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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO AMBIENTAL URBANA 362

CAPÍTULO 15

ECOLOGIA DE PAISAGEM: UM NOVO


ENFOQUE NA GESTÃO DOS SISTEMAS DA
TERRA E DO HOMEM

Maria Luiza Porto e Rualdo Menegat

1. PAISAGEM E ECOLOGIA DE PAISAGEM: O MUNDO AO NOSSO REDOR 363


2. DESENVOLVIMENTO DA ECOLOGIA DE PAISAGEM NA EUROPA CENTRAL E AMÉRICA 369
3. BASES CONCEITUAIS E TEÓRICAS DA ECOLOGIA DE PAISAGEM 371
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 373
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 374

CITAR COMO:
Menegat, Rualdo; Almeida, Gerson. 2004. Ecologia de paisagem: um novo enfoque na gestão dos
sistemas da terra e do homem. 2004. Desenvolvimento sustentável e estratégias para a
gestão ambiental. Porto Alegre, Edufrgs, pp. 361-376.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO AMBIENTAL URBANA 363

1. PAISAGEM E ECOLOGIA DE PAISAGEM: O MUNDO AO


NOSSO REDOR

A Ecologia de Paisagem é uma moderna disciplina da Ecologia dedicada a entender as


diversas inter-relações entre a humanidade – suas atividades e seus artefatos – e sua
aberta e ampla paisagem. Na Europa Central é considerada como resultado de uma visão
integrada e sistêmica, por muitos denominada de holística, adotada por pesquisadores de
várias áreas do conhecimento, como geógrafos, ecologistas, planejadores de paisagens,
arquitetos e gestores do ambiente. O escopo fundamental dessa nova área do conhecimento
é formar um elo entre os sistemas natural e humano, incluindo as atividades agrícolas e
urbanas que mudam continuamente a paisagem.
Pelo fato de ser uma disciplina nova no âmbito da ciência, a Ecologia de Paisagem tem
origens em vários países, cujo sentido foi convergindo e se unificando. Por isso,
dependendo da língua, ela tem sido traduzida e entendida de modo diverso. A origem da
palavra paisagem é hebraica e significa bonito, lindo. Todavia, essa é uma conotação
estética, sendo que, em inglês, foi traduzida como cenário (scenery). White, em 1976,
introduziu no termo landscape (paisagem) também o sentido original, visual e perpétuo,
de conotação estética. Já segundo a tradição alemã, a palavra landschaft tem a conotação
geográfica-espacial conferida pela palavra land, que significa terra. Landschaft foi
introduzida como termo geográfico-científico no século XIX pelo eminente naturalista
Alexander von Humboldt [1769-1859], pioneiro dos geobotânicos e da geografia física.
Definiu paisagem como sendo a “característica total de uma dada região da Terra” (Der
Totalcharakter einer Erdgegend). Ele reservou a expressão “forma da superfície”
(landform) para significar fisiográfico, geológico e geomorfológico, ou seja, a configuração
da crosta terrestre.
Além das vertentes já assinaladas, encontramos origens dessa disciplina a partir dos
geógrafos russos. Eles conceberam uma definição muito próxima da alemã (=Landschaft),
incluindo fenômenos inorgânicos e orgânicos no conceito de paisagem sendo um estudo da
totalidade denominando de Geografia de Paisagem (Landscape Geography).
Poderíamos prosseguir com outros exemplos de como esse tipo de estudo está disseminado
em todos os países e vem tendo um desenvolvimento significativo na última década.
Caberia, ainda, assinalar o entendimento que os pesquisadores australianos vêm
empregando. Para eles, esse estudo diz respeito ao uso do solo (land use research) e recebe
também uma conotação holística, isto é, integrando todos os elementos e funções que o
constituem. De modo prático, tal estudo é utilizado para avaliar o desenvolvimento e seu
impacto, onde sob a expressão “plano de uso do solo” (land use plan) se coloca o estudo
que aborda também parâmetros sócio-econômicos relacionados com os ecológicos.
Porém, quando buscamos os conteúdos da Ecologia de Paisagem, veremos que suas são
encontradas em princípios propostos por naturalistas como Alexander von Humboldt,
Charles Darwin [1809-1882], Grisebach ou nos considerados primeiros ecólogos como
Schimper, Johannes Eugenius Warming [1841-1924] e Clements (1905), na Botânica. Na
Zoologia, destaca-se Dahl que, em 1908, define as condições de Biótopo. Robbins (1934)
destaca as bases deste estudo em ciências florestais, biologia, fotointerrelação e geografia,
destacando-a como ciência da paisagem.

