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Pedro
Uníntese
01/01/2011
[Capacitação em Autismo] Página 2 de 31
Marcia Doralina Alves1 algumas estratégias pedagógicas para o trabalho com esses
sujeitos. No capítulo anterior utilizamos os aspectos estruturais e
Taís Guareschi 2
os aspectos instrumentais do desenvolvimento humano para
pensar a construção do aprendizado e as especificidades desses
estudantes. Afirmamos que nesses quadros é possível
observarmos uma desarmonia “entre a passagem do tempo
cronológico, aquisições instrumentais e mudança de posição
UNÍNTESE
1 2
Psicóloga e Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e Doutora em Educadora Especial. Mestre em Educação pela UFSM/RS e doutoranda em Educação
Educação pela Unisinos/RS. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da pela mesma Instituição. Professora dos cursos extensão e pós-graduação da Uníntese.
Uníntese.
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psíquica de um sujeito em relação à vida” (JERUSALINSKY, com o meio (linguagem, psicomotricidade, jogos, etc.) terão como
2002, p.171). base as estruturas orgânica e psíquica.
É importante relembrarmos que na síndrome de Rett há Assim, trataremos dos seguintes aspectos instrumentais:
uma patologia orgânica que ocasiona um déficit significativo dos o brincar (jogo), a linguagem, a psicomotricidade e a
aspectos instrumentais. Esse déficit implicará em aprendizagem. A abordagem desses aspectos tem por objetivo
particularidades na forma como a aprendizagem desses alunos contribuir para que possamos pensar em práticas pedagógicas
será levada a termo. No transtorno do espectro autista, ocorre um para alunos com transtorno do espectro autista.
impasse na constituição subjetiva, ou seja, nos aspectos
estruturais. Esse impasse provocará alterações nas aquisições Para adentrar na discussão desses aspectos instrumentais
instrumentais, como a linguagem e o brincar, por exemplo. Muitas é pertinente destacar que essas separações são apenas
vezes as aquisições instrumentais ocorrem, porém estão didáticas, a fim de facilitar a compreensão de cada conceito. Nas
desorganizadas. Assim uma criança pode falar sem, no entanto, palavras de Yañez (2001, p. 215):
estabelecer um diálogo com o outro.
UNÍNTESE
que os instrumentos que um sujeito constitui para realizar trocas
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UNÍNTESE
interação com os objetos, o que dificulta ou, por vezes,
impossibilita o brincar. No transtorno do espectro autista, as
alterações nos aspectos estruturais do desenvolvimento terão
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como consequência alterações no brincar. É importante o bebê. Esses jogos são considerados os primórdios do brincar.
lembrarmos que um dos sinais que deve ser observado na No início o bebê não tem noção do que é seu corpo e o que é o
detecção do autismo é o fato de a criança não brincar montando corpo do outro, tampouco possui uma imagem corporal unificada.
cenas com os objetos. É por meio dos jogos de litoral que o sujeito irá se constituindo,
diferenciando “eu” e “outro” e construindo o litoral, as bordas de
É interessante apresentarmos os tempos do seu corpo, ou seja, a noção de limite corporal (por isso a
brincar para que possamos compreender como esse aspecto denominação jogos de litoral ou de borda).
Os jogos constituintes do sujeito, jogos de litoral ou jogos formiguinha que vai subindo, subindo...; o versinho janela,
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de borda são as brincadeiras entre a mãe e o bebê ou entre o janelinha, porta, campainha, biiii!; bem como contornar as mãos
cuidador (professor da Educação Infantil, babá, pai, avós, etc) e com caneta em folha de papel (JERUSALINSKY, 2011;
ALENCAR, 2011).
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É possível observar que nesse primeiro tempo as professor ofereça esses materiais e permita essa exploração. É
brincadeiras ocorrem no corpo materno e no corpo do bebê. Num comum encontrarmos crianças maiores que ainda realizam esse
segundo momento, quando o bebê começa a engatinhar ou jogo. Podemos citar o exemplo de Carolina, uma menina com
caminhar, as brincadeiras passam a acontecer além dos limites cinco anos de idade, que no Atendimento Educacional
do corpo da mãe e do bebê. Nesse tempo aparece o interesse Especializado iniciou um jogo de pintar o rosto e os braços da
por buracos, fendas, cantos, bordas, degraus, explorando todos professora e o seu próprio corpo com caneta. Além disso,
esses ambientes. O bebê apresenta também interesse pelas Carolina oferecia sua mão para que ela fosse contornada com
relações continente-conteúdo: tirar e colocar objetos de gavetas, caneta em uma folha de papel.
