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FICHAMENTO – TEXTO: “POESIA E RESISTÊNCIA”, ALFREDO BOSI

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: BOSI, Alfredo. Poesia e resistência. In:_____. O ser e o tempo da poesia. São
Paulo: Editora Cutrix; Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p. 139-192.

INFORMAÇÕES SOBRE A BIOGRAFIA DE ALFREDO BOSI:

Não são poucas as áreas em que atua e intervém Alfredo Bosi: história, política, Igreja e militância
contra usinas atômicas estão entre elas. Mas é a literatura, que lecionou na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH-USP) durante praticamente meio século — entre 1959 e 2006, quando se
aposentou — que talvez mais mobilize o professor. “A literatura tem uma função muito rica, humanizadora,
e dá uma grande abertura para qualquer tipo de profissional — mas a escola de alguma maneira diminuiu
muito a sua dosagem, talvez até por causa dos vestibulares”, lamenta.

Nascido em São Paulo em agosto de 1936, Bosi iniciou sua trajetória na USP com o ingresso na então
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1954. Graduado em Letras Neolatinas, fez especialização em
Filologia Românica e, entre 1961 e 62, especialização em Literatura Italiana, em Florença, na Itália. Seu
doutorado (1964) e a livre docência (1970) também versaram sobre literatura italiana. Contudo, as letras da
terra natal são um dos focos principais de sua produção acadêmica e da carreira docente.

Seu livro História concisa da literatura brasileira, publicado pela primeira vez em 1970, já alcançou
49 edições. Bosi é autor também de O conto brasileiro contemporâneo, O ser e o tempo da poesia, Dialética
da colonização, Literatura e resistência, Ideologia e contraideologia e outros títulos. Muitos dos temas dos
quais o professor se ocupa são abordados nos ensaios reunidos em seu livro mais recente, Entre a literatura e
a história (2013). Casado com a psicóloga social e escritora Ecléa Bosi, professora do Instituto de Psicologia
da USP, e pai de José Alfredo e Viviana, Bosi é membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003 e
recebeu o título de Professor Emérito da USP em 2009. Continua ligado à Universidade principalmente pelas
atividades no Instituto de Estudos Avançados (IEA), do qual já foi diretor e onde edita desde o primeiro
número, em 1987, a revista Estudos Avançados.

TRECHOS DO TEXTO “POESIA E RESISTÊNCIA”:

“O poder de nomear significava para os antigos hebreus dar às coisas a sua verdadeira natureza, ou reconhecê-
la. Esse poder é o fundamento da linguagem, e, por extensão, o fundamento da poesia” (p. 141).

“No entanto, sabemos todos, a poesia já não coincide com O rito e as palavras sagradas que abriam o mundo
ao homem e o homem a si mesmo. A extrema divisão do trabalho manual e intelectual, a Ciência e, mais do
que esta, os discursos ideológicos e as faixas domesticadas do senso comum preenchem hoje o imenso vazio
deixado pelas mitologias. É a ideologia dominante que dá, hoje, nome e sentido às coisas” (p. 141-142).
“No mundo moderno a cisão começa a pesar mais duramente a partir do século XIX, quando o estilo capitalista
e burguês de viver, pensar e dizer se expande a ponto de dominar a Terra inteira. O Imperialismo tem
construído uma série de esquemas ideológicos de que as correntes nacionalistas ou cosmopolitas, humanistas
ou tecnocráticas, são momentos diversos, mas quase sempre integráveis na lógica do sistema. Nós vivemos
essa ‘lógica’ e nos debatemos no meio das propostas que ela faz” (p. 142).

“Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que
a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender. A propaganda só ‘libera’ o que dá lucro: a
imagem do sexo, por exemplo. Cativante: cativeiro” (p. 142).

“Essas formas estranhas pelas quais o poético sobrevive em um meio hostil ou surdo, não constituem o ser da
poesia, mas apenas o seu modo historicamente possível de existir no interior do processo capitalista” (p. 143).

“A resistência tem muitas faces. Ora propõe a recuperação do sentido comunitário perdido (poesia mítica,
poesia da natureza); ora a melodia dos afetos em plena defensiva (lirismo de confissão, que data, pelo menos,
da prosa ardente de Rousseau); ora a crítica direta ou velada da desordem estabelecida (vertente da sátira, da
paródia, do epos revolucionário, da utopia)” (p. 143).

“Nostálgica, crítica ou utópica, a poesia moderna abriu caminho caminhando. O que ela não pôde fazer, o que
não está ao alcance da pura ação simbólica, foi criar materialmente o novo mundo e as novas relações sociais,
em que o poeta recobre a transparência da visão e o divino poder de nomear” (p. 144).

“A poesia resiste à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie e caos, "esta coleção de objetos de não amor"
(Drummond). Resiste ao contínuo "harmonioso" pelo descontínuo gritante; resiste ao descontínuo gritante
pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova
ordem que se recorta no horizonte da utopia” (p. 146).

