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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE HISTÓRIA – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

TÓPICO ESPECIAL EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA A

A HISTÓRIA ABERTA: BENJAMIN, ECO E AS FORMAS SUBJETIVAS DE SE


ENTENDER A REALIDADE

IAN MOURA GOMES DO NASCIMENTO

RIO DE JANEIRO, NOVEMBRO DE 2018


HISTÓRIA E CINEMA

A HISTÓRIA ABERTA: BENJAMIN, ECO E AS FORMAS SUBJETIVAS DE SE


ENTENDER A REALIDADE

“Obra aberta como proposição de um ‘campo’ de possibilidades interpretativas,


como configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de
maneira a induzir o fruidor a uma série de ‘leituras’ sempre variáveis; estrutura,
enfim, como ‘constelação’ de elementos que se prestam a diversas relações
recíprocas.”
(ECO, Umberto. 1969, p. 150)

Nessa dissertação não pretendo construir uma visão completa das obras de Walter
Benjamin e Umberto Eco, tampouco abordá-las de forma extremamente detalhada, pois seria
um trabalho monumental que exigiria anos de pesquisa. Dito isso, o objetivo central pode ser
explicitado.
Ao analisar as obras de Eco e Benjamin, é possível identificar algumas semelhanças
entre seus discursos: ambas as obras possuem um idealismo com relação à subjetividade da
realidade.
Nas Teses sobre o Conceito da História de Walter Benjamin, há uma clara crítica aos
processos vigentes de materialismo histórico, aos quais mantém o passado preso a um só
sentido. As teses 14 e 16 demonstram esse ideal benjaminiano:

TESE 14: “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo
homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’. Assim, a Roma antiga era
para Robespierre um passado carregado de ‘agoras’, que ele fez explodir do
continuum da história. A Revolução Francesa se via como uma Roma ressurreta.
Ela citava a Roma antiga como a moda cita um vestuário antigo. A moda tem um
faro para o actual, onde quer que ele esteja na folhagem do antigamente. Ela é um
salto de tigre em direção ao passado. Somente, ele se dá numa arena comandada
pela classe dominante. O mesmo salto, sob o livre céu da história, é o salto
dialético da Revolução, como o concebeu Marx”.

TESE 16: “O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente


que não é transição, mas pára no tempo e se imobiliza. Porque esse conceito define
exatamente aquele presente em que ele mesmo escreve a história. O historicista
apresenta a imagem "eterna" do passado, o materialista histórico faz desse passado
uma experiência única. Ele deixa a outros a tarefa de se esgotar no bordel do
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historicismo, com a meretriz "era uma vez". Ele fica senhor das suas forças,
suficientemente viril para fazer saltar pelos ares o continuum da história”.
(BENJAMIN, 2012, p. 249-250)

É possível identificar acima as considerações de Benjamin: Na tese 14, ele estabelece


o passado histórico como algo carregado pelo sentido presente, algo que não pode ser
identificado pelo significado atribuído no passado; já na Tese 16, há o contraste entre o
materialismo histórico idealizado por Benjamin (ao qual não corresponde à realidade do
materialismo feito por seus contemporâneos) e o historicismo que quimeriza um progresso
contínuo da história.
Essas relações construídas pelo autor podem ser relacionadas com sua outra obra O
Narrador, que explora as questões da narração e da arte utilitária de narrar. Benjamin entende
a experiência e a narrativa como objetos interligados, pondo em questão as suas implicações
nos indivíduos da sociedade conforme ela avança; para ele a experiência tende a se afrouxar à
medida que o tempo passa e a sociedade se torna permeada de limitações narrativas.
A questão narrativa de Benjamin, além do mais, pode ser utilizada para definir um
processo de narrativa não somente mnemônica, mas histórica. As concepções benjaminianas
de narrativa histórica se encaixam nas idealizações de O Narrador, onde a história contada
deve ser relacionada à experiência, e não a um ideal materialista ou historicista que se prende
a um passado perdido ou a um futuro invisível. A narrativa do historiador deve estar
relacionada à sua “aura”, assim como suas questões.
Os aspectos narrativos presentes na obra de Benjamin prezam por uma história mais
ligada à experiência do historiador nos “agoras” (presentes), como propõe a Tese 14, e não
atrelada a uma experiência vivida por outras pessoas e imóvel, fechada, propondo assim uma
história mais “aberta” às experiências dos historiadores.
Umberto Eco, décadas após essas considerações de uma narrativa ampla na obra
benjaminiana, produz o Obra Aberta com a intenção de teorizar uma nova forma de entender
as obras de arte. Eco explora as intenções dos autores e as possíveis interpretações, sejam
intencionais ou não, que suas obras podem trazer consigo.
Para Eco, as obras de arte “abertas” seriam “uma nova dialética entre obra e
intérprete” devendo ser tomadas “como apoio numa convenção que nos permita fazer
abstração de outros significados possíveis e legítimos da mesma expressão” (ECO, 1969, p.
39-40), ou seja, a abertura das obras de arte seriam formas de expandir os significados das
obras de arte, ampliar os seus questionamentos e seus possíveis efeitos.
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Essas concepções de abertura das obras de arte, tanto visuais quanto literárias,
expandem todo o universo interpretativo do meio artístico. O ampliamento dessas
interpretações foi uma grande teorização de Eco, que permitiu com que novas concepções e
ideais pudessem ser construídos.
Esses dois espectros abordados: a narrativa histórica de Benjamin, e a obra aberta de
Eco, podem ser relacionados como obras de abertura aos princípios anteriores, onde O
Narrador de Benjamin pode, segundo Jeanne Marie Gagnebin, ser considerado uma “teoria
antecipada da obra aberta” (BENJAMIN, 2012, p. 12). A quebra representada por eles
modifica as narrativas e questionamentos que se põem posteriormente às suas obras.
A história relacionada à cinematografia representa um espectro afetado por essas obras
de abertura, já que sem as concepções de história baseada na experiência contemporânea do
historiador, essa fusão de áreas não poderia ter sido tão explorada quanto é atualmente. As
relações entre história e cinema são baseadas na amplitude interpretativa da obra de arte
cinematográfica e na concepção mais aberta de história conceituada na atualidade, sem elas, o
cinema não poderia ter sido conceituado como um campo da historiografia.
Portanto, Eco e Benjamin teriam aberto as portas para algumas concepções sem as
quais o estudo do cinema como uma obra aberta à interpretações de diversos sentidos, tanto
historiográficos quanto artísticos, não pudessem ser tão bem exploradas, onde as narrativas
transformam os meios em que as críticas possam surgir mais consolidadas, sem o peso de uma
regência fixa que priva as possibilidades de interpretação.

REFERÊNCIAS:

 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. Prefácio: Jeanne Marie Gagnebin. 8ª ed.
São Paulo: Brasiliense, 2012 (Obras Escolhidas v.1).

 ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, 2ª ed., 1969.

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