Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO. O objetivo deste artigo é constituir uma análise da situação do estudo da religião
enquanto campo sistematizado de conhecimentos – as ciências da religião – abordando as
diversas discussões de ordem epistemológica que envolvem a natureza de seu objeto. Procura-
se demonstrar, com base em analise feita a partir de uma divisão das problemáticas
envolvendo a construção do objeto, das criticas sobre a cientificidade do mesmo ou à
produção científica da área, que as ciências da religião enquanto campo em construção deve
buscar sua legitimidade em seu próprio objeto de estudo, constituindo em torno dele uma
metodologia e referencial teórico exclusivos, bem como envolvê-lo em um diálogo
interdisciplinar voltado ao estudo do religioso.
Palavras-chave: Ciências da Religião. Cientificidade. Metodologia. Epistemologia
ABSTRACT. The purpose of this article is to provide an analysis of religion study the
situation as systematized field of knowledge - the sciences of religion - addressing the various
discussions of epistemological involving the nature of its object. It seeks to demonstrate ,
based on analysis made from a division of the problems involving the construction of the
object of criticism of the scientific of the same or scientific production in the area , that the
sciences of religion as field construction should seek their legitimacy in its own object of
study , being around it a methodology and unique theoretical and wrap it in an
interdisciplinary dialogue focused on the study of religion .
Keywords: Religion Sciences . Scientism . Methodology. epistemology
Introdução
O estudo da religião, realizado segundo o rigor do método científico tem suscitado
inúmeras discussões de ordem epistemológica voltados a construção do objeto estudado por
muitas das ciências humanas e especialmente pela ciência - ou ciências? - da religião, que tem
procurado a sua afirmação e consolidação justamente em meio a controvérsia sobre a
possibilidade de se estabelecer o estudo do fenômeno religioso em bases estritamente
científicas, ou seja, dentro de métodos de observação e construção do conhecimento aceitos e
validados universalmente pela comunidade científica.
A busca pelo estabelecimento de sua cientificidade é atravessada por criticas à produção
dos estudos em religião, carentes de credibilidade por supostamente estarem, em grande parte,
contaminados por ideologias religiosas, bem como a seu controverso objeto de estudo, ainda
cercado por categorizações metafísicas. A contra-argumentação a estas criticas se dá pela
similaridade ou identificação com os mesmos problemas epistemológicos enfrentados por
todos os campos científicos, das ciências naturais às do espírito.
1
Graduado em Ciências Sociais – UFPA. Mestrando em Ciências da Religião - UEPA
2
Por fim, pode-se dizer que a busca pela cientificidade das ciências da religião é um
processo em aberto, e que essa abertura deve ser mantida e mesmo ampliada pela
intercomunicação entre os diferentes campos de construção do conhecimento.
2
Corrente filosófica que se constitui como uma das bases formadoras da filosofia e da ciência moderna.
3
exclusivo, sendo que “A primeira constatação é que não temos “uma” ciência da religião”,
mas estudos da religião no contexto de múltiplas ciências e tradições teológicas que fazem, a
partir de suas tradições, estudos do fenômeno religioso em pleno direito” (JOSGRILBERG,
2001, p. 15).
Afirma-se, assim, a necessidade da constituição de um método e referencial teórico
único e exclusivo sobre o objeto religião, para que possamos ter uma autêntica ciência da
religião. Mendonça comenta da necessidade de um marco teórico e metodológico que sirva
para este campo como um centro de organização das contribuições de todos os conhecimentos
produzidos em seu interior, bem como por outras ciências que se preocupam parcialmente
com o fenômeno religioso (MENDONÇA, 2001, p. 109).
