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Aristóteles, Política 1252 a –1253 b - Tradução de José Veríssimo Teixeira da

Mata

Uma vez que vemos ser toda a cidade-estado uma certa comunidade e que toda a
comunidade é constituída em razão de um bem (com efeito, todos agem sempre em
vista do que lhes parecer ser o bem), é evidente que todas as cidades-estados anelam
um bem, sobretudo, a comunidade suprema e que contém as restantes visa ao supremo
bem. É esta comunidade que se chama cidade-estado, e é ela a comunidade política.

Todos quantos julgam que o político, o rei, o intendente e o senhor de escravos são o
mesmo não estão certos (Com efeito, julgam que diferem pelo grande ou pequeno
número [de subordinados], e não que cada uma dessas funções difere pela espécie.
Assim, se há poucos [subordinados], a função é de senhor de escravos, se há um
pouco mais, é o intendente, se há ainda mais, é o político ou o rei, como se em nada
diferissem uma pequena cidade-estado e uma grande casa.)

Quanto ao político e ao rei, cabe dizer o seguinte: se é a própria fonte do mando, é o


rei; se governa e é governado, conforme as regras da ciência e como parte da cidade-
estado, é o político. Porém, essas observações não são verdadeiras. Isso tornará claro
o que se disse aos que examinarem a questão conforme o método já empregado.

Com efeito, como em outras disciplinas, é necessário analisar o composto até os


elementos indecomponíveis (esses, com efeito, são as partes menores do todo).
Também desse modo conheceremos a cidade-estado, ao examinar as partes de que se
compõe, e mais saberemos delas: por que diferem entre si, e se é possível
compreender a respeito de cada uma das coisas já referidas o que é próprio de cada
função.

Se alguém vir as coisas que nascem e se desenvolvem, desde o princípio, como em


outros casos, observará melhor assim o que aqui se passa. Primeiro, é necessário que
os que não podem existir, uns sem os outros, passem a viver conjuntamente, por
exemplo o macho e a fêmea para a produção de descendência (e isso não depende de
um projeto, mas como em todos os animais e plantas é natural a reprodução para que
possam se perpetuar), e é necessário que um comande por natureza e o outro seja
comandado para que [ambos os dois] se salvem.

O que pode, com efeito, pelo pensamento fazer previsões por natureza é o que
comanda, e, por natureza, é senhor dos escravos. Por sua vez, o que pode com o corpo
suportar fadigas é o comandado e, por natureza, esse é o escravo. Por essa razão, o
escravo e o senhor formam um mesmo. Por sua respectiva natureza, distinguem-se
então a fêmea e o escravo (a natureza não faz nada igual aos ferreiros de Delfos, que
fazem as suas facas de modo falho, mas a cada coisa reserva uma única função. Com
efeito, assim cada um dos instrumentos melhor cumpriria seu fim, se se destinasse não
a muitas funções, mas apenas a uma).

Entre os bárbaros, porém, a varoa e o escravo têm o mesmo nível. A causa disso é que
eles não têm o que por natureza comanda, mas a comunidade deles passa a ser de
escrava e de escravo. Por isso dizem os poetas “É razoável que os gregos dominem os
bárbaros, porque por natureza o bárbaro e o escravo são iguais”. Dessas duas
comunidades, a primeira [a surgir] é a família, e Hesíodo disse corretamente, quando
compôs o verso “A casa primeiro, depois a mulher e o boi para arar.” Com efeito, o
boi é o agregado dos necessitados.” A casa é, portanto, a comunidade composta
segundo a natureza para o dia a dia, e os seus membros Carondas chama de
“companheiros do celeiro”; Epimênides de Creta chama de companheiros da
manjedoura”. A vila é a primeira das comunidades formadas por muitas famílias para
fazer face às necessidades não cotidianas. A vila parece ser, sobretudo, uma extensão
da família, alguns chamam seus membros de filhos do mesmo leite e filhos dos filhos.
Por isso primeiro as cidades-estados foram comandadas por reis, e ainda hoje são
comandadas por eles as tribos. Com efeito, cidades-estados e tribos se formaram pelo
fato de terem sido comandadas por reis. Com efeito, toda a família se submete ao
comando do mais idoso, como a colônia ou extensão das famílias, pelo parentesco de
seus membros. E é isto o que disse Homero “Cada um institui a lei aos seus filhos e
esposas, pois dispersos viviam nos tempos de outrora.” Por isso todos os homens
(uma vez que uma parte deles ainda hoje tem um rei, qual tinham antigamente) dizem
também serem os deuses comandados por um rei, pois tornamos semelhantes às
nossas próprias vidas as vidas dos deuses da mesma forma que fazemos as suas
formas semelhantes a nós mesmos.

