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Capítulo do livro: JOVEM, ADOLESCENTE E CRIANÇA EM CONTEXTOS DE

PROTEÇÃO E DE RISCO NO BRASIL. ORG. SANDRA CABRAL BARON; KATIA


TAROUQUELLA R. BRASIL (2013). ISBN – 85-228-0402-8. Ed. Universidade
Federal Fluminense.

A Juventude na periferia de uma cidade amazônica: perfil e demandas sobre


políticas públicas.1
Lúcia Isabel da Conceição Silva2

Introdução
A intenção deste capítulo é apresentar um cenário sobre a juventude da periferia
da cidade de Belém (Pará). Os dados fazem parte de um estudo realizado com 762
jovens, que objetivou realizar um diagnóstico sobre a situação da juventude e suas
percepções sobre os problemas enfrentados na vivência desta etapa da vida. O texto traz
informações sobre o acesso a direitos básicos como renda, educação, trabalho,
informação, cultura e lazer e sobre as percepções dos jovens a respeito dos problemas
que enfrentam no bairro e na cidade, discutindo o lugar que eles têm ocupado na política
pública e na dinâmica social neste contexto brasileiro e amazônico.
Vive-se atualmente uma conjuntura de amplas e intensas transformações que
atingem ou se expressam em diversos campos da vida humana. Estas transformações
são também acompanhadas por contradições e problemas. No Brasil, por exemplo,
desenvolvimento econômico e tecnológico e produção de riqueza convivem com
miséria, exclusão, injustiças e negação de direitos para parcela significativa da
população.
Dentro do conjunto da população, as novas gerações têm sido particularmente
atingidas por esses cenários de restrição de acessos. Os jovens brasileiros se destacam
nesse contexto, cuja realidade tem sido de ineficiência nas políticas públicas e serviços,
educação precária, acesso restrito ao mundo do trabalho, reduzida agenda de
sociabilidade e oportunidades, falta de mecanismos de participação, associação
(concreta ou presumida) a eventos de violência. Todos estes aspectos aparecem, assim,
como típicos da relação entre o tempo da juventude e a sociedade em geral.

1 Este trabalho compõe o estudo Juventude e Resistência: significados e alternativas de


participação dos jovens em processos organizativos. Coordenado pela autora. Apoio: FAPESPA.
2 Professor Adjunto II da Universidade Federal do Pará.
Estas restrições são particularmente acentuadas nas camadas mais pobres da
população, que têm negados seus direitos mais básicos.
Falar de juventude no Brasil significa falar de um contingente de 49.907 milhões
de pessoas de 15 a 29 anos, em sua grande maioria vivendo em áreas urbanas. Na região
metropolitana de Belém (Pará) são aproximadamente 610 mil jovens entre 15 e 29 anos
(IBGE, Síntese dos Indicadores Sociais, 2010). Também nessa região metropolitana, os
dados indicam que cerca de 72 mil crianças começam a trabalhar até os 9 anos de idade,
enquanto cerca de 286 mil ingressaram no mercado de trabalho até os 14 anos (Anuário
Estatístico da Prefeitura de Belém, 2010). Como se vê, trata-se de uma grande parcela
da população que, a despeito de vir vem crescentemente exercendo pressão por serviços
e políticas públicas, ainda não as têm adequadamente garantidas.
Uma das principais questões relacionadas às políticas públicas de juventude,
aqui entendidas como o corpo de diretrizes, princípios e ações de investimento dos
recursos públicos para este segmento específico, diz respeito tanto à escassez de tais
investimentos, quanto à frequente aplicação em respostas setoriais e desarticuladas,
resultando, em geral, na ineficiência de tais políticas (Spósito, 2008; Castro, Aquino &
Andrade, 2009).
É fato que as últimas décadas assistiram a uma crescente visibilidade da
categoria juventude como alvo tanto de estudos no âmbito acadêmico, quanto dos
movimentos sociais e dos projetos sociais, da presença na grande mídia, assim como
alvo da ação pública. É fato também que grande parte desta visibilidade está fortemente
associada ou relacionada às questões da violência, com destaque para alguns episódios
de repercussão nacional (Spósito, 2008).
Eventos de violência envolvendo jovens acabam por vincular conceitualmente as
duas questões. Essa associação contribui para a disseminação da uma concepção de
juventude como perigo ou ameaça em potencial e configura na sociedade a percepção
do chamado “problema da juventude”. Esta tem sido, nas últimas décadas, uma das
principais vias de identificação da juventude e dos elementos de maior destaque na
mídia e no debate político, tornando-se a principal demanda por uma agenda pública de
intervenção do Estado.
É fato também que vários estudos e ações públicas, tanto governamentais como
não governamentais, têm contribuído para situar e consolidar uma agenda de debates
sobre a juventude. Um importante ator nesse cenário foi a UNESCO, que conduziu
várias pesquisas e estudos sobre a juventude em todo o Brasil desde o final da década de
90, dentre os quais se destacam os 11 “Mapas da violência: jovens no Brasil”,
publicados nos últimos anos (Waiselfisz, 2011).
Também é significativo o papel de diversos outros investimentos em estudos
sobre juventude, que, a partir de diferentes metodologias, buscam ouvir e dialogar com
os jovens, identificar suas demandas, conhecer suas realidades específicas de forma a
aprender com as diversas vozes e buscar proposições pautadas em contextos e
realidades específicas, como, por exemplo, o estudo Juventude Brasileira e
Democracia: participação em esferas e políticas públicas, coordenado pelo IBASE, em
2006, que envolveu diversas organizações e uma rede de pesquisadores no Brasil
(IBASE & PÓLIS, 2006), e ainda o estudo Juventude e Integração Sul-Americana
(Ibase & Pólis, 2008), que seguiu metodologia semelhante.
A preocupação com a produção de dados sistemáticos sobre a juventude em
termos de suas condições socioeconômicas, de saúde, comportamento e educação levou,
ainda, à construção do Índice de Desenvolvimento da Juventude – IDJ (Waiselfisz,
UNESCO, 2004; 2007), considerando as dimensões de educação, saúde, incluindo
causas de mortalidade e renda.
Dell’Aglio, Koller, Cassep-Borges e Leon, (2009), também com base nos
indicadores de qualidade de vida de crianças e adolescentes, desenvolveram o Índice de
Bem-estar Infanto-Juvenil – IBEIJ, um índice composto por 36 indicadores sociais dos
seguintes domínios: condições socioeconômicas, saúde, comportamento, desempenho
escolar e espaços da comunidade. Esse estudo utilizou base de dados disponíveis por
órgãos públicos e calculou escores padronizados para os domínios nos 27 estados da
federação. Os resultados demonstraram que os melhores índices estão localizados nas
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, com destaque para RJ, DF e SP no domínio
socioeconômico; SC, RS e SP no desempenho escolar e DF e SC em espaços para
comunidade. Os autores também localizaram indicadores negativos para o bem-estar
nas categorias trabalho e estudo para a faixa etária de 10 a 17 anos, avaliando a evidente
dificuldade de conciliação entre as duas atividades, além de competição que o trabalho
opera em relação ao tempo da escola.
De forma geral, estes estudos ((IBASE & PÓLIS, 2006; Waiselfisz, UNESCO,
2004; 2007; Dell’Aglio et al. 2009b) desvendam as disparidades regionais em termos
dos indicadores, com as regiões Norte e Nordeste com as maiores desvantagens. Outro
aspecto em comum nesse conjunto de estudos é a identificação do descompasso entre as
demandas deste segmento da população e a ineficiência do Estado em promover
políticas abrangentes e integradas.
Trata-se de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que reclama a participação
da juventude (e da população em geral) na construção de novos valores e nova ordem
política, reforça condições excludentes que não apenas mantêm, mas acirram as
desigualdades. São dados que mostram que para aqueles jovens que já vivem um
processo de exclusão estão destinadas condições (de educação, saúde, trabalho, acesso a
informações, cultura e lazer) que mantêm ou acentuam a situação; logo, que reforçam
sua condição de desiguais. Conforme relatado em trabalho de Silva e Risuenho (2006b):
“...os estudos mostram duas juventudes. De um lado jovens
das classes A/B ou os jovens brancos com acesso facilitado a uma
quantidade e diversidade de atividades e possibilidades de
informações, aos mais variados temas, às tecnologias de comunicação,
às oportunidades de lazer. De outro um retrato da exclusão
representado pelos jovens das classes D/E, dentre os quais apenas uma
parcela bem pequena refere este tipo de acesso, evidenciando que as
grandes decisões políticas, a despeito de a redução das desigualdades
ter se tornado a grande bandeira política dos últimos governos, apenas
dão conta de concretizar um cenário cada vez mais injusto, menos
igualitário e menos solidário, onde o mesmo modelo político e
econômico que demonstra certa competência na produção da riqueza
não consegue manter a mesma competência na promoção do acesso

