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QUÍMICA E SOCIEDADE

Mario Tolentino
Romeu C. Rocha-Filho

A seção “Química e sociedade” apresenta artigos que focalizam temperatura média da Terra, cerca de
aspectos importantes da interface ciência/sociedade, procurando, 15 °C. Essa diferença de 33 °C é cau-
sempre que possível, analisar o potencial e as limitações da ciência sada pelo famoso efeito estufa, sem o
na tentativa de solução de problemas sociais. Este artigo fala das qual muito provavelmente não haveria
implicações do aumento do efeito estufa e explica as bases vida como a conhecemos.
químicas para a ocorrência desse fenômeno. A Terra funciona, portanto, como
um irradiador de infravermelho que iria
efeito estufa, gases-estufa, aquecimento global todo para o espaço, não fosse a pre-
sença na atmosfera de alguns gases
que absorvem grande parte dessa ra-
diação e, conseqüentemente, aque-

N
as últimas décadas, a polê- por sua composição e estrutura, inte-
cem-na.
mica sobre um possível aque- rage simultaneamente com a radiação
De certo modo, a atmosfera trans-
10 cimento global do nosso pla- solar e a superfície terrestre, estabele-
forma a Terra numa enorme estufa. Se
neta, decorrente de uma exacerbação cendo um sistema de trocas energé-
compararmos as temperaturas exis-
do efeito estufa, passou a fazer parte ticas que explica muitos fenômenos
tentes em Marte, poderemos avaliar o
das preocupações da humanidade, que afetam a vida no planeta. A distri-
papel de verdadeiro ‘cobertor’ que a
com constante cobertura pela mídia. buição espectral da radiação solar (Fi-
atmosfera representa. No planeta ver-
Mas como ocorre o efeito estufa e a que gura 1) vai desde o ultravioleta até o
melho, cuja atmosfera é muito rarefei-
se deve sua provável exacerbação? infravermelho, com predominância da
ta, a temperatura média na superfície
luz visível (0,4 µm a 0,7 µm). Essa
O que é uma estufa distribuição, conforme previsto pela
é de -53 °C, somente 3 °C acima da
Nos países de inverno rigoroso, os temperatura de irradiação de -56 °C
teoria da radiação térmica (a primeira
cultivadores de legumes e plantas (obtida a partir do espectro de emissão
aplicação da mecânica quântica, feita
ornamentais constroem estruturas re- por comparação com o de um corpo
por Planck em 1900), aproxima-se da
cobertas por painéis de vidro transpa- negro).
de um corpo negro a uma temperatura
rente, alguns dos quais podem ser de cerca de 6 000 °C. Da radiação que Como funciona a estufa da
abertos de forma controlada na parte atinge a Terra, cerca de 70 por cento é Terra
superior da estrutura. Durante os perío- absorvida (51 por cento pela superfície
dos de baixas temperaturas, a luz e o e 19 por cento pela atmosfera). A fra- Nas estufas agrícolas, a retenção
calor do sol penetram no interior e ção da energia solar absorvida na su- do calor e conseqüente aquecimento
aquecem o ar, as plantas e as estrutu- perfície aquece o planeta e provoca do ambiente é resultado de um blo-
ras de suporte. Essa energia fica apri- reações químicas e transformações queio físico, que impede o escape do
sionada e a temperatura da estufa é físicas. ar quente. Na grande estufa que é a
regulada pela abertura adequada de Terra, o mecanismo é bem mais com-
alguns dos painéis móveis de vidro, o A Terra: uma grande estufa plexo.
