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Internato de psiquiatria na Universidade São Francisco – PAULIN & POÇAS

Resenha

Famílias e casais:
do sintoma ao sistema
Salvador Minuchin, Michael P. Nichols e Way-Yung Lee
Porto Alegre, Artmed, 2009, 240 p.

Marcos Hirata Soares*


* Mestre. Professor, Departamento de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.

O livro é baseado na terapia familiar estrutural, um seg- objetivos e, então, unir-se a ela para conceber uma visão de
mento da teoria sistêmica. O modelo estrutural importa os como passar da fase atual para onde ela deseja estar. Essa
principais conceitos da teoria sistêmica, mas foca na forma complexa tarefa divide-se em quatro etapas, aqui descritas
como a família delimita as fronteiras entres seus membros sucintamente:
(questão dos papéis desempenhados e os limites de cada 1) Descentralizar o problema apresentado e o portador
um). Através de uma explicação de técnicas experimentadas do sintoma. Deve-se fazer com que a família com-
e desenvolvidas pelos autores durante cerca de 5 décadas e preenda que o problema apresentado por ela não está
de diversos estudos de casos clínicos, o livro se propõe a de- relacionado apenas ao mecanismo interno de um de
monstrar um modelo de quatro etapas para acessar e avaliar a seus membros.
família, direcionando o processo terapêutico com ela. 2) Investigar os padrões familiares que mantêm o pro-
Embora o sofrimento e os diversos desajustes familiares blema. Explorar o que os membros da família podem
tenham formas diferentes de entendimento segundo os laços estar fazendo para perpetuar o problema, auxiliando
culturais de cada família, os autores sugerem que a explicação os familiares a perceberem como suas ações podem
mais aceitável para que suas teorias e técnicas sejam validadas estar mantendo o problema. Essa etapa parte do pres-
transculturalmente é que todas as pessoas estão sujeitas a for- suposto de que os membros da família mudarão seu
mas comuns de ver e entender as relações familiares. Assim, padrão de relação se conseguirem ver a si mesmos
os autores, enquanto terapeutas, oferecem às famílias um tipo como capazes de ajudar o paciente identificado.
de estrutura familiar organizadora, capaz de explicar seus dile- 3) Investigar o que os membros da família trazem do
mas, pois melhora a comunicação e a compreensão mútua em passado que ainda influencia o presente. Investigar o
família, fazendo com que elas, ainda, utilizem esse modelo no passado com foco na estrutura, através de uma explo-
seu dia a dia, trazendo inovações e ajustando-o às suas manei- ração breve e focada do passado dos membros adul-
ras individuais de ser. tos da família, com o intuito de auxiliá-los a entender
Este modelo acima é composto de quatro etapas e tem como chegaram à sua visão limitada do presente, de
como meta descobrir o que impede a família de atingir seus si mesmos e dos outros. Essa etapa é vista como a

Correspondência:
Prof. Marcos Hirata Soares, Departamento de Enfermagem, CCS, Av. Robert Koch, 60, Vila Operária, CEP 860838-350, Londrina, PR. E-mail: mhirata@uel.br
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta resenha.
Copyright © Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – APRS Recebido em 16/12/2009. Aceito em 21/12/2009.

Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2010;32(2):65-66


Resenha

continuação das explorações do estilo de relaciona- crítica ao termo psicossomático usado no Diagnos-
mento que o terapeuta e a família desvelaram na eta- tic and Statistical Manual of Mental Disorders – 4th
pa anterior. edition (DSM-IV), pois sugere uma dicotomia entre
4) Redefinir o problema e testar opções. Após o desen- doenças orgânicas e mentais, contrária à relação de
volvimento de um quadro inicial dos motivos que circularidade, defendida pela abordagem sistêmica. A
mantêm a família bloqueada e de como esse caminho chave para trabalhar com famílias psicossomáticas é
foi tomado, os membros da família e o terapeuta fa- focar a transformação de um sintoma psicossomático
lam sobre quem precisa mudar o quê – e sobre quem em um conflito interpessoal manifesto.
tem a disposição de fazê-lo ou não. Essa é uma etapa 5) A família e os serviços sociais. A terapia familiar
fundamental para se evitar a resistência às mudanças opera no pressuposto de que os adolescentes depen-
propostas na terapia. dentes químicos são parte de um contexto familiar e
que mudanças no indivíduo requerem uma mudança
A partir de 10 exemplos de casos, os autores apresentam na relação entre o adolescente e sua família. Há uma
a primeira e segunda sessões, assim como a estrutura terapêu- ressalva de que a abordagem sistêmica não é superior
tica de cada caso (organização familiar, perspectivas indivi- às outras, mas possui uma profundidade e utilidade
duais, estratégias de intervenção e técnicas usadas). Os casos para superar o desenvolvimento da dependência.
estão representados pelos seguintes grupos:
1) Crianças problemáticas e seus pais. Nessa parte, cha- O livro, resultado de cerca de 5 décadas de pesquisa e
ma a atenção o fato de os conflitos entre os pais es- trabalho, não apresenta um resgate teórico sobre a teoria sis-
tarem relacionados às diferentes perspectivas para a têmica nem sobre o modelo estrutural, que é derivado dela,
maternidade e a paternidade e à existência de excessi- mas apresenta de forma bem sintetizada, clara e objetiva o
va proximidade de um e/ou distanciamento do outro conteúdo necessariamente intrínseco à prática da terapia fa-
em relação aos filhos. miliar. Trata-se, portanto, não de uma leitura básica, mas sim
2) Famílias reconstituídas. Considerando os desafios que de um livro para aqueles que possuem formação em terapia
essas novas famílias possuem, elas são permeadas por familiar.
rivalidades complexas, constituindo-se num grande Através dos exemplos de casos, o livro expõe de for-
desafio. ma bem prática a experiência dos autores e criadores de um
3) Casais complementares. A partir dos casos, nota-se o método próprio para a realização da terapia familiar, muito
quanto os sintomas das pessoas se associavam à vida bem embasado e apoiado em outras diversas estratégias de
complicada de suas famílias e também que os confli- trabalho com famílias. Uma característica que chama a aten-
tos conjugais eram deslocados para o cuidado com os ção é a exposição de diversas estratégias não adequadas que
filhos. foram usadas pelos autores, demonstrando humildade e um
4) Famílias psicossomáticas. Há uma relação entre os posicionamento do terapeuta enquanto ser humano, passível
processos emocionais e fisiológicos, mediada pelos de erros, mas também de grande aprendizado e evolução.
padrões estruturais familiares e pela hierarquia gera- Esse enfoque humanístico em psicoterapia vem sendo
cional, ou seja, famílias com demasiado envolvimen- uma característica constante nas atuais correntes psicoterá-
to emocional e críticas constantes produzem estimu- picas em saúde mental, reforçando as ideias iniciais de Carl
lação fisiológica que influencia o curso de doenças Rogers, por exemplo, acerca do aspecto interpessoal em psi-
físicas e/ou transtornos mentais. Há também uma coterapia.

66 – Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2010;32(2)

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