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO AMBIENTAL URBANA 364

Na primeira metade do século XX, começou-se a relacionar as comunidades naturais e o


ambiente como componentes de um ecossistema. Na década de 1960, geógrafos e
biogeógrafos interpretaram as paisagens e seus elementos usando termos como biótopo e
ecótopo. Na acepção mais usual, o termo Ecologia de Paisagem é atribuído ao geógrafo C.
Troll (1950/68), o qual referiu as múltiplas relações existentes entre a Biologia e a
Geografia. Em 1968, ele apresentou seu ponto de vista considerando as paisagens
geográficas como causa e resultado de uma inter-relação ecológica, dizendo que:
A Ecologia de Paisagem é o estudo total (integral) de uma determinada área,
considerando o complexo efeito entre as biocenoses e as relações com o meio,
encontrando-se esta organização e um determinado padrão de distribuição em
diferentes ordens de grandeza.
Troll entendeu as diversas hierarquias escalares que o estudo da paisagem envolve, pois se
pode tanto querer entender as causas e efeitos da mesma num espaço muito próximo ou,
também, muito amplo. Para as pequenas unidades da paisagem ele usou o termo ecótopo
(Troll 1970). Além disso, Troll destacou que Ecologia de Paisagem não era uma ciência que
lidava apenas com um mundo objetivo, lá fora, mas também se constituía como um ponto
de vista especial para entender os complexos fenômenos naturais e as relações com a
humanidade. Por isso, ele referiu a Ecologia de Paisagem (Landschaftökologie) como o
estudo de uma entidade total, espacial e visual do espaço humano vivo, integrando
Geosfera, Hidrosfera, Atmosfera, Biosfera, Antroposfera e sua Noosfera, a esfera da
consciência.
De modo mais operacional, a Ecologia de Paisagem estuda as relações da paisagem em
duas dimensões de entendimento e representação: uma no plano horizontal e, outra, no
vertical. Na dimensão horizontal, se colocam as questões geográficas, isto é, o
entendimento e a representação dos fenômenos naturais e das atividades e artefatos
humanos distribuídos no espaço. Na dimensão vertical, estão as questões ecológicas, as
quais estudam as relações funcionais de um determinado lugar, definido como ecótopo.
Considerando-se este ponto de vista especial, em Ecologia de Paisagem são incluídos
conceitos e princípios do estudo intergrado de geoecossistemas e bioecossistemas
constituindo, por esse motivo, um estudo holístico onde se destaca a importância de
disciplinas afins.
Pesquisadores que contribuíram e contribuem com seus estudos para compreensão desse
novo ponto de vista partiram de análises integradoras em áreas como a fitossociologia, de
comunidades vegetais, de fitogeografia, entre outras. Diversos pesquisadores europeus têm
se destacado nesses estudos, como Ellenberg, Dansereau, Walter, Haase, Braun-Blanquet e
Tüxen. Nos Estados Unidos, temos trabalhos importantes empreendidos por Sauer,
Jackson. Na Rússia, Vinagradov, Sochova. Na Holanda, Zonneveld e Lieberman.
Dessa forma, dependendo da especialidade que cada autor parte para entender a paisagem,
poderemos ter variações na conceituação e entendimento dessa disciplina. Contudo, foi o
pesquisador alemão Schreiber que, em 1985, sumarizou em um esquema os diferentes
pontos de vista dos autores europeus. Nesse esquema, ele também referenciou a relação da
Ecologia de Paisagem com as áreas correlatas, conforme pode ser visualizado na Figura 1,
abaixo.

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Figura 1 – Esquema das relações entre a Ecologia de Paisagem e


demais áreas de conhecimento segundo Schreiber
(1985).