equitativo aos serviços e aos bens culturais” (p. 40).

Aos jovens pobres são patentemente reduzidas ou negadas as possibilidades de


opções, as oportunidades e perspectivas concretas de construção de projetos de futuro,
ou seja, alguns dos importantes instrumentos construtores de habilidades ou capacidades
de inserção social, o que, de certa forma, reproduz a exclusão.
Ao mesmo tempo cabe reconhecer alguns avanços na composição das políticas
de juventude, com destaque para a elaboração da Política Nacional de Juventude (2005)
e sua estrutura: a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de
Juventude – CONJUVE e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – o Projovem,
este de caráter emergencial para atender jovens excluídos da escola e do mercado de
trabalho. Essa política tem o mérito de, pela primeira vez no país, dispor de um espaço
institucional para elaborar diretrizes e supervisionar programas de juventude e de um
órgão consultivo e fomentador de estudos e propositor de diretrizes.
No entanto, completados quase seis anos da política, o debate ainda se faz em
torno da ausência / ineficiência das políticas públicas de juventude e pela pressão em
ampliá-las, visto que a realidade concreta está a reclamá-las. Estas têm se constituído,
de forma geral, em “fragmentos” de ações focalizadas, microscópicas e extremamente
seletivas. Embora possam ser consideradas ações importantes e algumas dessas ações
sejam balizadas por novos paradigmas no campo da proteção social, ainda são de
alcance reduzido. Ademais, não se constituem como política permanente e sistemática
de investimento da juventude (Castro, Aquino, & Andrade, 2009).
A política nacional também inspirou processos de discussão para elaboração
/implementação de políticas estaduais que, da mesma forma, a despeito de evidenciarem
o espaço institucional da juventude, ainda demonstram problemas nos desenhos
institucionais, na gestão das políticas e na participação dos jovens como atores sociais
importantes. Isto põe em cheque a potencialidade do Estado como controlador de
políticas e a sua própria legitimidade.
No caso dos programas formativos e educativos (PET, Projovem, por exemplo),
é possível evidenciar formatos diversos que, em geral, disseminam um perfil específico
do jovem destinatário dessas políticas. São programas socioeducativos para “jovens
pobres”, com os piores indicadores de exclusão (per capta mais baixa, desempregados
etc.) dentro de uma lógica escolarizada ou escolarizadora que em essência tende a
perpetuar relações assimétricas, de transmissão de informações e quase nenhuma
aprendizagem sobre participação, inserção social mais ampla ou construção de
independência e autonomia dos jovens (Spósito, 2008).
Nesse mesmo caminho, os jovens tendem a assumir ou internalizar o estereótipo
de sua “situação de vulnerabilidade”, ou de jovem de risco, expressões que passam a
compor seu discurso verbal “melhor tá aqui do que tá roubando ou na rua”. Discursos e
práticas que reproduzem processos (simbólicos ou não) de exclusão. Um exemplo bem
significativo é a exigência de estar na escola, feita pela maioria dos projetos sociais.
Paradoxalmente, portanto, exige-se a permanência ou retorno do jovem a um serviço
que já o excluiu. Ao se fazer isso, de forma implícita, se localiza a responsabilidade pela
exclusão da escola, no (a) próprio(a) jovem, uma vez que da escola não se exige revisão
ou mudança.
Há a necessidade de investimento em estudos, pesquisas e práticas que, através
de diferentes metodologias, possam atuar na perspectiva de ouvir os jovens, conhecer
suas realidades e demandas de forma a facilitar o reconhecimento juvenil em suas várias
dimensões. Além disso, é preciso discutir uma diversidade de estratégias e mecanismos
de participação das diversas juventudes, bem como possibilidades de trocas de
experiências e proposições no sentido da exigibilidade dos direitos deste segmento.
É este conjunto de dados que pode ajudar a caracterizar as diversas juventudes
locais, suas demandas e percepções sobre a vivência deste tempo específico. É nessa
perspectiva que se insere o presente estudo.