que permite a saída do ar aquecido. O planeta irradia para o espaço A atmosfera terrestre é uma mistura
Portanto, as chamadas estufas funcio- uma quantidade de energia igual à que de gases, com predominância de nitro-
nam basicamente evitando que a cir- absorve do sol. Essa irradiação ocorre gênio (78 por cento) e oxigênio (21 por
culação do ar resfrie o ambiente. sob a forma de radiação eletromag- cento), gases que não absorvem
nética na faixa do infravermelho, prin- radiação infravermelha. Outros gases,
Sol, atmosfera e superfície cipalmente entre 4 µm e cerca de nela presentes como componentes na-
terrestres: uma interação vital 100 µm (Figura 1), com uma distribui- turais ou resultantes de ações do ho-
O planeta Terra apresenta certas ção espectral, por sua vez, próxima da- mem (ações antrópicas), por sua natu-
características que o tornam único no quela de um corpo negro a -18 °C, uma reza química, principalmente estrutura
Sistema Solar. A atmosfera terrestre, temperatura muito mais baixa que a molecular, absorvem uma fração signi-

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ficativa da radiação infravermelha emi-
Quadro 1: A matéria e a radiação infravermelha*.
tida pela superfície terrestre. Essa
O infravermelho corresponde à radiação absorção implica um aumento nos mo-
eletromagnética de comprimentos de onda vimentos vibracionais e rotacionais das
entre 100 µm e 1 µm (3 x 1012 Hz e 3 x 1014 Hz).
Essa radiação interage com moléculas, moléculas (Quadro 1). Esses gases,
mudando sua configuração, especialmente por por sua vez, também passam a irradiar
meio de vibrações dos átomos em ligações no infravermelho. Essa radiação se
intramoleculares, tais como: espalha em várias direções, inclusive
retornando à superfície, que se man-
tém mais quente do que seria na au-
sência da atmosfera. O Quadro 2 mos-
tra como é o balanço de energia da
Essa interação leva a uma das espectros-
copias mais úteis para o químico, a espec- superfície da Terra, da sua atmosfera
troscopia vibracional. O comprimento de onda e do planeta como um todo.
em que uma absorção/emissão ocorre de- dessa molécula ativo no infravermelho é a A retenção de energia pelos gases-
pende das massas relativas dos átomos, bem ‘deformação angular simétrica’: estufa decorre de um mecanismo, físi-
como das constantes de força das ligações.
Os átomos de uma molécula não perma- co-químico, bem diferente daquele que
necem fixos uns em relação aos outros; na rea- ocorre nas estufas agrícolas.
lidade, eles vibram em torno de uma posição Cabe destacar que grande parte do
média. Se essas vibrações causarem mudança efeito estufa natural se deve à presen-
no momento dipolar da molécula, ela será ativa
no infravermelho, isto é, absorverá e emitirá ra- ça da água na atmosfera (vide Figura
diação infravermelha. Uma molécula apresenta 2): vapor d'água (85 por cento) e par-
um dipolo elétrico se nela existirem duas cargas tículas de água (12 por cento). Outros
q e -q separadas por uma distância l; esse gases-estufa são o dióxido de carbono
dipolo é representado por uma flecha do tipo
, com o “+” marcando a ponta (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso
positiva, como na molécula de cloreto de hidro- Esse modo é responsável pela absortivi- (N2O), os clorofluorcarbonetos (CFCs), 11
gênio: dade do CO2 na faixa em torno de 15 µm (Figura os hidroclorofluorcarbonetos (HCFCs)
2). e o hexafluoreto de enxofre (SF6).
Os modos vibracionais possíveis e as va-
riações periódicas no momento dipolar da mo- O aumento do teor desses gases
Associado ao dipolo existe um momento lécula de água são mostrados a seguir. na atmosfera em decorrência de ativi-
dipolar, definido como igual ao produto q x l. dades humanas pode causar uma exa-
Seja a molécula do gás estufa CO2; como cerbação do efeito estufa e, conse-
ela atua absorvendo e emitindo radiação
infravermelha? Essa molécula linear tem, no qüentemente, um aquecimento global
estado fundamental, um momento dipolar igual do planeta.
a zero (os dois dipolos se anulam):
Gases do efeito estufa

Se a molécula vibrar no modo conhecido Dióxido de carbono


como ‘deformação axial simétrica’, ela é alter-
O dióxido de carbono tem sido
nadamente esticada e comprimida, com o
comprimento de ambas as ligações C—O mu- apontado como o grande vilão da exa-
dando simultaneamente: cerbação do efeito estufa, já que sua
presença na atmosfera decorre, em
grande parte, de atividades humanas.