Danserau, em seu livro Biogeography: an ecological perspective, publicado em 1957,


propôs Ecologia de Paisagem como sendo o mais alto grau interativo dos processos
ambientais e suas relações. Esse autor enfatizou o conceito de noosfera (noos = mente),
relativo à presença do homem na paisagem. Dessa forma, o estudo não se reduz ao
entendimento das esferas – geosfera, hidrosfera, biosfera e atmosfera – externas a
humanidade, mas também como ela percebe os grandes sistemas e os modifica.
Langer, em 1970, e Zonneveld, em 1972, destacaram que Ecologia de Paisagem tem uma
abordagem holística, formada por diferentes elementos que se influenciam mutuamente,
sendo uma disciplina científica que se debruça sobre as funções internas, organização
espacial e relações recíprocas dos sistemas relevantes da paisagem.
Zonneveld também propôs níveis hierárquicos escalares na distribuição das unidades de
paisagem no espaço, entendidas em suas relações corológicas. A definição de cada unidade
fundamental e sua escala encontram-se no Quadro 1 e na Figura 2.

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Quadro 1 – Unidades fundamentais da paisagem: escala e


definição. Segundo Zonneveld (1972). As unidades
encontram-se ilustradas na Figura 2.

UNIDADE DEFINIÇÃO

A menor unidade holística da paisagem,


usualmente com uma área em torno de 100
Ecótopo m2 podendo atingir alguns km2. Caracteriza-
lugar
(=coro)
se pela homogeneidade dos atributos do
lugar em relação à geosfera (forma, solo,
rochas) hidrosfera, biosfera e atmosfera.
Fácies1 A combinação de ecótopos que formam
microcoro relações de origem (land form).
A combinação de fácies em convenientes
Sistema da terra2
unidades de mapeamento com escala
mesocoro
reconhecida.
A média da paisagem, como uma
Continente
combinação de sistemas em uma
macrocoro
determinada região

Figura 2 – Hierarquia das unidades de paisagem e esferas


planetárias, segundo Zonneveld (1972). As definições
encontram-se no Quadro 1.

1 Em inglês land fácies.


2 Em inglês land system..

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Os autores canadenses Forman e Gordon desenvolveram seus estudos em Montepelier, na


França, e escreveram, em 1986, um livro didático intitulado Landscape Ecology onde
apresentam um enfoque bioecológico e esclarecem aspectos da estrutura e dinâmica da
paisagem. Esses autores consideram como características fundamentais da paisagem a
estrutura, a função e a troca, cujas definições estão contidas no Quadro 2, abaixo.

Quadro 2 – Características fundamentais da paisagem, segundo


Formam e Gordon (1986).

CARACTERÍSTIC
DEFINIÇÃO
A

Relação espacial entre os elementos das


comunidades da paisagem, distribuição do
Estrutura
potencial energético, configuração, número de
espécies, relação de tamanho.
Interação entre os elementos espaciais; fluxo
Função
de energia, matéria e espécies no ecossistema.
Alteração da estrutura em função do mosaico
Troca
ecológico ao longo do tempo.

Schreiber, ao escrever em 1989 sobre a história da Ecologia de Paisagem na Europa,


