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Críticas ao modelo saussuriano

APRESENTAR NÃO SÓ AS CRÍTICAS ELABORADAS AO MÉTODO ESTRUTURAL DE ANÁLISE DA LÍNGUA,

COMO TAMBÉM OS CAMINHOS ABERTOS PELAS NOVAS TEORIAS LINGUÍSTICAS A PARTIR DA DÉCADA
DE
1960 POR MEIO DA APREENSÃO DE UMA NOVA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E DA RESPECTIVA
ELABORAÇÃO DE INSTRUMENTAL DE ANÁLISE PARA EXPLICAR ESSA NOVA DIMENSÃO DA LINGUAGEM
HUMANA.

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos,mas verdades ou


mentiras, coisas boas ou más, importantesou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc.

BAKHTIN

Esgotamento do modelo saussuriano


Em sua leitura crítica acerca da obra de Saussure e de seus seguidores, Corrêa (2002) enumera as exclusões

teóricas no modelo estruturalista. Essas exclusões são fundamentais não só na definição do conceito de
langue, como também já apontam para a reorientação que ocorrerá na área de estudos sobre a linguagem na

segunda metade do século XX.


Vejamos, resumidamente, os pontos enumerados por Corrêa (ibidem, p. 25-26):

 
1. Uma desatenção ao caráter dinâmico da língua e das mudanças no curso
da história.

 
2. A desconsideração das variações locais próprias dos indivíduos e dos grupos, que compõem uma
sociedade mais pelo conflito do que pelo acordo.

 
3. A desconsideração de fatores de ordem externa, atuantes nas relações internas dos signos.
 
4. A desconsideração de uma noção de instituição social que vinculasse o funcionamento da língua à

sobreposição conflitiva de práticas sociais ligadas a mecanismos de poder.


 
5. A exclusão de uma linguística da fala.
 

6. A exclusão de uma disciplina científica que se definisse como uma linguística externa, em que fatores
geográficos, socioeconômicos e políticos interviessem de forma determinante no modo pelo qual o sistema
da língua é posto em prática.
 
Esses aspectos, que foram excluídos do objeto de investigação da Linguística Estruturalista, também são
apreendidos na seguinte passagem da obra de Gnerre (1985):
A linguagem não é usada somente para veicular informações, isto é, a função referencial denotativa da

linguagem não é senão uma entre outras; entre estas ocupa uma posição central a função de comunicar ao
ouvinte à posição que o falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive. As pessoas
falam para serem "ouvidas", às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no
ambiente em que realizam os atos linguísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade

acumulada pelo falante e concentrá-la num ato linguístico (Bourdieu, 1977).


 
Os casos mais evidentes em relação a tal afirmação são também os mais extremos: discurso político, sermão

na igreja, aula etc. As produções linguísticas desse tipo, e também de outros tipos, adquirem valor se
realizadas no contexto social e cultural apropriado.

 
As regras que governam a produção apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relações sociais
entre o falante e o ouvinte. Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é,
tem que "saber":
 

a) quando pode falar e quando não pode


b) que tipo de conteúdos referenciais lhe são consentidos
c) que tipo de variedade linguística é oportuno que seja usada. (...) nem todos os integrantes de uma
sociedade têm acesso a todas as variedades e muito menos a todos os conteúdos referenciais.
 
Somente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma variedade
"culta" ou "padrão", considerada geralmente "a língua", e associada tipicamente a conteúdos de prestígio. (p.

5-6). Ao afirmar que "A linguagem não é usada somente para veicular informações", Gnerre está
respondendo quase sete décadas depois à asserção de que a língua é um instrumento de comunicação, cuja
principal função é transmitir informações.
 
Portanto, se a língua não é um mero instrumento de comunicação, como se pode conceber a linguagem?
ANIMAÇÃO (https://ead.uninove.br/ead/disciplinas/web/_g/ling68/a05vp01_ling68.htm)
A partir de agora, vamos conhecer as teorias linguísticas que se desenvolveram na segunda metade do
século XX. Nessas perspectivas teóricas, os linguistas, ao partirem das exclusões teóricas apontadas por

Corrêa na constituição da Linguística imanente ou do enunciado, estudam e investigam a linguagem como a


base de constituição de relações sociais, em que os falantes se tornam sujeitos. No centro das investigações,
encontra-se agora outra unidade de análise, a saber, o texto. Ao contrário da tradição gramatical e da
tradição da linguística formal, cujas unidades centrais são a palavra e a sentença, (como se comprova ao
abrir qualquer manual, nos capítulos dedicados á morfologia e à sintaxe), a Linguística que se desenvolve a
partir da década de 1960 preocupa-se principalmente com fenômenos transfrásticos e com a unidade
texto/discurso.