Na atmosfera atual o teor de CO2 oscila
As deformações axiais simétrica e assimé- em torno de 365 mL/m3, com uma ten-
trica são responsáveis pela absortividade da dência de crescimento que teve seu
molécula de água na região em torno de 2,7 início no final do século XVIII em decor-
O momento dipolar claramente permanece µm (Figura 2), enquanto a deformação angular
zero ao longo de todo o movimento, fazendo rência do aumento no uso de combus-
é responsável pela deformação em torno de 6
com que esse modo vibracional seja ‘inativo µm (Figura 2). tíveis fósseis.
no infravermelho’. Já se a molécula vibrar no As deformações acima mostradas levam Em termos quantitativos, anual-
modo chamado de ‘deformação axial assimé- ao que se chama de vibrações fundamentais. mente cerca de 2 650 bilhões de tone-
trica’, a vibração é ‘ativa no infravermelho’ pois, Todavia, podem ocorrer interações e acopla-
como mostrado no topo da próxima coluna,
ladas de dióxido de carbono são
mentos entre os osciladores, o que faz com
ocorre uma alteração periódica do momento lançadas na atmosfera. Como o tempo
que surjam vibrações secundárias que absor-
dipolar da molécula.
vem em outras regiões diferentes das das fun- médio de residência do CO2 na atmos-
A deformação axial assimétrica, associada fera é de cerca de cem anos, a estabi-
damentais (vide Figura 2 para o caso da água).
a rotações dos átomos, é responsável pela
absortividade do CO2 na faixa em torno de 4,25
lização ou mesmo a diminuição do teor
*Adaptado de Silverstein et al., 1979, e Banwell,
µm - vide Figura 2. Outro modo vibracional 1983. atmosférico desse gás requer dimi-
nuição significativa em sua emissão.

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Quadro 2: Balanço de energia da superfície da Terra, da sua atmos-
pelo menos 515 em torno de 9 µm (Figura 2) diminui a
fera e do planeta como um todo*, mostrando o efeito estufa. milhões de tone- transparência da ‘janela’ atmosférica à
ladas por ano. A radiação infravermelha existente entre
Balanço de energia da superfície terrestre absorção de ra- 7 µm e 13 µm.
Chegada Saída
diação infraver-
melha pelo meta- Clorofluorcarbonetos (CFCs)
Radiação solar 51 Radiação terrestre 116
Radiação atmosférica 95 Evaporação 23 no ocorre em Os clorofluorcabonetos ou freons,
Condução/convecção 7 uma banda de principais responsáveis pelo depau-
Total 146 Total 146 comprimento de peramento da camada de ozônio, são
Balanço de energia da atmosfera terrestre onda ao redor de compostos formados por moléculas do
Chegada Saída
7 µm. tipo do metano ou do etano, em que
Radiação solar 19 Radiação para o espaço 64
os átomos de hidrogênio foram subs-
Óxido nitroso tituídos por átomos de cloro e flúor. Os
Condensação 23 Radiação para a superfície 95
Radiação da superfície 110 O teor atmos- mais comuns são os de fórmulas CCl3F
Condução 7 férico atual do (nome comercial CFC-11), CCl 2F 2
Total 159 Total 159
N2O, substância (CFC-12), CClF2CClF 2 (CFC-114) e
Balanço de energia do planeta Terra anestésica tam- CClF 2CF3 (CFC-115). Esses gases,
Chegada Saída bém conhecida cujo tempo médio de residência na
Radiação solar 100 Radiação refletida e espalhada 30 como gás hilari- atmosfera varia de 75 anos (CFC-11)
Radiação atmosférica para o espaço 64 ante, é superior a até 380 anos (CFC-115), são potentes
Radiação da superfície para o espaço 6 0,31 mL/m3. Aná- gases-estufa; uma molécula de CFC-
Total 100 Total 100
lise de bolhas de 12, por exemplo, tem o mesmo impac-
* Energia expressa em centésimos da radiação solar incidente total. ar presas em ge- to de cerca de dez mil moléculas de
lo antártico per- CO2.
