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Agradecimentos Muitos foram os parceiros e atores que acompanharam, e tornaram possivel... Madalena Freire, a madrinha, pois foi com quem vivi as primeiras Rodas ¢ Registros e aprendi o caminho de praticar refletindo e teorizar praticando, que tem marcado as minhas atividades profissionais desde entdo. Foi também com ela que tive os exemplos vivos de alianga entre o afeto, a razdo, a forga e a coragem na construgao paciente do sonho. Ivani C. Arantes Fazenda, a madrinha ‘“‘da academia”, pois foi em seu curso de pds-graduacao que encontrei o caminho, os subsidios e a coragem para ousar na dissertagao de mestrado. Presenca preciosa na banca de defesa, levando aquele momento a preciso, o rigor e a simplicidade propria dos grandes. Nympha A. Alvarenga Sipavicius, orientadora do Mestrado, que acreditou e incentivou desde 0 inicio, marcando nossa convivéncia com um clima de con- fianga e simplicidade, tao raros hoje em dia. Maria Felisminda de Rezende e Fusari, presente em trés momentos funda- mentais: na graduagao, no exame de qualificagao e na banca de defesa do mestra- do, deixando sempre as marcas de sua disponibilidade, do questionamento sensi- vel ¢ 0 enriquecimento com novas informagées, sempre preciosas. Celso Gonzalez Lima, amigo e parceiro nos sonhos. Autor do projeto grafi- co da dissertagdo de mestrado que possibilitou a coeréncia entre o contelido e a forma de sua apresentacao, sendo, portanto, co-responsavel pela ousadia. Dedica- ao unica e paciéncia infinita nos interminaveis finais de semana de criagdes no computador, viabilizando o que parecia impossivel. Lidia Lagua de Oliveira, apoio e presenga na luta conjunta pelos espagos da Roda. Parceria que abriu portas (também as internas), aquecendo a esperanca e ensinando que a firmeza e a delicadeza sao aliadas na luta pelo que acreditamos 13 ' ~\ Marisa Moreno, papel fundamental em minha formagao, dando 9 Poin, seguranga e 0 crinho nos anos de maior indefinigdo e dividas. | a Luiz Paulo Kulmann de Mello, amizade forte e rara. Sensibilidade iS preensao na viabilizagao grafica dos desenhos da dissertagao. Ajuda preciosa ~ Jorge e Marta Guiti, amizade forte, marcada pela partilha de uma historia, ja longa, de muita troca. ' Teobaldo Boldarim Neto mostrou novos caminhos e Possibilidades de ser. Incentivo, coragem e carinho. 5 Equipe da Escola CRIE e os alunos das 4" Séries, Principalmente, Jidda Pinheiro de Souza, que anos depois de nosso convivio na escola, j4 cursando a 8.a série, mantinha vivo seu desenho, a paciéncia ea disponibilidade Para, apesar das suas intmeras tarefas escolares, dedicar-se intensamente aos desenhos pri. meira pagina de cada capitulo. Colegas e alunos do CEFAM da EEPG Experimental “Dr. Edmundo de Car- valho”, Zila A. P. Moura e Silva; Stela B. Piconez; Zilpa e Francisco Folco. Minha mae, Aurora, desde cedo, o ritual das estorias antes de dormir, o Pequeno Principe, o Balé. A flauta, os acampamentos, o tricé. Este trabalho é também fruto desta formacao interdisciplinar. Hoje, além de mae e colega de profissdo, também amiga! Meu pai, Claus, modelo de professor com sua visao holistica, criatividade e humanidade. Idealismo e tealizacao. Etemo Mestre e Aprendiz. Também como Paie amigo, presenga constante e Participacao preciosa. Feliz Por ter esse privilégio! Meus irmaos, Paulo, Alice e Marcos, com quem pude Primeiro exercitar a partilha dos espagos, a dificil e rica convivéncia das diferencas, os conflitos eg assim, a construgdo de um vinculo forte de respeito, amizade sincera e encontro. 14 Apresentacao Madalena Freire . Para mim é motivo de alegria e orgulho fazer esta apresentacdo ao livro da Cecilia. Rever, reler a aluna num outro patamar de estruturagdo de seu pensamento Provocou-me um sentimento de “‘avé” que emociona-se com o nascimento do neto. . . Comecei entio a rememorar, com gosto de quem observa o crescimento, 0s momentos cruciais de desequilibrio, crise, que acompanhei do seu processo de reflexdo sobre sua pratica. Do dia em que decidiu fazer dois diarios: um para sua coordenadora, outro para ela mesma, na luta de resguardar seu espaco de pensamento e autonomia. Naquele momento ninguém previa este produto socializado (agora) em livro! Os caminhos do processo de construcdo da reflexdo sao muitos e sé cada um (acompanhado por um educador) faz o seu. E neste sentido que o ato de refletir é libertador — porque instrumentaliza 0 educador (professor, coordena- dor, orientador) no que ele tem de mais vital: seu pensamento. O espago de apropriagao do pensamento, “‘reflexao” da crianga, se da no desenho e na construcao de seus textos escritos. Essa é a sua ligdo, sua tarefa. Tarefa que formaliza, comunica 0 que sabe, pensa, para assim refletir, rever, apro- fundar o que necessita aprender. O espago de apropriacao do pensamento, reflexdo (teoria e estudo da prati- ca) do professor, se da no diario. Registro da reflexao sobre a pratica cotidiana, aplicacao e planejamento de sua agao junto a seus educandos: criangas, adoles- centes ou adultos. Essa é a sua ligdo, sua tarefa. Tarefa que formaliza, comunica o que praticou, para assim pensar, refletir, aprofundar o que sabe e 0 que ainda nao conhece, © que necessita aprender, aprofundar em seu estudo tedrico. O espago de apropriacao do pensamento do orientador (coordenador) se da no diario, com a avaliagao e o planejamento de sua pratica e junto a seus alunos: E ANISIO TEIXEIRA SLIOTECA HELENA ANTIPOFF ‘uaa os professores. Essa € sua ligo, sua tarefa. Tarefa que formaliza, comunica praticou, para assim pensar, refletir, aprofundar o que sabe e€ 0 que ai ° conhece, 0 que necessita aprender, aprofundar em seu estudo teérico, a ato do registro da reflexao, cotidiano, histori Ca E neste sentido que © processo € instrumentaliza para a conquista do produto: apropriagao da teori 712 que fundamenta esta pratica. Somente tendo sua teoria nas mos, o educador (professor, orientad, z lor, coor. denador) questiona, recria outras teorias. Nesta concep¢ao, 0 ato de refletir dar, é um permanente rever-se, reler-se, através do entendimento do Rat fonte constante de conflito, mal estar, desprazer, mas também de muito seen E O processo de reflexdo envolve a todos. Crianga, professor, coor me orientador. Cada um no seu espago diferenciado pensa, reflete e escreve a or, ca. Estuda e faz teoria, onde a reflexio é seu principal instrumento — arma de at al e apropriacao de sua pratica e teoria, ~ na construgao da disciplina intelectu: Por tudo isso, é chegada a hora de re-inventar essa atual estrutura da escol; a. Buscando, criando espacos para a socializagio do pensamento, da reflexao de cada educador (professor, orientador, coordenador): a nossa roda. e