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GALVÃO, Andreia

Neoliberalismo e a reforma trabalhista no Brasil


Indice:
1. Distinção entre reforma sindical e trabalhista.
(Vinham sendo tratadas juntas até 1994, e passam a ser separadas.)
2. Apresentação das principais modificações na legislação na segunda metade
dos 90’.
3. Segundo ingrediente: investimento em educação profissional, tese da
qualificação.
4. Combate a Era Vargas no governo FHC possuía dimensão específica –
legislação trabalhista. FHC não alterou o arcabouço institucional relativo a
organização sindical.
5. O combate ao direito trabalhista é a via preferencial da reforma empreendida.
6. Exame da correlação de forças entre os setores que defendem e se opõe a
reforma. Dificuldade de reação do movimento sindical: a ideologia neoliberal
se disseminou inclusive entre os trabalhadores – sindicatos falam em nome
da flexibilização.
7. 3 primeiros anos de FHC – prioridade reforma administrativa e previdência.
8. 1998 – explosão do desemprego é usada para intensificar o combate às leis
de proteção ao trabalho. Descontentamento da burguesia industrial.
9. Pacote trabalhista: extensão de contratos por tempo determinado, suspensão
do contrato de trabalho, com previsão da participação sindical.
10. Reforma trabalhista e interesse de classe – técnica, neutralidade,
modernidade.
11. Refluxo e reativação da proposta – crise 1999, desemprego se
encarregava de manter reduzido o nível de contratação.
12. Iniciativas importantes dos primeiros anos do segundo mandato: serviço
público e JT.
13. Após o refluxo, a reforma é retomada – proposta de desregulamentação
do artigo 7º da Constituição, inviabilizado no Congresso. Meio encontrado
revogação do artigo 618 da CLT.
14. Justiça do Trabalho em xeque: instrumentos de conciliação de conflitos.
15. Trabalhadores e Centrais diante da ofensiva neoliberal.
16. Ascensão do sindicato cidadão.
A indistinção entre reforma sindical e reforma trabalhista dificulta a compreensão dos
diferentes fenômenos em jogo. São dois aspectos relacionados, mas que podem ser
tratados de maneira isolada. Na primeira metade dos anos 90’, as discussões de
reforma eram casadas, na segunda metade, os temas passam a se tratados
separadamente, enfatizando-se a reforma trabalhista.

Essa prioridade deve-se a consolidação do neoliberalismo, que propõe a


desregulamentação das leis de proteção ao trabalho em nome da competitividade e
da formalização. Essas teses ganharam espaço inclusive tendo adesão de parcela
do sindicalismo, que acreditava que os trabalhadores também obteriam ganhos.

A legislação sindical sai de cena porque existem diferentes interesses envolvidos em


sua manutenção e por conta de recuo verificado na CUT, a única a apresentar
proposta de mudança na organização sindical, mas passou a sustentar que qualquer
mudança num contexto adverso provocaria enfraquecimento dos sindicatos. 221

Pretendemos apresentar as principais modificações na legislação trabalhista na


segunda metade dos anos 90’.

1. A ofensiva patronal diante da estabilização monetária

Reforma trabalhista – Mobilizações da FIESP e da CNI. Flexibilização apresentada


como condição para incrementar a produção e a competitividade, ocupar lugar
secundário na lista prioridades da FIES. 222

Desde 96’, a CNI se dedica a analisar PLs em tramitação considerados prioritários


para a indústria. Agenda Legislativa da Indústria com intuito de sinalizar para os
formuladores de políticas públicas quais são os interesses do setor. 223

A parte referente a legislação trabalhista é aberta com a seguinte caracterizando o


sistema de relações de trabalho no Brasil por um “exacerbado intervencionismo
estatal, rigidez do marco regulatório que constituem barreira à competitividade das
empresas”. Prega a “necessidade da adoção de um novo sistema que contemple
mais a negociação que a legislação, que flexibilize os sistemas de contrato e
remuneração.” 224
Horácio Lafer Piva – Diretor de Documentação, Pesquisa, Estudos e Avaliações da
FIESP, essas leis ‘fazem com que se busque o julgamento, e não o entendimento:
há leis demais, mas a população não tem direito algum”.

Essas propostas foram se difundindo e sendo incorporadas pelo Poder Executivo,


fundamentando suas iniciativas na área trabalhista. 225

As organizações patronais passaram a associar a continuidade da estabilização


monetária à desregulamentação – flexibilização – das relações de trabalho. Medidas
como contrato flexíveis e redução de encargos seriam requisitos essências para
diminuir o custo do trabalho, incentivar a livre contratação, a fim de consolidar o
controle inflacionário e reativar a economia.