Ao interagir com radiação infraver- mitiu concluir que esse teor era de 0,28 Os CFCs são produzidos principal-
12 melha (Quadro 1), o CO2 absorve-a mL/m3 no início do século XX. Sua mente para uso em compressores pa-
significativamente em duas estreitas origem pode ser natural (descargas ra refrigeração doméstica e para ex-
faixas de comprimentos de onda infe- elétricas na atmosfera, reações foto- pansão de polímeros. A produção, uso
riores a 5 µm e em uma ampla faixa químicas entre componentes de aeros- e emissão desses gases diminuiu
acima de cerca de 13 µm. Portanto, sóis etc.) ou antrópica (queima de car- muito nos últimos anos, em decorrên-
como a água e o CO2 não absorvem vão e de outros combustíveis fósseis cia do Tratado de Montreal sobre Subs-
entre 7 µm e 13 µm (vide Figura 2), em motores a explosão, uso de adu- tâncias que Destroem a Camada de
ocorre na atmosfera uma verdadeira bos nitrogenados etc.). Ozônio, de 1987, e suas revisões pos-
‘janela’ espectral, pela qual a radiação A taxa atual de incorporação de teriores.
infravermelha emitida pela superfície N2O à atmosfera é de cerca de cinco O teor médio desses gases na
terrestre escapa, perdendo-se no es- milhões de toneladas por ano. O teor atmosfera é de 1,2 µL/m3 e eles absor-
paço (essa radiação corresponde a 6 de N2O na atmosfera tende a aumentar vem radiação na faixa de 7 µm a 13 µm,
por cento da radiação solar que atinge significativamente, porque seu tempo contribuindo, portanto, para fechar a ‘ja-
a Terra — Quadro 2). de residência na atmosfera situa-se nela’ atmosférica de escape de radiação
entre 120 e 175 anos. infravermelha para o espaço.
Metano Esse gás absorve infra-
Este hidrocarboneto, o gás-estufa vermelho significativa-
mais importante depois do CO2, pode mente em duas regiões
advir de processos naturais ou antró- localizadas ao redor de
picos. Geralmente tem origem em de- 4 µm e 7 µm (Figura 2).
pósitos ou em processos de extração
e utilização de combustíveis fósseis ou Ozônio
na decomposição anaeróbica de subs- Esse gás também
tâncias orgânicas, principalmente celu- absorve a radiação in-
lose. Seu teor atmosférico atual é supe- fravermelha refletida
rior a 1,7 mL/m3. Cento e dez anos pela superfície terrestre,
atrás ele era de 0,9 mL/m3. Como o embora seu papel prin-
tempo médio de residência do CH4 na cipal esteja relacionado
atmosfera é razoavelmente curto (cer- com sua presença na Figura 1: Comparação entre as intensidades dos espectros da
ca de dez anos), a estabilização do seu ozonosfera, bloquean- radiação solar e terrestre. Em função de sua maior temperatura
teor requer diminuição de somente 5 do parte da radiação superficial, o Sol emite cerca de 160 mil vezes mais radiação
por cento na sua emissão. Estima-se ultravioleta do sol. Sua que a Terra e de comprimentos de onda menores (mais energé-
que essa emissão atinja um total de absorção numa faixa tica). [Adaptado de Lutgens e Tarbuck, 1998, p. 34.]