enfatizou os aspectos de aplicação dos estudos dessa disciplina, reconhecendo a
importância crescente no planejamento e manejo de paisagens. Além disso, verificou a
necessidade desses trabalhos envolverem um grande número de pessoas e pesquisas. Com
isso, ele relembrou as idéias de Ellenberg (1984), que assinalava a importância desses
estudos em questões que envolvem o desenvolvimento rural nas regiões tropicais e
subtropicais. Este estudo contém informações extremamente práticas que são baseadas
fundamentalmente em pesquisas extensivas em geobotânica, agroecologia e paisagismo.
Já Zonneveld e Forman, num livro publicado em 1990 (Changing landscapes: an
ecological perspective), consideraram que a "Ecologia de Paisagem é uma ciência
emergente de caráter complexo e conteúdos heterogêneos, com bases claramente
científico-filosóficas (epistemológicas)". Afirmaram, ainda, que essa ciência resulta da
sobreposição de informações de outras disciplinas ou áreas do conhecimento e que ela é
sustentada pelo trabalho de equipes de pesquisadores e associações de ecólogos da
paisagem. Além disso, delinearam os objetivos dos estudos dessa disciplina como atinentes
à forma da paisagem, à função e à gênese (trocas) e sua total dependência do ambiente,
focalizando paisagem como ecossistema. Segundo esses autores, as pequenas unidades na
paisagem são ecossistemas tangíveis, caracterizados por estrutura, função e trocas. Numa
visão horizontal, as unidades básicas da paisagem parecem homogêneas e o estudo delas
requer uma visão holística e cooperação conjunta de ciências do solo, vegetação, hidrologia
e outras. Entre os componentes da paisagem existem as relações horizontais ou corológicas
e as verticais ou topológicas. As primeiras são preocupações dos zoólogos ou biólogos e as
segundas dos geocientistas e dos cientistas da vegetação. Colocaram ainda, a idéia de ser a
paisagem um ecossistema aberto, onde os aspectos particulares são função de outros
componentes horizontais.

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A idéia de que a Ecologia de Paisagem seja uma ciência multidisciplinar e transdisciplinar


também foi abordada por esses autores, pois ela requer o conhecimento integrado de
muitas disciplinas. Nesse aspecto, autores como Naveh e Lieberman (1984) definiram a
ecologia de Paisagem como transdisciplinar, na medida em que ela propicia uma
integração de conhecimentos num nível mais elevado, não sendo somente combinações de
vários métodos de diferentes ciências, mas, além disso, pressupõe várias influências e
abrangências de natureza filosófica e holística.
Naveh e Lieberman também reconheceram a importância dos novos sistemas geográficos
de informação computadoriza, que se constituem cada vez mais numa nova e importante
ferramenta que oportuniza estudos e modelos cartográficos, que ajudam sobremaneira na
interpretação integrada e holística dos atributos de um dado lugar. A partir de ferramentas
de geoprocessamento pode-se fazer uma analisar que classifica quantitativamente as
unidades da paisagem. Com isso, há uma melhora significativa no uso dos conhecimentos
dessa nova ciência em planos de manejo, gerenciamento e conservação de áreas. Nesses
planos, pode-se, agora, enfatizar um conjunto de métodos específicos, como os
morfológicos (descrição das estruturas e seus elementos); classificatórios (ordenação,
sistemática); corológicos (distribuição espacial e variações); cronológicos (variações
temporais) e de relacionamento (buscando nos atributos regionais o interesse científico
como base da avaliação).
Em que pese a grande disponibilidade de programas de computador e tecnologias de
informação geográfica, o método básico de estudo reside no entendimento das
características fisionômicas e estruturais dentro de diversas escalas de análise, desde as
locais até as globais (ver Figura 2). Além dessas, também as questões de trocas na
paisagem são fundamentais e, via de regra, abordadas segundo Neef (1967) em três
dimensões (ver Figura 3), conforme apontado no Quadro 3 abaixo.

Quadro 3 – Dimensões no estudo das trocas na paisagem, segundo


Neef (1967). Ver ilustração na Figura 3

DIMENSÃO CARACTERÍSTICAS

Enfatizando-se o ecótopo e a importância dos


conhecimentos geomorfológicos e de vegetação.
Topológica
Esses estudos são a base para as relações
corológicas.
Os atributos corológicos configuram mosaicos de
ecótopos. A combinação de estudos corológicos
Corológica
com topológicos define as características mais
relevantes da ecologia de paisagem.
Esses estudos definem o relacionamento em escala
continental e global. São estudos ecológicos
Geosférica
globais como aqueles empreendidos pela Teoria de
Gaia3.

3 Ver capítulo A Teoria de Gaia e a gestão do planeta, de Peter Bunyard. [Nota do Revisor Técnico].

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO AMBIENTAL URBANA 369

Figura 3 – Heterogeneidades corológica e topológica no estudo da


paisagem, segundo Neef (1967). A heterogeneidade
vertical deve-se aos atributos do lugar e, a horizontal, às
unidades do relevo, as quais podem ser distinguidas
numa classificação corológica em várias escalas, até a
geosférica. Ver definições no Quadro 3.

