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Vitor Sousa de Lima

Graduado pela Universidade de Brasília (UnB)

Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro.


Instituto de Ciências Humanas (IH), Departamento de Geografia (ICC Norte, Subsolo,
Módulo 23)
Asa Norte
70910900 - Brasília, DF – Brasil

Bacharel e Licenciado em Geografia

Endereço Residencial: Quadra 103 Conjunto R Casa 28, Santa Maria – Brasília – DF

Endereço Eletrônico: vitorsousa2601@hotmail.com


A ESPACIALIDADE DO ISLÃ EM BRASÍLIA

RESUMO: O artigo abordará a espacialidade do Islã em Brasília. Para isso, foram realizadas
pesquisas bibliográficas sobre o surgimento do Islã e depois, pesquisas de campo,
caracterizadas por observações simples e entrevistas informais à comunidade islâmica de
Brasília. A partir da pesquisa realizada, identificou-se que a relação “Islã-Espaço” é
caracterizada pela mutualidade e pela resistência.

Palavras-Chave: Aspectos Geo-Históricos, Expansão Islâmica, Relação Cultura-Natureza.

THE SPACIALITY OF ISLAM IN BRASILIA

ABSTRACT: The article are going to deal with spaciality of Islam in Brasilia. For this,
bibliographical researches were carried out on the emergence of Islam and then, field surveys,
characterized by simple observations and informal interviews to the Islamic community of
Brasilia. From the research conducted, it was identified that the relationship "Islam-Space" is
characterized by mutuality and resistance.

Key-words: Islam, Spaciality, Brasilia.

LA ESPACIALIDAD DEL ISLAM EN BRASILIA

RESUMEN: El artículo abordará la espacialidad del Islam en Brasilia. Para ello, se realizaron
investigaciones bibliográficas sobre el surgimiento del Islam y después, investigaciones de
campo, caracterizadas por observaciones simples y entrevistas informales a la comunidad
islámica de Brasilia. A partir de la investigación realizada, se identificó que la relación "Islám-
Espacio" se caracteriza por la mutualidad y la resistencia.

Palabras claves: Islam, Espacialidad, Brasilia

Introdução

O Islã surgiu no século VII, com o profeta Mohammed, na Península Árabe, mais
especificamente na cidade de Meca, no qual também teve seus primeiros adeptos. A partir
deste momento, o Islã passa a se expandir pelo norte da África, pela Ásia até chegar à
Indonésia e também ao Brasil, no século XVI, através dos cristãos-novos e no século XVIII,
através dos malês. Neste artigo, o Islã será compreendido como uma religião que possui
características culturais, expressas em seus membros e consequentemente, no espaço
geográfico.
Os dados do IBGE1 apontam que existam 35.167 muçulmanos no Brasil, sendo 972 no
Distrito Federal. Apesar de oficiais, eles estão desatualizados e divergem dos dados de
comunidades islâmicas brasileiras. Segundo a Comunidade Islâmica de Brasília, existem 2 mil
membros na cidade. Tal fato tem implicações espaciais que suscitaram a principal questão
deste artigo: “Como o Islã se especializa em Brasília 2?”, que está diretamente associado ao
objetivo geral da pesquisa: Compreender a espacialidade do Islã em Brasília e suas
especificidades. Para isso foi necessário compreender o fenômeno a ser estudado, realizando
pesquisa bibliográfica sobre o surgimento do Islã, que trouxeram, também, informações sobre
a sua expansão até Brasília.
A espacialidade islâmica ocorre através da sua expansão pela superfície terrestre,
negociando seus objetivos como cultura e religião e seus símbolos com as exigências do lugar
em que se insere. O resultado disso são as diferentes formas de Islã, que apesar das suas
semelhanças, possuem particularidades, influenciadas pelo contexto espacial. Desta forma,
foram pensados os objetivos específicos, que estão interligados ao geral, que são:
Compreender a espacialidade das Mesquitas e mussalas 3 em Brasília e Compreender como o
contexto espacial da cidade influencia nos símbolos do Islã.
A partir do objetivo geral e dos específicos, foram estabelecidas hipóteses. A principal
delas é que a expansão islâmica no Brasil se deu pela sua adaptação ao contexto local em que
foi inserido. A segunda hipótese está relacionada à espacialidade das Mesquitas e mussalas.
Seu aumento pode estar sendo ocasionado pelo aumento de imigrantes de países de maioria
muçulmana e pela necessidade de membros realizarem as orações e o sermão das sextas-
feiras4, mas que não podem se deslocar às Mesquitas, que ficam na área central do Distrito
Federal. A última hipótese é que as práticas islâmicas sofrem transformações em relação ao

1
Dados de 2010.
2
Neste artigo, Brasília é considerada como toda a área urbana do Distrito Federal.
3
Local destinado às práticas islâmicas, como orações e o sermão das sextas-feiras. É menor que uma Mesquita.
4
Chamado de Khutuba. Após o sermão, também é realizado o Salat Jumu’ah, que é a oração em conjunto, no
qual o Sheikh fica na frente e comanda os passos de cada oração. Atrás dele, fica os Imans e depois destes, os
membros.
contexto espacial de Brasília, uma vez que, o Islã não faz parte do modo de vida do
brasiliense.
A resposta dos objetivos apresentados está presente no artigo a seguir. Inicialmente se
apresentará um contexto histórico do Islã, com o objetivo de explicar a origem do fenômeno
estudado. Após a contextualização histórica, será realizada uma contextualização espacial e
cultural, na qual serão discutidos elementos que enfatizam a relação “homem-natureza” na
expansão espacial do Islã como cultura e como religião.
A próxima parte aborda a geo-história do Islã no Brasil, que foi divida em três fases:
Islã de escravidão, Islã de imigração e Islã de conversão. Em cada fase, o Islã teve uma
relação específica com o espaço brasileiro, que resultou na configuração espacial atual, tendo
destaque para as três principais comunidades islâmicas do país: Rio de Janeiro, Curitiba e São
Paulo.
Na última parte, será abordado o Islã em Brasília. Esta parte foi resultado das
pesquisas de campo realizadas nas Mesquitas localizadas na 912 Norte e em Taguatinga Norte
e na mussala no Gama. Tais visitas foram caracterizadas pela observação simples e entrevistas
informais com membros da comunidade islâmica de Brasília, que forneceram informações
sobre a espacialidade do Islã na cidade onde foi realizada a pesquisa.