ida, Nig 16 Prefacio Ivani Catarina Arantes Fazenda : A Roda e o Registro surge como livro, embora proposto como dissertagdo de mestrado. Trata-se entretanto de uma dissertagfo pouco convencional nos meios | académicos, aquela que antes de ser tese foi livro, antes de ser para a academia foi elaborada para todos os que buscam a compreensio do sentido mais profundo | do ato de educar. Prefaciar este livro/tese ou tese/livro conduz-me, com a alegria propria dos que admiram uma obra de arte, dizer de Cecilia Warschauer, sua autora. Conheci | Cecilia em 18 de outubro 1989, saindo de uma banca de defesa de tese de Célia Haas, uma de minhas orientandas. Lembro-me como se fosse hoje, da interpela- g&o de Cecilia: “Apés varios anos de busca, encontro-me finalmente com uma Proposta de Educa¢%o que me impulsiona a novas Pesquisas e me retira da soli- dao dos meus achados”. Evidentemente, a proposta a que Cecilia se referia € a proposta que se en- Contra presente em cada linha deste trabalho, ou seja, sua propria proposta de vida, que denomino interdisciplinaridade — a solidio teferida, aquela que é par- ticular a todos os que tém na interdisciplinaridade seu propésito de vida profis- sional. A empatia estabelecida naquele momento, ¢ a partir daquela afirmagio tio sincera, conduziu-me a um convite para que Cecilia participasse do grupo de estudos sobre interdisciplinaridade que ha dois anos semanalmente vinha coorde- nando na PUC/SP. Do ingresso de Cecilia no grupo a sua defesa de tese dois anos se passaram. Dois anos que possibilitaram uma profunda troca, um verdadeiro encontro, um exercicio de intersubjetividades, tudo isso culminando no Tegistro e andlise da historia de uma professora comum (2), com seus alunos comuns Q), em escolas comuns — tese ou dissertago de mestrado. Historia comum, que a maestria de Cecilia transformou numa grande produ- ¢40 teatral, de cendrios requintados, guarda-roupa criteriosamente escolhido, tenores, *~. 17 (Tm TR Te eR, de cena perfeito. Abre-se a cortina, € ato possivel de uma musica imaginéria saida do livro de Cecilia. Tal como numa obra de arte, @ historia conduz cada especta- pontuadamente apresentada. E 9 festagao totalizante do simbolo baritonos € coro muito afinados e jogo apés ato 0 leitor aprende a ouvir 0 som dor a rever-se no jogo e na frama que vai sendo apelo ao simbdlico de cada um, através da mani: que levou Cecilia a pensar, a Roda. ‘Roda — muito refletimos sobre esse simbolo que aparece a outros pesquisa- dores da interdisciplinaridade sob formas variadas, porém idéntico na esséncia: caracol, labirinto, bolha, tunel. E dessas reflexes, uma hipétese: por ser a inter- disciplinaridade uma atitude que convida a busca da fotalidade, nela, seu simbolo dala encontrada tdo presente no incons- proprio: a roda, 0 circulo, enfim, a man n : P 0 in ciente dos pesquisadores atuais, quanto nos registros mais antigos das civilizagd- es primeiras. ; Mas: é roda, ¢ mandala, € circulo, é movimento que induz e conduz a pro- dugGo do conhecimento — nao de um conhecimento qualquer, mas daquele que se registra, se elabora, se alicerga, s¢ amplia e se reconstréi. Conhecimento pré- prio do ser humano que existe, sempre, em toda sua vida, tenha ele zero, cinco, dez ou oitenta anos de idade... A proposta de Cecilia, tal como é comum as excelentes proposigoes interdis- ciplinares, nasce da indagagdo, da problematizagao, da diwvida. Nasce do desejo de caminhar na interrogacao e nao esvair-se nela; nasce da contradigao da espera, e da necessidade de ir além. Nasce da ousadia da /uta, da luta entre contrarios, do desejo da aquisigao de identidades. Nasce de projetos pessoais de vida, porém conduz a projetos de trabalho coletivos. Nasce da alegria e permanece nela até o final... ‘Abre-se a cortina, encena-se a obra de Cecilia, seu cotidiano de sala de aula, de pré-escola, primeiro grau, ou qualquer grau ou momento de ensino. A cortina se fecha, em seguida ouvem-se aplausos e, na alegria e na forga desses aplausos, a possibilidade de mil outras obras serem encenadas — aquelas que ja vém sendo gestadas em outras salas de aulas, mas que a impossibjlidade de sistematizagao as impedem de serem conhecidas, e todas as outras mais, que ainda virao, afirmando ou negando a utopia vivida por Cecilia naquele ano, na- quela escola, naquela sala de aula, sincronicamente ocorrida em minha sala de aula da pos-graduagao e em tantas outras salas de aula de professores comprome- tidos, que nesses anos de pesquisa em Educagao a vida tem me levado a com prazer conhecer. 18 Montando o Cendrio (.) Sabemos que 0 homem branco nto compreende nossos costumes. Uma por- gio de terra, para ele, tem o mesmo sig- nificado que qualquer outra, pois é um 1a aquilo de que necessita. A terra ndoé ‘sua irma, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminko. (..) Vocés devem ensinar as suas criangas que osoloa seus pés é a cinza de nossos avds. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com a vida de nosso povo, Ensinem as suas crian- a3 0 que ensinamos ds nossas: que a terra é nossa mile. Tudo 0 que acontecer 4 terra, aconteceré aos filhos da terra. Se as homens cospem no solo, estdo cuspindo em si mes- mos. forasteiro que vem & noite e extrai da ter- Narrador: No.ano de 1854, o presidente das EVA propés a compra das terras indigenas. Eis aqui trechos da carta-resposta. (..) Trata sua mde, a terra, e seu irmdo, 0 céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfei- tes coloridos. Seu apetite devorard a terra deixando somente um deserto. Chefe Seatle (...) Isto sabemos: a terra ndo pertence ao homem; o homem pertence a terra. Isto sabemos: todas as coisas estéo liga- das como o sangue une uma familia, Hé uma ligagdo em tudo. 21 eS A encruzilhada atual da ciéncia Se os homens cospem no solo, esto ccuspindo em si mesmos. Os avangos tecnolégicos tem transformado profundamente a vida humana. As mudangas sao cada vez mais rapidas e profundas. Através dos conhecimentos adquiridos com 0 desenvolvimento de varias reas da ciéncia, o ambito de atua- ¢4o humana aumentou muito. Mas a voracidade com que o homem tem se langado no dominio e explora- go dos recursos naturais tem levado a desequilibrios na natureza € ao rareamento de recursos basicos 4 vida. A polui¢ao do ar e da Agua, a crise energética, 0 desequilibrio ecoldgico, a descaracterizagio da individualidade sao algumas das conseqiiéncias da relagao que temos estabelecido com a natureza: de exploragio para consumo. O fisico francés Michel Batisse, que estuda os problemas de conservagiio da natureza, perguntou: “Compreenderdo os homens de hoje, ainda a tempo, que nao podem romper o cordao umbilical que os prende inexoravelmente a esse mundo natural que estao destruindo, e que se 0 romperem estarao destruindo a si mes- mos? Atendendo aos reclamos das fontes mais sadias de suas diversas culturas, aprenderao eles enfim a viver com a natureza?”