COMPLEMENTAR (https://ead.uninove.br/ead/disciplinas/impressos/_g/ling68/a05tc01_ling68.pdf)
Os trabalhos de Roman Jakobson, a respeito de quem falamos no tema 4, e de Émile Benveniste, cuja teoria
conheceremos no tema 7, são decisivos para a constituição dessa concepção de linguagem como forma de
interação social e de uma Teoria Linguística, que terá como objeto científico de investigação o ato de
enunciação. A contribuição de Benveniste, nesse sentido, é significativa. Em seu estudo acerca da
subjetividade na linguagem, ao criticar a noção de língua como instrumento, diz Benveniste (1991, p. 285):

"Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca


inventando".

BENVENISTE (1991, P. 285)

Ele estabelece, dessa forma, uma relação necessária entre o enunciado e a enunciação, incorporando, ao

postular uma Linguística de Enunciação, toda uma preocupação com o sujeito e com as condições
específicas de produção dos enunciados.
 
Para Fávero e Koch, os estudos linguísticos voltam-se, então, para o texto, como"uma forma específica de
manifestação da linguagem" (1994, p. 11), capaz de responder às novas preocupações. É nesse período,
portanto, que começam a ser elaboradas as chamadas Teorias da Linguística Contemporânea, que se
caracterizam principalmente por uma maneira distinta de encarar o fenômeno da linguagem e o seu objeto

de estudo. Buscando, no entanto, precursores mais remotos, não nos parece desnecessário ressaltar a
concepção de língua que, ainda na década de 1920, esboçava Mikhail Bakhtin (1986):

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema de formas linguísticas


nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção,
mas pelo fenômeno social de interação verbal, realizada através de enunciação ou

enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.


MIKHAIL BAKHTIN (1986 - P. 123)

É, portanto, essa perspectiva de análise da língua/linguagem, a partir de sua realidade concreta e em função
do que ela representa para o seu usuário, que caracteriza as diversas faces da Linguística Contemporânea,

entre as quais se destacam a Sociolinguística, a Teoria da Enunciação, a Pragmática Linguística, a


Linguística Textual, a linha francesa de Análise do Discurso (AD), além da Teoria Bakhtiniana de

Linguagem, que passa a ser, na década de 1960, conhecida no Ocidente.


 

Nos próximos temas, lidaremos com essas correntes teóricas e com o tratamento que elas dispensam ao

estudo dos textos e dos discursos.

ANTES DE CONTINUAR...
Clique no link a seguir e veja o material complementar com as principais correntes da Linguística

Contemporânea.
 
De maneira geral, o que une essas correntes teóricas é a concepção de que é o texto que melhor reflete a
realidade concreta da língua. No entanto, se o texto é o ponto de contato, também essa mesma noção é

responsável por divergências, já que não existe convergência nem quanto à sua conceituação, nem quanto à
sua perspectiva de análise.

Nos temas a seguir, tentaremos caracterizar separadamente essas tendências, a partir, principalmente, de
seus dispositivos teóricos e de análise.

COMPLEMENTAR (http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno03-03.html)

REFERÊNCIA
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. LAHUD, Michel; VIEIRA, Yara
Frateschi (trad.). 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1986.

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas : O que Falar quer Dizer. Clássicos

4. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1998.


BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. NOVAK, Maria da Glória; NERI,

Maria Luiza (trad.). 3. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991.


CORRÊA, Manuel L. G. Linguagem & Comunicação Social: Visões da Linguística Moderna.

São Paulo: Parábola, 2002.


FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística Textual: Uma Introdução.

3. ed. São Paulo: Cortez, 1994.

FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Linguística I: Objetos Teóricos. São Paulo: Contexto,
2003.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, Escrita e Poder. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

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