1. O surgimento do Islã

1.1 Fatores históricos

O Islã tem início com Abu al-Quasim Muhammad ibn ‘Abd al-Muttalib ibn Hashim,
mais conhecido como profeta Mohammed. Ele nasceu no ano 570 d.C. na cidade de Meca 5,
localizada na Península Árabe, região de clima semi-árido, que ocasionava o deslocamento
constante de tribos beduínas, à procura de água, concentradas em algumas regiões, geralmente
perto de cidades.
A variedade de tribos que passavam por Meca, tornava esta cidade politeísta, uma vez
que cada tribo que passava na cidade tinha uma crença diferente. Neste local também se
localizava a Caaba6, monumento utilizado para realizar cultos politeístas. Em Meca também
tinha presença de cristãos e judeus, em menor número, que viviam de forma pacífica na
região.
5
Ou Makka.
6
Ou Kaaba. Para o Islã, este local foi construído por Abraão, que recebeu ordem de Deus para fazê-lo.
Mohammed era monoteísta e membro da tribo Koraishita, uma das mais influentes na
cidade, porém ele era do clã Bani-Hassem, uma das menores ramificações desta tribo, o que
não o daria status de poder. Sua vida era destinada a trabalhar com caravanas, transitando
entre Meca e Medina também chamada de Yatrib, outra cidade caracterizada pelo
monoteísmo, propagado pela alta quantidade de cristãos e judeus. Aos 25 anos de idade,
Mohammed conhece sua esposa7, quinze anos mais velha e viúva de um rico mercador. A
partir deste momento, Mohammed passa a ser reconhecido em Meca e a partir da sua
influência, realizou uma das suas maiores obras: a restauração da Caaba.
Mohammed sempre tinha o hábito de meditar na caverna de Hira8. A alta altitude
resultava em uma temperatura diferente da cidade, o que favorecia uma atmosfera
transcendental para suas meditações. No ano 610 d. C., em um desses momentos, Mohammed
recebe uma revelação, o que se torna o início do Islã e do Mohammed como profeta.
Depois desta revelação, ele passou a recebê-las constantemente e as transmitia para
demais pessoas, e parte delas passaram a acreditar que estas mensagens eram divinas. Os
primeiros convertidos foram sua esposa, seu primo, Ali ibn Abi Talib9, seu amigo Abu Bakr.
Depois, as pessoas mais pobres da cidade se converteram ao Islã: escravos, pequenos
comerciantes, mendigos e estrangeiros.
A nova religião do profeta Mohammed, por ser monoteísta, não agradou as tribos que
viviam em Meca, pois os locais sagrados eram usados tanto por eles quanto pelos primeiros
muçulmanos. O crescimento do Islã revoltou os grupos politeístas que viviam em Meca,
obrigando Mohammed e seus fiéis a fugirem para Yatrib, em 622 d. C.
Em Yatrib, o Islã cresceu pelo fato da maioria dos habitantes serem cristãos e judeus,
que são religiões monoteístas e que tinham ligação com elementos da nova religião. O profeta
Mohammed permaneceu na cidade oito anos e este período é chamado de Hégira10, que
também dá início ao calendário islâmico. Nesta cidade também foi estabelecida a
Comunidade Islâmica, chamada de Umma. Neste período, Mohammed recebe a maioria das
revelações que constitui o Alcorão e o Islã deixa de ser apenas uma crença e passa a se
consolidar politicamente e espacialmente, sendo o profeta o líder religioso e político e Yatrib
se torna o centro do poder do seu império.

7
Chamada de Khadidja.
8
Localizada na montanha Jabal al-Nour.
9
Filho de Abu Talib, que criou o profeta Mohammed depois da morte de seu avô, Abd al-Mutalib. Como
retribuição aos cuidados recebidos, Mohammed também cuidou de Ali, após a morte do tio.
10
Em árabe, Hjira. Calendário utilizado no Islã. Seu início é em 622 d.C.
No ano de 630 d. C., Mohammed estabeleceu um acordo com as tribos politeístas que
passavam por Meca, permitindo que muçulmanos realizassem a peregrinação até a Caaba. Ele
também promoveu, através da nova religião, a unificação das tribos beduínas que viviam na
região da Península Árabe. Em 632 d. C., o profeta Mohammed falece, dando início a uma
nova fase na história do Islã. Este fato acarretou em cisões na Umma. Segundo Adam
Silverstein:

“In the first chain reaction, certain groups considered the Prophet’s death to be the
beginning of an era; in the second, some other groups saw it as the end of one. It was
a beginning of na era for those Muslims who submitted to the rule of the caliph or
‘sucessor’, who acceded to leadership of the umma [...]” 11 (SILVERSTEIN, 2010:
10)

O primeiro grupo acreditava que a morte do fundador do Islã acarretava no fim de uma
era e por isso, não era mais necessário seguir as leis estabelecidas pelo profeta. O segundo
grupo acreditava que a religião-império deveria permanecer e que era necessária a escolha de
um sucessor12 para continuar a governar o império islâmico e garantir que as leis e as
revelações de Allah13 fossem cumpridas. O primeiro grupo se subdividiu entre aqueles que,
apesar de não seguirem mais as revelações de Allah, queriam permanecer na Umma, e;
aqueles que decidiram sair totalmente da Umma, conhecidos como Riddas (apóstatas).
No grupo que acreditava no início de uma nova era na história islâmica, a divergência
se dava em torno de quem seria o sucessor do profeta Mohammed. Uma parte acreditava que
Abu-Bakr deveria ser o califa, pois foi um dos primeiros convertidos ao Islã e o membro mais
velho da comunidade e por isso, mais experiente. A outra parte acreditava que a sucessão
deveria ser ocupada por alguém que fosse parente do profeta. Neste caso, quem deveria ser o
califa era o primo e genro, Ali. Apesar da divergência, temendo que isso acarretasse no fim do
Islã, o primo de Mohammed aceitou que Abu-Bakr fosse o primeiro sucessor.
O primeiro califado durou dois anos. Neste período, Abu-Bakr reafirmou a negociação
com tribos politeístas que habitavam Meca, iniciada por Mohammed. Ele também combateu
lideranças que não seguiam os ensinamentos de Allah, mas queriam permanecer na Umma.