Além dessa medida, a receita contém um segundo ingrediente: investimento em


formação profissional. A tese da qualificação interessa à burguesia, que assume a
incumbência de treinar uma parcela dos desempregados, para que ele deixe de ser
visto como um problema social, o que permite responsabilizar o desempregado por
sua situação de desemprego.

As propostas patronais encontraram ressonância junto ao governo FHC: Paulo Paiva,


Edward Amadeo, Dorneles e Paulo Jobim, que anunciaram o enterro da Era Vargas
como principal objetivo da reforma trabalhista. 226

2. Governo FHC e o combate a Era Vargas

FHC não alterou o arcabouço institucional relativo à organização sindical nem


promoveu a adoção do contrato coletivo de trabalho. Sua atuação foi justamente no
combate aos direitos trabalhistas, apresentados como privilégios.

Mensagem ao Congresso em 1996: necessidade de reduzir os custos de contratação


e manutenção do empregado. A era Vargas combatida pelo governo possuía uma
dimensão específica: a legislação trabalhista consubstanciada na CLT e
parcialmente inscrita na Constituição de 88. 227

Por que a estrutura sindical sai de cena naquele contexto? Porque oferece ao
governo mecanismos para conter a ação sindical. A unicidade aprofunda a divisão
sindical, contribuindo para o enfraquecimento dos sindicatos. O estado pode inibir a
ação mediante controle sobre as contribuições compulsórias. 288 Pode-se
estabelecer regulamentação restritiva ao direito de greve, à negociação coletiva,
limites ao número de dirigentes sindicais com estabilidade. O fim da unicidade e das
contribuições compulsórias representam uma incógnita, um risco desnecessário.

Governo FHC assumiu o comando do processo de reforma trabalhista, sendo


responsável pela maior parte das medidas visando alterar a legislação. 28 das 33
principais iniciativas normativas. Dizem respeito, sobretudo, à restrição de direitos
trabalhistas (16 medidas), restrição de direitos sindicais (4 medidas), modificações
no Judiciário Trabalhista (6 medidas). São poucas as medidas referentes à legislação
sindical. O governo prioriza a reforma da legislação trabalhista em detrimento da
reforma da legislação sindical.

2.1 Direitos trabalhistas: a via de menor resistência

A reforma da legislação sindical é vista como condição de alteração da legislação


trabalhista pelos neoliberais, porém eles prescindiram da mudança da estrutura
sindical. Como explicar? 229

Método: separa o discurso da prática e distinguir os interesses envolvidos. Combate


aos direitos trabalhistas: via preferencial da reforma empreendida. Importante
destacar a conjuntura econômica em que a reforma vem ocorrendo: aumento do
desemprego, da precariedade, que enfraquecem os sindicatos e o poder de
barganha.

Nesse sentido, é preciso examinar a correlação de forças entre os setores que


defendem e se opõe: atende aos interesses patronais de ‘redução do custo do
trabalho’, conta com apoio de uma parcelo do movimento sindical (FS) e enfrenta
resistência tímida da CUT, na medida em que alguns setores também se encantaram
com a perspectiva contratualista.

Dificuldade de reação dos sindicatos: a ideologia neoliberal se disseminou entre os


trabalhadores – sindicalistas falam em nome da flexibilização, da modernização,
convencidos das vantagens de se desregulamentar o mercado de trabalho. Outros
rendem-se ao discurso da cidadania, voltando sua ação para políticas
compensatórias. 230 Nessa conjuntura econômica adversa, as possibilidades de
resistência do sindicalismo se reduzem.

FHC – mudanças na legislação que resultaram na precarização e na redução de


direitos. Desindexação salarial e elevação do IPI dos carros. 231

Nos três primeiros anos de governo, pouco foi feito para implementar novas formas
de contratação. Prioridade: reformas da previdência e administrativa. As
modificações mais importantes se deram no âmbito da fiscalização.

A principal tentativa de flexibilização nesses 3 primeiros anos foi fruto de uma


iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de SP (Força), que negociou contrato
especial de trabalho, permitindo a contratação sem registro de carteira,
provisoriamente sem SGTS, sem multa por justa causa. 232 Essas mudanças foram
contestadas na JT.

A partir de 1998, a explosão do desemprego é usada pra intensificar o combate as


leis de proteção ao trabalho e justificar a implantação de contratos precários, que são
apresentados como estímulos à contratação. 233

O governo deu início a uma série de medidas voltadas para criação de contratos
atípicos. Os bancos foram as instituições que mais lucraram no período (rentabilidade
média 8,5% x 5,6% do setor industrial).