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de HCFC-134a, por amazônica (haja vista a queimada des-
exemplo, tem o mesmo controlada de regiões do Estado de
impacto que cerca de Roraima no início de 1998). Também
3400 moléculas de CO2. trazem uma notável contribuição as
Estima-se que no ano queimadas de campos e cerrados e
2000 as emissões glo- de canaviais, muito empregadas no
bais de HCFC-134a manuseio de culturas. Outra fonte é o
serão da ordem de 148 uso de combustíveis fósseis, principal-
mil toneladas, o que te- mente os derivados de petróleo, em
rá um impacto-estufa motores de explosão de veículos e
semelhante ao de todo outros sistemas de transporte.
o combustível fóssil A contribuição em metano pode ser
queimado no Reino também considerada significativa,
Unido naquele ano. dada a existência de grandes reba-
Por isso, diversas nhos de gado bovino e a presença de
empresas européias extensas regiões que são periodica-
substituíram-nos por hi- mente cobertas pela águas, como
drocarbonetos de baixo acontece no Pantanal Matogrossense
potencial-estufa, em es- e nas várzeas amazônicas.
pecial o ciclopentano e
o isobutano, o que re- A estufa começa a ficar
quer adaptações nos re- muito quente
frigeradores. O aumento do teor atmosférico dos
gases-estufa leva a um maior bloqueio
Hexafluoreto de da radiação infravermelha e, conse-
enxofre qüentemente, pode causar uma exa- 13
Este gás inerte e não- cerbação do efeito estufa: aquecimen-
tóxico é usado como to da atmosfera e aumento da tempe-
isolante em instalações ratura da superfície terrestre.
elétricas como gera- O que tem chamado a atenção dos
dores de alta tensão, cientistas voltados ao estudo do clima,
Figura 2: Absortividade de alguns gases atmosféricos e da disjuntores de alta capa- do ambiente e da ecologia são as mo-
atmosfera como um todo em função do comprimento de onda. cidade em subestações dificações que poderão ocorrer em
Note que existem duas janelas atmosféricas à radiação. A pri- blindadas, transforma- ecossistemas terrestres ou oceânicos.
meira é para a radiação solar, entre 0,3 e 1 µm, causando o dores e cabos subter- Supondo-se que os níveis de emissão
aquecimento da superfície da Terra. A outra ocorre entre cerca râneos de alta tensão. de CO2 e de outros gases-estufa conti-
de 7 e 13 µm, permitindo que parte da radiação emitida pela nuem crescendo e não haja qualquer
A quantidade atual-
superfície terrestre escape para o espaço. [Adaptado de Lutgens
mente existente na providência efetiva para estacionar ou
e Tarbuck, 1998, p. 41.]
atmosfera é pequena. reduzir esses valores, algumas destas
No Brasil, a liberação de SF 6 na modificações podem ser previstas:
Hidroclorofluorcarbonetos (HCFCs) • Elevação do nível dos mares como
atmosfera é da ordem de duas tonela-
Os hidroclorofluorcarbonetos dife- das por ano. De qualquer modo, como resultado da dilatação térmica da mas-
rem dos CFCs somente pelo fato de esse gás tem um potencial-estufa igual sa de água oceânica e do aumento do
um ou mais átomos de cloro e/ou flúor a cerca de 25 mil vezes o do CO2, tem seu volume pelo aporte de águas resul-
serem substituídos por átomos de hi- um longuíssimo tempo de vida médio tantes do degelo das calotas polares e
drogênio. Estes gases foram propos- na atmosfera (na faixa de 880 anos a geleiras de regiões montanhosas. Isso
tos e aceitos dentro do Protocolo de 3200 anos), e como o seu consumo causará grandes alterações nos ecos-
Montreal para substituir os CFCs, pois tem crescido a uma taxa de cerca de sistemas costeiros e perda de superfície
a presença de átomos de hidrogênio 7 por cento ao ano, seu impacto estufa em regiões banhadas pelo mar.
