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Resenha:

“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande”

E.E Evans-Pritchard

Capitulo 1 e 2
Patrick de Oliveira Silva
Mestrado – Turma 2019

As grandes etnografias, sobretudo as clássicas podem parecem verdadeiros


tratados expondo uma totalidade acerca de um povo e de uma cultura. Por mais que os
clássicos possam almejar a universalidade, eles se inserem em contextos muitos
pontuais da sua época e tempo. Não é porque a obra está fora do seu contexto que ela
não tem mais nada pra dizer, uma obra pode sempre dizer mais além. Ou dizer mesmo,
dizer alguma coisa que ainda serve para possibilitar compreender novos fenômenos,
novas questões e até mesmo culturas que inserem com suas problemáticas em nosso
tempo. Uma obra clássica pode ajudar a pensar a mesma cultura que ela debruçou a
tempos atrás. Nada se perde, sobretudo quando uma escrita etnográfica consegue chegar
em vários lugares e ilustrar de diversas formas situações interessantes e importantes
para grupos, pessoas e/ou culturas.
Há equívocos nos clássicos, assim como há equívocos nas coisas que a gente diz
o tempo – os equívocos, os erros e desacertos são uma forma de não dizer, ou o que
deixou de dizer, o que não ficou claro. Evans Pritchard é um antropólogo social inglês
nascido no começo do século passado, morreu em1973. Ele tem participação
fundamental no desenvolvimento da Antropologia Social. Na sua obra “Bruxaria,
oráculos e magia entre os Azande”, Evans Pritchard fornece a primeira grande
contribuição antropológica para a sociologia do conhecimento, uma vez que ele tomou
uma postura neutra, outros diriam relativista no que se refere as crenças Azande sobre
causação.
O objetivo do livro “Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande”, segundo
Evans Pritchard “são as relações entre crenças e ritos” (Evans-Pritchard, 2005, p..33). O
autor inicia o primeiro capitulo dizendo que “os Azande acreditam que certas pessoas
são bruxas e podem lhes fazer mal virtude de uma qualidade intrínseca” (ibidem, p.33).
O autor está interessado em estudar a bruxaria como fenômeno orgânico e hereditário
entre os Azande. Logo no primeiro paragrafo o autor deixa claro que bruxos e feiticeiros
não são a mesma coisa entre os Azande.
O termo Azande para bruxaria é “mangu”, Evans –Pritchard diz que todo zande
é uma autoridade me bruxaria. Para situar o que seria essa bruxaria o autor diz que ela é
uma substância que existe no corpo dos bruxos. O que torna uma pessoa bruxo ou bruxa
é sua linhagem, se for homem, ele o recebeu do seu pai, se for mulher, recebeu da sua
mae. A “substancia-bruxaria humana”, ela é colocada dentro da pessoa presa próximo
do fígado. Ao mesmo tempo em que ela é um traço físico, ela também é herdada,
transmitida de forma unilinear, tal como descrito acima, um menino recebe sempre do
seu pai caso ele seja bruxo e a menina não recebe, a menina recebe sempre de sua mãe e
o menino não recebe. Ou seja, mães bruxas passam a bruxaria somente para suas filhas,
pais bruxos passam a bruxaria somente para seus filhos.
Evans – Pritchard entende que para os Azande a bruxaria faz parte do corpo
acompanhando a transmissão de características masculinas ou femininas, do pai ou da
mae. Os Azande também entendem que o ser humano possui duas almas, uma corpórea
e outra espiritual. A alma corporal transforma-se no animal totêmico do clã e a alma
espiritual torne um espectro levando uma existência nas cabeceiras dos cursos d’agua. O
que o autor identifica como substância-bruxaria é uma parte do corpo que cresce com
ele. Neste sentido, quanto mais velho é o bruxo ou bruxa mais poderosa e potente é sua
bruxaria.
Evans – Pritchard usa o termo embruxado para diferenciar de enfeitiçado. Esta
embruxado é esta sobe o efeito de bruxaria de um bruxo, estar enfeitiçado é estar sobre
o feitiço de um feiticeiro. Entre os Azande bruxo, feiticeiro, adivinho não são
sinônimos. São os príncipes que manipulam o oraculo do veneno, é este oraculo que
torna possível saber da bruxaria que pode esta em uma pessoa, inclusive identificar
quem a enviou. Na sociedade Azande os nobres não são bruxos, estes fazem parte de
uma confraria somente de bruxos e bruxas, inclusive eles se reúnem para debates e
trocas de experiência. Os mais novos devem buscar nos mais velhos ensinamentos e
aprendizados.
O antropólogo identifica que há uma mentalidade entre os Zandes que é logica e
inquisitiva – claro que há identificação de saberes que não passa pelo léxico ocidental.
Evans – Pritchard insiste em situar essa diferença, embora em alguns momentos cometa
deslizes preconceituosos com o seu eurocentrismo. O primeiro capítulo se encarrega de
demonstrar o fenômeno da bruxaria, explica-lo seu pressuposto orgânico e hereditário.