A pesquisa: delineamento e objetivos.


A ideia de realizar uma pesquisa com a juventude em um bairro de uma grande
cidade surgiu dentro de uma proposta mais ampla de enfrentamento à violência, isto é,
um projeto de intervenção e articulação de uma rede de organizações sociais do bairro
que se mobilizaram através de ações de formação de jovens, educadores e agentes
comunitários, pesquisa e incidência política junto a autoridades e ao poder público.
O Bairro do Guamá é um dos 48 que compõem o município de Belém,
localizado na região norte do Brasil. Situado na periferia da cidade, possui área de
4.127,78 Km² e cerca de 120 mil habitantes, sendo considerado o mais populoso da
cidade. O bairro repete a realidade dos bairros de baixada (áreas mais baixas, às vezes
alagadas, onde se concentra a população mais pobre) em contraposição às áreas mais
centrais e elevadas reservadas à população mais rica.
Este fenômeno reflete a segregação socioespacial da cidade, agravado
recentemente com o vertiginoso processo de verticalização, com o aumento acelerado
da construção de prédios de altíssimo padrão, o que contribui ainda mais para a
expulsão da população mais pobre para áreas mais distantes ou, ainda que próximas ao
centro, bastante desvalorizadas.
Esta população acaba se concentrando nas chamadas áreas de baixadas e mais
recentemente as invasões caracterizadas pela ausência de infra-estrutura adequada, falta
de saneamento básico, asfalto, serviço de água encanada precário, precariedade das
moradias, extrema pobreza e alta violência urbana. Dos cerca de 22 mil domicílios do
bairro, 5.124 vivem com renda de até 1 salário mínimo e 26,8% da população do bairro
tem até 3 anos de escolaridade (Anuário Estatístico de Belém, 2010).
O Bairro do Guamá expressa essa realidade, tendo alta concentração
populacional, grande pobreza e sofrendo bastante com a violência. É o primeiro em
número de registros de ocorrências policiais em crimes contra o patrimônio e crimes
contra a pessoa - cerca de 3 mil registros/ano (Anuário Estatístico de Belém, 2010).
O bairro também conta com um movimento social bastante ativo, com várias
organizações não-governamentais e articulações em rede, como é o caso do projeto aqui
referido3, cujo pressuposto básico é fortalecer os processos de organização coletiva para
enfrentar o que eles entendem como “descaso do poder público para com o bairro”, que
tem nas situações de violência um dos reflexos mais significativos segundo as
concepções do grupo. A intenção é, portanto, investir esforços num trabalho em rede
que possa fortalecer e ampliar essa organização.
No contexto desse Projeto é que surgiu a necessidade de traçar um “Perfil
sócio-econômico da juventude do bairro do Guamá”, como forma de
conhecer a situação da população jovem, além de trabalhar uma aproximação
necessária ao público e suas questões e envolver os jovens neste processo
de enfrentamento.
Concordando com a afirmação de que não é “suficiente apenas entender quais
são os problemas que os jovens enfrentam na realidade de capitais e cidades brasileiras
tão heterogêneas, mas quais são os fatores e indicadores de proteção relevantes que
auxiliam no desenvolvimento, na promoção da resiliência e empoderamento desses
jovens” (Libório & Koller, 2009. p. 23), a intenção dessa pesquisa foi realizar um
diagnóstico sobre a situação da juventude e suas percepções sobre os problemas
enfrentados na vivência desta etapa da vida de forma a traçar um panorama desta
realidade em termos de acesso a direitos básicos como renda, educação, trabalho,
informação, cultura e lazer, além de identificar as percepções dos jovens sobre esta
realidade e suas demandas e proposições para transformá-la, localizando aí os aspectos
contextuais que podem funcionar como risco ou proteção a um desenvolvimento
saudável.
O estudo deveria, então, permitir conhecer a realidade, revelando indicadores
próximos, específicos, diminuindo o risco de que os números locais se percam em dados
e números amplos, nacionais ou estaduais.
Além disso, o estudo contou com o diferencial de os próprios jovens se
envolverem em todas as etapas do processo (elaboração, execução, análise e

3 Projeto Guaerê, formado pelas organizações: Associação de Pais e educadores Moaraná;


Espaço Cultural Nossa Biblioteca, Centro de Práticas em Educação Popular – CEPEPO e Associação de
Moradores Sebastião Mearin. O projeto teve apoio da Terre dês Hommes / Holanda.
desdobramentos da pesquisa), o que teve significados em termos de percepção da
realidade, capacidade de análise, de inserção e proposição de alternativas.
O processo coletivo de realização da pesquisa e construção de conhecimento se
colocou, portanto, como uma opção metodológica e política, por permitir aos jovens um
contato diferenciado com a sua realidade.

Método
A pesquisa foi realizada em duas etapas: a primeira constou da aplicação
de um questionário a 762 jovens de 14 a 29 anos moradores do bairro. Os questionários
foram aplicados nas residências dos jovens, numa amostra aleatória, tendo sido feita
uma divisão do bairro em 05 áreas e sorteadas as ruas e as casas a serem percorridas em
cada uma delas. O questionário continha 66 questões fechadas, indagando sobre
variáveis sociodemográficas, espaços de participação e sociabilidade e percepção sobre
problemas enfrentados e proposições para mudanças (Formulário – Juventude do
Guamá: perfil, participação e demandas de políticas públicas. In Silva, Lúcia Isabel,
2009).
A segunda etapa consistiu na realização de 4 grupos de diálogo com os jovens
que participaram da primeira etapa e que responderam que gostariam de participar do
grupo. Estes grupos tiveram, assim, o objetivo de discutir com os jovens os resultados
coletados na primeira etapa. Os grupos de diálogo foram realizados com média de 20
jovens e tiveram duração de 4 horas. Os grupos seguiram uma metodologia específica:
apresentação dos mediadores (2 pesquisadores), apresentação dos jovens participantes,
apresentação dos dados sistematizados da primeira etapa e discussão com os jovens
sobre estes. Todo o diálogo dos jovens foi gravado em áudio.
Este capítulo pretende apresentar um panorama da situação dos jovens, baseado
nos dados da primeira etapa da pesquisa, realizada através da aplicação dos
questionários.

