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PADRE CÍCERO – MITO RELIGIOSO E FIGURA POLÍTICA

RESUMO

Trata-se, neste estudo, de abordar a história de Padre Cícero, que tem tantos devotos
e é alvo de polêmicas e controvérsias, pois, enquanto milhares o idolatram, outros não
lhe dão crença e até buscam argumentos para desmitificá-lo. Destacam-se, no estudo,
acontecimentos marcantes, como as polêmicas na vida religiosa e política, o suposto
milagre da hóstia, o encontro com Lampião, mostrando que a história regional tem
peculiaridades e uma forte relação com a cultura e a fé das pessoas.

INTRODUÇÃO

Padre Cícero é um mito religioso nordestino e sua história desperta curiosidade. Para
compreender essa fé que guia as pessoas em torno da figura deste santo nordestino,
é preciso conhecer sua história, observar na revisão de literatura que análises são
feitas pelos estudiosos para explicar os caminhos que fizeram do Padre Cícero figura
de adoração entre os católicos.
Neste estudo, pretende-se contar a história do Padre Cícero e sua importância no
contexto religioso do Nordeste.

PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA

Padre Cícero transformou-se em mito considerado santo, sendo tido como milagroso,
ao se espalhar a notícia que na comunhão dada à beata Maria Araújo a hóstia havia
se transformado em sangue, isto é, no sangue de Jesus. Com a fama dos milagres, a
influência do Padre Cícero aumenta, e pessoas de todos os níveis sociais, trazidas
pela fé ou por curiosidade, se dirigiram a Juazeiro em busca da proteção do famoso
“Padim-Cíço”. As doações aumentaram, e a abundância passou a existir na casa do
milagroso Padre.
Segundo Menezes e Alencar (1989) a pedido de padre Cícero a diocese formou uma
comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre
sobre a hóstia em forma de sangue. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou
as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos
ocorridos, sendo, portanto um milagre.
Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo nomeou uma nova comissão para
investigar o caso. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim um
embuste. Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base no
mesmo, suspendeu as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que Maria
de Araújo fosse enclausurada.
A Igreja, sob a orientação de Roma, passou a impor diversas proibições em torno da
figura de Padre Cícero e seus seguidores, com evidência especialmente quanto às
peregrinações a Juazeiro. Essa era uma forma da Igreja coibir o movimento que
começara a despontar.
Mas, a reação negativa da Igreja não abalava a fé dos seguidores do Padre Cícero,
que não tinham dúvidas quando a sua santidade. As romarias começaram a ser
realizadas no final do século XIX. As primeiras notícias acerca do movimento
significativo de pessoas com destino a Juazeiro remontam de julho de 1889, durante
a festa do Preciosíssimo Sangue, quando o então Monsenhor Monteiro, reitor do
seminário do Crato, conduziu aproximadamente três mil fiéis, atraídos pelos
acontecimentos que ocorriam com a beata Maria Araújo.
As romarias impulsionavam e ainda impulsionam o desenvolvimento econômico de
Juazeiro do Norte, a fé no poderoso padre gerava crescimento do comércio e iniciava-
se então, o turismo religioso, onde muitos lucravam com vendas de estátuas e
imagens várias do padre considerado santo, inclusive, pedaços de panos que seriam
de suas vestes sacerdotais.
Conforme descreve Walker (1988, p. 42):

As atrações e pontos turísticos de Juazeiro são homenagens ao santo. A


Estátua do Padre Cícero na Serra do Horto é a terceira maior obra de
concreto do mundo, com 27 m de altura, só ficando atrás da Estátua da
Liberdade, em New York e do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. O último
lugar onde ele morou se transformou no Museu do Padre e abriga as batinas,
oratórios, imagens sacras, chapéus, óculos, livros e muitos objetos do padre.
Tem ainda o Memorial do Padre Cícero onde há uma biblioteca, fotos de
época e seminários sobre a vida do "Padim Ciço", como é chamado.

Com toda a polêmica e a reação da Igreja, principalmente em torno do “milagre” da


hóstia, Padre Cícero foi proibido de continuar no exercício do sacerdócio. Deu início,
então, à vida política e, que, mais tarde, quando divulgado o seu Testamento, ele
revela que tomou essa decisão por conta dos apelos dos amigos, o que acontecia em
um momento em que os moradores de Juazeiro tentavam conquistar a emancipação
política.
E, em 1911, Juazeiro conquista sua emancipação política, tendo como prefeito, Padre
Cícero que, ocupou também, posteriormente, o cargo de vice- Presidente do Ceará.
Walker (1988, p. 42) esclarece ainda, sobre a vida política de Padre Cícero que:

Sobre sua participação na Revolução de 1914 ele afirmou categoricamente


que a chefia do movimento coube ao Dr. Floro Bartolomeu da Costa, seu
grande amigo. A Revolução de 1914 foi planejada pelo Governo Federal com
o objetivo de depor o Presidente do Ceará Cel. Franco Rabelo. Com a vitória
da Revolução, Padre Cícero reassumiu o cargo de Prefeito, do qual havia
sido retirado pelo governo deposto, e seu prestígio, cresceu. Sua casa, antes
visitada apenas por romeiros, passou a ser procurada também por políticos e
autoridades diversas.

