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Os Naipes no baralho Petit Lenormand

por Luís Gonçalves

Neste artigo eu falarei sobre um aspecto do baralho Petit Lenormand que é fundamental para mim,
embora infelizmente seja muitas vezes subestimado ou até mesmo ignorado. Na maioria dos casos de
que eu tive conhecimento, as pessoas diziam-me que não analisavam os naipes uma vez que isso as
confundia ainda mais: segundo elas, os significados dos naipes que elas conheciam não
correspondiam, de todo, ao simbolismo que era apresentado nas cartas. E é precisamente para
esclarecer este aspecto e fornecer uma nova perspectiva sobre os naipes – ou pelo menos uma
perspectiva diferente – que eu escrevo este artigo.

Na minha opinião, e com base na minha prática com o Petit Lenormand, posso afirmar que embora os
símbolos nas cartas sejam sem dúvida o factor mais importante para a sua interpretação, os naipes
acrescentam uma nova camada de significados a qualquer tiragem que nós façamos com este baralho.
Além disso, para além da estrutura numérica do baralho, com as suas cartas numeradas de 1 a 36, os
naipes fornecem uma outra estrutura de significados e correspondências que nos ajudam a
compreender melhor as próprias cartas e o seu simbolismo.

De forma a vos poder apresentar melhor aquilo que eu quero dizer, devo primeiro falar brevemente da
minha (ainda jovem) trajectória com este fascinante oráculo.

O meu primeiro Lenormand

O primeiro baralho Lenormand que eu comprei resultou num amor que dura até hoje. As cartas eram
(e são) lindíssimas e apaixonei-me imediatamente por elas, sentindo desde logo uma vontade enorme
de as usar. Anteriormente eu já tinha comprado um outro baralho que não tinha os naipes – então
chamado Baralho Cigano, que é a variante brasileira do Petit Lenormand europeu mas com algumas
diferenças. Apesar disso, como eu tinha lido entretanto que cada carta do baralho correspondia a uma
carta de jogar, eu preferi comprar um baralho "completo" que incluísse os naipes: e foi essa a razão
pela qual eu comprei o meu primeiro Petit Lenormand.

O meu pensamento quando me sentei para analisar as cartas uma a uma e os respectivos naipes, foi
exactamente o mesmo das muitas pessoas que até hoje me disseram que não usam os naipes: "Que
confusão! Não faz sentido!" Na verdade, para quem está habituado ao Tarot e à Cartomancia
tradicional, é estranho ver que no Lenormand as cartas que correspondem às Espadas contêm
símbolos positivos, ou pelo menos marcados por uma alegria e estabilidade tranquilizadoras. Já o
naipe dos Paus, que no Tarot e na Cartomancia representa a iniciativa, o empreendedorismo e a força
de vontade, no Lenormand inclui na sua maioria cartas com símbolos negativos ou desafiadores.
Como sou perfeccionista por natureza e gosto de compreender em profundidade as coisas pelas quais
me interesso, não descansei enquanto não compreendi a razão desta aparente disparidade.

"O Jogo da Esperança" – O Lenormand original

Contrariamente ao que muitas pessoas pensam, apesar de este baralho ter um nome francês e ser
associado a uma célebre vidente francesa (Mlle. LeNormand), este maravilhoso oráculo nasceu na
Alemanha, mais precisamente em Nuremberga, e começou por ser um jogo de salão chamado O Jogo
da Esperança (Das Spiel der Hoffnung)(1). Foi criado por Johann Kaspar Hechtel, um jovem
empresário dono de uma fábrica de bronze e criador de jogos de salão, e publicado em 1799. Esse
jogo, muito semelhante ao moderno jogo das serpentes e escadas, era jogado com dois dados e as
cartas eram dispostas numa grelha 6 x 6, funcionando como o próprio tabuleiro de jogo. Tinham
exactamente os mesmos símbolos que o Lenormand actual, os mesmos números e os mesmos naipes –
mas além dos naipes franceses que nós conhecemos, incluía igualmente os naipes alemães, que são
Corações, Folhas, Guizos e Bolotas. Isto servia pelo menos três propósitos:

1. O baralho poderia ser usado como jogo de tabuleiro, em que as imagens nas cartas tinham
significados que influenciavam o avanço ou recuo das peças dos jogadores ao longo do
tabuleiro. Por exemplo, quando a peça de um jogador calhasse na casa 21, a da Montanha, a
peça dele ficaria aí retida até tirar um duplo com os dados (1-1, 2-2, etc) ou outro jogador
caísse na mesma casa. Se calhasse na casa 26, por exemplo: «quem ler deste grimório será
forçado por um feitiço a voltar para o Jardim, nº 20»(2).