Resultados e Discussão
Perfil dos jovens
A pesquisa ouviu 762 jovens entre 14 e 29 anos - 51,31% do sexo feminino e
48,03% do sexo masculino. A média de idade era de 17,49 anos. Nesta amostra os
negros ou pardos formam a maioria (69,68%), seguidos de brancos (21,39%), indígenas
(4,46%) e amarelos (2,62%).
Do total de jovens, 70,08% são solteiros e 25,19% tem filhos; a maioria tem um
ou dois filhos, mas existem jovens com até 7 filhos. Quanto à religião, 45,80% se
declararam católicos e 36,35% são evangélicos, as duas religiões predominantes e que
praticamente se equiparam em termos de quantitativo da população. Chama a atenção o
percentual de 13,25% dos jovens que afirmam acreditar em Deus, mas não seguir uma
religião constituindo o terceiro maior grupo; outras religiões (afro, budista, espírita e
judaica) não chegam ao percentual de 1% das respostas.

Como são as famílias?


Quanto à renda observa-se que a maioria (57,75%) vive com renda entre um e
dois salários mínimos mensais e 14,56% vivem com menos de um salário mínimo. 40%
dos jovens vivem com os dois pais, 23,62% vivem apenas com a mãe, sendo, portanto, a
família monoparental chefiada por mulheres o segundo maior agrupamento familiar.
Note-se ainda que esta renda sustenta famílias de, em média, 5 a 7 pessoas. Trata-se, no
geral, de famílias estendidas que incluem além de pais, mães e filhos, avós, primos, tios
ou cunhados, revelando as novas composições familiares.
Em geral trata-se de rendas compostas pelos ganhos de várias pessoas, sendo que
cerca de 40% das rendas são de benefícios do Programa Bolsa Família. Em 29% das
famílias a renda principal é dos próprios jovens entrevistados e 12,5% são de pensões de
avós.
Quanto à escolaridade, 42,78% das pessoas de referência da família possuem o
Ensino Fundamental incompleto, sendo que destes 35% possuem apenas de 1ª a 4ª série
e 10% nunca frequentaram a escola. No outro limite de escolarização, temos 9,5% de
pessoas de referência com curso superior. 85,4% vivem em casas próprias, servidas com
energia elétrica, água encanada e coleta regular de lixo.
Estes dados, que já corroboram a maior concentração da população negra ou
parda nos bairros mais pobres ou nas periferias das grandes cidades, permitem também
confirmar os indicadores sociais e materiais da população do bairro Guamá, antevendo
as configurações dos perfis de vulnerabilidade dessa população e a pressão por serviços
e políticas públicas.
Um pouco mais desse perfil de vulnerabilidade pode ser exemplificado com os
dados em separado em termos das condições de acesso e garantia a alguns dos direitos
sociais básicos.
Sobre o acesso à Educação, cultura e participação
O dado inicial que chama a atenção é o de que 63,78% dos jovens estão
estudando, fato que confirma a garantia do direito à maioria, embora não confirme a
universalidade, já que 36% ainda estão excluídos de tal direito. Refinando-se um pouco
mais os dados verifica-se a seguinte situação quanto à educação:
Tabela 01
Situação da juventude quanto à educação (N = 762)
Escolari Faixas de idade
14 – 18 – 22 - 26 - Tota
dade
17 21 25 29 l
% N % N % N % N % N
EF 1 1 6 4 2 1 3 3 3 2
incompleto 7,58 34 ,3 8 ,36 8 ,93 0 0,18 30
EM 2 2 7 5 5 4 4 3 1
completo ,62 0 ,08 4 ,64 3 ,98 8 55
EM 2 1 1 1 5 4 3 2 4 3
incompleto 0,2 54 3,91 06 ,25 0 ,28 5 2,65 25
Pré- - - 0 0 0 0 - - 1 1
vestibular ,78 6 ,65 5 ,44 1
ES - - 1 0 0 0 0 2 1
incompleto ,05 8 ,78 6 ,52 ,36 4
ES - 0 0 0 1 0
completo ,26 ,26 ,52 ,04 8
Pós- - - - - 0 0 0 0 0 0
graduação ,13 1 ,13 1 ,26 2
Nunca 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0
freqüentou ,26 2 ,26 2 ,4 3 ,13 1 ,05 8
escola

Um olhar mais atento possibilita perceber que a afirmação anterior da garantia


do direito à educação pode ser problematizada, uma vez que 30,18% não concluíram o
Ensino Fundamental.
O percentual de 42,65% de jovens com o Ensino Médio incompleto pode ser
percebido como condições de acesso à quase metade dos jovens do bairro e ainda, da
parte destes, uma aposta na escola e no seu papel.
Os dados mostraram também que mais da metade dos jovens estão estudando (N
= 486; 64,63%), sendo a maioria das faixas mais jovens – 14 a 17 anos.
Ainda quando se olha o percentual daqueles que frequentam cursinho, ou que
cursam/cursaram Ensino Superior, percebe-se que o acesso a cursinhos pré-vestibulares
é diminuto, o que significa chances também míninas de continuidade dos estudos e
acesso ao Ensino Superior, o que os números confirmam com pouco mais de 3% da
amostra. Em outras palavras, o acesso não passa do Ensino Médio, o que
concretamente, acaba não representando muito em termos de possibilidade de inserção
social.
Dois dados parecem indicar que, para grande parte dos jovens, a conclusão do
Ensino Médio funciona como meta: dois terços dos que concluem o Ensino Médio
param de estudar e para 23% destes as justificativas para isto são “já concluí o Ensino
Médio”. Concluir o Ensino Médio era a meta? É o máximo que me é permitido atingir,
já que sou pobre? Agora é hora de trabalhar ou fazer outra coisa? Vale atentar ainda que
trata-se de um grupo de jovens dos quais 91,6% estudam ou estudaram em escolas
públicas, o que sabidamente não os coloca em condições de igualdade para pleitearem
uma vaga no Ensino Superior. Essa constatação já os impediria de aspirar a tal acesso?
O percentual de jovens com acesso ao ensino superior no contexto pesquisado parece
denunciar o alcance ainda limitado das políticas de acesso ao ensino superior que vêm
sendo propostas desde os anos 1990.
O cenário é de exclusão, ainda que se alardeiem também as afirmações de que a
educação avançou. Os dados permitem afirmar a exclusão da educação como fato,
demonstrando que, ainda que se fale da universalidade do acesso (vide o baixo
percentual daqueles que nunca frequentaram a escola), esta exclusão parece se transferir
para o longo do percurso educacional dos jovens, em especial para a conclusão do
Ensino Médio e o ingresso na Educação Superior. Essa constatação remete à
necessidade de discutir a qualidade da educação e à sua capacidade em acolher as
demandas e necessidades dos jovens mais pobres.
Nos motivos apontados pelos jovens para não estudar destacam-se, mais uma
vez, as respostas que apontam para as situações de exclusão e pobreza e as condições de
vulnerabilidade que delas resultam:
Tabela 2
Frequência e Porcentagem de Motivos para parar de estudar (N = 106)
N
Motivos %
Precisou trabalhar ou impossibilidade de 2 2
conciliar escola e trabalho 7,35 9
Conclusão do Ensino Médio 2 2
0,75 2
Filhos ou gravidez 2 2
7,36 9
Aspectos de motivação, preguiça ou 1 1
desinteresse 3,20 4
Doenças na família / problemas pessoais 2 0
,28 3
Falta de dinheiro 3 0
,77 4
Falta de vagas ou de documentação 1 0
,88 2
Greve na escola 0 0
,94 1
Medo da violência 0 0
,94 1
Tentando vaga para o mestrado 0
,54