A sua história política tem momentos polêmicos, e, entre eles, estão as histórias
divulgadas sobre sua relação com Lampião, o rei do cangaço.
O que se dizia era que Lampião não atacaria o Ceará, por ser devoto do Padre Cícero
e atendeu prontamente ao convite, que já era endossado por seu santo de devoção.
Ele chegou a Juazeiro, acompanhado de 50 homens, mas, a Coluna Prestes já havia
saído de lá. Mesmo assim, teve o encontro com Padre Cícero, de quem recebeu
conselhos para deixar a vida de bandidagem, comprometendo-se ainda a combater a
Coluna Prestes, recebendo, então, patente de capitão do exército, armas e
fardamento.

O bando deixou Juazeiro satisfeito, sobretudo porque o documento que dava


ao chefe a “patente” de capitão – o que correspondia ao perdão de seus
crimes e a não ocorrência de mais perseguições por parte da polícia – havia
sido assinado a pedido de Padre Cícero pela única autoridade federal em
Juazeiro, um agrônomo do Ministério da Agricultura, Pedro Albuquerque
Uchoa.
Conta-se que chamado mais tarde a Recife, para explicar tamanho absurdo,
o agrônomo teria dito aos seus superiores que, naquelas circunstâncias, e
com o medo que tinha de Lampião, ele teria assinado até a demissão do
presidente Arthur Bernardes. Lampião, contudo, não foi combater a Coluna
Prestes. O cangaceiro, agora definitivamente nomeado Capitão Virgulino
Ferreira, talvez tenha temido a fama de guerreiros dos tenentes, talvez tenha
ficado irritado ao descobrir que a “patente” não tinha valor legal, portanto não
valia nada. Virgulino ainda tentou falar com Padre Cícero, mas este se
recusou a recebê-lo novamente. O patriarca de Juazeiro foi duramente
criticado pela imprensa de Fortaleza, a qual usou o episódio como prova da
proteção que o padre fazia a criminosos. Apesar do acontecido, Lampião
nunca perdeu o respeito nem a admiração que tinha por Padre Cícero
(FARIAS, 1997, p. 34).

Para essa história, existe uma outra versão, a dos fiéis romeiros, devotos de Padre
Cícero:

Lampião teria “ouvido falar” que Padre Cícero precisava de ajuda para
combater os “revoltosos”, e compareceu espontaneamente a Juazeiro.
O padre, pego de surpresa com a presença dos cangaceiros, e sem outras
opções, viu-se obrigado a hospedar Lampião, por temê-lo e para evitar um
confronto do bando com a população.
Padre Cícero encontrou-se então, duas vezes com o rei do cangaço e não
lhe teria dado nem as armas nem a “patente”, porque como prefeito, não tinha
poderes para tanto. Segundo ainda essa versão, foi o secretário de Padre
Cícero, o libanês Benjamin Abraão, que teria sugerido, em tom de
brincadeira, que a “patente” poderia ser dada pelo agrônomo. Vendo o
interesse do cangaceiro, Abraão viu-se obrigado a convencer Pedro Uchoa a
redigir o documento. Também teria sido sua a ideia de confeccionar e dar
fardamentos dos” batalhões patrióticos” aos cangaceiros. Essa versão exime
totalmente tanto o Padre Cícero quanto Floro Bartolomeu de qualquer
responsabilidade na contratação dos serviços do bando de Lampião
(FARIAS, 1997, p. 35).

Várias outras versões existiram, inclusive afirmando que o encontro jamais


acontecera, e esta é uma das muitas histórias sem resposta, que permeia a história
de Padre Cícero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fé no Padre Cícero como santo, começou a partir daquilo que o povo considerou um
milagre, que foi quando, ao dar a comunhão à beata Maria Araújo, a hóstia
transformou-se em sangue.
Essa fé impulsionou e impulsiona o desenvolvimento econômico da cidade de
Juazeiro do Padim Ciço, embora, lá não seja a sua terra natal, tendo em vista ter
nascido em Crato, cidade vizinha, foi em Juazeiro que ele construiu sua vida e sua
história e é lá que continua sendo palco da profissão de fé de fiéis de todos o Brasil.

REFERÊNCIAS
FARIAS, José Aírton. O Encontro de Padre Cícero com Lampião. Ceará em Fotos,
1997.
MENEZES, Fátima & ALENCAR, Generosa. Homens e fatos na história do Juazeiro
- estudo cronológico 1827-1943. Recife/Pe: Editora Universitária UFPE, 1989.
WALKER, Daniel Almeida Marques. O pensamento vivo de Padre Cícero. Edição
Ilustrada; Martin Claret Editores, 1988.

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