.’ Algumas das principais causas dessa situagdo so a fragmentagao do conhe- cimento e a crescente especializacao da ciéncia. Esta fragmentacao do saber com- promete uma visio global da situacio, unica capaz de promover solugdes mais - eficazes para os problemas que enfrentamos. Felizmente, varios campos da ciéncia tém percebido os limites da especiali- zacio e buscam dirigir seus esforgos no sentido de superar os males que a exces- siva compartimentalizagao do saber tem causado. Por exemplo, Santos” diz: “As tecnologias preocupam-se hoje com 0 seu impacto destrutivo nos ecossistemas, 4 medicina verifica que a hiperespecializagao do saber médico transformou o doen- te numa quadricula sem sentido quando, de fato, nunca estamos doentes sendo em 22 geral; a farmécia descobre o lado destrutivo dos medicamentos, tanto mais destru- tivos quanto mais especificos, e procura uma nova légica de combinagao quimica atenta aos equilibrios organicos; 0 direito, que reduziu a complexidade da vida juridica a secura dogmatica, redescobre o mundo filoséfico e sociolégico em bus- ca da prudéncia perdida”, : O sistema educacional nao escapa da fragmentacao do saber, fazendo com que nao apenas o conhecimento s ja atomizado, perdendo suas relacdes dinamicas, mas também o proprio sujeito do conhecimento seja fragmentado, na medida em que Somente alguns aspectos de sua Personalidade sejam considerados e desenvolvidos. A descaracterizagio da personalidade global e individual compactua com a manutengao do status quo, pois com 0 enfraquecimento da individualidade, o Juizo individual toma-se cada vez mais inseguro de si mesmo e a responsabilida- de € coletivizada ao maximo: 0 individuo renuncia a julgar, confiando o julga- mento a uma corporagao. A midia assume um Papel neste processo. Por exemplo, através de anincios Publicitarios que associam a imagem de sucesso e engajamento social ao consu- mo de certos produtos. Produtos estes que, muitas vezes, deterioram o ambiente durante 0 processo de fabricagao ou no momento de serem consumidos. Lembre- mos, por exemplo, dos aerossdis, alguns detergentes ou mesmo produtos alimen- ticios derivados de uma agricultura predatoria. Os aspectos visuais sio também usados pela publicidade como chamariz, incentivando a valorizacao dos aspectos da aparéncia em detrimento dos benefi- cios reais que podem oferecer ao homem em sintonia com o meio ambiente. Da importdncia da educagdo Vocés devem ensinar ds suas crian- gas que o solo a seus pés é a cinza de nossos aves, Tal realidade tem mostrado a necessidade de uma nova atitude. Atitude de respeito, de participacao, de contemplacao, onde homem e natureza sejam parcei- Tos e nao adversarios. A expectativa de uma mudanga de atitude tio profunda nos leva a refletir sobre a formagao do homem. Refletir sobre a educaco das criancas, sobre a educa¢do do educador, sobre a formacao dos cientistas, enfim, sobre a formacio de um ser humano que nao queira mais dominar e se sobressair individualmente, 23 Ys conquistando, a qualquer custo, poder econdmico e politico sobre outros hom, sobre outras nagdes. Mas sim que seja capaz de conviver e participar de um , cesso coletivo € cooperativo, onde os recursos naturais € as diferencas individua, entre os homens e entre os povos sejam aproveitados, sem que sejam extintos, is Enfrentamos entio o desafio de formar homens criativos, Criticos e Conscien tes, capazes de dialogar com pessoas diferentes, enriquecendo-se com a divers; da, de, no sentido de criar solugdes para os problemas atuals, que sdo diferentes a. queles com os quais a ciéncia, antigamente, se preocupava. Problemas de gran i seriedade para a preservacao da vida no planeta. Sabemos que a educagSo nao ocorre somente na escola, pois outras insténciag educacionais, tais como a familia, a comunidade, os grupos sociais etc., tém Papel significativo, Também a midia deve ser considerada na formacao dos individuos. Porém, como a escola é a instancia erigida pela sociedade para a educacag . instrugao das novas geragdes, passaremos 4 privilegid-la como objeto de Nossa reflexdo e estudo. Cabe, entao, perguntarmos: sera que a escola tem sido eficiente no cumprimento de seu papel? O sistema educacional, tal como esta estruturado, tem contribuido para formar homens com uma visio ampla? Homens criativos) Mais conscientes da situaco em que vivemos? Engaj ados, patticipativos e capa. zes de cooperar uns com os outros? Uma das criticas feitas ao ensino escolar é a de nao considerar o desenvolvi- mento global do individuo, dando menor relevancia (ou quase nenhuma) aos as- pectos afetivos, relacionais e éticos, priorizando a quantidade das informagées transmitidas e o desenvolvimento racional, logico e objetivo. Outra critica éa fragmentagao do conhecimento desde os primeiros anos de escolaridade e que prossegue durante o processo de aprendizado de forma crescente, culminando na profissionalizag&o cada vez mais especializada. Vivemos numa época de transigdo e de revolugo cientifica, onde as balizas da ciéncia moderna tém sido revistas, Esta sendo dificil, senao impossivel, visua- lizar projetos concretos de investigagao, no sentido de reverter o circulo vicioso que vivemos. Mas cabe a cada um, dentro de seu campo de atuagiio, assumir os riscos de lancar-se no novo, seguindo as poucas luzes que conseguimos enxergar para tentat, pelo menos, uma participagao no esforgo conjunto que a época requer. No que se refere 4 educagiio escolar, em que diregio poderiamos encaminhat nossas pesquisas para contribuir para a formag&o de ser humano mais integrado interiormente e participante socialmente? Mais criativo e dotado de uma visio mais global das necessidades da humanidade? Para poder vislumbrar algumas possibilidades neste caminho, vamos proc’ rar entender a génese das prerrogativas cientificas, que tam dado 0 colorido (ou # 24 Entendia-se que nas “condig6es iniciais” reinava a complicaco e 0 aciden- te, de forma que seria necessario Operar sua transformagao em parcelas simples Para ser possivel observar e medir com rigor. Apoés esta divisio seria Possivel encontrar as “leis da natureza”, reino da regularidade e da simplicidade. Mas, como lembra Boaventura de S, Santos, esta distingZo entre CondigSes iniciais e leis da natureza nada tem de “natural” A idéia do mundo regido por meio de leis fisicas e matematicas, cognoscivel apenas através de sua decomposigaio nos elementos que o constituem, transformou-se na grande hipotese universal da cién- cia moderna: o mecanicismo, A visio de mundo como um mecanismo foi conveniente a