O Rato Astronauta
Larico ndo é nome de gente, é nome de rato. Porqué Larico? Porque vem
de larica, fomenica, faz que come e ndo petisca. Deu-lhe este nome quem
isto escreve, o seu cronista fiel, que, de éculos de ver ao longe, todas as suas
aventuras acompanha e regista
Portanto, para comecar, fixaram um nome, que ndo é para esquecer. E
agora saibam que Larico saliarico, onde pode ferra o bico, alias, 0 dente de
roedor afamado e faminto, 0 Larico saltarico, vai-ndo-vai, faz serradura. O
que aqui conto néo é segredo, e mesmo que fosse, paciéncia! Cronista que
se preze ndo pode ter medo de cometer indiscrigdes ¢, se um rato, em tempo
de misérias, r6i em seco, r6i madeira, como se fosse 0 bicho do caruncho,
que se hd-de fazer? Contar que come presunto?
Fomos, portanto, encontra-lo em trabalho de serragao.
— Isto vai mau, mesmo muito mal — diz o Larico, cuspinhando lasquinhas
de madeira. — Nao fosse o gato Badameco estar de guarda a despensa, com
um olho fechado e outro aberto, talvez me aventurasse... Esgueirava-me
pela frincha da porta e, ld dentro, ai ld dentro! Nem faco ideia por onde
havia de comecar. Pela prateleira do agiivar? Pelos chourigos? Pelos quei-
jos da serra? Ai, ai, que apertos de fome!
Os sonhos dado, as vezes, nisto. Quanto mais o Larico se aventura por
eles adentro, mais o bicho da larica lhe rota 0 estomago vazio, chamando-o
a verdade.
—Jé ndo como ha dois dias petisco que apetega, nem vejo jeitos de parar
com a dieta — suspirava 0 Larico -. Esta vida, nesta terra, esta cada vez
pior para os ratos. Mas onde hei-de eu ir?
Quem the dé resposta? Despensas e cozinhas atafulhadas de bons pitéus
ndo faltam, abencoada seja a fartura de quem as tem, mas gatos bons guar-
dides, enroscados no meio do escuro, a fingir que dormem, também nao sao
poucos. Chamam-se Badamecos, Tarecos, Xarabanecos, Tecos, Jalecos,
Fanecos, Bonecos ¢ outros nomes mansinhos, mas todos possuem, verdade
se diga, unhas de molas prontas, saltos de acrobatas, dentinhos como agu-
lhas e manhas de cacadores. Foge! Com tais parceiros nao gosta o Larico
de brincar, para mais estando fraquinho das pernas, por culpa do jejum. E
foi a fraqueza que o perdeu, como a seguir vou conta.
Os rapazes da quinta andavam entusiasmados com 0 que liam nos jor-
nais e a televisdo proclamava. As proezas de americanos e russos, metidos
em satélites, sondas, foguetes e foguetées, as voltas pelo céu, também
tinham dado volta 4 cabeca dos garotos. No rasto das aventuras dos astro-
nautas, que exploravam de cabo a rabo Lua e demais vizinhancas, resolve-ram os rapazes construir, por conta propria, uma nave que, desta vez apon-
tada da Quinta das Urtigas, também acertasse em cheio naquela casa de
cal, ainda atarantada da tantas zumbidelas em seu redor. E assim fizeram.
Ndo vamos pormenorizar o projecto da nave espacial, porque é segredo
de estado. Se fossem vocés os engenheiros e cientistas da Quinta das Urti-
gas também ndo haviam de gostar, pois nao? Digamos apenas que o mate-
rial era de primeira qualidade. Anotemos: uma panela sem fundo, trés arcos
de barril, um caixote de lixo desmontado, dois cabos de vassoura, a servi-
rem de antenas, e varios baragos de corda para enfaixarem o conjunto. O
combustivel... bem, 0 combustivel ndo entrara nos projectos, por falta de
verba, mas algumas bombas de Santo Anténio, dentro de uma caixinha,
deviam bastar para o lancamento.