2. DESENVOLVIMENTO DA ECOLOGIA DE PAISAGEM NA


EUROPA CENTRAL E AMÉRICA

A Ecologia de Paisagem teve seu início como disciplina biogeográfica,


suprindo uma lacuna até então existente entre a visão corológica e a funcional. O
fato de conceitos como o de comunidades, clímax, monoclímax, policlímax,
vegetação zonal, extrazonal e azonal, mais relacionados com a visão funcional,
serem de maior domínio de ecólogos, fitossociólogos e geobotânicos , fez com que os
mesmos se integrassem rapidamente a essa nova disciplina
A introdução da Ecologia de Paisagem como uma disciplina geográfica,
segundo Troll, foi adotada, na Alemanha, por Schreiber, para estudar relações com

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entre a agricultura e pecuária, e por Haber, para entender os sistemas rurais e


urbanos e para a proteção de biótopos, utilizando simultaneamente métodos e
técnicas como bioindicadores, matemática, cibernética e modelagem.
O desenvolvimento na América se deu mais tarde, por volta de 1984, com a
participação de vários ecólogos que faziam parte de disciplinas afins. As discussões e
trabalhos se deram, inicialmente, em relação a fluxos, trocas e mosaicos da
paisagem, onde podem ser distinguidos os trabalhos de Golley, Fabos, Forman,
Carlson e Sharpe.
Em 1982, foi fundada a Associação Internacional de Ecologia de Paisageem
(IALE - International Association of Landscape Ecology) e, a partir dessa data,
passaram a ocorrer encontros científicos regulares. A Associação, em 1986, contava
com cerca de 100 membros e, em 1987, dobrou seu número. A partir deste ano, as
discussões e trabalhos passaram a abordar teorias e aplicações referentes a diversos
temas da ecologia e da gestão ambiental, como ilustra no Quadro 4.
Quadro 4 – Principais técnicas e temas abordados pela Ecologia de
Paisagem a partir de 1987.

TEMA OU TÉCNICA
Relações entre organismo e paisagem
Sistemas de informações geográficas (GIS)
Sensoriamento remoto
Padrões de comunidades
Conservação das comunidades na paisagem
rural
Índices de fractais
Perturbações naturais e humanas
Modelos e configurações de manchas, borda,
corredores e redes
Modelos de conectividade
Fluxo de matéria na paisagem
Mosaicos regionais e padrões
Aplicação em manejo
Aplicação em conservação
Aplicação em estudos florestais

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3. BASES CONCEITUAIS E TEÓRICAS DA ECOLOGIA DE


PAISAGEM

Naveh e Lieberman, no livro Landscape Ecology - Theory and Aplication,


publicado em 1984, apresentaram idéias e conceitos da Ecologia de Paisagem
desenvolvidos na Europa Central, que a estabeleceram como uma disciplina
científica, com estrutura conceitual e epistemológica. Para essa estruturação,
concorreram conceitos derivados de teorias científicas muito próximas como
aqueles da Teoria Geral dos Sistemas, que estuda hierarquias na natureza como um
sistema fechado, incluindo complexidade e organização, da Biocibernética, que
estabelece teorias da regulação cibernética, estabilização e realimentação do
biossistema, e da Ecossistemologia, que aborda a teoria da transdisciplinaridade de
ecossistemas.
Um dos conceitos fundacionais da Ecologia de Paisagem e que a tornam uma
disciplina de alto poder integrativo é o do Ecossistema Humano Total (THE – Total
Human Ecosystem), o qual possibilita o mais alto nível de integração ecológica
entre a ecosfera e a inserção humana no espaço-tempo da paisagem global. A
totalidade é mais do que a soma de suas partes (Egler, 1942), pois implica na visão
da natureza como um todo estruturado, onde há organização hierárquica e
estratificação em diversos níveis. A partir dessa premissa, reconhece-se um padrão
estrutural também para as paisagens, podendo este ser expresso num holograma,
como ilustrado na Figura4.
A Ecologia de Paisagem é uma disciplina multidisciplinar, pois procura
entender os cruzamentos e interfaces das relações estruturais, o que é imperativo
para se obter uma compreensão global. Além disso, ela é também transdisciplinar,
na medida em que unifica várias disciplinas que tratam da ecosfera e da antrosfera,
preservando a especificidade de cada abordagem ao mesmo tempo em que constrói
uma visão totalizadora.