armários (retirar as panelas da mamãe do armário da cozinha,
por exemplo) e caixas, virar o copinho de água ou suco durante Jerusalinsky (2011) destaca que a produção desses jogos
a alimentação. Jerusalinsky (2011, p. 245) afirma que: para além do limite corporal da mãe e do bebê depende de
ofertas que essa faça: chocalhos, ursinhos, paninhos que
Se inicialmente o bebê, ao estar no colo ou ser substituam o corpo materno e auxiliam a criança a suportar sua
amamentado, desloca a mão pela superfície do corpo
materno e pela do seu próprio corpo, experimentando ausência. Assim, observamos muitas crianças chegando à escola
a continuidade e descontinuidade dessa sensação na
pele, em um segundo tempo busca produzir este jogo com seu paninho, brinquedo favorito, um pequeno edredom. É
com a comida, espalhando-a sobre as mãos e sobre a
mesa, assim como com água, barro, tinta ou outras importante que o professor permita que essa criança permaneça
substâncias que eventualmente possam ter-lhe sido com esse objeto enquanto sentir necessidade, uma vez que lhe
oferecidas.
ajudará a suportar a angústia da separação da mãe.
UNÍNTESE
Evidencia-se com as afirmações da autora a importância
Em um terceiro tempo podemos observar dois jogos:
de permitir que o bebê explore esses materiais, espalhando-os
lançamento de objetos e “cadê-achou”. No jogo de lançamento
sobre seu corpo. No contexto escolar é importante que o
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de objetos o bebê lança ou deixa cair um objeto e um adulto o antecipando a surpresa que causará ao aparecer no lugar em que
recupera devolvendo-o, ao mesmo tempo em que diz: “caiuuuuu, não era esperada” (JERUSALINSKY, 2008, p.133).
peguei!”. Instaura-se o jogo em que o bebê passa a lançar objetos
ao chão, para fora do cercado, do berço e olha atentamente, Nas crianças com transtorno do espectro autista, mesmo
esperando que o adulto pegue-os e os devolva. Especialmente após o terceiro ano de vida, observamos uma dificuldade em
na Educação Infantil é importante que o professor estabeleça permanecer no esconderijo. É assim que Carolina aos cinco
esse jogo com o bebê, podendo decidir a hora de parar a anos, durante o Atendimento Educacional Especializado, escolhe
brincadeira. sempre dois locais para se esconder: um quadro de avisos fixado
em uma estrutura metálica que deixa suas pernas aparecendo e
No jogo “cadê-achou”, o adulto cobre o rosto do bebê com um armário, em que se esconde e deixa a mão para fora
um pano, ato acompanhado da pergunta: “Cadê o João?”. Em acenando ao mesmo tempo em que diz: “Oi!”.
seguida descobre o rosto do bebê e emite um sonoro
“achouuuuu!”. É assim que tem início as brincadeiras de Esses dois jogos, o lançamento de objetos e o “cadê-
esconde-esconde, que também vão se sofisticando à medida em achou”, são precursores imediatos do jogo do Fort-Da. O jogo do
que a criança fica maior. As crianças menores não conseguem Fort-Da foi descrito por Freud ao relatar que seu neto de um ano
permanecer por muito tempo no esconderijo e dão pistas de onde e seis meses, com a partida da mãe, joga um carretel para baixo
estão, falando ou deixando partes do corpo a mostra para que os do berço, emitindo “oooo”, e depois puxa o carretel de volta por
outros as encontrem. No terceiro ano de vida a criança já meio do cordão e emite um sonoro “aaaa”. Freud interpreta o
consegue permanecer escondida, uma vez que deve “estar primeiro som como a palavra alemã “Fort”, que significa “foi”, e o
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suficientemente separada do olhar do outro para suportar sua segundo balbucio como “Da”, que significa “cá” (FREUD, 1996).
própria ausência durante sua permanência no esconderijo, Por meio desta brincadeira o bebê encenava a saída e o retorno
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da mãe, lidando com a angústia da ausência materna através do que eu era” a criança pode vivenciar o papel de mãe, pai,
jogo. professora, super-herói, médico, enfermeira, etc. Através desse
ato a criança expressa seus sentimentos, medos, angústias,
De acordo com Alencar (2011), no caso acima o bebê, desejos e interesses, elaborando conflitos e controlando suas
através do jogo, faz a passagem da passividade para atividade, vivências (JERUSALINSKY, 2011).
Assim, o jogo do Fort-Da é o marco inicial do brincar família são seus alunos. A pequena professora inicia a contação
simbólico que irá se sofisticando cada vez mais. O brincar de faz- de histórias, mas percebe que a conversa entre os adultos não
de-conta tem seu início com o aparecimento da linguagem na cessou e diz em um tom de voz indignado: “Não vou mais contar
criança, sendo que esse modo de brincar será a produção por história, vocês não estão comportados!”. Imediatamente pega um
excelência da criança até os cinco ou seis anos, quando aparece pequeno papel, “escreve” o nome dos alunos e faz um “pontinho”
o interesse pelos jogos de regras. com caneta ao lado do nome daqueles que não se comportaram
como deveriam.