ascendente bur- Suesia, que ansiava dominar a Sociedade atrav és de leis, da mesma forma que 0" homem pretendia dominar a natureza. As ciéncias sociais nasceram, portanto, do mesmo paradigma das ciéncias Naturais, aquele que considera a8 Separacdes ho- mem-natureza e sujeito-objeto, 25 > ; i apont . Boaventura de S. Santos descreve a cris deste rae aaa aina, dequagao de suas principais teses com relagdo as caracteris” Poel 98 tem. ossivel a reconstituigao 10 todo a partir da pos. Para a ciéncia pés-moderna é imp er ; somatéria de suas partes. Além disso, 0 sujeito interfere no objeto observado, j modelo cartesiano. Mas o que comprometendo o rigor absoluto proclamado pelo fidade integrativa e pasticip's esta por tras desta revolugao paradigmatica ¢ 4 qua’ a wre compreenstod ‘pati. va do homem em relagdo a natureza, que passa @ Pre on oe es = Tiki do asua manipulagao. pp, thle & mao CRE Algumas luzes em busca da parceria ada ciéncia pos-moderna, que entendemos Uma das principais teses da cham y 5 ; levantadas neste trabalho, € a de que todo de grande importancia para as questdes conhecimento é local e total. a . . ce O conhecimento é total porque reconstitui os projetos cognitivos locais, sa- lientando a sua exemplaridade. As teorias € conceitos desenvolvidos localmente podem emigrar para outros lugares cognitivos, podendo ser utilizados fora de seu contexto de origem. Esta “‘generalizagao” ocorre através da qualidade e da exem- plaridade. Por esta via, 0 conhecimento, nascido em experiéncias particulares, localmente, amplia-se e transforma-se em pensamento total ilustrado. Entendo —2 que o “estudo de caso” é uma das modalidades de pesquisa que pode promover a ampliagdo do conhecimento nascido localmente. A fragmentagao pés-modema nao é disciplinar, mas tematica. A partir dos temas nascidos como projetos de vida local, o conhecimento se amplia 4 medida que o seu objeto se amplia, “‘ampliagao que, como a da arvore, procede pela diferenciagao e pelo alastramento das raizes em busca de novas e mais variadas interfaces”. Tais colocagdes mostram as diferengas profundas que separam esta nova vi- sio do conhecimento daquela em que se baseia toda a ciéncia moderna, principal- mente no que se refere a clara e rigida defini¢ao do objeto do conhecimento. Obviamente, também no que se refere aos procedimentos metodoldgicos, encontraremos grandes diferengas. Por exemplo, enquanto a logica é a responsa- vel pela organizacao e generaliza¢io no modelo cartesiano, a ciéncia do paradig- ma emergente utiliza muito a analogia. Maffesoli (1988) também atribui a analo- gia uma alternativa ao tratamento demasiadamente técnico e rigido da ciéncia moderna. A analogia, segundo o autor, possibilita aglutinar e ligar situagdes apa- rentemente dispersas, processo semelhante ao das “‘colagens” e outras praticas artisticas. O vinculo analdgico se faz através da comparacao e serve como ligaya0 ay oe 26 ee eee, i i elo entre varias faces de uma representacdo global. Nao ignora diferengas mas, P' contrario, este procedimento € capaz de integré-las. Portanto, ao invés de buscar regularidades e homogen digma emergente aponta a riqueza existente no particular, n¢ alco propi processos e relagdes. Por isso, o cotidiano tem sido entendido como um Pp cio para pesquisas. : i A analogia é adequada ao paradigma emergente por sua capacidade integra” dora. Aqui, as antigas dicotomias homem e natureza, sujeito € objeto, ciéncia € arte perdem terreno frente a uma nova visdo do conhecimento, que requer coope- ragao entre as diferentes areas da ciéncia num esforgo interdisciplinar. Podemos lembrar que os mais recentes estudos da fisica das particulas tém se aproximado dos estudos da psicologia junguiana. O fisico Fritjof Capra salien- ta que “Jung também usou conceitos supreendentemente semelhantes aos que 0s fisicos contemporaneos empregam nas descrigdes dos fendmenos subatémicos, em suas tentativas de descrever o inconsciente coletivo”.° Esta aproximagao entre as pesquisas nos ramos da fisica_e da psicologia tem mostrado, por exemplo, a interdependéncia entre consciéncia e matéria, de forma a aproximar a realidade exterior e a realidade interior, ou seja, a consciéncia humana. Segundo estas pes- quisas, a aproximagio entre consciéncia e matéria nao ocorre conforme o principio da causalidade, mas pode ser explicada a partir da idéia de sincronicidade de Jung. Também a aproximacao entre ciéncia e arte tem sido tema freqiiente entre as recentes publicagdes em diferentes campos do conhecimento. Por exemplo, 0 psi- canalista Walter Trinca’ entende que “ciéncia e arte constroem uma visao repre- sentativa do universo, e os varios campos tendem a se integrar. A psicanilise, que, com meétodos proprios, participa tanto da ciéncia como da arte, tem muito a ofere- cer e, a0 mesmo tempo, a aprender de todas as suas coirmas mais velhas”’.* Este mesmo pesquisador remete-se a arte como uma das formas de reencontro da har- monia do homem com a natureza e consigo proprio. Para ele, a arte é um verda- deiro reencontro na medida em que ela corporifica uma relagdo entre o homem e os valores sagrados da existéncia, da natureza e do cosmo, retornando, assim, a harmonia perdida em termos de beleza, amor e verdade. . Outra caracteristica da ciéncia pds-moderna, salientada pelo Prof. Boaventu- ra S. Santos, é que todo conhecimento é autoconhecimento, Esta tese justifica-se Zg na medida em que homem e natureza, sujeito e objeto integram-se numa mesma’ totalidade. Sao cumplices, parceiros. Conhecer seria entio conhecer(se) na parce- tia. Isto nao significa desprezar 0 conhecimento que produz tecnologia, mas, pelo contrario, aproveita-lo com sabedoria, sem provocar desequilibrios ecoldgicos ou criar novas doengas que antes nao existiam, pois ficou evidente que destruir a eidades, a ciéncia do para- 1 diferente, no atipico, nos o~ ISE ANISIO TE BE TX2TR A BIBLIOTECA HELENA ANTIFOS? 