— Falta 0 astronauta — lembrou um.
Nao se ofereceram volun-
tdrios. Vendo bem, aquilo
ndo garantia seguranga.
— Vou buscar uma galinha
a capoeira — disse 0 Jaime,
que era o mais entusiasta.
A galinha protestou. Nao
tinha o gosto da aventura,
nem estava a par dos tltimos
éxitos espaciais, mas de
nada lhe valeram os cacare-
jos sentidos. Amarraram-lhe
as patas e meteram-na no
engenho.
~ Precisamos de outro astronauta. Vado buscar 0 Badameco — ordenou o
Jaime a um dos mais novos.
Em vez do gato, 0 Carlitos trouxe um ratinho enfezado, que guinchava de
susto.
Tirei-o das patas do Badameco que estava quase a esgadanhd-lo — expli-
cou 6 Carlitos.
Atrés do garoto, mas a certa disténcia, vinha o gato, com ar de poucos
amigos. Embirrava com aquilo de the tirarem a caga, na melhor altura. O
Carlitos era um desmancha-prazeres.
Atiraram o rato por uma fresta do aparelho e afugentaram o Badameco.
~ Por hoje safaste-te — disse-the o Jaime —. Na préxima experiéncia,
metemos-te noutra cdpsula espacial e mandamos-te para o planeta Marte.
Ao gato tanto se lhe dava... O que ele queria era recuperar a presa. Epor ali ficou, a rondar o foguetao, feito mirone, com aquele ar desinteres-
sado, que s6 engana quem de gatos nao percebe patavina
Lé dentro, 0 Larico sentia-se em seguranga. Toda aquela confusdo de
ferro-velho nao the metia medo. Salvara-se de boa, sim senhor! Moidinho de
fome, desesperado de todo, estivera quase, quase a entrar na despensa. Mas
0 estafermo do Badameco dera com ele a atravessar a fronteira e zds! filara-
-o pelo rabo. Enfim, se ndo tivesse aparecido 0 Carlitos, podia ter sido pior...
Quando a galinha, que estava deitada a um canto e tremia de medo,
encarou 0 novo passageiro do foguetdo, ainda mais se assustou
— Onde nos meteram, vizinha? — perguntou-lhe o Larico
Estava um pouco mais informada a galinha.
—Ndo me pergunte nada que eu estou em tal estado de nervos... Esses
rapazes sdo malucos. Calcule que querem mandar-nos para a Lua. Ai que
arrepio! —e a galinha ericava as penas, horrorizada.
—Paraa Lua? Que é isso? — perguntou o Larico.
Estava um pouco mais informada a galinha.
—A Lua é aquela broa de milho que, as vezes, se vé, no meio do negro,
durante a noite — explicou ela.
— Ah — espantou-se 0 Larico — Jd sei do que fala. A mim cheira-me a que
aquilo é um queijo, um grande queijo da serra... Vamos a isso!
Pelos vistos, a viagem agradava-lhe. E pouco faltava para a partida... O
Jaime, ca fora, contava os segundos:
= DiS ia Fore B cco Livy
PUM PUM e PUM!
A nave ficou no mesmo sitio, mas os rapazes fugiram, nao tanto do lan-
camento falhado, como da tia Amélia que acorrera ao foguetério e ja os
ameacava, de longe, com a vassoura. Também fugiu, como se asas tivesse, 0
gato Badameco, assarapantado com os estrondos.
— Jd estaremos na Lua? — perguntava o Larico, que nao perdera a calma.
A galinha, a seu lado, desmaiara com o susto.
— Bem, o melhor é sair — sugeriu o Larico —. Sempre quero ver o tama-
nho do queijo.
Esgueirou-se pelos destrocos do foguetdo e saltou para terra. Afinal, a
viagem tinha sido de ida e volta, sem parar. Que desapontamento!
