, 1976). Assim, recuperando a dialética, "a ciência recuperará a política de lutas de
classe que legitimamente permeia sua matéria-sujeito, mas que, sob as concepções burguesas ortodoxas
da ciência, são ideologicamente deslocadas" (Smith & O'Keefe 1980).
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O AUTOR NO CONTEXTO
Valter Casseti nasceu em Catanduva, interior de São Paulo e graduou-se em Geografia. Lecionou
na Universidade de Uberlândia, quando optou pela Geografia Física.
Defendeu mestrado com a dissertação Estrutura e Génese da Compartimentação da Paisagem de
Serra Negra; e doutorado com a tese Estudos dos Efeitos Morfodinâtnicos Pluviais no Planalto de Goiânia,
ambos na FFLCH, da USP.
A partir de 1976 passou a lecionar na Universidade Federal de Goiás.
Participou de projetos integrados ligados ao meio ambiente e assessorou parlamentos na
elaboração de leis referentes a esse tema. É vice-diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros de Goiânia
e coordena o Projeto Ozônio em Goiás.
É autor de quatro livros, entre eles Elementos de Geomorfo-logia.