2. O baralho poderia ser usado para jogos de cartas, tendo a vantagem dupla de poder ser
usado tanto para jogos franceses, com os respectivos naipes franceses, como para jogos
alemães, com os respectivos naipes alemães;

3. O baralho poderia também ser usado como um "jogo oracular" (Wahrsagerspiel, nas
instruções originais), dispondo-se todas as cartas num esquema de 4 linhas com 8 cartas
cada, mais uma linha ao fundo e ao centro com 4 cartas. Localizando-se a carta do/a
consulente (carta 28 para um homem ou carta 29 para uma mulher) começava-se por
analisar as cartas mais próximas e depois as mais longínquas, retirando daí informações
sobre o passado e futuro do/a consulente. Esta é uma das bases tradicionais de interpretação
no método Grand Tableau, a "tiragem-mestra" do Petit Lenormand.

O Jogo da Esperança foi, portanto, o protótipo de todos os baralhos Petit Lenormand que surgiram
posteriormente. Eu fiquei bastante surpreendido quando descobri isto pois, tal como a maioria das
pessoas, eu sempre pensara que este oráculo era de origem francesa: ou mais precisamente, que este
oráculo tinha sido uma criação da célebre cartomante francesa Mademoiselle LeNormand. Saber que
afinal o oráculo era de origem alemã levou-me a questionar se a interpretação dos naipes deveria
continuar a ser feita segundo a perspectiva francesa, a qual prevalece no Tarot e na Cartomancia
tradicional, ou se, por outro lado, eles deveriam ser reavaliados de acordo com a tradição cartomântica
alemã e os seus respectivos naipes.

Na tradição do Petit Lenormand não existem significados para os Naipes

Pois é. A verdade é que nem nas instruções de 1799 de O Jogo da Esperança nem nas instruções
posteriores (1846) do primeiro Lenormand (então vendido apenas como oráculo) existem quaisquer
indicações relativas ao significado divinatório dos naipes. Os únicos estilos de interpretação das cartas
que são fornecidos nas instruções tradicionais são: (a) pelo significado dos símbolos ou desenhos nas
cartas; (b) pela posição das cartas no Grand Tableau, isto é, mais acima ou mais abaixo, mais à
esquerda ou mais à direita; e (c) pela posição relativa das cartas, nomeadamente em relação à carta

#1 KATZ, Marcus & GOODWIN, Tali (2013): Learning Lenormand – Traditional Fortune Telling for Modern Life,
Llewellyn Publications.

#2 GLÜCK, Alexander (2014). The Primal Lenormand. Königsfurt Urania.


que representa o/a consulente. Nada é referido em relação ao significado divinatório dos naipes, nem
franceses nem alemães, exceptuando o facto de isso permitir que se jogasse com as cartas.

Todas estas informações sobre O Jogo da Esperança e os naipes alemães eu obtive-as através de um
pequeno mas muito completo e-book de Anthony Louis chamado Lenormand Symbols(3). Este é sem
dúvida um dos melhores livros que eu já li sobre o Petit Lenormand, a sua história e as suas origens, e
não posso deixar de elogiar o trabalho impecável do autor. Entre outras coisas, neste livro o autor
descreve as descobertas de investigadoras como Mary K. Greer(4) e especialmente Helen Riding (vide
adiante) que me levaram a concluir que a essência dos naipes nas cartas Lenormand está contida na
cartomancia tradicional alemã. E isso realmente faz sentido, já que o 'antepassado' deste oráculo foi
publicado na Alemanha e continha os naipes alemães, por serem mais tradicionais, assim como os
franceses que eram mais conhecidos.