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Conforme destacado é por meio do brincar de faz-de-conta
que a criança vive ativamente o que na vida ela vivencia de forma O brincar de faz-de-conta pode acontecer tanto de forma
passiva. Então, na brincadeira “agora eu sou...” ou “faz de conta solitária quanto com outras crianças, sendo que brincar com
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outros parceiros é muito importante para a constituição do sujeito Depois de haver certa elaboração do brincar de faz-de-
e desenvolvimento da criança. É interessante analisarmos as conta, “esse modo de brincar cede, pelo menos em parte, dando
afirmações de Jerusalinsky (2011, p. 232) acerca do brincar de lugar ao interesse pelos jogos de regras, nos quais se estabelece
faz-de-conta da criança com seus semelhantes: a oposição entre vencedor-perdedor, certo-errado, justo-injusto,
bem-mal” (JERUSALINSKY, 2011, p. 233). Então, por volta dos
Brincar de faz-de-conta é uma produção que pode ser quatro ou cinco anos os jogos de regras começam a interessar à
posta em cena de modo solitário ou ser compartilhada
com outros parceiros, o que exige uma intensa criança, atingido o apogeu dos sete aos onze anos. Como
negociação no estabelecimento dos argumentos e na
exemplos de jogos de regras podemos citar os jogos de mesa
distribuição de papéis. Para tanto, a criança precisará
contar com abertura à alteridade, a fim de poder (dominó, memória, damas, bingo) e os jogos esportivos (futebol,
estabelecer de modo coletivo as vicissitudes das
personagens, e também com certa mobilidade pega-pega).
psíquica para poder mudar de posição no jogo com o
parceiro – alternando lugares filho-pai, filha-mãe,
mau-bom, vítima-algoz – em prol de uma trama
coletiva que se articula com e além de sua posição na Os jogos de regras possuem suas próprias normas que
cena. Por isso brincar com pares, com semelhantes, é
constituinte para a criança. devem ser respeitadas por todos os jogadores, sendo que adultos
e crianças exigem o cumprimento das mesmas. Esses jogos
Na brincadeira com seus pares a criança precisará, desafiam a criança em sua socialização, no desenvolvimento de
portanto, negociar a distribuição de papéis, o destino de cada estratégias e habilidades e na assimilação de novos
personagem e aceitar a mudança de papel, ora será a mãe, ora conhecimentos e das regras de cada brincadeira.
será a filha. A autora afirma que é por isso que brincar com seus
No Atendimento Educacional Especializado é preciso
UNÍNTESE
semelhantes é constituinte para a criança. Além disso, evidencia-
se que a brincadeira com os pares auxilia no processo de observar se a mãe consegue estabelecer jogos com seu filho, e
socialização. se a criança brinca, se engaja nos jogos com a mãe, cuidadores
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ou professores. Quando a criança é maior, por volta dos dois ou um jogo. Nos primeiros atendimentos, que aconteceram na
três anos, é preciso analisar se o brincar simbólico está se pracinha da escola, pois Carolina não suportava ficar dentro de
instaurando. A criança brinca com panelinhas, por exemplo, uma sala, a professora tentava estabelecer uma brincadeira com
montando cenas em que faz comidinha ou simplesmente panelinhas e areia, fazendo “comidinha”. No momento em que a
manipula de forma mecânica os brinquedos? Se a criança professora narrava o cozimento de um delicioso feijão, Carolina
somente os manipula, sem encenar, isso indica que algo não vai pegava a panelinha e comia a areia, evidenciando dificuldades
bem nesse aspecto instrumental do desenvolvimento que é o no pensamento simbólico, ou seja, Carolina não conseguia “fazer
brincar. Portanto, é imprescindível perceber se a criança monta de conta” que comia; ela comia de verdade, no real.
cenas com os brinquedos disponíveis, pois caso o brincar seja
inexistente ou empobrecido esse aspecto deverá ser trabalhado Nesse sentido, é importante que no espaço escolar o
na escola, tendo em vista sua importância na constituição do professor proponha jogos com os mais diferentes brinquedos,
sujeito e na construção dos processos de pensamento. O brincar estimulando o faz-de-conta. Os brinquedos não necessariamente
exerce papel fundamental para que o aprendizado formal, como precisam ser muito estruturados, pois a criança brinca com
a alfabetização ou a construção do número, possa vir a termo. qualquer objeto que sirva ao propósito daquela brincadeira.