A dificuldade de conciliar o tempo entre a escola e o trabalho, que também pode


ser lida como a dificuldade da escola em acolher o aluno trabalhador, parece continuar
sendo o principal motivo para o abandono da escola. A escola, que não consegue se
relacionar com as demandas deste aluno em termos de flexibilidade de horário, em
termos de interesse, em termos de estratégias diferenciadas de atenção etc., pode ser
apontada como a principal responsável pelos percentuais de abandono que são revelados
nesta pesquisa.
Esta percepção tem um agravante que é a forma como estas questões não são
percebidas pelos jovens, que acabam de alguma forma assumindo individualmente a
responsabilidade pelo abandono da escola, introjetando, dessa forma, características de
incapacidade ou dificuldade pessoal. Como demonstrado nas falas “sinceramente não
tenho mais cabeça pro estudo” (M – 19 anos) ou “era difícil nesse tempo, não tinha
escola (M, 29 anos)”; “preguiça mesmo”. Ou ainda, a já referida redução das
aspirações daqueles que consideram o término do Ensino Médio, o nível máximo de
escolarização a que podem ter direito: “Porque já concluí o Ensino Médio”.
As respostas relacionadas à “falta de dinheiro” dizem respeito aos jovens que
concluíram o Ensino Médio e que não tem como pagar cursinho pré-vestibular.
Dentre os/as jovens do bairro, este direito está garantido para apenas 2 jovens
que cursam pós-graduação, em faculdades particulares; vale ressaltar o percentual de
3,41% que cursam ou cursaram o Ensino Superior, uma expressão da contundente
exclusão da classe pobre do Ensino Superior. Duas questões se fundem nestes números:
de um lado a incapacidade da escola pública em preparar para o acesso ao Ensino
Superior e de outro, a escassez de vagas neste nível de ensino.
Este cenário de desigualdade ainda consegue ser mais sério quando se considera
a variável gênero: as mulheres constituíram maioria da amostra (51,31%). A maioria
delas é solteira (74,7%), sendo que destas, 35% têm filhos. Fato curioso é que apenas
15% dos rapazes dizem ter filhos, o que nos leva a indagar o que explicaria tal
diferença. 68% daquelas que tem filhos não estudam. Cabe enfatizar que todas as
respostas que citam “filhos” como motivos para o abandono da escola são de mulheres,
o que sugere a vidência de correlação entre maternidade e o abandono dos estudos.
No geral, elas mostram ligeira vantagem sobre os rapazes em termos de
escolaridade – 73% concluiu o Ensino Fundamental (entre eles este percentual é de
64%) e 27% concluiu o Ensino Médio (entre os rapazes, apenas 24,87%). Eles,
entretanto, parecem persistir mais nos estudos, 67% ainda estão estudando e dentre elas,
apenas 60% permanecem na escola, uma evidência de que os impedimentos à
continuidade nos estudos, ainda que sejam fortes para os dois grupos de gênero, o são
um pouco mais sobre as mulheres do que aos homens.

E quais oportunidades têm aqueles que frequentam a escola?