Existem no entanto alguns baralhos divinatórios alemães que incluem naipes assim como desenhos ou
símbolos, à semelhança do Lenormand, e esse ponto é de grande importância nesta apresentação.

Naipes e símbolos na cartomancia alemã

Neste momento eu gostaria de vos mostrar quatro cartas de um baralho divinatório alemão, publicado
pela companhia 'Industrie Comptoir' em Leipzig, Alemanha, por volta de 1830: (5)

Como já repararam, este baralho tem a particularidade de incluir símbolos (como no Lenormand) e
respectivos nomes, assim como as correspondências com as cartas de jogar. Os naipes são alemães.

Enquanto é certamente verdade que o tema dos naipes coincide quase perfeitamente com aquele
presente no Lenormand, também é verdade que nenhuma carta deste baralho coincide exactamente
com qualquer carta do Lenormand. Por exemplo, neste baralho o naipe de Bolotas (Paus) inclui cartas

#3 LOUIS, Anthony (2014). Lenormand Symbols – Exploring the Images on the Cards. Kindle Edition 3.1. Blog do autor:
http://tonylouis.wordpress.com/.

#4 Apesar de não estar relacionado com os naipes, o seguinte artigo de Mary K. Greer é de especial interesse: "A New
Lenormand Deck Discovery": https://marykgreer.com/2013/07/12/a-new-lenormand-deck-discovery/.

#5 World of Playing Cards– "German Fortune Telling Cards – a possible source": http://www.wopc.co.uk/tarot/austrian-
cartomancy-decks/.
como "Infortúnio", "Dissimulação" e "Falsidade", e estas cartas poderiam ser equiparadas às cartas
"Nuvens", "Raposa" e "Cobra" do Lenormand que têm significados semelhantes e também
correspondem a Bolotas/Paus – no entanto, nenhum par coincide exactamente em termos de número
de pintas ou figuras da corte.

Para vos ilustrar melhor o que quero dizer, analisemos o caso das quatro cartas aqui mostradas:

– A primeira chama-se "Fidelidade" (Treue / La fidelité) e corresponde ao 9 de Corações;

– A segunda chama-se "Sorte/Fortuna" (Glück / La fortune) e é associada ao Ás de Guizos(6);

– A terceira tem o nome "Poder" (Macht / La puissance) e corresponde ao Rei de Bolotas;

– E finalmente, a quarta é chamada "Esperança" (Hoffnung / L'espérance) e é associada ao Ás de


Folhas.

Fazendo um paralelismo com o Lenormand em termos de símbolos e significados, poderíamos


estabelecer as seguintes equivalências: a primeira carta corresponde ao "Cão" (10 de Corações/♥), a
segunda ao "Trevo"(7) (6 de Guizos/♦), a terceira ao "Urso" (10 de Bolotas/♣), e a quarta à "Âncora"
(9 de Folhas/♠).

Reparem que as cartas não coincidem em termos de pintas ou figuras – mas coincidem nos naipes. E
isso, para mim, é aquilo que se torna mais relevante quando estudamos os naipes do Petit Lenormand.

Os Naipes alemães

Os quatro Naipes:
– em cima, os alemães: Corações, Folhas, Guizos e Bolotas;
– em baixo, os franceses: Copas, Espadas, Ouros e Paus, coloridos ao estilo alemão.

Reparem que neste artigo eu estou a usar cores diferentes para os naipes, e há duas razões para isso. A
primeira razão é que estas correspondências das cores com os naipes franceses são usadas em alguns
baralhos Skat alemães, sem dúvida por influência dos naipes tradicionais. E a segunda razão é que
"naipe" em alemão diz-se Farbe, que significa "côr". Assim sendo, e tendo em conta que no contexto
do baralho Petit Lenormand faz mais sentido pensarmos em termos de naipes alemães, eu preferi
adoptar as representações alemãs dos naipes: tanto dos alemães, como dos franceses pintados ao estilo
alemão, com quatro cores – literalmente Vier Farben, "quatro naipes".

#6 Na Alemanha a carta de valor mais elevado é o Daus, equivalente ao nosso "2". Em termos técnicos, o 2 alemão
equivale ao Ás dos baralhos franceses, e é frequente ver nos baralhos alemães modernos – como o Schafkopf Tarock, por
exemplo – o Ás sendo representado com dois símbolos do naipe respectivo, como se se tratasse do 2.