nas moléculas tornam-nas mais instá- futuro pode ser bastante significativo. • Alterações climáticas em todo o
veis, o que minimiza muito seu poten- O SF6 absorve no infravermelho ao planeta, com o aumento das tempesta-
cial de destruição da camada de redor de 12,5 µm. des, das ondas de calor e alterações
ozônio. Um dos HCFCs mais usados nos índices pluviométricos — algumas
atualmente em refrigeradores no lugar O problema da emissão de regiões para mais e outras para menos.
dos CFCs é o de fórmula CH2FCF3 gases-estufa no Brasil • Aumento da biomassa terrestre
(nome comercial HCFC-134a). Em nosso país, a maior fonte de e oceânica pela aceleração da função
Os HCFCs, entretanto, também são emissão de dióxido de carbono são as clorofiliana e pelo aumento do teor de
potentes gases-estufa. Uma molécula queimadas em florestas da região CO2 dissolvido nos oceanos. Neste último

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caso, haverá sensível aumento dos incluindo questões técnicas relacio-
Glossário
organismos com exoesqueletos forma- nadas aos aspectos socioeconômicos
dos por carbonato de cálcio. da mudança de clima. Ambos os rela- Corpo negro
negro: qualquer objeto capaz de
emitir e absorver uniformemente radiação de
• Modificações profundas na vege- tórios se tornaram padrões de referên- todas as freqüências. Um exemplo prático de
tação característica de certas regiões e cia, amplamente usados por legisla- corpo negro é um recipiente opaco com um
típicas de determinadas altitudes. dores, cientistas e outros especialistas. furinho, pois a radiação que sai por ele foi
• Aumento na incidência de doen- O terceiro relatório está previsto para emitida e reemitida tantas vezes dentro do
recipiente que entrou em equilíbrio térmico
ças e proliferação de insetos nocivos o ano 2000, mas o IPCC, em seu se- com as paredes.
ou vetores de doenças, o que poderá gundo relatório, já concluiu que os Distribuição espectral
espectral: gráfico da quan-
resultar em grandes alterações sociais. aumentos globais de temperatura tidade de radiação emitida por um corpo
ocorridos no último século “são impro- negro em função da freqüência da radiação,
Como evitar a catástrofe? váveis de serem totalmente devidos à
sendo que essa distribuição varia com a tem-
peratura (vide Figura 1).
O aquecimento global tem preocu- variabilidade natural — um padrão de Temperatura de irradiação
irradiação: temperatura
pado homens, mulheres e instituições, resposta climática a atividades huma- de um corpo negro emissor de radiação à
pois talvez o próprio destino da huma- nas é identificável no registro climato- qual está associada uma distribuição espec-
tral característica. Analisando-se a distri-
nidade esteja em jogo. Além do alerta lógico”. buição espectral de um dado corpo radiante
das organizações ambientalistas, há a A Convenção Quadro da ONU pre- e comparando-a com a de um corpo negro a
preocupação de órgãos intergoverna- vê conferências das partes signatárias, diferentes temperaturas, é possível deduzir a
mentais como as Nações Unidas e a sendo que a terceira sessão ocorreu que temperatura de corpo negro ela equivale.