11
“Na primeira reação em cadeia, certos grupos consideraram a morte do Profeta sendo o início de uma era; Na
segunda, outros grupos a viam como o fim. Foi o inicio de uma era para os muçulmanos que se submeteram à lei
do califa, ou ‘sucessor’, aceito para a liderança da Umma.”
12
Califa ou Khalifa. Líder religioso e político do Islã.
13
Tradução árabe para definir “Deus”.
Ele institui o código civil para guerra e expandiu o Império Islâmico para o norte, chegando a
enfrentar os Bizantinos.
Em 634 d. C., após o falecimento de Abu-Bakr, Omar14 torna-se o segundo califa. Pelo
fato do seu califado ter durado mais tempo, ele permitiu que o território islâmico tivesse sua
maior expansão, chegando, ao norte da África e Ásia Central. As regiões por onde se
expandiu a religião-cultura islâmica possuem clima semi-árido, o qual os muçulmanos
estavam acostumados, o que facilitou a formação de cidades nestas áreas, consolidando cada
vez mais o Islã. Segundo Ali Kamel (2007), Omar foi assassinado em 644 d.C., por um
escravo que foi ignorado por ele, após reclamar sobre as injustiças que sofria.
O sucessor de Omar foi seu sobrinho Osman 15. Seu califado foi o que durou mais
tempo, terminando em 656 d. C. Neste período, ele continuou a expansão do império
islâmico, chegando a dominar o Chipre e a Pérsia. Ele também foi o responsável pela
compilação e ordenação do Alcorão, livro sagrado do Islã. Apesar dos grandes feitos, a
nomeação de Mu’ Awiya, seu sobrinho, como governador da Síria e indicação para sucessor
ao califado não agradou a comunidade islâmica, pois seu pai era um dos inimigos do profeta
Mohammed. Tal revolta intensificou a divergência entre os que queriam a sucessão de Mu’
Awiya e os que reivindicavam a sucessão de Ali desde 632 d. C. Pelo fato de grande parte não
apoiar o sobrinho de Osman, Ali se tornou o quarto califa do Império Islâmico.
O califado de Ali, desde seu início teve rebeliões provocadas pelos partidários do
sobrinho de Osman. A primeira ocorreu quando Ali transferiu a capital do Império para Kufa,
no Iraque. Liderados por Ayishah, uma das viúvas de Mohammed, os defensores de Mu’
Awiya queria retirar o primo do profeta do poder, porém, o exercito de Ali venceu a batalha e
executou todos os prisioneiros, poupando apenas Ayishah, pelo fato dela ter uma ligação
importante com o profeta.
Ali, diferente dos outros califas ortodoxos, estava focado na religião e queria que o
Islã voltasse a ser praticado como nos tempos de seu primo. Por isso, ele condenava os
governantes que adotavam práticas que eram condenadas pelo profeta e por Allah, como a
ostentação de luxos, consumo de álcool e descompromisso com a Umma. Neste sentido, não
houve expansão territorial do império islâmico. Ali também não tinha habilidades políticas, o
que resultou nas diversas batalhas contra os que o queriam fora do poder.
As diversas batalhas travadas entre Mu’ Awiya e Ali, fez com que este resolvesse
negociar acordos de paz com seu rival. Tal atitude revoltou seus próprios partidários, que o
14
Em árabe: Umar al-Khattab.
15
Em árabe: Utnman ibn Affan.
assassinaram em 661 d.C. O grupo que matou Ali, ficou conhecido como “Khajiritas”, que
eram bastante extremistas em relação à religião islâmica. A morte de Ali finalizou o período
ortodoxo da história islâmica.
O fim do período ortodoxo, deu origem à fase das dinastias, que foi marcada pelo
Califado Omíada, que durou até o ano 750 d.C. e pelo Califado Abássida, até 1258 d.C. Na
primeira dinastia houve grande expansão do império islâmico, chegando à Espanha e Ásia
Central. Na segunda dinastia houve maior difusão da religião e consequentemente, da cultura
islâmica nos domínios do império. A expansão do Islã se deu de forma expressiva, assim
como a sua formação como religião aconteceu principalmente por fatores culturais e naturais.

1.2 Fatores Naturais

O Islã se expandiu inicialmente como uma crença, depois como império, sendo que
neste último também ocorreu a difusão da sua cultura. Tal expansão se estendeu por várias
regiões, como a Península Árabe, Norte da África, Península Ibérica e Ásia Central, chegando
ao Sudeste Asiático. O sucesso territorial do Islã, assim como os elementos de sua cultura-
religião se deu não apenas por personagens importantes da sua história, mas também por
fatores culturais e naturais.
O Islã surgiu em uma região natural de clima extremamente seco, ou seja, o regime
pluviométrico é extremamente baixo, o que torna a água superficial muito escassa, sendo
localizada somente em oásis. Neste contexto, a fauna e a flora se adaptaram. Assim, os
animais que ali vivem podem armazenar água por mais tempo e as plantas possuem
mecanismos de armazenamento de água. Da mesma forma que a fauna e a flora, o ser humano
também se adaptou à região desértica.
Os recursos naturais escassos não permitiam que grupos humanos sedentarizassem,
tornando-se nômades que se fixavam temporariamente em algum lugar para utilizar água que
encontravam em lençóis freáticos. As primeiras cidades que surgiram nesta região estavam
localizadas perto de oásis, onde havia maior quantidade de água, fauna e flora. Este conjunto
de possibilidades foi o que resultou no modo de vida dos habitantes da península árabe e,
consequentemente, dos primeiros muçulmanos, o que influenciou nas práticas da religião em
questão.
Os elementos simbólicos do Islã estão associados às questões ambientais. A água é
vista como um elemento sagrado dentro da religião, podendo expulsar os gins, que são seres
de fogo. A cor verde, presente em plantas, é considerada como uma cor sagrada. Ambos os
elementos estão relacionados ao contexto de escassez destes elementos. O modo de vida do
profeta Mohammed, considerado importante para o Islã sunita teve origem em virtude da
necessidade de se adaptar ao meio natural daquela região.
A expansão do Islã também se deu em razão de fatores naturais. A expansão inicial se
deu em regiões semiáridas, que eram pouco habitadas e também eles estavam melhor
adaptados ao meio. Segundo Silverstein: “the spread of camel breeding throught the
conquered territories accelerated the process by the inefficient and high-maintenace wheeled
vehicles, which requires paved roads, were replaced by the simpler and more economical
camels.”16 (SILVERSTEIN, 2010: 14)
O principal meio de transporte utilizado era camelos e dromedários, que poderiam
andar longas distâncias sem precisar consumir água. Outros impérios, como o Bizantino e
outros reinos em ascensão na Idade Média, não tinham transporte adaptado para sobreviver no
deserto, nem vestimentas que permitissem se deslocar nesta região, ou seja, este conjunto de
elementos facilitou, de certa forma a consolidação do Islã como cultura, religião e império nas
regiões desérticas.
A expansão do Islã se deu, majoritariamente, pelo meio terrestre. Segundo Xavier de
Planhol (2002), os principais fatores são a pouca relação com a técnica de navegação,
desenvolvidos pelos povos ibéricos e a questão cultural que foi sacralizada nos atos do profeta
Mohammed. A expansão terrestre, já mencionada, além de ser a principal maneira adotada,
também foi a primeira a ser utilizada pelos muçulmanos, pois, além de dominarem o
transporte utilizado na região semi-árida (camelos e dromedários), eles também não
dominavam a navegação. Apesar disso, Planhol apresenta duas exceções à época: a Ilha de
Rouad, localizada na costa da Síria, e o Golfo de Gabès, que em virtude da adaptação ao
ecossistema litorâneo, foram desenvolvidas atividades relacionadas à pesca e navegação.
O fato de boa parte dos muçulmanos não dominarem a navegação, acarretou na
expansão ser malsucedida à Oeste, sendo conquistada apenas a Península Ibérica, a qual
tiveram acesso pelo estreito de Gibraltar, depois de atravessarem o Norte da África, região
semiárida. Além deste fato, o Mar Mediterrâneo, melhor acesso para o continente europeu, era
dominado por venezianos, que tinham técnicas de navegação mais desenvolvidas. A expansão
à Leste foi bem-sucedida, pois se utilizaram mais do meio terrestre do que marítimo para
divulgar o Islã, o mar foi necessário apenas para se chegar à atual Indonésia, no século XVII e