A questão da construção do objeto religioso é também abordada por Luís Felipe Pondé
em seus comentários sobre Mircea Eliade e a problemática envolvendo o fenômeno da
religião como objeto exclusivo das ciências da religião. Comenta Pondé que, Para Eliade, o
estudo do fenômeno religioso pela ótica das diversas ciências (humanas) que se ocupam dele,
levaria a negação da possibilidade da constituição de um objeto próprio, que realmente
enfocasse a verdadeira natureza do objeto religioso. Para Eliade, na análise de Pondé, o que
constitui esse objeto em sua essência é o conceito de espírito que, negligenciado pelas
ciências humanas tradicionais, apresenta-se, na concepção elidiana, como o elemento central e
essencial da natureza do objeto religioso. Seria o núcleo de uma ciência do espírito, que
estudaria a experiência espiritual, interna do ser humano religioso, por meio da interpretação
dos dados fornecidos pela manifestação dessas experiências em múltiplos contextos de
significados. O acesso a esta experiência se dará por um órgão de cognição, chamado por
Eliade de tato religioso. Este tato, segundo Eliade está presente em todo ser humano e
constitui-se como um órgão de percepção daquilo que é transcendente ao homem, que lhe é
essencial e não alcançável pelos sentidos humanos ordinários, portanto invisível, mas
apreensível por meio de sensações e sentimentos provocada pela experiência religiosa interna
(PONDÉ, 2001, p. 40-43).
A problemática da construção de um objeto e método exclusivo das ciências da religião,
a partir dos autores abordados aqui, é resultante da rica complexidade apresentada pelo
fenômeno religioso. É justamente esta complexidade e variedade fenomenológica do religioso
que necessariamente produz muitos olhares sobre ele e, portanto, muitas controvérsias sobre
os métodos, conceitos e abordagens mais adequados para se estudá-lo. Autores como
Mendonça e Josgrilberg, apontam a permanência de um quadro de fragmentação dos estudos
da religião como um dos obstáculos à formação de um sistema unificador de conhecimentos
5
ser aplicados a todos os objetos científicos, de todas as ciências, naturais e humanas, pois não
existiriam objetos completamente estudados e conhecidos, que não mais necessitassem serem
investigados (MENDONÇA, 2001, p.114).
O objeto religião, ao oferecer os mesmos problemas e zonas obscuras que necessitam de
investigação apresenta os mesmos problemas dos objetos das ciências estabelecidas ou
legitimadas. Portanto, “[...] não há razão para não chamar de ciência o conhecimento
organizado em torno dele há séculos e que ajudou a construir o mundo ocidental” (Ibidem, p.
115).
A limitação científica, enquanto um problema inerente ao próprio processo de se fazer
ciência, é tratada por Luís Felipe Pondé, como um drama epistemológico que se revela na
inconsistência e imprecisão dos modelos de investigação da realidade. Estes dramas, estas
falhas presentes no processo de construção do conhecimento humano, tem sua origem nas
próprias limitações do organismo humano, de seus órgãos sensoriais, que por suas
imperfeições, refletem as falhas cognitivas presentes nas relações de produção de
conhecimento entre o sistema biológico humano e o sistema natural (PONDÉ, 2001, p. 34).
Assim, comenta Pondé que, os modelos de apreensão e investigação científica da
realidade apresentam tantas falhas e limitações quanto às apresentadas pelos órgãos sensoriais
humanos, a partir dos quais estes modelos são construídos e que por isso mesmo as
inconsistências desses modelos devem ser vistas como naturais, pois estão diretamente
associadas as limitações sensoriais e cognitivas do organismo humano (Ibidem, p.34).
Portanto, a finitude ou a limitação epistemológica dos modelos científicos, baseados em
paradigmas empiricistas e suas ferramentas metodológicas – induções, experimentações,
generalizações – base instrumental do modelo paradigmático tradicional de se produzir
ciência é, como diz Pondé, de fato natural, e as ciências da religião, como todas as demais
ciências, se inserem nestes “dramas epistemológicos”, garantindo a sua cientificidade pela
identificação com as próprias falhas ou inconsistências dos modelos científicos adotados pelas
ciências estabelecidas ou pelos cientistas que lhe negam o status legitimador de ciência.