Para 52,47% dos jovens a ação na escola está restrita ao formato de aulas
regulares, sem nenhuma atividade adicional como esportes, oficinas de arte, artesanato,
dentre outros. Mesmo as escolas que oferecem atividades além das aulas parecem não
contar com a adesão da maioria dos alunos, já que 60% destes não participam das
atividades. Este dado pode tanto significar um problema de pouca atratividade das
ações, quanto revelar o seu caráter microscópico, um espaço ou convite que não se
destina a todos mesmo; não haveria vagas para todos ainda que houvesse demanda. A
participação feminina é menor: apenas 24% das mulheres participam das atividades,
enquanto que entre os rapazes este percentual é de 29,5%.
A maioria dessas atividades é de esportes, correspondendo a 30,6%, em especial
futebol ou Educação Física. O mesmo percentual refere o Programa Escola de Portas
Abertas, que inclui além do esporte, alguns cursos ou oficinas de arte ou artesanato.
3,46% das escolas realizam aulas de música, 5,19% trabalham com o formato de feiras
culturais, 4,76% com oficinas de informática e apenas 2,16% com oficinas de teatro.
Apenas 20,47% contam com o espaço da escola para alguma atividade aos finais
de semana e a maioria destes para aulas de reforço ou reposição.
A escola tem historicamente funcionado como grande depositária de
expectativas, se não mais de mobilidade social, no mínimo de acesso a informações e
possibilidades de inclusão social um pouco mais qualificada. Além disso, para a maioria
dos jovens pobres o espaço da escola é o grande espaço de sociabilidade diante da
inexistência de outros equipamentos e serviços no bairro; parece coerente, portanto, que
se discuta a variedade e a diversidade das atividades destinadas aos jovens oferecidas
pela escola e suas condições de garantir ou atender às expectativas e às necessidades de
sociabilidade dos alunos.
Os dados da presente pesquisa evidenciam a incapacidade da escola em se
desligar do formato de aulas tradicionais, em propor uma ação que ultrapasse seus
próprios muros e que construa uma relação de diálogo e participação com os jovens que
estão em seu interior.
As informações sobre os espaços de participação só confirmam esta dificuldade:
22,04% contam com o instrumento dos conselhos de classe; 22,17% com conselho
escolar e apenas 7,87% possuem grêmios estudantis, sendo que apenas 2,62% dos
jovens entrevistados participam dos grêmios. De forma geral, apenas 14,7 % dos jovens
participam de algum dos espaços disponíveis na escola.
Dentro de um espaço no qual os jovens são seguramente a maioria dos sujeitos,
os espaços de participação são restritos e, com isto, são restringidas também suas
possibilidades de influir nas decisões, de dizer a escola que querem e poder ajudar a
construir, sendo assim incorporados como parceiros nas mudanças que este espaço
necessita e está a reclamar.
No que diz respeito ao acesso a informações e atividades adicionais, ainda que
não seja universalizado, os resultados são animadores em termos de inclusão dos
jovens: 59,31% dos jovens já fizeram pelo menos um curso além da escola, sendo que
31% destes fizeram cursos profissionalizantes. A informática, ferramenta importante de
acesso a informações, parece disponível para um grande percentual dos jovens, já que
cerca de 70% deles fizeram curso de informática; 12% fizeram algum curso ligado à
arte ou cultura; 13,7% ao esporte; 7,96 fizeram cursinho pré-vestibular; 9,2 fizeram
algum curso religioso ou ligado à igreja e 7,0% freqüentaram curso de língua
estrangeira.
Para além das escolas, o espaço dos chamados projetos sociais e ações de
organizações e ONGs parece evidenciado no bairro, já que são estas e seus projetos de
inclusão, via de regra funcionando com precariedade e recursos escassos, as principais
responsáveis pela disponibilidade das atividades no bairro, atingindo espaços que a ação
governamental não atinge.
Do ponto de vista do acesso a outros espaços e lugares de sociabilidade ou
informação, as igrejas aparecem como os locais mais frequentados (64,43%), seguida
pelas casas de parentes (63,2%), shoppings (53,67%), lan houses (47,63%), parques
(35,7%), shows (35%), cinemas (23,75%), botecos ou bares (20,86%), bibliotecas
(19,42%) e o teatro (11,2%).
A maioria dos jovens não participa nem está ligada a nenhum grupo organizado
(67,84%), e dos que participam, 39% são ligados a grupos religiosos. Apenas 3,11%
participam de grupos estudantis, igual percentual de grupos artísticos ou culturais e
1,2% participam de grupos comunitários.
Os dados mostram a limitação das oportunidades de inserção na dinâmica social
e usufruto dos espaços de convivência e sociabilidade dos jovens pesquisados. Os
aspectos de acesso a informação e uso do tempo livre em espaços e atividades diversas
têm sido apontados pela literatura como fator relevante para o desenvolvimento, em
especial pela ampliação das possibilidades do convívio social (Marques, Dell’Aglio &
Sarriera, 2009; Sinha, Cnaan & Gelles 2007; Silva, Rodrigues & Oliveira, 2006; Silva
& Risuenho, 2006b). Uma agenda de sociabilidade restrita pode também indicar
restrição de oportunidades ao desenvolvimento pessoal, em termos de aprendizagens de
habilidades diversas, convivência com grupos de pares, de papéis sociais,
responsabilidades, participação - aspectos relacionados ao bem-estar e qualidade de vida
dos jovens, isto é, fatores de proteção ao desenvolvimento.

Sobre o acesso e as relações com o mundo do trabalho


A reivindicação por trabalho, como correlato de inclusão social, é frequente
entre os jovens: 33,33 dos entrevistados trabalham; 66,66% não trabalham, mas 36,6%
destes já trabalharam; no geral, 79,9% dos jovens entrevistados procuram trabalho, o
que significa que mesmo aqueles que estão trabalhando estão também à procura de
trabalho, algo melhor, certamente com melhor remuneração.
Estar ou não estar trabalhando, ter ou não ter trabalho, são dois pólos sobre os
quais parece girar a vida dos jovens pesquisados, acabando por definir muitas das outras
oportunidades de inserção que podem ter – estar trabalhando, não importa muito em
quê, é geralmente um marco de inserção na dinâmica social, no consumo, demarcando
outras “opções ou escolhas”: poder casar-se, ter filhos, voltar a estudar etc.
Um cenário de exclusão mais forte se revela para 30% dos jovens pesquisados
que, além de não trabalharem, também não estudam, dado que vincula pobreza,
desigualdade, desocupação. Pode-se afirmar ainda que estes provavelmente longos
períodos de desocupação significam também a negação de condições mínimas de
sociabilidade, de acesso ao lazer, ao consumo, enfim de maior independência e
autonomia na vivência dessa fase da vida.
Dado curioso aparece nas manifestações sobre o tipo de trabalho que estão
procurando ou que gostariam de ter. A esta pergunta, as respostas mais frequentes
denotam a pouca exigência: “qualquer trabalho, algum de carteira assinada; algum que
pague bem”. Os jovens expressam atração pelos cargos na igreja, mecânico, pedreiro,
menor aprendiz, empregada doméstica, babá ou faxineira e técnicos em manutenção de
microcomputadores ou de celulares.
A expectativa por cargos e ocupações de baixa remuneração (e
provavelmente, mais baixa exigência de qualificação) parece coadunar-se com a
percepção, já referida, do Ensino Médio como nível “máximo” de escolarização
pretendida ou esperada pelos jovens. O acesso ao diploma do ensino médio converte-se
neste limite mínimo de exigência para acesso a postos mais qualificados, o que, no
entanto, não se concretiza na prática, já que a desocupação atinge igualmente tanto os
que têm quanto os que não têm completado esse nível de escolaridade.
A reivindicação por trabalho num contexto de crescente desemprego constitui-se
numa das principais contradições a que estão submetidos os jovens do bairro. Neste
cenário se mesclam diferentes fatores: índice reduzido ou ausência de oportunidades de
qualificação, baixa escolaridade, ausência efetiva de postos de trabalho e ainda,
características de exclusão e insegurança simbólica que os levam a sonhar ou desejar
pouco. Esses fatores, em conjunto, ilustram certa representação de que não podem (não
têm condições de) aspirar por cargos mais qualificados, que são também aqueles que
pagam melhor e também mais os concorridos.
Esta polêmica esconde outra que tem a ver com a discussão sobre o lugar do
trabalho na vida dos jovens e como pensar alternativas para resolver o problema do
desemprego juvenil. De um lado, a noção de que pode ser importante retardar o ingresso
no trabalho para garantir permanência na escola - e consequentemente, melhor
qualificação - e de outro, a urgência em garantir sobrevivência, ajudar no sustento da
família, dos filhos, de si próprio. A opção por cursos profissionalizantes funciona como
uma necessidade e busca de capacitação mais rápida ou complementar, mas não tem
demonstrado os resultados de inserção esperados. Qual a qualidade e efetividade dessa
complementação disponível aos jovens?
O trabalho é representado como possibilidade de inserção em outras esferas: no
lazer, consumo, até na garantia da escola embora, às vezes, represente exatamente a
incompatibilidade dos dois espaços. É também a conquista de outro lugar, o da
autonomia, da saída do espaço restrito do bairro, da realização pessoal. Ao final das
contas, na prática, nenhuma dessas condições acaba sendo garantida, é o que nos
mostram os dados.