27 A : ncepcao humanistica das ciéncias natureza € destruir o proprio homem. Uma CO! aoa do conhecimento. Mas, ao coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito, no oe io humanisti contrario da tradigo do pensamento lane sapewe ae : coloca o que designamos hoje por natureza no cent fo armos na formag&o do of partir destas reflexées, retomo a urgéncia ce Lee : devolva a integridade homem, em sua (auto)educagéo. Uma educagdo que oe ponto do trabalho como sujeito respeitando a integridade do nn . ies as das instal volto a direcionar o enfoque das reflexdes para @ ¢sco = ae atuais. Procurarej ges de maior influéncia na formagao do eee ae e possibilidades para verificar algumas de suas caracteristicas enquan| 10 ho uma ees mais adequada as novas necessidades que sé colocam a mem no mundo. A organizagao do trabalho escolar O processo de divisao entre trabalho e lazer, pensamento € ait - arte, vivido em nossa sociedade, ¢ reproduzido pela escola. E comega cada vez mais cedo, Nas duas titimas décadas, o tecnicismo tomou-se a tendéncia pedagogica pre- dominante, marcando a organizagdo escolar e a pratica dos agentes pedagdgicos. : A fragmentagéo do conhecimento em 4reas cada vez mais especificas foi acompanhada, na escola, pela entrada dos especialistas. Também assistimos a di- visdo dos espagos e tempos de forma que cada atividade didatica tem seu momen- to elocal proprios para ser realizada. © cm (ret ey , ' Estas caracteristicas do trabalho escolar tém contribuido para sua maior des- Personalizagao, assim como incentivado uma programagao burocratica e repetiti- va da pratica em quase todos os niveis do cenario educacional. O utilitarismo, que acompanha a revolugao tecnicista, faz com que a pessoa Passe a ser definida pela sua produgao: a identidade é engolida pela funcao. Ru- bem Alves diz: “Com esta revolugio instalou-se a possibilidade de se gerenciar e administrar a personalidade, pois que aquilo que se faz e se produz, a Sungao, é passivel de medicao e controle, de racionalizagao. A pessoa praticamente desapa- Tece, reduzindo-se a um ponto imaginario em que varias funcdes so amarradas”? Assim, o educador-pessoa praticamente desaparece e transforma-se, num Suncio- nario da instituigdo, Esta “‘disciplinarizagio” que se vé, desde cedo, desesti de criativa, Nao é a toa que expressiva, tende a desaparec do trabalho Pedagogico afeta diretamente o aluno imulado a fazer uso de sua voz, de sua potencialida- ° desenho das criangas, uma linguagem tio viva e er apos Os primeiros anos de escolaridade. 6 - ute A ) } 28 us ™~ —=~, 8 Ned ag rd Gt Ce eee ee Ana Angélica’ diz que o desaparecimento do desenho nao est relacionado apenas a0 amadurecimento, mas a forma como a crianca é alfabetizada: “O que tenho observado no inicio da alfabetizacio, quando pressionada no tempo e pela mecénica que faz repetir formas sempre iguais, é que a crianga rompe com 0 seu desenho. Acontece realmente uma quebra, um corte e a crianga para de desenhar, estacionando nesta fase”. _A escola como preparacao para o futuro exclui o presente, roubando da cnianga sua propria linguagem plastica e lidica. A arte é separada da vida, deixan- do de ser manifestacao de vida. O espaco de criagdo fica reservado ao artista, de a atts . _ . forma que “o homem comum perde a possibilidade de criar suas proprias mani- festagdes e passa a consumir a manifestacao alheia”,"" Encontramos na origem da palavra desenho, seu compromisso com a palavra } designio, de forma que o ato de desenhar é também manifestagao de inten¢io, )- plano e projeto. No século XVII a palavra desenho chegou a ser usada no sentido) =. de ‘“‘desenhar no pensamento, formar uma idéia”.”? De acordo com esta visio, uma atrofia do desenho significaria uma atrofia na capacidade de influirem nosso | ~~ viver, através da exposigao das préprias idéias, do proprio projeto. : Através do desenho a crianga vive um ver-se e rever-se. Ao lancar-se no desenho, projeta-se buscando seu préprio projeto de ser. “Existe neste projetar-se ~ um movimento de dentro para fora e de fora para dentro. A crianca, mesmo sem ter uma compreensdo intelectual do processo, esté modificando e sendo modifica- da pelo desenhar.””” Falamos anteriormente sobre a urgéncia do autoconhecimento como forma de repropor uma relagdo com os outros homens, com a natureza. As atividades expressivas ¢ lidicas sao oportunidades de se exercitar este autoconhecimento. Também através do jogo, a crianga conhece a si propria, exercitando o relacionamento com 0 outro, pois entra em contato com as diferencas entre os parceiros, intermedia- dos pelas regras. Assim, constr6i alteridades e a propria individualidade. Como o conhecimento de si e a expressao das proprias idéias e pensamentos _ ocorrem através do exercicio da palavra, dos gestos, jogos e desenhos, devemos _ nos perguntar: Que espaco-tempo ha na escola para estas atividades? Lembremos que a organizagao do trabalho escolar reserva, geralmente, ape- nas cinglienta minutos para a aula de artes, uma vez por semana! “‘As atividades ludicas ocorrem em dias e horarios determinados, em que as criancas ‘fazem o que querem’ com hora marcada ou quando a professora falta e as estagiarias nao sabem o que fazer.”"* Além desses, ocorrem fora da sala de aula, no recreio, até que toque a sineta e recomece a “‘realidade do dever”’. Esta distribuig&o dos tem- 29 ll 5 ja é, em si, uma das testemunhas do pouco espago que é reservado : expres- = individual e criativa na escola. Com a separagao de tempos ¢ magao do cotidiano escolar, opera a seus projetos e de sua expressao indivi val. veccres que também aban O mesmo ocorre com a grande maiona dos professores qi _ u seu desenho na infancia, prejudicando assim a expressao de seus desejos ¢ nol espagos, a padronizacdo € a excessiva progra~ se também a desapropriagao do homem de jetos individuais. 7 PI aalicn propde como um aspecto da formagao dos professores arecu- perago deste canal de expresso, pois exercitar 0 proprio desenho seria uma ossibilidade de compreender € permitir ° desenho-desejo dos alunos. Concordo i esta autora quanto 4 riqueza da utilizagao pelo professor de sua expressio plastica em complementacao a verbal (oral ¢ escrita). Actedito que um professor ¢ que torna sujeito de sua pratica tera mais condigées-de luta pelos proprios sonhos € sé . me S al circulo vicioso de Sten propiciar a mesma procura @ seus alunos, escapando do cit o FE a u enol Caw + ven DEA AKO Aventurar-se no cotidiano escolar como possibilidade de buscar novos rumos Felizmente, a alienacdo do sujeito, através da desapropriacao de sua palavra, nao cocupa todos os espacos da escola. A programagao e homogeneidade que estruturam seus paradigmas nao impedem a luta resistente por uma transformagao. E possivel fazer outra leitura da escola através do caminho aberto pela nogio de vida cotidiana. Observa-la a partir do corte do cotidiano é buscar seus aspectos hetero- géneos, geralmente nao documentados. E descobrir que a escola nao é somente conti- nuidade, mas também palco de resisténcia. Espaco de ruptura. . A escola é um mundo de contrastes, habitado por outras historias além da documentada. Neste mesmo cenario coexistem miltiplas realidades concretas, que os varios sujeitos podem identificar e viver como “escola”, compreendendo que ela é objetivamente distinta de acordo com o lugar em que é vivenciada.’