16
“A disseminação pela criação de camelos através dos territórios conquistados acelerou o processo [de
expansão do Islã] pela ineficiência e alta-manutenção de veículos sob-rodas, que requeriam estradas
pavimentadas, [estes veículos] foram substituídos por camelos, mais simples e mais econômicos.”
depois da conversão dos Bugineses, o império islâmico e consequentemente, sua cultura e
religião passaram a adquirir melhores conhecimentos marítimos.
O conhecimento marítimo europeu, principalmente dos povos ibéricos foram
conquistados graças aos árabes. Então como se explica a falta de desenvolvimento em
técnicas marítimas no império islâmico? Segundo Planhol:

“The former had, at the time of the birth of Islam, almost entirely forfeited the gains
of the Himyarite navy, which had ruled the Red Sea several centuries before. Their
maritime vocabulary was almost foreign, ans indeed borrowed from diferente
languages on the two fronts of their expansion, where the vocabularies differ
profoundly: essentially from Persian in the Gulf and in the Indian Ocean, and from
Aramaic in the Mediterranean [...]”17 (PLANHOL, 2002: 136)

O conhecimento de navegação pertencia apenas ao Reino Homerita, que estava


localizado na Península Árabe e dominou a região há muitos séculos atrás, porém, sua
dissolução ocorreu em 520 d.C., antes do surgimento do Islã, o que acarretou no pouco
desenvolvimento nesta área.
A incompatibilidade entre Islã e mar também é cultural. Se aventurar em ambientes
desconhecidos, como os mares e oceanos, era visto como atitude de rebeldia contra Alá, sendo
assim, aventureiros eram vistos com rejeição no Islã. O profeta Mohammed também compara
tais ambientes ao inferno, o que também acarretava em não se utilizar este meio para
deslocamento.

1.3 Fatores Culturais

O Islã, por se tratar de uma cultura e também por ser uma religião universal, que
segundo a classificação de Sopher (1967), tem o objetivo de converter toda a população
mundial, permite que o Islã se adapte aos costumes do local onde ele está inserido. Apesar
disso, é importante ressaltar que tal religião-cultura foi influenciado, principalmente por três
culturas: Árabe, Persa e Turco, pois elementos essenciais do Islã estão associados a aspectos
culturais destes grupos e também o Islã teve papel importante nas suas histórias.

17
“Os antigos tinham, na época do surgimento do Islã, perdido quase todos os avanços da marinha Homerita, que
governou o Mar Vermelho por vários séculos. Seu vocabulário marítimo era praticamente estrangeiro,
emprestado de diferentes idiomas das duas frentes de expansão, onde o vocabulário difere bastante:
essencialmente da Pérsia, no Golfo e no Oceano Índico e Aramaico, no Mediterrâneo.”
A história do Islã e a história dos povos árabes estão muito associadas, pois a
unificação dos povos beduínos que habitavam a Península Árabe se deu em virtude do Islã. O
profeta Mohammed era árabe e suas práticas, que também pertencem ao povo árabe foram
sacralizadas e estão presentes na Suna18, seguida por boa parte da Comunidade Islâmica. As
revelações de Allah à Mohammed foram em árabe, dando à esta língua um status sagrado.
Pode-se dizer que a cultura árabe está em elementos essenciais do Islã. Apesar desta forte
relação, é importante ressaltar que nos séculos IX e X, grande parte da população muçulmana
era “não árabe” (SILVERSTEIN, 2010).
Os Persas também tiveram grande importância para a formação cultural do Islã. A sua
experiência histórica como Império permitiu que o Islã se expandisse, conquistando muitas
áreas, principalmente durante a dinastia Abássida, essencialmente persa. A expansão durante
esta dinastia também se deu pela técnica de utilizar caravanas, também herdada dos Persas.
Os Turcos, diferente dos Árabes e dos Persas, não teve origem no Oriente Médio, e
sim, na Mongólia, no Extremo Leste Asiático. A sua contribuição para o Islã se deu no século
IX, quando foram incorporados ao Império Islâmico e depois passaram a terem grande
influência, criando seus próprios reinos islâmicos, como o Império Ghaznavid e o Sultanato
de Dheli. Os Turcos, pelo fato de interagirem com os povos da Ásia Central e Sudeste
Asiático, permitiram que o Império Islâmico, sua cultura e religião se expandissem para estas
áreas.
Os fatores naturais, culturais e históricos permitiram que o Islã expandisse para
diversas regiões do planeta inclusive para o Brasil, que, assim como em diversas regiões,
buscou se adaptar ao contexto espacial, negociando seus respectivos símbolos e resultando na
sua adaptabilidade ao local em que está inserido.