Mas esta historia acabou bem para o Larico, porque 0 gato Badameco
desaparecera para os lados do telheiro, que era, pensava o bichano, 0 mais
seguro abrigo contra as trovoadas da nova ciéncia astrondutica. Portanto, a
despensa, alids, os queijos da despensa néo tinham quem os guardasse...
Anténio Tarrado, 1979,
éria com Grilo Dentro
Edigbes Afrontamento
HiiCompreensao global do conto
“Larico nao 6 nome de gente (...)"
1.1, Quem é Larico?
O narrador apresenta uma explicagao para o nome do rato. Qual?
io
1.3. Como se intitula o narrador?
1.4, O que usa 0 narrador para ver as aventuras do Larico?
1.5, Relé o primeiro paragrafo do conto. Ja reparaste que ha duas
palavras que rimam em “-ica” e outras duas em “-ista”
Transcreve-as.
. Larico saltarico, onde pode ferra 0 bico, (...)"
2.1.0 narrador resolve substituir a expressao “onde pode ferra o
bico” por ouira. Qual?
2.2.0 narrador diz que este conto nao é um segredo. Explica por
palavras tuas‘o que é um segredo.
2.3. Para um rato o que significa tempo de misérias?
2.4. Diz a que outro animal é comparado o rato e porqué.2.5.
Explica, por palavras tuas, 0 que o narrador quer dizer com a
frase: “Contar que come presunto?”
at
“_ Isto vai mau, mesmo muito mal (...)”
O que rofa o Larico, quando dizia para si mesmo a frase acima.
transcrita?
3.2.
Quem impedia 0 rato de ir a despensa?
3.3.
3.4.
Se o Badameco nao estivesse a guardar a despensa, 0 Larico
(Marca com uma cruz (X) a resposta certa.)
— esperava que alguém se esquecesse da porta aberta. L |
— entrava por uma frincha da porta.
—entrava por um buraco do tecto. i)
Transcreve as perguntas que o Larico fazia a si proprio, quando
se imaginava na despensa.
5. O facto de o rato pensar nas coisas boas que estavam guarda-
das na despensa nao o ajudava nada. Porqué?
A no como ha dois dias petisco que apetega, (...)”
“J |
I
l
Quando Larico néo conseguia comer aquilo de que gostava, 0
que pensava da vida?4.2. E depois, o que perguntava a si proprio?
4.3. Acnas que havia fome naquela terra?
Justifica a tua resposta.
4.4. Entao, qual era o grande problema do Larico e dos seus compa-
nheiros?
4.5. Regista os nomes que costumavam ter os gatos, naquela terra.
4.6. Existe uma contradigao entre os nomes dos gatos e as atitudes
destes. Explica porqué.
“Os rapazes da quinta andavam entusiasmados (...)”
5.1. Que assuntos dos jornais e da televisao entusiasmavam os rapa-
zes da quinta?
5.2. Diz o que eles resolveram construir.
5.3. Por que raz&o o narrador nado pode dar pormenores sobre 0 pro-
jecto da nave?
5.4. O que substituia o combustivel naquela nave?5.5. Ndo houve voluniarios para pilotar a nave. Porqué?
“— Vou buscar uma galinha a capoeira (...)”
6.1. Por que razao protestou a galinha?
6.2. De quem se lembrou 0 Jaime, para ser 0 segundo asironauta?
6.3. O Carlitos nao trouxe o gato. Quem trouxe, em vez dele?
6.4. Por que vinha o Badameco, com ar de poucos amigos?
“Atiraram o rato por uma fresta do aparelho e
afugentaram 0 Badameco.”
7.1.0 gato s6 tinha um objectivo, naquele momento. Qual era?
7.2. Como se sentia o Larico dentro da nave?
7.3. Ao ver o rato, como reagiu a galinna?
ara a Lua? Que é isso?”