A cidade-estado é a comunidade completa, oriunda de muitas vilas, a qual, por assim


dizer, alcança o limite máximo do autoprovimento digno de suas próprias
necessidades, vindo à luz para o viver, e existindo para o bem-viver. É por isso que
cada cidade-estado existe por natureza, se também assim eram as vilas que a
formaram. E ela [a cidade-estado] é o fim dessas. Com efeito, cada coisa é depois que
sua origem se completou; dizemos ser esta a natureza de cada uma das coisas, quer do
cavalo, quer do homem ou da família. Demais, a causa final e o fim é o supremo bem.
Também o autoprovimento com dignidade de si mesmo é tanto o fim quanto o
supremo bem.

Pelo que foi exposto, torna-se evidente que a cidade pertence às coisas que são por
natureza e que o homem, por natureza, é um animal político. Também o que por
natureza ou por acaso não tem a sua cidade-estado é inferior ou superior ao homem,
como aquele que Homero injuriou: “Sem família, sem lei e sem morada”. Com efeito,
o que por natureza é isto também deseja a guerra, como peça desgarrada no jogo. É
evidente por que razão o homem é animal político mais do que toda a abelha ou mais
do que todo o animal gregário. Com efeito, como dizemos, a natureza não faz nada
em vão. E dos animais somente o homem tem a palavra.

A voz é sinal de prazer ou de pena, por isso subsiste também em outros animais (com
efeito, a natureza deles alcança até a sensação de pena ou de prazer e as reconhece,
separando-as, uma da outra). O discurso é para tornar claro o que convém e que é
prejudicial, como também o que é justo e o que é injusto. Ao comparar os homens aos
outros animais, vê-se que isso lhes é próprio: ter a sensação do bem e do mal, do justo
e do injusto, e de outras. O conjunto dessas sensações (aisthéseis) é que faz a família e
a cidade-estado.

Também a cidade-estado é anterior por natureza à família e a cada um de nós


mesmos. É necessário, com efeito, que o todo seja anterior à parte. Com efeito, tendo
sido destruído o corpo, não haverá nem pé nem mão, a não ser homonimamente,
como se alguém se referisse a uma mão de pedra (com efeito, aquela mão estará
morta). Todas as coisas se definem por sua função e por sua potência, por conseguinte
quando já não são não se deve dizer que são, mas que são homônimas.
É evidente, portanto, que a cidade-estado por natureza é anterior a cada um dos
cidadãos. Se, com efeito, o cidadão não pode se prover de modo suficiente, de modo
igual às outras partes estará diante do todo, e o que não pode participar ou que de
nada necessita, por se bastar a si mesmo, não será parte de nenhuma cidade-estado,
por conseguinte será ou um animal feroz ou um deus. Por conseguinte, há em todos os
homens o impulso para tal comunidade. E o que primeiro a instituiu foi causa dos
maiores bens. Com efeito, como o homem, depois de ter alcançado o pleno
desenvolvimento, é o melhor dos animais, do mesmo modo, separado da lei e da
justiça, será o pior. Com efeito, a injustiça com armas é a pior. O homem, para
cultivar a ponderação e a virtude, naturalmente se desenvolve possuindo armas, das
quais é possível se servir com vistas a fins contrários àquelas virtudes. Por isso o
homem sem virtude é o mais sacrílego e selvagem, e o mais servil aos prazeres do
sexo e da gula. O senso de justiça é próprio da cidade-estado. A justiça é a ordem da
comunidade dos cidadãos, e o sentido de justiça a capacidade de julgar o que é justo.

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