* As atividades heterogéneas que caracterizam 0 cotidiano escolar sio em- preendidas e articuladas por sujeitos individuais (professores, alunos, diretores etc.) que levam para a escola praticas e saberes que provém de outros ambitos, Pertencentes a sua hist6ria de vida, ao mesmo tempo que excluem elementos do dominio escolar. Vendo por este prisma, torna-se mais prudente a referéncia a uma escola especifica, fruto de cruzamentos e Tupturas provenientes de sujeitos ™~ 30 €specificos, que ndo sao apenas reprodutores, mas também participantes do pro- Cesso de construgao daquela escola. Cada escola, ent&o, é construida diariamente pela interagdo de seus agentes, cada um portador de uma historia de vida. Estes sujeitos se apropriam de formas diferentes das coisas, dos conhecimentos, das regras institucionais. Enquanto al- guns se apropriam das normas vigentes e dao existéncia efetiva as sangdes e mecanismos de controle, obedecendo 4 rigidez dos espagos e tempos reservados a atividades predeterminadas, outros Conseguem abrir espaco para a expressdo indi- vidual e Se apropriam das regras do jogo que forem necessarias 4 sua sobrevivén- cia na escola, sem que isso impega seu trabalho criativo. Podem até burlar aquelas \ n Totinas e normas em ue nao acreditam, criando uma forma propria de atuar, estabelecendo, em seu proximo circula de relagdes e influéncias, uma pratica al- ternativa.E a Situagao, por exemplo, de um professor que, ao fechar “porta de ' sua sala de aula, cria rotinas proprias que mais se aproximem de suas crengas e das necessidades de seus alunos, Existe, portanto, espaco Para a criac&o na escola, espaco de luta por uma educago humanista. Espago, porém, que precisa ser construido mediante agao comprometida. Espaco 2 a ser conquistado.c.— , O professor em sala de aula nao € o unico foco possivel de resisténcia e luta. Ao lado de professores que trabalham neste sentido, ha também iniciativas de outros agentes pedagdgicos, como diretores ou orientadores. Mas, geralmente, estas experiéncias nao fazem parte da “histéria oficial” documentada. Porém, com as mudangas nos paradigmas cientificos estas historias “marginais” come- gam a ser registradas em trabalhos académicos.'* . Repensando os espagos e tempos na sala de aula Registrar 0 néo-documentado passa a ser de grande interesse para a com- ~ preensdo da complexidade da escola. Da mesma forma, uma unica sala de aula } também é um mundo complexo, cheio de contrastes. Penetrar em seu interior, registrando sua(s) hist6ria(s) é também caminhar no sentido de um aprofundamento da compreensao das relagdes ali estabelecidas entre seus habitantes e o conhecimento. A organizagao de seus espagos e tempos obedece a uma certa logica, que corresponde ao compromisso que se estabelece ali com o conhecimento. | Como diz Madalena Freire,"’ 0 espago é um retrato da telagio pedagogicac— \ porque registra, concretamente, através de sua arrumacio (dos moveis...) e orga- | nizagao (dos materiais...) a maneira como esta relagao € vivida. Ele pode contar as | inumeras experiéncias vividas dentro da sala de aula, mas somente o fara se suas 31 * (alienadamente) pelo professor com as paredes nao estiverem nuas ou decoradas figuras da Monica ou do Pato Donald. eas marcas de conhecimento dei. Observar a sala de aula quanto as rotinas artazes fei lo profe é xadas nas paredes pelos trabalhos dos alunos ou cartazes feitos pelo protessor ¢ Pz ado ali vivido. ee eee orm face Nao ha conteido sem forma, nem De fato, forma ¢ Cok io ha pratica pedagogica neutra, porque tam. eee eee misso, sem contetido. Existe contetdo sem. é i Ol » bém nao existe educagéo sem comp! pre, mesmo que de forma nao muito clara. so de educagdo, é atuar sobre os Ser sujeito do conhecimento, nesta ne ar en secfementea Te espagos e tempos, recriando @ round. Doe e sentimentos, construitido tos e repetidos ano a ano. Significa expor pensamentos meee deixan fen um didlogo entre os programas e 0S significados. Ser suj z g) cee as ~ marcas, seus desenhos, sua historia registrada, retrato do processo . & cons~ Y ir diac fe seu projeto. = Sane contrit o conhecimento implica em abrir espago) na sala de aula para a recriagao. A criatividade aparece como fator decisivo, ocupan- do nao apenas o espago da sala de artes, mas todos os cantos da escola. Isto nao significa abolir a “aula de artes”, mas transformar também as outras “‘au- las” em momentos de expresso individual e coletiva das relagdes do mundo e com o mundo. Por que nao permitir que a crianga aprenda os contetidos através da poesia da matematica, da poesia da geografia, da poesia da linguagem? A escola deve abrir espago para a capacidade da crianga de viver poetica- mente o conhecimento do mundo. Sendo a arte um discurso incontrolavel, ela inquieta e repropde. Mas ‘também ameaga uma estrutura baseada em. — disciplinar 0 conhecimento. Junto a recriago, abre-se também espago para a recreacdo, pois o carater ladico acompanha o ato criativo. Viver o lidico na sala de aula significa abrir espago para o prazer, considerando a educagéo como vida presente, sendo esta a melhor forma para se “‘preparar para o futuro”. “A criatividade nas diversas areas do conhecimento recheia a experiéncia escolar de prazer, ampliando e aprofundando o sentido da vida. O ‘jogo do saber’, praticado com caracteristicas lidicas, é uma alternativa para a denincia da reali- ‘ dade tal como se apresenta, e, assim sendo, a sala de aula, longe de ser espago de alienagao, poderia ser encarado como um dos espacos de resisténcia.’”"* Por outro lado, viver o lidico na sala de aula significa também desvelar as regras do jogo da escola”. As atividades escolares sao, em grande parte, regula- ~\ 4 : Seay t f Rah oi s particl das por quem esta ‘‘de fora”, de modo que as regras sao impostas aos P: Jo é rl o poder que _~— pantes. Além disso, freqiientemente nao € 0 conhecimento mas 0 Pp Z “esta em jogo” i: ei ences ms jogo nao significa nao aceitar regras, nem abolir Programas ta bém nao significa indisciplina, muito pelo contrario. O verdadeiro j a eee dem. Uma ordem muito mais eficaz porque aceita pelo grupo e elaborada si tamente. Trata-se de reconstruir, nao de abolir. Uma atitude que requer ae . € coragem, pois jogar significa correr riscos, colocar-se em jogo. Um jogo 0 om poder absoluto do professor é questionado, pois professor e alunos torna! Parceiros no jogo de construir conhecimentos. 