Como os jovens percebem os problemas do bairro onde moram


Entende-se que analisar as percepções dos sujeitos sobre o contexto é determinante
para compreender as formas como eles pensam e constroem seus papeis e lugares nos
espaços onde se inserem, para identificar e construir suas formas de inserção neste contexto,
suas motivações em participar, se unir aos outros para buscar formas de mudar este espaço.
Sabe-se também, que a construção das percepções não se dá de forma contínua ou
linear, mas num processo de negociação e rupturas que está relacionado a diversos fatores e
variáveis internos e externos, a condições que permitem ou não perceber/identificar
problemas, riscos e fatores protetivos.
Pode-se dizer que o acirramento da desigualdade e o consequente aumento da
violência ocorrido nas últimas duas décadas têm contribuído para ampliar a percepção e
a discussão sobre os problemas sociais e seus impactos na qualidade de vida e de saúde
da população nos diversos contextos. Por outro lado, a circulação da opinião ou
percepção sobre os problemas das cidades ainda se faz de forma restrita a um grupo de
“formadores de opinião”. Jornalistas, intelectuais, especialistas debatem os problemas,
mas muito pouco desse debate se faz com base na percepção daqueles que
concretamente os vivenciam e sobre os quais têm, certamente, muito a dizer.
No formato desta pesquisa, entretanto, acessar a percepção sobre os problemas
do bairro representa a possibilidade de identificar as formas como esses sujeitos
apreendem a realidade em que vivem e como a processam, a elaboram e a significam,
percebendo isso como importante no processo de tomada de consciência sobre seu lugar
neste espaço. Trata-se fundamentalmente de levar cada jovem a problematizar a
realidade, pensar relações entre problemas, o que pode contribuir para também pensar
relacionalmente as soluções.
Assim é que, quando instigados a indicar qual a maior preocupação no bairro, os
jovens respondem com a seguinte lista de problemas:

%
Saúde
Violência
Desemprego
Precariedade do transporte; 10.89; 3.00% Superpopulação; 4.8; 1.32%
Falta de qualidade na
Falta de iluminação pública; 17.45; Saúde;
4.81% 68.24;educação
18.82%
Desorganização de feiras e mercados no bairro; 23.09; Violência
6.37% ; 63.38; 17.48%
Problemas com meio
Problemas no trânsito; 29.92; 8.25% Desemprego; 54.72; 15.09%
ambiente
Problemas com meio ambiente; 37.13; 10.24%
Problemas no trânsito
Falta de qualidade na educação; 53.01; 14.62% Desorganização de feiras
e mercados no bairro
Falta de iluminação
pública
Precariedade do
transporte
Superpopulação

Figura 01: O que mais preocupa você no bairro.


A lista das principais preocupações é encabeçada pela saúde, denotando a
denúncia da precariedade dos serviços públicos, o que é complementada por problemas
apontados mais abaixo na lista: “falta de qualidade na educação (4º lugar), problemas no
trânsito (6º) iluminação (8º) e transporte (9º). A ausência mais imediata do poder
público parece ser sentida e denunciada na ausência dos serviços e equipamentos
essenciais à vida da população do bairro.
Em segundo lugar na lista de problemas aparece a violência. Esta posição chama
atenção, já que esta é sempre referenciada como o principal problema do bairro.
Entretanto, na percepção dos moradores, parece haver um problema maior ou
prioritário. Se a opinião corrente referencia um problema que tradicionalmente aponta
para responsabilidade dos próprios moradores - o que é comum nas discussões sobre
violência, que em geral é individualmente localizada nos discursos “o jovem violento, o
bairro violento -, a percepção dos jovens prioriza um problema mais afeto à presença do
poder público e à negligência com que a saúde tem sido tratada no município de Belém,
ficando a violência com o segundo lugar.
De modo geral, pode-se perceber a preponderância de quatro problemas ou
preocupações da juventude do bairro: saúde, violência, desemprego e falta de qualidade na
educação, todos com percentuais acima de 50%, denotado que são, de fato, as maiores
preocupações da juventude, certamente porque são os que os afetam mais de perto e
comprometem a vivência desta fase da vida e a própria perspectiva de futuro.
Os jovens citam problemas macrossociais de grande prevalência. Pode-se
dizer ainda que as percepções são relativamente homogêneas, isto é, não variam muito
em função de variáveis específicas como idade, sexo ou renda. Talvez porque a intensa
publicidade dos problemas acabe por homogeneizar sua percepção, especialmente no
caso da violência e do desemprego.
Interessante também ressaltar que a juventude percebe os problemas, não
está indiferente ou apática diante deles, da mesma forma como não recorre a
mecanismos de negação. E nem poderia, já que é esta lista de graves problemas que
condiciona sua forma de viver no bairro, o qual é avaliado como “péssimo” pela maioria
dos jovens.

Chart Title

Ótima ; 2.09; 2.14%


Boa; 7.48; 7.66%
Ruim ; 19.29; 19.76%
Péssima ; 40.68; 41.67%

Regular ; 28.08; 28.76%

Figura 02: Como classificam a situação do bairro.