Organização Meteorológica Mundial em Kioto, Japão, no período de 1 a 10
(OMM). Em 1988, a OMM e o Progra- de dezembro de 1997, quando foi acor-
ma das Nações Unidas para o Meio dado o Protocolo de Kioto, que visa tes naturais (vulcões, tempestades so-
Ambiente criaram o Painel Intergover- reduzir a emissão total antrópica de ga- lares, meteoritos etc.) que imprevisivel-
namental sobre Mudança do Clima ses-estufa (calculada como se só fos- mente podem causar mudanças no cli-
(IPCC), para: a) avaliar a informação se CO2, usando a relação entre o efei- ma da Terra, o cumprimento pelos dife-
científica disponível no campo de mu- to-estufa de cada gás e o do CO2) em rentes países das medidas previstas
14 nos protocolos da Convenção Quadro
dança do clima, b) avaliar os impactos pelo menos 5 por cento abaixo dos
ambientais e socioeconômicos de mu- níveis de 1990 no período de da ONU é fundamental para minimizar
danças do clima e c) formular estraté- compromisso de 2008 a 2012, mas de previsíveis mudanças do clima e para
gias de resposta. Em agosto de 1990, modo diferenciado país a país (a que a humanidade consiga um desen-
o IPCC terminou seu Primeiro Relatório maioria dos países terá que diminuir volvimento sustentável que garanta a
de Avaliação, que serviu de base para suas emissões em até 8 por cento). O continuidade da vida em nosso pla-
a negociação da Convenção Quadro Brasil, como país em desenvolvimento, neta.
da ONU sobre Mudanças do Clima, não assumiu nenhuma obrigação de Mario Tolentino, doutor honoris causa pela Uni-
adotada em Nova York em maio de redução de suas emissões. A quarta versidade Federal de São Carlos, é aposentado co-
1992, que visa proteger o sistema cli- sessão das partes ocorreu de 2 a 13 mo professor titular do Departamento de Química -
UFSCar. Romeu C. Rocha-Filho, licenciado em
mático para gerações presentes e de novembro de 1998, em Buenos química, doutor em ciências (área de físico-química)
futuras. O Segundo Relatório de Avalia- Aires, Argentina. pela USP, é docente do Departamento de Química da
ção foi divulgado pelo IPCC em 1995, Apesar de também existirem agen- Universidade Federal de São Carlos.

Referências bibliográficas Hoje, v. 18, n. 107, p. 20, mar/95. da Convenção Quadro da ONU: http:/
MOLION, L.C.B. Os vulcões afetam /www.mct.gov.br/gabin/cpmg/climate/
BANWELL, C.N. Fundamentals of
molecular spectroscopy. Londres: o clima do planeta. Ciência Hoje, v. 20, programa/port/homeclim. htm;
McGraw-Hill, 1983. n. 120, p. 24, mai/96. O sítio http://kekule.fe.usp.br/glo-
LUTGENS, F.K. e TARBUCK, E.J. RABELLO, A.L. Efeito estufa: uma bal/ca-index.html contém hipertextos
The atmosphere. 7. ed. Upper Saddle ameaça no ar. Ciência Hoje, v. 5, n. 29,
com atividades a serem desenvol-
River: Prentice Hall, 1998. p. 50, mar/87.
vidas pelos alunos dentro do tópico
SILVERSTEIN, R.M., BASSLER, TOLENTINO, M., ROCHA-FILHO,
R.C. e SILVA, R.R. da. O azul do plane- “A atmosfera em mudança”.
G.C. e MORRIL, T. C. Identificação Es-
ta. São Paulo: Moderna, 1995. Contém, Um número enorme de outros sí-
pectrométrica de Compostos Orgâni-
cos. 3. ed. Tradução por Alencastro, entre outras, informações sobre o efei- tios da Internet contém informações
R.B. de, FARIA, R.B. Rio de Janeiro: to estufa e o depauperamento da ca- diversas sobre o efeito estufa, confor-
Guanabara Dois, 1979. mada de ozônio. me pode ser verificado procurando
pela expressão ‘efeito estufa’ na ferra-
Para saber mais Na Internet:
menta de busca Altavista: http://
MOLION, L.C.B. Um século e A home page do Ministério de Ciên- www.altavista.com (vide Química
meio de aquecimento global. Ciência cia e Tecnologia tem uma boa descrição Nova na Escola n. 7, p. 15-16).

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