#7 Também é possível associar esta carta ao "Sol", que corresponde igualmente ao Ás de Guizos. Nesse caso, este seria o
único par que realmente coincide.
Como referi anteriormente, os 4 naipes alemães chamam-se Corações (Herzen), Folhas (Laub),
Guizos (Schellen) e Bolotas (Eicheln). Segundo a tradição alemã(8), os naipes correspondiam às quatro
classes sociais da época:

– Os Corações (=Copas ♥) correspondiam ao clero, a classe religiosa;

– As Folhas (=Espadas ♠) representavam os camponeses e os senhores das terras;

– Os Guizos (=Ouros ♦) eram associados à falcoaria, um dos passatempos favoritos da classe rica;

– e finalmente, as Bolotas (=Paus ♣) descreviam as dificuldades da classe mais baixa, a do povo e dos
servos.

Transportando esta simbologia para o Baralho Lenormand, faz agora todo o sentido que as Espadas
(na realidade Folhas) não sejam assim tão más, e que os Paus (Bolotas) sejam o naipe mais negativo.
A carta do Homem, por exemplo, corresponde ao amoroso Ás de Corações (Copas), enquanto a carta
da Mulher corresponde ao fértil Ás de Folhas (Espadas). A carta da Serpente corresponde
correctamente à Dama de Bolotas/Paus (mulher intriguista), e a carta dos Peixes ("dinheiro") é
atribuída correctamente ao naipe dos Guizos/Ouros (classe rica). Usando o exemplo dado por Anthony
Louis:

«Espadas/Folhas são um símbolo de fertilidade relacionado com os senhores das terras que
cultivavam os seus campos para obterem colheitas. Espadas estão associadas à Mulher que
pode dar à luz uma Criança, e também com plantas que crescem nos campos: o Ramalhete
de Flores, os Lírios, e os Jardins públicos ou Parques onde elas podem ser vistas. Navios
com as suas Âncoras são usados para 'lavrar' os oceanos para as suas 'colheitas'. Os
Navios também transportavam Cartas de uma terra para a outra. O farol é uma Torre
destinada a ajudar na navegação marítima.»
(Tradução e sublinhados por mim)

É importante retermos que estas interpretações dos naipes são modernas, uma vez que as tradicionais
(no contexto específico do Petit Lenormand) simplesmente não existem – pelo menos, de que se tenha
conhecimento.

E agora: como ler os Naipes?

Já vimos anteriormente alguns dos significados dos Naipes alemães com base nas equivalências com
as classes sociais da época (sécs. XVIII–XIX). A partir daí, podemos estabelecer o seguinte quadro:

#8 Ler a este respeito o artigo "Vier Farben: Lenormand suits (revisited)" de Helen Riding, no seu blog Lenormand
Dictionary: http://lenormanddictionary.blogspot.co.uk/p/vier-farben-lenormand-suits-revisited.html.
CORAÇÕES ♥ FOLHAS ♠ GUIZOS ♦ BOLOTAS ♣
(Clero) (Agricultores) (Nobreza) (Povo, servos)
ÁS 28. Homem 29. Mulher 31. Sol 25. Anel
REI 4. Casa 30. Lírios 34. Peixes 6. Nuvens
DAMA 17. Cegonha 9. Ramalhete 22. Caminhos 7. Cobra
VALETE 24. Coração 13. Criança 10. Foice 11. Chicote
DEZ 18. Cão 3. Navio 26. Livro 15. Urso
NOVE 1. Cavaleiro 35. Âncora 8. Caixão 14. Raposa
OITO 32. Lua 20. Jardim 33. Chave 21. Montanha
SETE 5. Árvore 27. Carta 12. Pássaros 23. Ratos
SEIS 16. Estrela 19. Torre 2. Trevo 36. Cruz

Já sabemos que os Corações correspondiam à classe religiosa, as Folhas aos latifundiários e


agricultores, os Guizos de falcoaria à classe nobre, e as Bolotas à classe pobre ou servil. Se
repararmos bem, essa "mensagem" de cada naipe parece ser clara no Lenormand. Da interpretação que
eu faço dos naipes quando uso o Lenormand – e aqui reforço que se trata de experiência pessoal, não
de tradição:

─ Os Corações ♥ parecem-se ser o naipe mais positivo, ligado à amizade ("Cão"), amor
("Coração"), fé ("Estrela"), mas também às flutuações de humor e ritmos naturais ("Lua").
São cartas que transmitem uma mensagem quase sempre positiva, embora o significado de
qualquer carta possa ser alterado conforme as cartas que as rodearem. No geral, acho que os
símbolos de Corações têm bastante a ver com a classe social correspondente: o Clero.

─ As Folhas ♠, eu considero-as "moderadas" ou "equilibradas". Se os Corações são um


"sim!", as Folhas são um "talvez" com possibilidade de se realizar, dependendo das cartas
circundantes. As cartas de Folhas transmitem a ideia de estabilidade ("Âncora"), vida social
("Jardim"), alegria e presentes ("Ramalhete"), maturidade e tranquilidade ("Lírios"), e
contêm muitas imagens que fazem lembrar a classe social que lhes é equivalente: os
agricultores e senhores das terras.

─ Os Guizos ♦ eu considero o naipe mais instável e imprevisível. Tanto pode representar


um "sim" fulgurante como um "não" drástico. Os Guizos anunciam vitória e derrota ("Sol" e
"Caixão"), são rápidos e cortantes como a "Foice", podem ser barulhentos e tagarelas como
os "Pássaros", e estão associados a empreendedorismo, dinheiro ("Peixes") e sorte ou azar
("Trevo")(9). A sua classe social correspondente é a Nobreza.

─ Por último, as Bolotas ♣ são o naipe mais difícil. A sua mensagem é um "não!", que
geralmente envolve algum tipo de esforços, desafios ou sacrifícios para que se possa tornar
positivo. Encontramos nelas a astúcia e a falsidade ("Raposa" e "Serpente"), os obstáculos
("Montanha"), stress e desgaste ("Ratos"), e contrariedades inevitáveis ("Cruz"). A classe
social correspondente é a do povo e dos servos.

#9 O trocadilho é intencional, já que na escola europeia do Petit Lenormand a carta nº 2, o Trevo, representa boa-sorte e
acontecimentos felizes, enquanto na escola brasileira do Baralho Cigano, a mesma carta nº 2 chama-se "Paus/Obstáculos"
e simboliza dificuldades passageiras. Curiosamente, as duas interpretações resultam de leituras diferentes das mesmas
instruções tradicionais referentes à carta do Trevo, no primeiro baralho oracular Petit Lenormand publicado em 1846.
No seu livro "The Lenormand Oracle Handbook"(10) a autora Caitlín Matthews incluiu muito material
sobre os naipes, e eu admito que foi ela, assim como o já referido Anthony Louis, que me
convenceram além de qualquer dúvida a usar os naipes nas minhas leituras. O material fornecido por
Caitlín é, tal como a descrição dos naipes que eu fiz anteriormente, principalmente baseado na própria
experiência, embora ao mesmo tempo com fortes bases nos significados tradicionais dos quatro naipes
alemães. Eu dou muito valor a esse tipo de exercício, pois é fazendo como a autora fez – sentando-se
com as cartas, estudando-as e trabalhando com elas – que as cartas começam a "falar" connosco,
ensinando-nos a sua própria linguagem que se organiza em vários níveis de interpretação. Tal como
será claro para os meus leitores neste momento, os naipes são para mim precisamente um desses
níveis de interpretação. Numa leitura eles permitem-nos perceber o "tema geral" da tiragem através
de uma primeira análise dos naipes predominantes e a sua posição relativa. Mesmo num Grand
Tableau o mesmo pode ser feito, pois se numa área do tabuleiro houver uma maior concentração de
um naipe específico, isso permite-nos entender que a(s) área(s) da vida representadas por essa área
do tabuleiro terão uma influência que será marcada pelo significado divinatório dos naipes em
questão. Por exemplo, se a carta representando o consulente estiver ao centro do Grand Tableau e à
sua esquerda no tabuleiro (isto é, na área do "passado") estiver uma maior concentração de Bolotas
(Paus), podemos perceber que essa pessoa passou por uma fase da sua vida que foi marcada por
desafios, lutas ou dificuldades. No entanto, isso faz parte de uma primeira análise da tiragem, pois
dentro de cada naipe cada carta tem uma "tonalidade" ou essência específica que é marcada
fortemente pelo símbolo nela desenhado. Os símbolos nas cartas são, assim, o factor mais importante
a ter em consideração em qualquer leitura com o baralho Lenormand, usando-se os naipes apenas
para observar padrões na distribuição das cartas ou o "tema geral" da tiragem que tenha sido feita.
Usando estas duas informações que temos ao nosso dispor, a leitura das cartas Lenormand será assim
muito mais completa e rica em detalhes.