7 . Outra forma através da qual se Tompem as barreiras espaciais e temporais, que cerceiam os contetidos e as pessoas, € 0 potencial de contagio que uma expe- riéncia criativa e participativa tem. Falar de si, do proprio projeto, ouvir o outro sobre seus desejos, seus projetos é estabelecer um dialogo sem fim. Um convite permanente que nao aceita formalismos, capaz de invocar os desejos e os projetos esquecidos pelos “‘funcionarios das instituigdes’’, despertando o educador neles adormecido. ( Sobre a aprendizagem significativa, o 70 ie, Bt dels A criatividade nao é uma questio de métodos‘ Nao & também apenas um dom natural. Rollo May refere-se ao ato criativo como o resultado da tensao entre a espontaneidade e as limitagdes: “A luta contra os limites é na realidade a fonte do produto criativo. Os limites sao tio necessarios quanto as margens dos rios, sem as quais a agua se dispersaria na terra e nao haveria rio — isto €, 0 rio go resultado da tensdo entre a agua corrente e as margens. A arte também exige um limite, fator necessario para o seu nascimento”.” \ Um dos limites que professor encontra ao Pretender trabalhar os contetidos de forma significativa e criativa é a programagao curricular estabelecida pela es cola ou pelos érgdos normativos do sistema educacional. Mas a exigéncia formal le aula nao é, necessariamente, impe- trario, os contetidos podem ser enca- lens&o necessaria ao ato criativo, dos contetidos a serem trabalhados em sala di ditivo da criatividade do professor. Pelo cont rados como as margens do rio que geram a t ~ Devemos lembrar, inclusive, de alguns ccc : i onificati i fala” da n : . de uma aprendizagem significativa, Byington nos le e083, oe ums ee at dimensao simbolica, Poi 08 dente siveis pela ligagdo da parte com 0 todo e assim 0 saber in retengao da aprendiza Também Jo&o-Francisco Duarte Jr. salienta aid or eta agem, em nivel humano, se da em termos de Sea et lees ae ie uma memoria de significados, que retém apenas aqui orques ret Nossa i i ino calcado sobre a memorizagao mecanica tende a nag vida. Por isso, um See es ; Ff : ; ae ak, eatats como algo importante nao é retido em nossa me. moria de significados. E-nos insignificante. : A tensao entre as margens do rio e a agua coments representa © grande desafio do professor: trabalhar os contetidos necessarios para ampliacao da cons, ciéncia e agao dos alunos, cultivando a dimens&o simbdlica (individual e coleti- va), ou seja, “‘perseguindo”’ os SIGNIFICADOS. : Trata-se, pois, de se construir os contetidos junto com os alunos e nfo apenas para os alunos. Nao é 0 caso de se estabelecer uma oposi¢io mas, antes, uma articulagao, de modo que os contetidos basicos sejam desenvolvidos juntamente com a criatividade, as emogées, 0 lidico e os significados. E, para esta articula- Gao, a reflexdo do professor é um instrumento importante. n i} custo oO C ok ie 4 C) VINER ‘ Da reflexao do professor” 40 #4 £ phy wit) Como requisitos basicos, o professor deve ter (ou buscar) alguns conheci- \ mentos. Precisa ter certo dominio das areas do conhecimento, constantes nos guias curriculares, relativos 4 série com que trabalha. Precisa conhecer seus alu- nos: como brincam, sobre o que conversam, como sao suas vidas. Precisa também ter algum conhecimento de como a crianga aprende, isto é, como se processa a aprendizagem. Neste aspecto, a psicologia pode oferecer subsidios. A necessidade desses conhecimentos nao implica que o professor s6 estar apto para lecionar quando adquiri-los. Pelo contrario, sio “matérias” da educagao j permanente do educador, que prossegue durante toda sua atividade docente. A busca desses conhecimentos, juntamente com a reflexiio sistematica sobre a propria pratica, ajuda o professor a (re)construir os contetidos do programa de forma \ * “A partir da dissoci mente-corpo, o Ocidente j i i arama, snr! ae on on pppnocann rana peeing isto tudo & que a propria cultura se defe issocii aa i Re et que a propr se defende desta dissociago e nio se preocup = ssa parte enorme do que thes foi ensinado, apesar de tantos forgos pot ‘nos fio". In Byington, Carlos, Dimens3es simbélicas da personalidade.p.24. PSS 34 Significativa com seus alunos, Acredito que essa disciplina intelectual constitua um dos caminhos da auto-educagao do educador. Em que consiste esta reflexdo? Consiste num re-pensar a ago pedagégica, num momento posterior a ela. Neste momento, o professor toma uma distancia de ~Seus atos e da realidade da sala de aula, de forma a distinguir-se do vivido para olha-lo de uma forma particular. Pierre Furter diz que “esta distancia é necessaria, se se pretende dar uma signifi- we Cagao as proprias agdes, isto é, medir as agées € as conseqiiéncias dos proprios atos: > coloca-los em totalidades maiores; orientar-se neles” ” Este ésforgo de coeréncia e luci- dez abre o horizonte da agao, permitindo sentir melhor seus limites e possibilidades. A teflexdo nao é uma Condig&o da acao, pois é possivel agir sem refletir.<— Para agir, so pensamos no que fazemos no momento. Ja a reflexdo é um pensa- mento em segundo grau, pois o homem Te-pensa o que fez. Assim, o professor toma Consciéncia das relacdes entre o que pensa e o que “faz, entre suas intencdes e Tealizagdes, aproximando teoria e pratica pedagégica. E um movimento dialético, pois toma a pratica pedagogica como sua matéria e devolve a pratica uma agao pedagogica mais lucida, coerente e justa. E um pensar na _agGo, que possibilita ao professor articular os objetivos mais gerais da educa- ¢4o escolar e a realidade concreta de seus alunos. A distancia do vivido permite mudar a propria aco. Nao significa alienar-se, mas antes, tornar-se sujeito do que faz, Um sujeito que exerce a constante critica de Sua atuagao, levando em conta a origem e as Conseqiiéncias das préprias atividades. A reflexdo é “um esforgo de autocritica, que permite desfazer-se tanto das dividas quanto das falsas justificativas e Tepresentagdes. E, ainda, criativo — porque da seguran- gana escolha das opgdes e; Conseqiientemente, maiores possibilidades de Tealizagdes”.* A autocritica é um duvidar da certeza incondicional de suas pressuposigdes para compara-las, de modo cuidadoso e penetrante, com os fatos objetivos. Por isso, o esforgo de autocritica ajuda na aquisig&o de objetividade e da consciéncia das proprias responsabilidades. A reflexao fortalece a individualidade e orienta a agao do professor em senti- do inverso 4 padronizacao sugerida nos guias curriculares, sendo também instru- mento de autoconhecimento. V Da importancia do autoconhecimento Como vimos no inicio deste capitulo, o autoconhecimento é muito importan- te na formacao do homem. E importante, portanto, como objetivo na educagio das criangas e na educa¢io do educador. / 35 —————————— a _—_—rl—es—éte h i inho para a integragao da psiqu - rere eer ae homens. Esta ines necessira para possibiie monscientes, que também fazem parte da psique, sejam propde que 0S con't existéncia do inconsciente ser ha muito tempo conhecida ¢ consider eee agindo como se possuissemos apenas 0 lado consciente. ere ‘ 2 eae despreza os dados irracionais, inconscientes, considerando q obj ciate auclada aquilo que pode ser medido por parametros conhecidos e ia A psique individual € entendida