2. Islã no Brasil

O Brasil, a partir do início do século XXI, apresentou um aumento no número de


muçulmanos, sendo que uma parte são brasileiros convertidos, o que não era muito comum no
início do século passado, pois grande parte da comunidade islâmica era formada por
estrangeiros, sendo muitas vezes chamados, erroneamente, de árabes. Apesar do recente
crescimento, o Islã está presente no Brasil há mais tempo.
Os primeiros grupos islâmicos chegaram ao Brasil junto com Pedro Álvarez Cabral,
no século XVI. Eles estavam inseridos no grupo de cristãos-novos, que eram pessoas que
18
Ditos e costumes do profeta Mohammed.
foram obrigadas a se convertem ao cristianismo. Apesar da imposição, alguns, ao chegarem
ao Brasil, praticavam o Islã até serem descobertos pela Inquisição (AL-JERRAHI, 2003). A
presença muçulmana neste período ainda não era muito expressiva. Tal fato veio a acontecer a
partir do século XVIII, através da chegada dos negros oriundos da Nigéria.
A presença islâmica no Brasil foi periodizada por Lidice Meyer Pinto Ribeiro (2011),
que a dividiu em três períodos: I) Islã de escravidão (século XVIII e inicio do XIX),
caracterizado pela inserção de escravos oriundos de regiões islamizadas na África, como
Sudão e Nigéria; II) Islã de Imigração (início do século XX), pela inserção de árabes e
libaneses refugiados da Primeira Guerra, e; III) Islã de Conversão (final do século XX até os
dias atuais), formado por brasileiros que se converteram à religião em questão.
Na primeira fase periodizada do Islã no Brasil, os negros oriundos das regiões
correspondentes aos atuais Sudão e Nigéria, quando perdiam batalhas eram presos e vendidos
como escravos e trazidos para o Brasil, principalmente para Salvador. Este grupo de negros
foi chamado de malês, pois eram muçulmanos, e diferente dos demais grupos negros que
chegaram neste país, eles eram letrados, até mais do que alguns portugueses que habitavam o
Brasil.
A condição de letrados permitiu que os malês trabalhassem no comércio e recebessem
um pequeno salário, que era economizado para comprar a carta de alforria, que garantia sua
liberdade, limitada, pois o contexto no qual estavam inseridos não permitiam viver como os
colonos portugueses, além da proibição de realização de qualquer culto que não fosse
pertencente à religião oficial do Estado.
A conquista econômica dos malês, apesar do contexto, permitiu que eles construíssem
seus próprios espaços, consolidando a sua identidade em território brasileiro. Além de
construir suas habitações, eles também construíram escolas para escravos recém-libertos e
seus filhos, e casas de oração, chamados de majlis, que eram espaços para conversão de
outros grupos étnicos negros e também para realização de práticas islâmicas, que eram feitas
disfarçadamente, para evitar que fossem presos.
Na década de 1830, os muçulmanos não eram formados apenas por malês, mas
também por iorubas e outros grupos étnicos escravizados. Neste período também ocorreram
revoltas de escravos, com o objetivo de terminarem com a escravidão e também promover a
liberdade de culto. Estas revoltas foram possíveis, pois os escravos, em grande parte, viam o
Islã como um elemento de unificação dos grupos negros e também de resistência ao contexto
de submissão no qual estavam inseridos. Geralmente as revoltas aconteciam em datas
comemorativas para o Islã e que tinham algum correspondente na religião do Estado
(RIBEIRO, 2011). Eles geralmente se comunicavam em árabe para que seus planos não
fossem descobertos.
A principal revolta que houve no Brasil foi a Revolta dos Malês, em 1835. O objetivo
da revolta, além de libertar negros da escravidão, também era tomar a sede do governo e
instituir um líder muçulmano, para que a liberdade de culto fosse garantida. O estopim para a
revolta foi a prisão de dois alufás19. No final do mês do Ramadã, quase quatro mil homens
tomaram as ruas de Salvador para soltá-los e para destituir o governo local. Apesar da
quantidade de pessoas, a polícia foi acionada e, depois de várias horas, os malês foram
enfraquecidos, fugindo para outros estados.
A revolta, apesar de expressiva, não atingiu os objetivos pretendidos, o que intimidou
os negros, escondendo cada vez mais as suas práticas islâmicas, e também praticando atos que
não eram permitidos pela religião. Faziam isso para não serem descobertos e também para
sofrerem menos retaliações. Trinta anos após a revolta dos malês, um Iman20 otomano
chamado Abdul al-Rahman al- Baghdadi esteve no Brasil e relatou três comunidades
islâmicas expressivas: Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Segundo seus relatos, as
comunidades islâmicas no Brasil não praticavam um Islã ortodoxo, pois havia consumo de
álcool e uso de instrumentos de percussão durante as orações, o que não era permitido na
religião em questão.
Na comunidade islâmica do Rio de Janeiro, o Islã foi submetido ao processo de
sincretismo, pois conciliou com práticas católicas e ritos animistas. Tal fato ocorreu para que
suas identidades fossem preservadas e fossem menos rejeitados pela sociedade. Apesar de se
identificarem como muçulmanos, eles tinham pouco conhecimento do Alcorão, o qual era
mais usado como um amuleto e não como livro sagrado.
Na comunidade islâmica de Salvador, pelo fato de ser o local onde aconteceu a revolta
de 1835, o Islã era uma barreira social para os negros, além da sua condição de escravo. Para
não serem identificados, eles consumiam bebida alcoólica e seus filhos, pela perseguição que
sofriam, se convertiam ao catolicismo.
Diferente das outras comunidades, os muçulmanos de Recife tinha uma relação
amigável com cristãos, pois à estes eram ofertados orientações espirituais, uma vez que a
comunidade islâmica de Recife era versada em numerologia e astrologia.