Os Naipes do Petit Lenormand são alemães:


Então porque não chamá-los pelos seus nomes?

Os meus leitores com certeza repararam que poucas foram as vezes em que chamei os naipes pelos
nomes que todos nós conhecemos: copas, espadas, ouros e paus. Em vez disso, quase sempre os
chamei pelos seus nomes alemães, embora sempre tenham sido acompanhados pelos símbolos dos
naipes franceses que nos são mais familiares – mas que mesmo assim foram coloridos de forma
diferente. Isso teve um propósito muito importante nesta minha apresentação, que foi o de
desprogramar as nossas definições pré-concebidas dos naipes, conduzindo e ajudando os meus
leitores a adoptarem uma visão diferente dos naipes que está mais próxima da essência do baralho
Petit Lenormand.

Na verdade, este é um ponto que eu considero ser de suma importância: chamar os naipes do
Lenormand pelos seus nomes alemães, em vez dos franceses, ajuda-nos a reter melhor a linguagem
e simbolismo das cartas dentro do naipe a que elas pertencem. Por exemplo, quando vocês olham
para a carta nº 9, o Ramalhete, conseguem imaginar uma "Dama de Espadas"? Só se for daquelas
simpáticas, e mesmo assim não sei... No entanto, se lhe chamarmos a "Dama de Folhas" (que é,
como vimos, o naipe alemão correspondente às Espadas), algo começa a fazer sentido! Além disso,
quando vocês explicarem isto a outra pessoa que pratique cartomancia tradicional ou Tarot não haverá
risco de confusão, pois a vossa "Dama de Folhas", que é o Ramalhete, será muito diferente da "Dama
de Espadas" dela, a qual está mais próxima da vossa "Dama de Bolotas" (Cobra).

#10 MATTHEWS, Caitlín (2014). "The Complete Lenormand Oracle Handbook – Reading the Language and Symbols of the
Cards". Destiny Books.
Entendem o que quero dizer?

A minha ideia é:

O baralho Lenormand original, O Jogo da Esperança, foi originalmente publicado com um sistema
dual de naipes: em cima à direita estava o naipe francês, e em cima à esquerda estava o naipe alemão
(já sabemos isso, certo?). A principal diferença entre os dois sistemas, além dos desenhos diferentes
para os naipes, são as diferentes figuras de corte. Enquanto o sistema francês tem os familiares Rei,
Dama e Valete, o sistema alemão tem o "Rei" (König) e dois cortesãos, o "Rapaz superior" (Ober
Knabe) e o "Rapaz inferior" (Unter Knabe).

A minha sugestão para a comunidade Lenormand é de usarmos os nomes dos naipes alemães e
simultaneamente as figuras de corte francesas no contexto específico do Petit Lenormand. Assim,
não existirão "Rapaz superior" e "Rapaz inferior" como no sistema alemão, mas sim "Dama" e
"Valete" como no sistema francês. Isto cria um curioso sistema híbrido de naipes e figuras de corte
que ecoa o baralho original Lenormand e os seus dois sistemas de naipes – enquanto, na minha
opinião, traz simultaneamente mais consistência ao sistema de naipes do baralho Lenormand.

