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Introdução
A intenção deste capítulo é apresentar um cenário sobre a juventude da periferia
da cidade de Belém (Pará). Os dados fazem parte de um estudo realizado com 762
jovens, que objetivou realizar um diagnóstico sobre a situação da juventude e suas
percepções sobre os problemas enfrentados na vivência desta etapa da vida. O texto traz
informações sobre o acesso a direitos básicos como renda, educação, trabalho,
informação, cultura e lazer e sobre as percepções dos jovens a respeito dos problemas
que enfrentam no bairro e na cidade, discutindo o lugar que eles têm ocupado na política
pública e na dinâmica social neste contexto brasileiro e amazônico.
Vive-se atualmente uma conjuntura de amplas e intensas transformações que
atingem ou se expressam em diversos campos da vida humana. Estas transformações
são também acompanhadas por contradições e problemas. No Brasil, por exemplo,
desenvolvimento econômico e tecnológico e produção de riqueza convivem com
miséria, exclusão, injustiças e negação de direitos para parcela significativa da
população.
Dentro do conjunto da população, as novas gerações têm sido particularmente
atingidas por esses cenários de restrição de acessos. Os jovens brasileiros se destacam
nesse contexto, cuja realidade tem sido de ineficiência nas políticas públicas e serviços,
educação precária, acesso restrito ao mundo do trabalho, reduzida agenda de
sociabilidade e oportunidades, falta de mecanismos de participação, associação
(concreta ou presumida) a eventos de violência. Todos estes aspectos aparecem, assim,
como típicos da relação entre o tempo da juventude e a sociedade em geral.
Método
A pesquisa foi realizada em duas etapas: a primeira constou da aplicação
de um questionário a 762 jovens de 14 a 29 anos moradores do bairro. Os questionários
foram aplicados nas residências dos jovens, numa amostra aleatória, tendo sido feita
uma divisão do bairro em 05 áreas e sorteadas as ruas e as casas a serem percorridas em
cada uma delas. O questionário continha 66 questões fechadas, indagando sobre
variáveis sociodemográficas, espaços de participação e sociabilidade e percepção sobre
problemas enfrentados e proposições para mudanças (Formulário – Juventude do
Guamá: perfil, participação e demandas de políticas públicas. In Silva, Lúcia Isabel,
2009).
A segunda etapa consistiu na realização de 4 grupos de diálogo com os jovens
que participaram da primeira etapa e que responderam que gostariam de participar do
grupo. Estes grupos tiveram, assim, o objetivo de discutir com os jovens os resultados
coletados na primeira etapa. Os grupos de diálogo foram realizados com média de 20
jovens e tiveram duração de 4 horas. Os grupos seguiram uma metodologia específica:
apresentação dos mediadores (2 pesquisadores), apresentação dos jovens participantes,
apresentação dos dados sistematizados da primeira etapa e discussão com os jovens
sobre estes. Todo o diálogo dos jovens foi gravado em áudio.
Este capítulo pretende apresentar um panorama da situação dos jovens, baseado
nos dados da primeira etapa da pesquisa, realizada através da aplicação dos
questionários.
Resultados e Discussão
Perfil dos jovens
A pesquisa ouviu 762 jovens entre 14 e 29 anos - 51,31% do sexo feminino e
48,03% do sexo masculino. A média de idade era de 17,49 anos. Nesta amostra os
negros ou pardos formam a maioria (69,68%), seguidos de brancos (21,39%), indígenas
(4,46%) e amarelos (2,62%).
Do total de jovens, 70,08% são solteiros e 25,19% tem filhos; a maioria tem um
ou dois filhos, mas existem jovens com até 7 filhos. Quanto à religião, 45,80% se
declararam católicos e 36,35% são evangélicos, as duas religiões predominantes e que
praticamente se equiparam em termos de quantitativo da população. Chama a atenção o
percentual de 13,25% dos jovens que afirmam acreditar em Deus, mas não seguir uma
religião constituindo o terceiro maior grupo; outras religiões (afro, budista, espírita e
judaica) não chegam ao percentual de 1% das respostas.
%
Saúde
Violência
Desemprego
Precariedade do transporte; 10.89; 3.00% Superpopulação; 4.8; 1.32%
Falta de qualidade na
Falta de iluminação pública; 17.45; Saúde;
4.81% 68.24;educação
18.82%
Desorganização de feiras e mercados no bairro; 23.09; Violência
6.37% ; 63.38; 17.48%
Problemas com meio
Problemas no trânsito; 29.92; 8.25% Desemprego; 54.72; 15.09%
ambiente
Problemas com meio ambiente; 37.13; 10.24%
Problemas no trânsito
Falta de qualidade na educação; 53.01; 14.62% Desorganização de feiras
e mercados no bairro
Falta de iluminação
pública
Precariedade do
transporte
Superpopulação
Chart Title
Considerações Finais
Ao analisar o perfil sociodemográfico da juventude do bairro do Guamá e,
através deste, o perfil da população deste bairro, pode-se dizer que os dados parecem
permitir falar de fatores de vulnerabilidade em cascata, no sentido em que a presença de
certas condições atua como condicionante ou geradora de outras. Por exemplo, a falta
ou acesso precário à educação e informação prejudicam a construção de capacidades de
movimentação dos jovens no tecido urbano, o acesso à cultura, a postos de trabalho
mais qualificados, a políticas ou mecanismos de defesa dos direitos. Da mesma forma,
as condições e local de moradia dificultam o acesso aos equipamentos de lazer e cultura
– teatros, praças, eventos diversos, todos localizados em bairros mais distantes ou no
centro da cidade.