19
Líderes dos majilis. Eles ensinavam os membros sobre o Islã e realizavam as práticas islâmicas.
20
Em árabe: “aquele que está à frente”. No Islã sunita, é o membro que fica na frente e coordena o Salat
Jumu’ah. No Islã xiita, o Iman é uma autoridade religiosa.
O Iman transmitiu os ensinamentos presente no Alcorão e aconselhou as três
comunidades que vivessem conforme os preceitos ortodoxos. Apesar do seu esforço, o Islã foi
cada vez mais perseguido, pois era elemento da cultura negra no Brasil. Para tornar a
perseguição menos acirrada, a religião em questão sincretizou, se reduzindo em práticas que
não mais pertenciam ao Islã. O Islã de matriz africana praticamente desapareceu, restringindo-
se apenas a termos linguísticos presentes em ritos de outras religiões.
Na segunda fase de inserção do Islã no Brasil, a religião esteve bastante associada à
cultura árabe, sendo tratados muitas vezes como sinônimos, erroneamente. Refugiados do
Império Otomano, desfeito durante a Primeira Guerra, vieram ao Brasil e se instalaram no Rio
de Janeiro, São Paulo e Curitiba, sendo a sua maioria, Libaneses e Sírios.
Os contingentes chegaram na década de 1930 e se instalaram principalmente no
comércio. Ao longo do século XX, estas sociedades árabe-islâmicas construíram mesquitas,
expandindo sua territorialidade, juntando elementos da religião islâmica e de seus países. O
Islã se relacionou, com o contexto espacial, de maneira específica em cada cidade, sendo que
em São Paulo houve construção de Mesquitas Sunitas e Xiitas; em Curitiba, o Islã
praticamente se restringiu à estrangeiros e seus descendentes, e; no Rio de Janeiro, o Islã se
integrou ao contexto espacial brasileiro, apesar do “arabismo” presente nela.
A terceira fase é caracterizada pela presença brasileira no Islã, ocasionada a partir dos
atentados de 11 de Setembro de 2001 e sua associação preconceituosa com a religião em
questão, que despertou a curiosidade e resultou na conversão de brasileiros. O reflexo disso é
a presença da língua portuguesa nos sermões em algumas comunidades islâmicas e de Sheikhs
21
brasileiros, que promovem uma integração maior entre o Islã e o contexto espacial
brasileiro.
Na comunidade islâmica do Rio de Janeiro tem como principal local para a realização
de orações e dos sermões nas sextas-feiras, a Sociedade Beneficente Muçulmana no Rio de
Janeiro (SBMRJ), localizado na Lapa. Além de desempenhar a função de Mesquita, ela
também oferece cursos de árabe e de doutrina islâmica para a comunidade. Apesar da maioria
sunita, há alguns membros que são sufis, que frequentam o Clube Alauíta.
A grande parte dos muçulmanos no Rio de Janeiro são brasileiros e africanos, oriundos
da Nigéria e de Gana, o que favorece a integração de novos convertidos. Apesar do menor
número, sírios e libaneses buscam se relacionar apenas com seus compatriotas, utilizando o
idioma árabe para interagirem entre si. O esforço para “desarabizar” o Islã entra em conflito
com o status hierárquico religioso que sírios e libaneses possuem na comunidade. A grande
21
Autoridade religiosa no Islã sunita. Membros mais velhos também podem ser Sheikhs.
quantidade de brasileiros favoreceu uma interpretação do Alcorão, por parte dos membros,
que conciliassem o Islã com práticas da sociedade brasileira.
A comunidade islâmica em Curitiba é formada por sunitas e xiitas e seu principal local
para a realização de orações e sermões nas sextas-feiras é a Mesquita Iman Ali Ibn Abu Talib,
construída em 1977. Durante alguns anos, houve rivalidade entre os dois grupos religiosos
pela disputa no currículo a ser implantado na escola destinada aos filhos dos membros, porém
esta questão já foi resolvida e a relação é amistosa, ao ponto de frequentarem a mesma
Mesquita. Grande parte dos muçulmanos em Curitiba são estrangeiros ou descendentes de
imigrantes, sendo a maioria libanesa, síria, palestina e egípcia. Os poucos brasileiros possuem
dificuldade de integração, pois tanto as práticas, quanto a socialização são realizadas em
idioma árabe.
A comunidade islâmica de São Paulo é a maior do país e possui mesquitas sunitas e
xiitas, além de instituições beneficentes e de caráter missionário. O principal centro sunita é a
Mesquita Brasil, inaugurada em 1929 e é frequentada por muçulmanos de todo o país. Neste
local também são oferecidos aulas de árabe para recém-convertidos e não muçulmanos. Pela
grande quantidade de turmas e atividades, também há um grande número de Sheikhs para
ajudar nestas atividades. Além deste local, os sunitas possuem a Mesquita Salah al-Din e a
Liga da Juventude Islâmica, localizados no bairro do Brás.
O centro xiita é a Mesquita Muhamad Raçulullah, conhecida como “Mesquita do
Brás” e diferente do centro sunita, é pouco frequentada por brasileiros, pois a socialização
entre os membros é feita utilizando a língua árabe, o que deixa os brasileiros excluídos do
grupo xiita. Assim, grande parte dos xiitas é formada por libaneses. No interior da Mesquita
há elementos relacionados a figuras importantes do Xiismo, como o aiatolá Khomenein e as
inscrições nas paredes com os nomes de Ali e Hussein, primo e neto do profeta Mohammed,
fundador do Islã.
O crescimento no número de brasileiros convertidos ao Islã, além da grande presença
de refugiados oriundos de países de maioria islâmica possibilitou a expansão desta religião
para outros estados brasileiros, resultando no surgimento de Mesquitas nas paisagens
brasileiras. A seguir será analisada a espacialidade islâmica em Brasília, seus desafios e
particularidades, resultantes na negociação entre os símbolos da religião e símbolos culturais
da sociedade brasiliense.

3. Islã em Brasília
3.1 Histórico

O Islã, em todo lugar em que foi inserido, se associou com características específicas
do local, estabelecendo uma negociação entre seus símbolos culturais e o contexto cultural do
local, resultando na criação de novos sentidos aos símbolos já existentes na religião. Os
símbolos culturais islâmicos são suas práticas, como a oração, os sermões e elementos, como
o Alcorão, as Mesquitas e mussalas e os temos linguísticos utilizados na religião. Tal relação
até aqui foi analisada no contexto mundial e nacional. Agora será analisado o contexto local
de Brasília.
O Islã está presente em Brasília desde a sua fundação, com a presença de
embaixadores de países árabes. A nova capital, por abrigar tais embaixadores e suas famílias,
na sua maioria muçulmanos, necessitava de locais para a realização de orações, sermões e
festas religiosas. Para isso, a embaixada da Arábia Saudita patrocinou a construção do Centro
Islâmico, localizado na 912 Norte e constituído por salas de oração e salões para
comemorações religiosas e seculares.
No ano de 1980, houve um incêndio que destruiu o local, porém, mais uma vez, a
Embaixada da Arábia Saudita investiu na construção do novo Centro Islâmico de Brasília, que
atualmente conta com uma Mesquita, salões para eventos e a casa onde vive o Sheikh e sua
família. Todo o local foi projetado por arquitetos sauditas e pertence ao Reino da Arábia
Saudita e à Brasília.
Inicialmente, a comunidade islâmica era formada apenas por embaixadores e o Centro
Islâmico era o único local no Distrito Federal que atendia os muçulmanos. Com a conversão
de brasilienses ao Islã e a chegada de imigrantes oriundos de países árabes, da Ásia Central e
da África, que tinham menores condições financeiras para habitar no centro de Brasília, surge
a necessidade da criação de locais para atender os membros mais pobres. Neste sentido, em
2010, foram criadas duas mussalas em Taguatinga, uma na parte sul do bairro e outra na
Avenida SAMDU Norte, sendo que esta passou a receber mais adeptos do que a outra.
A comunidade islâmica em Taguatinga cresceu bastante, o que motivou os membros
arrecadarem fundos e construírem a primeira mesquita 22 fora do centro de Brasília. Sua
inauguração foi no dia 11 de Março de 2016 e atende muçulmanos que vivem em Taguatinga,
Recanto das Emas e Riacho Fundo I e II. La também se tornou local de alojamento para
grupos de divulgação do Islã, chamados de Jamaat, oriundos do Paquistão. Há também uma
mussala no Gama, criado recentemente para atender os muçulmanos que não podem se
22
Nome oficial: Mesquita Masjed Alwalidein.
deslocar para as duas cidades e segundo alguns membros, também existem mussalas em
Samambaia e em Sobradinho.