Por exemplo, se considerássemos a carta nº 9, o Ramalhete, como o "Rapaz superior de Folhas" isso
seria algo que em princípio não faria muito sentido. Se em vez disso nós chamássemos esta carta de
"Dama de Folhas", isso já seria mais lógico. De facto, por se tratar de uma Dama (que é de
"Espadas", ou mais correctamente de Folhas), no caso de se referir a uma pessoa, dependendo do
contexto da leitura e das cartas que a circundarem, esta carta pode representar uma noiva (Dama de
Folhas = "Ramalhete"), uma amiga, uma namorada, ou uma mulher simpática. A Dama de Corações,
correspondendo ao símbolo da Cegonha, pode representar a Mãe, uma terapeuta, um nómada (no caso,
aplicando a simbologia da Cegonha) ou uma mulher alta, embora fina e frágil (como a Cegonha).

Sugestão de exercícios com os Naipes

Peguem no vosso baralho Lenormand preferido (que inclua os naipes) e organizem-no desta forma:

A♥ K♥ Q♥ J♥ 10♥ 9♥ 8♥ 7♥ 6♥
A♠ K♠ Q♠ J♠ 10♠ 9♠ 8♠ 7♠ 6♠
A♦ K♦ Q♦ J♦ 10♦ 9♦ 8♦ 7♦ 6♦
A♣ K♣ Q♣ J♣ 10♣ 9♣ 8♣ 7♣ 6♣

Com as cartas nesta disposição, vejam de que forma as cartas do mesmo naipe partilham semelhanças
entre si. De seguida, avaliem as cartas com o mesmo número mas de naipes diferentes, e estudem as
semelhanças e contrastes entre elas.

Numa nota pessoal, eu gosto de comparar os naipes em dois grupos: Corações com Folhas, e Guizos
com Bolotas. Esta é a forma como o faço, que divulgo publicamente pela primeira vez. Eis a minha
sugestão:

– Ás: Corações & Folhas = "Homem" & "Mulher"


"Adão e Eva". O par perfeito por excelência!

– Rei: Guizos & Bolotas = "Peixes" & "Nuvens"


"O dinheiro turva a visão". Foco e empreendedorismo Versus confusão e dispersão.
– Dez: Guizos & Bolotas = "Livro" & "Urso"
"O segredo protege da inveja". Conhecimento e poder. Conhecimento é poder.

– Sete: Corações & Folhas = "Árvore" & "Carta"


"Simbiose e comunicação". Para mim a Árvore é a carta significadora da saúde e do organismo: o
corpo da árvore é o nosso próprio corpo, em que todas as partes que o compõem trabalham em
uníssono e numa relação de simbiose. A Carta, por sua vez, propõe uma correspondência com algo
que é externo, que não faz parte desse mesmo organismo.

– Oito: Guizos & Bolotas = "Chave" & "Montanha"


"Um obstáculo e a sua solução". Uma porta aberta e uma porta trancada.

– Rei: Corações & Folhas = "Casa" & "Lírios"


"Em casa com a família". Ambas as cartas têm algo de "caseiro": enquanto a carta da Casa representa
a habitação, os Lírios representam a harmonia familiar.

– Seis: Guizos & Bolotas = "Trevos" & "Cruz"


Em francês, o naipe de Paus chama-se "Trevos" (Trèfles); o nome alemão para o mesmo naipe francês
é "Cruz" (Kreuz). É engraçado reparar que as 'escolas' europeia e brasileira invertem o significado
destas duas cartas. Na europeia, os Trevos e a Cruz representam respectivamente boa-sorte e
contratempos; na brasileira, a carta dos Trevos chama-se Paus/Obstáculos, e a carta da Cruz significa
vitória. É muito curiosa a ligação entre estas duas cartas.

Espero que esta pequena demonstração tenha aguçado o vosso apetite pelo estudo dos naipes: mas
agora sob uma nova perspectiva, aliando aquilo que já conhecem sobre os símbolos nas cartas com o
aspecto cartomântico dos naipes que lhes correspondem.

Garanto que no final deste exercício vocês vão entender que, afinal, os naipes até fazem todo o sentido
– talvez até nem queiram voltar a comprar um daqueles baralhos sem naipes! ;)

Bons estudos a todos, e boas buscas!

Luís Gonçalves

Carta nº 33 do baralho do "Jogo da Esperança":


"A Chave", correspondente ao 8 de Guizos (Ouros).

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