Novamente, de forma acentuada, verifica-se a denúncia da precariedade ou não
acesso à saúde, educação, trabalho, renda e acesso a informações como a tônica da
vivência do tempo da juventude e, novamente, tem-se a revelação das formas como esta
negação condiciona as possibilidades ou impossibilidades de buscar este acesso, de
trabalhar condições de melhoria da vida. Mais uma vez, ainda, percebe-se que educação,
cultura, lazer e sociabilidade aparecem condicionadas às condições de renda, ou seja,
negada aos mais pobres e da periferia das grandes cidades.
Sabe-se que, quando se fala de vulnerabilidades na juventude, se está, na
verdade, falando de sentidos diversos, mas complementares. Fala-se de vulnerabilidade
como ausência ou escassez de recursos ou renda. Esta, via de regra, resulta de inserção
precária ou não inserção no mercado de trabalho dos jovens ou de suas famílias.
Entretanto, esta ausência gera outras forma de vulnerabilidade – aquela que está
relacionada à falta de acesso ou acesso precário a bens e serviços, como moradia,
educação, saúde, saneamento, violência e toda essa lista de problemas citadas pelos/as
jovens entrevistados nesta pesquisa. Os jovens denunciam a ausência do poder público e
a não efetividade de políticas públicas, o que, de alguma forma, atinge a população em
geral, mas ecoa mais fortemente na população mais pobre dos bairros de periferia.
Este efeito se completa quando o não acesso ou acesso deficitário aos bens,
direitos e serviços pela população mais pobre acaba não permitindo, ou negando, a esta
a construção de capacidades que podem ser individuais ou coletivas para se movimentar
e operar no meio social. Fica sempre mais difícil acessar informações ou direitos ou
serviços para aquelas pessoas de mais baixa escolaridade, que moram mais distante, que
não conseguem se “expressar tão bem”, que enfim não dispõem das informações e
habilidades básicas para se inserir na dinâmica social e buscar seus direitos. Estas
parecem ser as condições dos jovens e de suas famílias reveladas nesta pesquisa;
aqueles que estão mais vulneráveis ou mais sujeitos a danos vivem em condições que
afetam não apenas seu presente, mas também – em grande parte - as perspectivas de
futuro.
Significa, portanto, dizer que, no caso da juventude, e desta juventude em
especial, as vulnerabilidades tomam lugar não apenas em função de carências de
recursos ou capacidades, mas também, na medida em que elas se integram e se
interrelacionam ao contexto social, geográfico e econômico que caracterizam a vida da
população em bairros periféricos, aos quais é negado o investimentos público. Os dados
falam de fatores relacionados não apenas na vida destes jovens, mas no espaço, no
contexto do bairro do Guamá. São resultantes das condições de vida e pobreza que
levam e, ao mesmo tempo, contribuem para mantê-la.
Os dados falam de desigualdades, mas indicam também que esta juventude é
capaz de processar e tentar denunciar esta situação, compreendê-la e formular respostas
e alternativas de solução para seus problemas. Se o primeiro passo é o reconhecimento
de seus problemas, a não negação, a perspectiva de ver no não acesso um direito
violado, ele parece ter sido dado.
Os jovens constroem uma leitura desta realidade e dizem claramente das suas
necessidades e proposições. Percebe-se que na prática as demandas ainda são inúmeras,
evidentes e, em geral, semelhantes. Existem resultados importantes, como olhar uma
série de problemas como incapacidade do poder público em garantir e efetivar a
realização plena dos direitos universais; olhar os problemas como negação da cidadania.
Por outro lado, aparece a necessidade de deixar de olhar o jovem e a juventude como
segmento a ser construído e passar a olhá-los como atores concretos, com demandas e
necessidades de vivência do tempo presente que precisam ser garantidas, e
principalmente como co-responsáveis pelas mudanças e transformações necessárias no
caminho de uma sociedade mais justa, na qual, efetivamente, os direitos humanos sejam
mais do que retórica. Nessa perspectiva, o caminho a percorrer ainda se revela longo.
Mais do que discutir os problemas da juventude ou a juventude como
problema, acredita-se na necessidade da compreensão cada vez mais abrangente da
realidade concreta de vida dos jovens em diversos contextos, as suas possibilidades de
inserção, sociabilidade e, por conseguinte, oportunidades de desenvolvimento. O papel
do Estado na geração destas possibilidades parece o principal desafio a ser enfrentado.
Por fim, os dados evidenciam uma grande lacuna no reconhecimento das
necessidades e experiências juvenis a serem tratadas como matéria de direito,
atravessando todas as políticas setoriais e redirecionando a tendência corrente de
focalização para os danos, vulnerabilidade ou risco. A vivência do tempo da juventude
exige um mínimo de vivência de direitos, de reconhecimento dos jovens como sujeitos
de direitos e de facilitação de espaços onde estes possam ser exercidos.
Referências