Figura 01: Mapa de localização de Mesquitas e Mussalas no Distrito Federal. Fonte: LIMA, 2016.

3.2 Procedimentos Metodológicos

O resultado da análise da relação entre o Islã e o espaço de Brasília foi possível através
da realização de seis campos às Mesquitas e mussalas, realizados entre os dias 11 de Março a
13 de Maio de 2016. Durante os campos foram realizadas observação simples e entrevistas
informais com 31 membros da comunidade islâmica, sendo 10 brasileiros e 21 estrangeiros.
Em alguns momentos foi permitida a participação em alguns rituais e a presença nestes locais
foi permitida por membros e pelos Sheikhs e Imans dos locais visitados. Foram 3 campos
realizados na Mesquita do Centro Islâmico de Brasília, na 912 Norte, 2 campos na Mesquita
de Taguatinga Norte, e 1 campo na mussala localizada na Região Administrativa do Gama.
O primeiro campo realizado em cada mesquita teve o objetivo de fazer aproximação
com a comunidade, para realizar entrevistas. Nestes casos houve prevalência da observação
simples. No campo seguinte, sendo conhecido pela comunidade, foi possível realizar
entrevistas informais com alguns membros. Todos os campos foram realizados na sexta-feira,
dia em que ocorre o Khutuba e há maior quantidade de membros e as entrevistas foram
realizadas após o encerramento do Salat Jumu’ah.
A observação simples, para Antonio Carlos Gil (2007), assim como a observação
participante e a sistemática, permite que o fenômeno seja observado diretamente, o que pode
ajudar a compreender as informações pesquisadas em bibliografias sobre o tema. Apesar desta
vantagem, Gil alerta para as desvantagens deste procedimento, entre eles, o direcionamento
arbitrário do observador, geralmente voltado para o exótico. Outra questão é o fato da
presença de alguém estranho à comunidade interferir no comportamento dos membros,
resultando em uma observação alterada.
As limitações foram superadas a partir do momento em que os objetivos foram
estabelecidos, o que direcionou a observação. Tal procedimento entra na categoria de
“simples”, pois o pesquisador não estava inserido na comunidade, uma vez que ele não se
tornou muçulmano e não participou de todos os rituais23.
As entrevistas foram constituídas por três eixos: identidade do membro (país de
origem, tempo de residência em Brasília e profissão); símbolos islâmicos (frequência na
utilização de roupas étnicas, expressões árabes relacionadas ao Islã e frequência na Mesquita),
e; Relação com a cidade de Brasília (Dificuldades em seguir práticas islâmicas, relato de
preconceito em relação à religião em questão e projetos de divulgação do Islã em Brasília).
Tais questões foram abordadas nas entrevistas informais, que permitem maior flexibilidade da
situação onde é realizada.
O fato da comunidade ser pouco receptiva para não-membros, dificultou a abordagem
de muitos membros para entrevista. Para isso, preferiu-se que a entrevista fosse realizada em
formato de conversa e apenas utilizando bloco de anotações e caneta, para anotação de
informações que estivessem relacionadas aos eixos da pesquisa. A partir dos procedimentos
apresentados, foi possível chegar à alguns resultados que serão abordados a seguir.

3.3 A relação “Islã-Espaço” em Brasília

A primeira informação constatada é que a comunidade islâmica em Brasília é quase


que exclusivamente sunita e majoritariamente formada por estrangeiros. Os brasileiros são em
menor número e interagem entre si em virtude da dificuldade em falar árabe ou outros
idiomas dos demais países de origem dos imigrantes.