A Ecologia de Paisagem se coloca, assim, como uma ciência do ecossistema


humano, com suas diversas interfaces e hierarquias com o sistema natural. Dentro
de suas unidades fundamentais de estudo, está o ecótopo, considerado como o
organismo do hólon e a menor parte homogênea e mapeável da paisagem, sendo
definido espacialmente. Essa unidade por si é também um sistema de interações
internas, cujo padrão apresenta uma certa uniformidade em relação ao espaço
adjacente. Na ciência da vegetação, essa unidade é entendida como aquela que
demarca uma área de uniformidade do complexo vegetacional, o qual é formado por
blocos e manchas na paisagem.

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Figura 4 – Hierarquias ecológicas e o lugar da ecologia de paisagem


e do ecossistema humano total, segundo Naveh e
Liberman (1984).

Já em geoquímica ambiental, tal unidade é denominada de prisma da paisagem e,


em pedologia, também de ecotopo. Desta forma, a paisagem, como um todo é
formada por elementos pequenos que configuram essa paisagem. Sendo um
mosaico tessera, ela segue o modelo:

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l, s, v, a = F[Lo, Px, t]

Onde as variáveis:
l propriedades
internas
s solo
v vegetação
a animal

são funções de três fatores (F):


Lo estágio inicial do
maior sistema
no tempo zero
Px fluxo externo de
energia
potencial
t idade do sistema

O ecotopo é a menor unidade da paisagem da biosfera e da


tecnosfera/antroposfera. A ecosfera é a maior esfera da paisagem global e constitui-
se no sistema concreto do Ecossistema Humano Total (THE).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como Wiens, em 1992, ressaltou, a Ecologia de Paisagem estabeleceu-se como uma


disciplina científica. Originada em 1960 na Europa Central e, posteriormente, sendo
desenvolvida também na América do Norte, ela focalizou inicialmente aspectos de
distribuição espacial dos padrões, mosaicos e interações entre os elementos. Como
uma disciplina recente, seu corpo central de conceitos e teorias ainda está em fase
de formação. Porém, autores como Turner (1989) e Zonneveld e Forman (1990)
reconhecem que ela tem uma clara identidade e direção, cujas raízes encontram-se
em disciplinas como ecologia, geografia humana, manejo de áreas, planejamento,
arquitetura de paisagem e sociologia.
A exemplo de outras disciplinas em fase de formação, existem vários pontos
de vista sobre qual viria a ser o domínio mais preciso da Ecologia de Paisagem. Na
literatura existente, onde foram examinados 99 artigos sobre Ecologia de Paisagem,
encontram-se diferentes enfoques, como o estudo de comunidades, populações,
geoprocessamento, fractais, entre outros. Muitos estudos abrangeram a escala

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO AMBIENTAL URBANA 374

espacial de alguns quilômetros quadrados ou hectares (a escala da paisagem


humana), as estruturas e influência humana, o uso da terra ou análise dos padrões
espaciais, colocando os aspectos da disciplina no auxílio do manejo e gestão
ambiental.
A Ecologia de Paisagem se coloca, assim, como um estudo regional sobre a
estrutura da paisagem, a influência humana e o uso da terra. A análise dos trabalhos
sugere que a Ecologia de Paisagem não é uma disciplina particularmente
quantitativa, embora existam bases teóricas e teste de hipóteses. Mas, ela é
particularmente na investigação dos problemas da fragmentação de comunidades,
distribuição da manutenção da biodiversidade e no manejo e desenvolvimento.
Quando tomada como ciência aplicada, a Ecologia de Paisagem tem bases empíricas
com direções quantitativas ou qualitativas e sua teoria tem capacidade preditiva,
assim como, grande força heurística.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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