“Dos caminhos de resistência mais trilhados (poesia-metalinguagem, poesia-mito, poesia-biografia, poesia-


sátira, poesia-utopia), o primeiro é o que traz, embora involuntariamente, marcas mais profundas de certos
modos de pensar correntes que rodeiam cada atividade humana de um cinturão de defesa e autocontrole. A
poesia vista como uma técnica autônoma da linguagem, posta à parte das outras técnicas, e bastando-se a si
mesma: eis uma teoria que estende à prática simbólica o princípio fundamental da divisão do trabalho e o
exalta em nome da maior eficiência do produtor” (p. 147).

“A estrutura que subjaz à poética da metalinguagem é o mito capitalista e burocrático da produção pela
produção, do papel que gera papel, da letra que gera letra, da rapidez (time is money), da eficácia pela eficácia
(o que interessa é o efeito imediato); em Marinetti, da violência pela violência: guerra sola igiene del mondo”
(p. 148).

“[...] resposta ao ingrato presente é, na poesia mítica, a ressacralização da memória mais profunda da
comunidade. E quando a mitologia de base tradicional falha, ou de algum modo já não entra nesse projeto de
recusa, é sempre possível sondar e remexer as camadas da psique individual. A poesia trabalhará, então, a
linguagem da infância recalcada, a metáfora do desejo, o texto do Inconsciente, a grafia do sonho” (p. 149).

“Mas a verdadeira poesia seguiu a senda aberta pelos românticos e pelos simbolistas inventando mitologias
libertadoras como resposta consciente e desamparada às tensões violentas que se exercem sobre a estrutura
mental do poeta. O Surrealismo e o Expressionismo são viveiros de mitos pessoais ou de pequenos grupos em
que se projetam desejos de expansão titânica ou demoníaca de homens cuja força de ação se inflete sobre si
mesma, incapazes que são de dominar sistemas cada vez mais anônimos. Demiurgo da própria impotência, o
poeta tenta abrir no espaço do imaginário uma saída possível” (p. 150).

“Reinventar imagens da unidade perdida, eis o modo que a poesia do mito e do sonho encontrou para resistir
à dor das contradições que a consciência vigilante não pode deixar de ver. Às vezes, o intelecto transforma
em substância eterna essa pena, como o faz o pessimismo cósmico de Schopenhauer; mas, ainda aqui, o
filósofo soube ver na arte a pausa bem-vinda que suspende por algum tempo a certeza da carência e da dor”
(p. 155).

“A sátira e, mais ainda, o epos revolucionário são modos de resistir dos que preferem à defesa o ataque. O
presente solicita de tal modo o poeta-profeta que, em vez de voltar as costas e perder-se na evocação de
idades de ouro, rebela-se e fere no peito a sua circunstância” (p. 160).

“Nem todo trabalho torna o homem mais homem. Os regimes feudais e capitalistas foram e são responsáveis
por pesadas cargas de tarefas que alienam, enervam, embrutecem. O trabalho da poesia pode também cair sob
o peso morto de programas ideológicos: a arte pela arte, tecnicista; a arte para o partido, sectária; a arte para
o consumo, mercantil. Não é, por certo, dessas formas ocas ou servis que tratam as páginas precedentes, mas
daquelas em que a ruptura com a percepção cega do presente levou a palavra a escavar o passado mítico, os
subterrâneos do sonho ou a imagem do futuro. O trabalho poético é às vezes acusado de ignorar ou suspender
a práxis. Na verdade, é uma suspensão momentânea e, bem pesadas as coisas, uma suspensão aparente.
Projetando na consciência do leitor imagens do mundo e do homem muito mais vivas e reais do que as forjadas
pelas ideologias, o poema acende o desejo de uma outra existência, mais livre e mais bela. E aproximando o
sujeito do objeto, e o sujeito de si mesmo, o poema exerce a alta função de suprir o intervalo que isola os seres.
Outro alvo não tem na mira a ação mais enérgica e mais ousada. A poesia traz, sob as espécies da figura e do
som, aquela realidade pela qual, ou contra a qual, vale a pena lutar” (p. 192).
TÓPICOS IMPORTANTES DISCUTIDOS AO LONGO DO TEXTO:

 O método adotado por Alfredo Bosi é o materialismo histórico dialético, o qual pressupõe uma crítica
incisiva à sociedade capitalista;
 O poema possui uma forma histórica específica;
 Em resposta à alienação da sociedade moderna, a poesia, muitas vezes, produz um discurso
contraideológico;
 Os elementos estéticos típicos da poesia moderna possuem total relação com a experiência histórica
da modernidade;
 O conceito de ideologia é entendido tal como Theodor W. Adorno no texto “Palestra sobre lírica e
sociedade”: mistificação/falsificação da realidade objetiva;
 A poesia resiste ao discurso ideológico da sociedade capitalista; resiste, portanto, à ideologia da classe
burguesa;
 A técnica empregada em poemas metalinguísticos representa, para Bosi, a reprodução da ideologia
burguesa;
 O mito, o rito e o sonho são formas poéticas de resistência à sociedade capitalista;
 A principal tese defendida no texto é: a resistência da poesia como uma possibilidade histórica.

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