Descontentamento da burguesia industrial – discurso de posse de Horácio Lafer Piva


– sinalizando pressão patronal pela flexibilização de direitos. 234

Os contratos flexíveis foram instituídos em 1998.

Pacote trabalhista:

Lei 9.601/98 – estende o contrato de trabalho por prazo determinado para qualquer
setor e institui o banco de horas. (reduz o depósito do FGTS para 2% e as alíquotas
para o sistema S em 50%.

MP 1726/98 – suspensão do contrato de trabalho. 235

Ambos preveem a participação sindical. São os sindicatos que devem assinar os


acordos de anualização da jornada e de contratos por tempo determinado para que
esses sejam válidos, apesar de muitos analistas alegarem que o governo pretendia
‘destruir’ o movimento sindical. 236

A preocupação com a questão do emprego parecia mobilizar igualmente governo,


trabalhadores e patrões. Não se procurava verificar o impacto dos contratos precários
e da eliminação de direitos sobre o nível de emprego. O discurso anti-desemprego
foi tão eficiente a ponto de a Fiesp se tornar parceira da CUT e da Força no
lançamento do Pacto pela Produção e pelo Emprego, em dezembro 1998, documento
contra o câmbio sobrevalorizado e as altas taxas de juros. 238

2.2 Reforma trabalhista e interesses de classe

Parece haver uma concordância quanto a urgência das reformas, consideradas


indispensáveis para retomar o crescimento econômico.

Como se o critério fosse meramente técnico, qual o projeto mais eficiente? Critérios
políticos e ideológicos não são sequer aventados. Inexorabilidade das reformas,
discurso do moderno contra o atrás. 239

Discurso racional que se pretende esvaziado de conteúdo ideológico.

Impõe-se uma saída: desconstitucionalizar os direitos sociais e trabalhistas,


estabelecendo-se a prevalência do pactuado sobre a lei. Essas medidas não
reduziram o desemprego, tampouco geraram crescimento. 240

O rendimento real dos ocupados caiu.

A desregulamentação das relações de trabalho teve participação relevante no


resultado negativo para os trabalhadores e positivo para o capital. A reforma possuí
um claro conteúdo de classe. Não é técnica e nem neutra.

2.3 A dinâmica política: refluxo e reativação das propostas


desregulamentadoras

1999: desemprego, baixo crescimento, ataque especulativo. Fuga de capitais.


Desvalorização do real. 241

Trouxe novos problemas para a atividade industrial, devido ao aumento dos custos
dos insumos importados.
Esse quadro fez com que novas desregulamentações não fossem necessárias, já
que o desemprego se encarregava de manter reduzido o nível de contratação.

A política de emprego restringiu-se à formação profissional – taxa de desemprego de


19,3% em 1999. 243

As iniciativas importantes dos primeiros anos do segundo mandato: serviço público


e JT.

Lei 9801/99 – permite a exoneração de servidores estáveis

Lei 9849/99 – amplia possibilidades de contratação por tempo determinado no


serviço público

Lei 9962/2000 – admissão no serviço público via CLT

Lei 10331/2001 – revisão salarial dos servidores

EC 24/99 elimina a figura do juiz classista

Lei 9958/2000 – institui as comissões de conciliação prévia.

243

Após o refluxo, a reforma trabalhista seria reativada nos anos seguintes. Retomada:
ministro Dorneles propõe a desregulamentação dos artigos 7º e 8º da Constituição,
que prescrevem seguro desemprego, FGTS, salário mínimo, 13º, emenda: “salvo
disposto em acordo ou convenção coletiva. A introdução da ressalva esbarrou em
dificuldades no Legislativo – necessidade de 3/5. 244

Meio encontrado: revogação do artigo 618 da CLT, autorizando acordos e


convenções a ‘flexibilizar’ a aplicação de normais legais via negociação, desde que
não contrariassem a Constituição Federal. Segundo Dorneles, o objetivo era
fortalecer os sindicatos, aumentando o poder de negociação e barganha. 245

Ao propor que o negociado pudesse flexibilizar a lei, o governo não atendia a um


argumento técnico, e sim a demanda patronal. A Fiesp recebeu com entusiasmo,
declarando que a trabalhadora já esta maduro para negociar com o s patrões dentro
das novas propostas’.

O PL 5483/01 tramitou em urgência urgentíssima, sendo aprovado na Câmara, mas


foi retirado de pauta de votações do Senado. 247

A resistência da CUT contrasta com a posição assumida por dois expoentes do


sindicalismo propositivo: Luiz Marinho e Vicentinho (então presidente), com origens
nos Metalúrgicos do ABC. Vicentinho mostrava-se disposta a negociar algumas
mudanças propostas pelo ministro, mas essa não era uma mudança consensual
dentro da Central, mesmo na Articulação Sindical. João Vacari declara que nenhum
dos direitos contidos no artigo 7º da Constituição era negociável. 12x10.