O autor esta preocupado em demonstrar o papel fundamental da bruxaria para os
Azande, ele procura descrever qual o efeito da bruxaria na sociedade Azande. Ele não
explica como funciona, de que forma funciona, ele mesmo indaga isso. Acredito que o
pressuposto do não dito, do segredo tão comum nas sociedade africanas tem impedido o
antropólogo de ir adiante. O texto deixa claro que ele fica nas beiradas, naquilo que está
visível e acessível.
Os Azande tem sua própria noção de bruxaria, Evans-Pritchard se encarrega de
explica no capitulo dois acerca disso. Para ele a presença da bruxaria no cotidiano e na
vida dos Azande é muito forte. Eles atribuem qualquer infortúnio, mal súbito, as coisas
dando errado etc., a bruxaria. O autor diz que a bruxaria fornece aos Azande uma
filosofia natural por meio do qual explicam para si mesmo as relações entre os homens e
o infortúnio. O oráculo do veneno é quem pode esclarecer as pessoas sobre as origens
da bruxaria enviada a elas. A bruxaria é causa de surpresa entre os Azande, eles não
veem como nada de extraordinário a existência dos bruxos, das bruxas e da bruxaria.
Quando os Azande são cometidos com alguma bruxaria elas ficam muito
aborrecidas, mas não porque existe bruxos(as) e bruxaria, mas sim porque isso
desencadeou algum infortúnio que revela a presença de uma inimigo oculto. Eles vão
usar a própria bruxaria, como ela ocorre para explicar os infortúnios, no entanto, eles
entendem que há fenômenos, situações que não ocasionada por bruxaria. Nem todo tipo
de infortúnio está relacionado a bruxaria para eles. Eles entendem que questões
relacionado a morte e a doença, são tipicamente ocasionada por bruxaria, mas a quebra
de um vaso, a fuga dos animais e ate mesmo um fogo em função da tolice de uma
criança, não são causados por bruxaria.
No capitulo dois Evans – Pritchard retoma o que parece ser angustiante na sua
escrita, ou seja, os Azande não explicam tal como ele o que é a bruxaria. Possivelmente
o autor capta a diferença do logos. Embora possuam conhecimento, filosofia entre os
Azande eles não captam, não elaboram como no ocidente. Os Azande distinguem causa
secundaria e causa ultima, eles não estão preocupados em fornecer longas explicações
sobre o ocorre, eles sabem que ocorrem. Eles são objetivos, trabalham com suas
evidencias e convicções e não estão preocupados em elaborar grandes explicações
acerca dos fenômenos que ocorrem entre eles.
É comum entre os Azande identificar a causalidade natural e a causalidade
mística das coisas, morte natural e morte por bruxaria. Evans-Pritchard, conseguem
captar o quanto eles fazem clara distinção do tipo de morte que caiu sobre alguém. Os
Azande um saber muito peculiar para discernir uma morte que foi causada por bruxaria
e morte natural. Eles veem pluralidades de causas nas coisas e identifica a situação
social dela. É comum também entre os Azande identificar como motivo da morte ou da
doença a quebra de tabu, embora uma bruxaria possa ter levado alguém quebrar um tabu
e isso acarretar morte ou doença para si ou para um membro da sua família. Quando o
infortúnio ocorre dessa forma os Azande faz alusão a sua atividade de caça, eles dizem
que o homem que matou o animal lançou a primeira lança e o homem que atingiu o
animal causou a segunda lança. Então quando a morte e a doença são causadas pela
quebra de um tabu eles dizem que a quebra de tabu é a primeira lança e a bruxaria a
segunda lança. Quando alguém quebra o tabu e não há morte e nem doença, não há
bruxaria.
Por fim, o autor vai dizer que a bruxaria serve aos infortúnios, mas não serve as
exigências morais expressas na lei e na moral. Os Azande identificam os fracassos no
seu grupo e ate mesmo a tolice, eles não levam tudo para o lado da bruxaria. Existe um
léxico entre eles, que perpassa noções de diferença entre as coisas, os acontecimentos,
sobretudo no que se refere o infortúnio. Ou seja, há outros fatos no fracasso, no
infortúnio que estão para além da bruxaria. Tal como, os erros de crianças não são
atribuídos a bruxaria, assim como erros comuns não são atribuídos a bruxaria.
Para os Azande natural e sobrenatural não se distingue da mesma forma que é
para nós. Sobrenatural para nós é quase sinônimo de algo anormal, os Azande não
pensam assim. Para eles o sobrenatural no que se refere a bruxaria tem sua própria
logica e sua forma de existir. Como já foi dito no capitulo anterior para os Azande a
bruxaria é um fenômeno ordinário e não extraordinário, faz parte do cotidiano deles.
Além de ser um fenômeno ordinário, a bruxaria também é tida como normal. Os Azande
estão mas devotados a ação do que a analise dos seus fenômenos, afirma Evans-
Pritchard.

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