Mendonça observa que este problema científico primordial é compartilhado pela
teologia, “Como todas as ciências são finitas enquanto oferecem hipóteses e soluções parciais
ou mesmo provisórias para temas ou objetos que são, ao mesmo tempo, problemas, a teologia
é também uma ciência finita porque seu objeto é visto como “problema” e não como “dado
certo” (MENDONÇA, 2001, p.117).
Talvez, a procura da cientificidade das ciências da religião, mas do quê no paradigma
empiricista-factual, deva ser buscada na capacidade humana de dar sentido às coisas e na
9
contaminação de sua pesquisa por valores religiosos ou por sentimentos de desafeto com seu
objeto. O critério mais justo e imparcial para se avaliar o trabalho do pesquisador da religião,
segundo Mendonça, seria a própria obra do autor e a relevância teórica que esta teria para o
desenvolvimento do conhecimento científico (MENDONÇA, 2001, p.120-121).
Na visão de Rui de Souza Josgrilberg, as ciências da religião, sendo essencialmente
ciências hermenêuticas, necessitam de pontos de vista, olhares diversos para se alcançar a
pluralidade de sentidos contidos no objeto. E esses pontos de vista podem partir tanto de
olhares religiosamente orientados, como de outros orientados por princípios seculares. Daí a
necessidade da integração desses olhares (e não a separação) e a importância ressaltada pelo
autor, da contribuição do cientista com pertença religiosa que, mergulhando em sua
experiência cotidiana, estabelece um contato mais profundo com seu objeto e, assim, pode-se
tornar tão ou mais relevante para o esclarecimento ou a analise científica do fenômeno
religioso (JOSGRILBERG, 2001, p. 15-16).
O mesmo autor observa que a compreensão do objeto pelas lentes da hermenêutica
constitui um processo dialético de aproximação, pela pertença, e distanciamento, pela busca
da objetividade científica, sendo que as pesquisas em ciências da religião permitem que o
pesquisador opte tanto pela proximidade do objeto por meio da pertença, ao eleger a teologia
como instrumento privilegiado de sua analise, quanto o distanciamento, ao se utilizar do
instrumental teórico de ciências como a antropologia ou sociologia. Assim, em ciências da
religião haveria, pela abertura hermenêutica, a permissão ou mesmo a necessidade da
confluência dos diversos olhares, de pertença e não pertença, o que tornaria estéril e
contraproducente todas as tentativas de identificação da disciplina com um único e
determinado conjunto instrumental de conhecimentos (Ibidem, p. 23-24).
Considerações finais
Talvez os dilemas que perpassam a área das ciências da religião permaneçam insolúveis
por muito tempo ou mesmo sequer sejam possíveis de serem solucionados. O seu pouco
tempo de existência enquanto campo de conhecimentos sistematicamente organizados é um
fator que colabora significativamente com possíveis fragilidades epistemológicas.
A discussão sobre a natureza do objeto e da possibilidade ou não de submetê-lo aos
critérios de cientificidade dominantes são infindáveis. É possível questionar que o núcleo da
essência do objeto religioso, permanecendo metafísico, isto é, somente acessado pela
experiência interna do sagrado, do absoluto, sentido e experenciado individualmente, portanto
insondável pelos métodos de investigação baseados na empiria dos sentidos, seria um
12
Referências Bibliográficas
CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. São Paulo: Paulinas, 2008,
p. 113-136.
JOSGRILBERG, Rui. Ciências da religião e/ou teologia: uma questão epistemológica. In.
Caminhando, São Bernardo, 8 (2001), p. 11-25.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa, A cientificidade das ciências da religião. In. TEIXEIRA,
Faustino (org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil: afirmação de uma área acadêmica.
São Paulo: Paulinas. 2001, p. 103-150
PONDÉ, Luis Felipe. Em busca de uma cultura epistemológica. In. TEIXEIRA, Faustino
(org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil: afirmação de uma área acadêmica. São Paulo:
Paulinas. 2001, p. 11-66.
TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil: afirmação de uma área
acadêmica. São Paulo: Paulinas. 2001, p. 297-322.