8.1. O que era a Lua, para a galinha?8.2.
E para o rato?
8.3. O langamento da nave foi um 6xito? Justifica a tua resposta.
8.4. De quem fugiam os rapazes?
8.5. Por que fugiu 0 Badameco?
8.6. O que perguntava o Larico, depois daquela grande confusao?
8.7. Os dois astronautas tiveram diferentes reaccées:
—O rato —Agalinha
“— Bem, o melhor é sair = (...)”
9.1. Ao sair daqueles destrogos, o Larico tinha um objectivo. Qual
era?
9.2.
Qual a explicagao dada por Larico para se encontrar na Terra?
9.3.
O narrador afirma que esta historia acaba bem para o Larico. Jus-
tifica esta afirmagao.
Quem € 0 autor deste conto?
95
A que obra pertence?Da Leitura Orientada a Leitura para Informacao e Estudo
(Propostas para trabalhos de grupo)
|— Continuar 0 conto
* Redige uma histéria onde contes 0 que se passou, naquela des-
pensa, sem o Badameco a guarda-la. Imagina que o Larico tinha
uma grande familia. Ele era o pai de nove ratinhos pequenos que o
aguardavam, com a mae, a espera de um petisco. Podes até ima-
ginar que, naquele dia, por coincidéncia, era o aniversario da
mulher do Larico.
* Diverte-te com os teus colegas, dramatizando as vossas histdrias.
ll- Os gatos e as suas historias
* Procura saber, junto de familiares, vizinhos e amigos que tenham
gatos, os respectivos nomes. Investiga, também, as raz6es que
podem ter levado as pessoas a escolher determinados nomes
para os seus gatos
* Pesquisa informagdes sobre as ragas dos ratos, em livros ou
mesmo junto de pessoas que saibam sobre o assunto
* Se te interessar, poderas alargar a pesquisa sobre outras animais
de estimagao.
« Poderas, ainda, recolher, junto de pessoas mais idosas, histérias
de “gatos pretos, a meia-noite” e regista-las
lll- Recolher e registar historias sobre a Lua
* Ha varias historias que se contam sobre a Lua. Pergunta aos teus
pais, avés e outros familiares se conhecem alguma. Podes tam-
bem procurar em manuais antigos e modernos. Depois, regista-as.
IV — Pesquisar sobre a primeira viagem do Homem a Lua
A ida do Homem a Lua foi um acantecimento muito importante.Neil Armstrong, 0 primeiro homem a poisar o pé na Lua, em 20 de
Julho de 1969, disse: “- E um pequeno passo para um homem, mas um
grande passo para a Humanidade.”
* Recolhe, com os teus colegas de grupo, informagées sobre a pri-
meira ida do Homem a Lua e sobre outros aspectos relacionados
com 0 assunto, como naves, por exemplo.
V — Reciclar objectos
Este conto de Anténio Torrado descreve os materiais utilizados pelos
rapazes para a construcdo da nave.
Também tu estas, certamente, habituado a trabalhar com material
de desperdicio: copos de iogurte, latas, revistas e caixas de papelao...
* Reflecte, com os teus colegas, sobre a utilizag&o, ou nao, de mate-
riais de desperdicio na vossa escola.
* Com a ajuda do(a) vosso(a) professor(a) de E.V.T., organizem uma
passagem de modelos utilizando unicamente materiais de desper-
dicio.
VI — Intervir na comunidade
Por vezes, os ribeiros, os rios e os mares ficam poluidos por descui-
do e falta de respeito pela Natureza, que é de todos.
* Com os teus colegas, procura saber se a zona onde vivem tem
este tipo de problemas.
¢ Vao a Junta de Freguesia, a Camara Municipal, ao Registo Civil, &
sede dos partidos politicos, enfim, procurem ser uma “voz viva”,
na vossa localidade, no vosso pais.
° Escrevam cartazes e afixem-nos em lugares onde muitas pessoas
os vejam.