Apenas 9% dos entrevistados afirmam serem boas ou ótimas as condições de vida


no bairro, sendo para a maioria “péssimo” viver no bairro do Guamá.
Se dizem respeito às formas como vivem, estes não poderiam estar alheios aos
problemas que o cercam, e eles mostram isso, sendo capazes de nomeá-los, defini-los, e
inclusive propor alternativas, o que pode ser lido como um passo inicial para participar
do enfrentamento.
Para 72% dos jovens, o principal aspecto que contribui para essas péssimas
condições é a falta de segurança, seguido pela má qualidade da educação com 72% e
pela precariedade da saúde com 68%. Outros problemas parecem ter importância menor
na opinião dos jovens: alimentação, saúde e moradia com percentuais em torno de 20%;
talvez porque de fato o tenham, ou porque a gravidade da situação de segurança,
educação e saúde suplante a percepção dos demais.
E o que propõem como solução? Exatamente aquilo que resolva os principais
problemas: mais segurança – 77%; melhores condições de saúde - 71%, melhoria na
qualidade da educação – 63%. Mas não esquecem, entretanto, de apontar a necessidade
de equipamentos e serviços sociais para melhorar a vida de crianças e jovens: projetos
sociais, praças, creches, projetos de geração de renda e cursos profissionalizantes, mais
lazer e atividades esportivas no bairro.

Considerações Finais
Ao analisar o perfil sociodemográfico da juventude do bairro do Guamá e,
através deste, o perfil da população deste bairro, pode-se dizer que os dados parecem
permitir falar de fatores de vulnerabilidade em cascata, no sentido em que a presença de
certas condições atua como condicionante ou geradora de outras. Por exemplo, a falta
ou acesso precário à educação e informação prejudicam a construção de capacidades de
movimentação dos jovens no tecido urbano, o acesso à cultura, a postos de trabalho
mais qualificados, a políticas ou mecanismos de defesa dos direitos. Da mesma forma,
as condições e local de moradia dificultam o acesso aos equipamentos de lazer e cultura
– teatros, praças, eventos diversos, todos localizados em bairros mais distantes ou no
centro da cidade.
Novamente, de forma acentuada, verifica-se a denúncia da precariedade ou não
acesso à saúde, educação, trabalho, renda e acesso a informações como a tônica da
vivência do tempo da juventude e, novamente, tem-se a revelação das formas como esta
negação condiciona as possibilidades ou impossibilidades de buscar este acesso, de
trabalhar condições de melhoria da vida. Mais uma vez, ainda, percebe-se que educação,
cultura, lazer e sociabilidade aparecem condicionadas às condições de renda, ou seja,
negada aos mais pobres e da periferia das grandes cidades.
Sabe-se que, quando se fala de vulnerabilidades na juventude, se está, na
verdade, falando de sentidos diversos, mas complementares. Fala-se de vulnerabilidade
como ausência ou escassez de recursos ou renda. Esta, via de regra, resulta de inserção
precária ou não inserção no mercado de trabalho dos jovens ou de suas famílias.
Entretanto, esta ausência gera outras forma de vulnerabilidade – aquela que está
relacionada à falta de acesso ou acesso precário a bens e serviços, como moradia,
educação, saúde, saneamento, violência e toda essa lista de problemas citadas pelos/as
jovens entrevistados nesta pesquisa. Os jovens denunciam a ausência do poder público e
a não efetividade de políticas públicas, o que, de alguma forma, atinge a população em
geral, mas ecoa mais fortemente na população mais pobre dos bairros de periferia.
Este efeito se completa quando o não acesso ou acesso deficitário aos bens,
direitos e serviços pela população mais pobre acaba não permitindo, ou negando, a esta
a construção de capacidades que podem ser individuais ou coletivas para se movimentar
e operar no meio social. Fica sempre mais difícil acessar informações ou direitos ou
serviços para aquelas pessoas de mais baixa escolaridade, que moram mais distante, que
não conseguem se “expressar tão bem”, que enfim não dispõem das informações e
habilidades básicas para se inserir na dinâmica social e buscar seus direitos. Estas
parecem ser as condições dos jovens e de suas famílias reveladas nesta pesquisa;
aqueles que estão mais vulneráveis ou mais sujeitos a danos vivem em condições que
afetam não apenas seu presente, mas também – em grande parte - as perspectivas de
futuro.
Significa, portanto, dizer que, no caso da juventude, e desta juventude em
especial, as vulnerabilidades tomam lugar não apenas em função de carências de
recursos ou capacidades, mas também, na medida em que elas se integram e se
interrelacionam ao contexto social, geográfico e econômico que caracterizam a vida da
população em bairros periféricos, aos quais é negado o investimentos público. Os dados
falam de fatores relacionados não apenas na vida destes jovens, mas no espaço, no
contexto do bairro do Guamá. São resultantes das condições de vida e pobreza que
levam e, ao mesmo tempo, contribuem para mantê-la.
Os dados falam de desigualdades, mas indicam também que esta juventude é
capaz de processar e tentar denunciar esta situação, compreendê-la e formular respostas
e alternativas de solução para seus problemas. Se o primeiro passo é o reconhecimento
de seus problemas, a não negação, a perspectiva de ver no não acesso um direito
violado, ele parece ter sido dado.
Os jovens constroem uma leitura desta realidade e dizem claramente das suas
necessidades e proposições. Percebe-se que na prática as demandas ainda são inúmeras,
evidentes e, em geral, semelhantes. Existem resultados importantes, como olhar uma
série de problemas como incapacidade do poder público em garantir e efetivar a
realização plena dos direitos universais; olhar os problemas como negação da cidadania.
Por outro lado, aparece a necessidade de deixar de olhar o jovem e a juventude como
segmento a ser construído e passar a olhá-los como atores concretos, com demandas e
necessidades de vivência do tempo presente que precisam ser garantidas, e
principalmente como co-responsáveis pelas mudanças e transformações necessárias no
caminho de uma sociedade mais justa, na qual, efetivamente, os direitos humanos sejam
mais do que retórica. Nessa perspectiva, o caminho a percorrer ainda se revela longo.
Mais do que discutir os problemas da juventude ou a juventude como
problema, acredita-se na necessidade da compreensão cada vez mais abrangente da
realidade concreta de vida dos jovens em diversos contextos, as suas possibilidades de
inserção, sociabilidade e, por conseguinte, oportunidades de desenvolvimento. O papel
do Estado na geração destas possibilidades parece o principal desafio a ser enfrentado.
Por fim, os dados evidenciam uma grande lacuna no reconhecimento das
necessidades e experiências juvenis a serem tratadas como matéria de direito,
atravessando todas as políticas setoriais e redirecionando a tendência corrente de
focalização para os danos, vulnerabilidade ou risco. A vivência do tempo da juventude
exige um mínimo de vivência de direitos, de reconhecimento dos jovens como sujeitos
de direitos e de facilitação de espaços onde estes possam ser exercidos.

Referências

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