como um fenémeno ocasional, destitui. ers v objetividade”. No entanto, “‘o inconsciente € objetivo na medida em sae manifesta sobretudo na forma de sentimento, fantasias, emogées, impulsos ¢ sonhos resistentes que nfo sio produzidos intencionalmente, mas nos surpreen- dem de maneira objetiva”.” A valorizagao dos contetidos do inconsciente, como parte ease oe Psi que humana, é de grande importancia para a integragao entre sentimento ¢ intelec- to, entre o que se faz € 0 que se pensa, de forma a contribuir para uma a¢ao mais coerente, fruto da aproximagao entre teoria e pratica de vida. ae Considerar que 0 homem é somente aquilo que sua consciéncia conhece de si mesmo € uma forma de eximi-lo da responsabilidade de muitos de seus atos, pois nem todos provém de sua intencionalidade consciente. Muitas vezes agimos motivados por dinamicas inconscientes. i: Esta negligéncia dos conteddos inconscientes pode levar a sua proje¢ao nos outros. E muito comum, por exemplo, a acusagao da responsabilidade alheia pelo desconhecimento dos proprios impulsos inconscientes. Quantas vezes nao assisti- mos a acusagées do autoritarismo do outro de forma também autoritaria? Por exemplo, uma iniciativa de intervencdo numa escola onde o autoritarismo dos professores foi denunciado através da divulgacao de um relatorio de suas atitudes. Um relatério que enfatizava a desconsideracao do universo dos alunos, de seus processos de aprendizagem, salientando os erros e nunca os acertos. O que poderiamos dizer deste pesquisador em relag&o ao universo daqueles professores? E em relac&o ao processo de formagao docente? E em relagao aos aspectos positivos da pratica dos professores? Poderiamos perguntar em que me- dida o proprio autoritarismo deste pesquisador nao estaria influindo na sua “leitu- ra” da pratica dos professores. Que tipo de educacao podemos oferecer (as crian- gas e aos Professores) se nao conhecemos nosso préprio autoritarismo? Portantes para aquele que conhece, demanda agir desta Projego ¢ aqui entendida como uma operagio sentiments ou dessos qu ele desdeba ou coe era ual o individuo expulsa de si ¢ localiza no outro qualidades, ~— eh, 36 po" le forma. Nao importa se © sujeito do conhecimento é aluno da escola primana, secundaria ou um professor. Apesar do professor ter terminado seu “curso de formagao”, esta nao termina nunca, e ele continuara aprendendo sempre. Apren- der € um processo continuo. O cenario da aprendizagem pode ser qualquer um, — pois aprender faz parte da vida. E necessério, entdo, coeréncia entre o pensar_e o agit. Coeréncia adquirida, em grande parte, através da reflexdo e da considerago de que aquilo que vemos na realidade exterior pode ser um reflexo de nosso mundo interior, uma proje¢ao de contetdos inconscientes. “‘A falta de compreensdo gerada pelas projecdes compromete justamente o amor pelos outros homens. Sendo assim, o mais alto interesse da sociedade livre deveria ser a questo das relagdes humanas, do ponto de vista da compreensao psicolégica, uma vez que sua conexdo propria e sua forga nela repousam.””* A coeréncia interna entre o pensar e o agir deveria ser buscada por todos, independentemente do status da pessoa, do poder que sua fungao social Ihe confe- re. E uma postura que considera os limites da racionalidade humana e que abdica_ do controle e do dominio da natureza, incluindo a natureza complexa da psique humana. Abdica em nome de sua integracdo. E uma postura de vida que parte da -_ ~humildade e do respeito as diferencas individuais e caminha em diregao a partici- ~ pa¢do num projeto coletivo. 7 Assim sendo, educar pressupde auto-educagao, isto 6, implica em autoco- nhecimento, em assumir responsabilidades. Significa comprometer-se. No entanto, esta concepga4o de educac&o demanda uma op¢io, pois, como vimos, é possivel agir sem refletir. E possivel e, talvez mais cémodo, ser coniven- te com a “‘educagdo bancaria” a que se refere Paulo Freire, pois educar, no senti- do exposto, pressupde coragem e ousadia. Notas 1, Batisse, Michel, “Uma nova alianga”, Correio (UNESCO), Rio de Janeiro, 8 (10:5), 1980, Apud Trinca, Walter, A arte interior do psicanalista, pp. 91-2. 2. Santos, Boaventura S., “Um discurso sobre as ciéncias na transi¢do para uma ciéncia pés-mo- derma”, Estudos Avangados, n° 2, vol. 2, p. 64. 3. Santos, Boaventura S., op. cit., p. 49. 4. Idem, ibid, p. 50. 5. Idem, ibid., p. 65. 6. Capra, Fritjof, O ponto de mutagdo, p. 353. 7. Walter Trinca, além de psicanalista, ¢ professor titular pelo Instituto de Psicologia da USP, onde, atualmente, realiza pesquisas, orienta teses ¢ ministra disciplinas em nivel de pés-graduagao. 37 ea 8, Trinca, Walter, op. cit., p. 105. : a bem, Conversas com quem gosta de ensinar, p. 14. a aes ‘Ana Angélica A., O espago do desenho: a educagiio do educador, p. 70. LL. Idem, ibid., p. 54. 12, Astigas, Vilanova, “O desenho 13, Moreira, Ana Angélica A., op. cit., p. 20. 14. Marcelino, Nelson C., “A sala de aula como espago para 0 ‘jogo do saber’ (org), Sala de aula — que espaco eesse?,p.60. 15, Ezpeleta, Justa e Rockwell, Elsie, Pesquisa participante, p. 22. : 16. Cito alguns trabalhos com este enfoque realizados no Programa de Pés-Graduagao da Puc. Sp: Haas, Célia M., Retire-se 0 muro da escola ...uma experiéncia interdisciplinar com menorey carentes, dissertagao de mestrado, PUC-SP, 1989. Beraldi, Mercedez A., A légica que preside » trabalho do professor nas séries iniciais do 1° grau, dissertagao de mestrado, PUC-SP, 199 Pefta, Maria del Dolores J., Didatica critica: caminhos para uma pratica, Hissertagdo de mestrado, PUC-SP, 1990. Garcia, Neuza A. P., Da ditvida a contradigao, dissertagéo de mestrado, PUC-gp. 1990. Bochniak, Regina, Desvelamento do projeto interdisciplinar: um exercicio de questiong. mento e construcao do conhecimento, dissertagao de mestrado, PUC-SP, 1991. 17. Freire, Madalena, “Dois olhares ao espaco-agdo na pré-escola: Espago € Vida”, in Morais, Regis (org,), op. cit, pp. 96-7. 18. Marcelino, Nelson C., op. cit., p. 61. . 19. May, Rollo A.,A coragem de criar, p. 118. 20. A pedagogia critico-social dos contetidos representada no Brasil pelo grupo do professor Sa. viani tem enfatizado este aspecto. Consultar: Libaneo, José C., Didatica, ¢ Luckesi, Cipriano C, i Filosofia da educagao. 21. Em palestra proferida em 6 de abril de 1991 em So Paulo, sobre “‘Arquétipos e educacao””, 22. Duarte Jr, Joo-Francisco, Fundamentos estéticos da educagao, p. 29. 23, Furter, Pierre, Educagao e reflexdo, p. 28. 24. Idem, ibid., p. 29. 25, Jung, Carl. G., Presente e futuro, pp. 39-40. 26. Idem, ibid., p. 49. ”, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, 0° 3, p. 27. , in Morais, Regis 38

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