23
Para se tornar muçulmano é necessário realizar a Shahada (Confissão de fé) em árabe, a saber: lā 'ilaha 'illāl-
lāh an Muhammadur rasūlu llāhi. Não houve participação no Salat Jumu’ah e nem no processo de ablução, que
é a limpeza das mão pés e rosto para a realização da oração.
A diferença entre os membros do Plano Piloto e de Taguatinga e Gama não é apenas
relacionada à localização, mas também financeira. Enquanto que grande parte dos membros
da Mesquita da 912 Norte são pessoas que classe alta, os de Taguatinga e Gama são
imigrantes que saíram de seus países em busca de melhores condições de vida, o que não
ocorre de fato, pois, vivem em condições precárias. Muitos estão nos setores de serviços e
também em abate halal24. Os principais países de origem são Bangladesh, Gana e Paquistão.
Os símbolos islâmicos são representados pelas suas práticas, valores e costumes.
Através dos símbolos e de seus significados é que se pode analisar a espacialidade do Islã em
Brasília, que é caracterizada pela sua expansão no Distrito Federal. A análise se deu em
resposta à três eixos de pesquisa: dificuldade em seguir as práticas islâmicas; relatos de
preconceito relacionados à religião, e; projetos de divulgação do Islã.
No primeiro eixo, os membros, tanto brasileiros quanto estrangeiros afirmaram que
sentem dificuldades em seguir as práticas islâmicas, principalmente os que trabalham na
construção civil e nos serviços gerais, os quais não permitem a utilização de roupas étnicas e
que a jornada de trabalho não possibilita a realização das cinco orações diárias nos horários
definidos e, às vezes dificulta a presença nos sermões das sextas-feiras.
Outro fator e o contexto sócio-cultural-espacial, no qual eles informaram que se
sentem incomodados em utilizar as roupas que utilizavam em seus países, sendo a Mesquita o
único local em que eles fazem isso. Neste caso, a Mesquita também é um elemento presente
na cultura de seus países de origem, pois seu modo de vida também é exercido depois dos
sermões e da oração da sexta-feira.
No segundo eixo, A maioria dos membros entrevistados afirmaram sofrerem
preconceito, mas que não se importam com isso. Entre os que se sentiram incomodados com
isso, boa parte eram brasileiros. O tipo mais frequente de preconceito é a associação que
fazem entre Islã e grupos terroristas, que resulta em olhares repulsivos nas ruas. No período
em que foram realizadas as visitas às mesquitas, foi relatado um caso de intolerância, no qual
a mesquita que está na Asa Norte foi invadida e vandalizada. Há membros da comunidade que
não relataram preconceito afirmam ter uma relação amigável com demais pessoas e que já até
levou amigos para visitar mesquitas e que eles ficaram curiosos, a saber, da sua religião.
O terceiro eixo diz respeito às estratégias de divulgação do Islã. Neste sentido foram
identificados três formas de expansão do Islã em Brasília. O primeiro consiste no Dawa, que
consiste em seguir os ensinamentos presentes no Alcorão e na Suna. A comunidade islâmica
24
Em árabe: “permitido”. No Islã, a carne que pode ser consumida tem que passar pelo abate determinado no
Alcorão.
de Brasília recebe visitas do grupo Jammat25, que visam incentivar esta prática. Durante os
campos realizados, observou-se que o incentivo não é apenas a prática islâmica, mas um
indício de arabismo, pois as roupas étnicas árabes são consideradas elementos importantes do
Islã.
A segunda forma de expansão é essencialmente espacial, pois constitui na construção
de mussalas em Brasília. Geralmente elas são fundadas por incentivo de um membro, que
utiliza um local para reuniões para os sermões e orações. Foram conhecidas duas: uma
localizada em Taguatinga Sul, fundado por um brasileiro, e outra no Gama, fundada por um
jordaniano. O terceiro eixo se dá no cyberespaço, no qual são criadas páginas de divulgação
das mesquitas e do Islã.
O Islã, assim como no Brasil e no mundo, sofre influencia espacial em Brasília,
caracterizada pela forma como ele se expande na cidade de Brasília e como seus símbolos são
afetados pelo espaço no qual está inserido. Neste sentido relação Islã-Espaço pode ser
compreendida por duas vias: Mutualidade e Resistência, sendo estas presentes tanto na
criação de mesquitas e mussalas, como nos muçulmanos presentes em Brasília.
No primeiro caso, o modo de vida dos membros, pautados pelo Alcorão, Suna e
costumes de seus países de origem, entram em conflito como as regras de convivência do
espaço urbano de Brasília. O constrangimento ocasionado pela intolerância dos habitantes da
cidade em questão, faz com que os membros passem a adotar os costumes e práticas da cidade
em que estão situados. Pelo fato de muitos muçulmanos adotarem esta via, o Islã passa por
adaptações. O sermão e a oração de sexta-feira também tornam-se momentos de vivenciar o
modo de vida de seus países de origem. Assim, as roupas étnicas passam a serem incorporadas
à prática islâmica. Práticas como as 5 orações diárias passam por transformação. Em razão da
rotina de trabalho que não permite pausas para as orações, os muçulmanos em Brasília
realizam “oração de recompensa” que correspondem às demais que não puderam ser feitas.
Na via de resistência, há uma evidência do Islã no contexto espacial da cidade em
questão por parte dos membros. Esta via se dá inicialmente com o grupo de divulgação do
Islã, Jamaat, oriundos do Paquistão. Este grupo motiva a comunidade islâmica a realizar o
Dawa, que consiste em divulgar o Islã. As pessoas que aceitam suas recomendações,
geralmente brasileiros recém-convertidos, passam a utilizar roupas étnicas para atrair
curiosidade e que a religião seja divulgada. Este processo também possui implicação espacial,
pois com o objetivo de expandir o Islã, mussalas são criadas pelos próprios membros. Estes
locais são destinados à orações e sermões nas sextas-feiras. Tal fato implica no aumento de
25
É um grupo paquistanês que visa incentivar os demais muçulmanos divulgarem o Islã.
espaços para muçulmanos praticarem o Islã. Nestes ambientes, a mutualidade e resistência são
reproduzidas, o que pode favorecer, ou não o aumento de muçulmanos em Brasília.

Considerações Finais

O artigo teve o objetivo de compreender a espacialidade do Islã em Brasília e suas


particularidades. Para isso, foi necessário compreender a origem do fenômeno estudado e
como ele chegou até a cidade de Brasília. A partir de pesquisas bibliográficas, foi possível
identificar a influência de fatores naturais e culturais que permitiram a expansão do Islã como
cultura e como religião. Da mesma forma, identificou-se que o Islã se adaptava às realidades
espaciais de cada local em que estava sendo inserido, configurando uma espacialidade. Tal
processo não apenas restringiu-se à Península Árabe, mas também ocorreu no Brasil,
especificamente em Brasília.
O objetivo geral foi atingido graças aos objetivos específicos, que foram: compreender
a espacialidade das mesquitas e das mussalas em Brasília e como o contexto espacial de
Brasília influencia as práticas islâmicas. Tais objetivos apresentados foram realizados por
causa das saídas de campo às Mesquitas da 912 Norte e Taguatinga Norte e mussala no Gama.
Nestes campos também foi possível obter informações sobre outras possíveis mussalas e
sobre a adaptação ao contexto brasiliense. Tais informações permitiram a criação de um mapa
dos locais destinados às práticas islâmicas.
Os campos realizados também permitiram concluir que a relação entre “Islã-Espaço”
possuem duas vias: mutualidade e resistência, sendo que, na primeira há adaptação do Islã em
Brasília, porém tal negociação entre símbolos da religião e seus significados com o contexto
espacial da cidade em questão não é pacífica, pois tal adequação ocorre em virtude de
episódios de intolerância, o que constrange tal grupo a confinarem suas práticas. Na segunda
via, há o esforço para evidenciar símbolos islâmicos na paisagem de Brasília. Neste caso,
ocorre a inserção de elementos culturais de outros países nos símbolos islâmicos. Tal atitude
motiva a criação de novas mussalas e Mesquitas pelo Distrito Federal.
As informações colhidas em campo foram permitidas graças à observação simples e
entrevistas informais com muçulmanos. Durante os primeiros campos, os quais os Jamaats
estavam presentes, houve recepção e facilidade na abordagem, porém depois da saída do
grupo, os membros estiveram mais fechados, o que dificultou na aquisição de informações.
A pesquisa realizada contribui para futuros estudos sobre o Islã no Brasil e abre
possibilidades de pesquisa sobre tal fenômeno em Brasília, principalmente no campo da
Geografia, sobretudo na perspectiva fenomenológica. Pesquisas quantitativas com base nas
saídas de campo também permitem que um novo panorama seja estabelecido. Além disso, a
pesquisa permite que o Islã seja visto com menos intolerância e que seja melhor
compreendido pelo universo acadêmico e pela sociedade.

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