Substituição de Vicentinho por João Felício (servidor) no comando da Central.

2.4 Justiça do Trabalho em xeque: instrumentos de conciliação de conflitos

Início do segundo mandato – medidas para reduzir o papel da Justiça do Trabalho –


Conciliação e Arbitragem.

A adoção de comissões visava reduzir o recurso a Justiça do Trabalho. 250

O poder normativo da JT foi esvaziado. TST baixou instrução normativa (4) exigindo
provas de tentativa de negociação frustrada para ajuizamento de dissídio coletivo em
nome de categorias. 251

Para Vicentinho, a JT estava parada no tempo. Se no passado foi decisiva para dar
a proteção mínima ao trabalhador, hoje serve de entrave ao avanço das conquistas
no mundo trabalho. A arbitragem pode tomar deliberações muito mais adequadas
que a atual JT.

A lei é impositiva e cerceia o acesso do trabalhador a JT. Sempre que houver


comissão constituída, o trabalhador é obrigado a submeter qualquer demanda a uma
dessas comissões. Quando o trabalhador assina um termo de conciliação, perde o
direito de recorrer a JT. 252

Denuncia de cobrança de taxas por parte das Força. 255

3. Trabalhadores e Centrais diante da ofensiva neoliberal


A gigantesca ofensiva não se dá sem que tenham havido resistências a ideologia
neoliberal. Os sindicatos reagiram, porem de maneira parcial e raras vezes bem-
sucedidas.

Uma das razões para compreender a baixa capacidade de mobilização é a divisão


dos sindicatos. A adesão de uma parcela do movimento sindical 256 aos postulados
neoliberais inibiu a capacidade de resistência. Mesmo os setores críticos acabaram
por assimilar aspectos da ideologia dominante.

1995 – Grito dos excluídos CNBB; 1997 – Marcha Nacional pela Reforma Agrária,
Emprego e Justiça; Fórum Nacional de Lutas. 1999 – Marcha dos 100 mil. 257

A deterioração dos indicadores econômicos possibilitou a reaproximação da CUT e


da FS. Greve Geral contra a reforma da previdência em 1996. 1999 – Festival de
Greves na indústria automobilística, por conta da transferência de empresas para
regiões sem tradição sindical. 258

Greve conjunta dos metalúrgicos em 2000. FS faz acordo e CUT vence na JT.

2000 – Recuperação da atividade grevista no setor público. Maio: greve da Saúde,


Justiça, Previdência, Universidades.

2001 – Conflitos decorrentes do Apagão. Marcha Contra o Apagão e a Corrupção.


259

Força Sindical aderiu ao neoliberalismo, reproduzindo a associação entre o excesso


de leis/privilégios/desemprego. A central propunha desregulamentação e redução
dos encargos sociais, pois a flexibilização de direitos favoreceria a contratação de
novos trabalhadores.

A estratégia adotada pela central foi alvo de críticas internas e defecções. 263

CUT E CGT – Favoráveis a negociação que não abram mão de direitos legislados. A
favor da redução do poder normativo do TJ, através da adoção da arbitragem
voluntária e não obrigatória. FS aprovou a criação das Comissões de Conciliação
Prévia em nome da redução do papel da JT. 265
A Força, dentre as centrais brasileiras, foi a que mais encampou as teses neoliberais,
e a CUT, por sua tradição de luta, a que mais resiste a elas. Todavia, essa central
também sucumbe à flexibilização de direitos – recusa a redução de jornada com
redução salarial, mas defende o banco de horas. 266

Experiências aqui relatadas nos fazem questionar tanto atese do afastamento do


Estado das relações de trabalho quanto o argumento de que a livre negociação
implicaria o fortalecimento dos sindicatos. Num contexto econômico desfavorável, a
negociação coletiva leva o sindicato a abrir mão de direitos em nome da manutenção
do emprego. O limite do que é negociável reduz cada vez mais. Assim, mais do que
um modelo pronto, em que a redução da intervenção do Estado, a substituição da lei
pela negociação, a autonomia das partes contratantes e o fortalecimento do sindicato
funcionam como elos inseparáveis de uma cadeia, preferimos trabalhar com hipótese
de que o fortalecimento dos sindicatos depende da conjuntura político-econômica e
do posicionamento ideológico das lideranças das organizações sindicais existentes.

4. A Ascenção do sindicato cidadão.

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