Assim, é importante que haja na sala de recursos multifuncionais
Conforme afirmamos anteriormente no caso de alunos ou na sala de aula uma caixa com as mais diferentes sucatas
com transtorno do espectro autista, o brincar pode ser para que jogos possam ser inventados. Também é importante
considerado primitivo para a idade da criança ou mesmo ser dispor de bonecas, carrinhos, panelinhas, acessórios para banho,
inexistente. No Atendimento Educacional Especializado de objetos para brincar de médico, maquiagem, fantasias para a
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Carolina, observamos, aos quatro anos, que o brincar simbólico criança vestir, restos de tecidos para criar personagens,
era ausente. A aluna corria pela escola o tempo todo, fantoches, dedoches, instrumentos sonoros, caixas grandes de
manipulando os brinquedos de forma mecânica, sem estabelecer papelão, entre outros.
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Por sua vez os jogos de regras, deverão ser estabelecidos brincadeira ao chegar à escola, dificilmente manipulava os
de acordo com o interesse dos alunos, observando-se que as objetos ou brinquedos dispostos ao seu redor e evitava o contato
demandas desses jogos “não excedam as possibilidades de com os outros, gritando muito quando alguém lhe tocava. Após
serem sustentadas do ponto de vista subjetivo e cognitivo” alguns encontros a professora do atendimento educacional
(YAÑEZ, 2001, p. 206). Yañez (2001) afirma que às vezes os especializado consegue estabelecer, pela primeira vez, um jogo
alunos com transtorno do espectro autista poderão apresentar com Talita. A aluna pega um chocalho, que estava sendo
dificuldades para respeitar as normas e, em outros casos, os manipulado pela professora enquanto cantava uma cantiga
jogos de regras poderão ser atividades mais fáceis para esses infantil, e o jogou no chão. No momento em que o chocalho cai a
sujeitos do que o brincar de faz-de-conta, justamente por terem professora emite um sonoro “caiuuuuuuuu!”. Talita sorriu e
normas pré-estabelecidas. passou a atirar o chocalho no chão algumas vezes, aguardando
a exclamação da professora. Nos atendimentos seguintes esse
É relevante destacar que o trabalho pedagógico com os jogo se estabeleceu novamente. Em um deles, Talita que emitia
alunos com transtorno do espectro autista, especialmente os apenas balbucios, repete a exclamação da professora ao ver o
menores, deverá levar em conta o brincar, aspecto instrumental objeto sonoro cair: “iuuuuuuuuu!”.
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Para ilustrar essas afirmações podemos relatar o caso de Talita foi uma brincadeira realizada, normalmente, com bebês,
Talita. Essa aluna, aos oito anos, não estabelecia nenhuma mas que possibilitou que outros jogos pudessem se instaurar
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2. 2 | A linguagem
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A linguagem preexiste à criança. Mesmo antes de nascer
ela já é falada e quando nasce é imersa em um banho de palavras
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por quem a cerca. A mãe ou cuidadores falam com o bebê, alguém para dar sentido às emissões do bebê para que continue
cantam para ele, fazem perguntas, silenciam aguardando suas produções dirigidas ao outro.
respostas mesmo quando ele ainda não fala, interpretam seus
balbucios. Assim, os primeiros “mamama” ou “papapa” vão Ao analisarmos o desenvolvimento da linguagem em uma
ganhando significados: mamãe, papai, papinha. E é porque o criança perceberemos que desde muito cedo ela utiliza diferentes
outro supõe significado nessas emissões que elas adquirem tal formas de comunicação com o outro. Conforme Jerusalinsky
significação. (2010) dos 0 aos 4 meses incompletos o bebê irá reagir ao
manhês, dos 4 aos 8 meses incompletos a criança utilizará sinais
De acordo com Jerusalinsky (2008) o ponto de partida para diferentes para expressar suas necessidades, dos 8 aos 12
a aquisição da linguagem de uma criança é a voz materna, que meses incompletos a criança fará gracinhas (bater palminhas,
ela aprende a reconhecer desde muito cedo. Assim, o manhês, dançar, balançar a cabeça, apontar, dar tchau) e dos 12 aos 18
ou seja, a fala materna dirigida ao bebê com um tom de voz meses a mãe passará a solicitar que a criança nomeie o que
particular, é fundamental para a aquisição da linguagem. A esse deseja, não se contentando apenas com gestos, incentivando
manhês o bebê responde, ou pelo menos deveria responder, com dessa maneira a fala do bebê.
sorrisos entusiasmados, balbucios, expressões faciais ou
movimentos corporais. Em relação ao desenvolvimento da fala é possível
observarmos, normalmente, no primeiro ano de vida os
Dessa forma, percebemos que o bebê está desde cedo balbucios, sendo que inicialmente o bebê emite o som de vogais
imerso no campo da linguagem e que o manhês é o ponto de e mais tarde inicia a combinação de vogais e consoantes
UNÍNTESE
partida para sua aquisição. Além disso, é imprescindível que haja (“papapa”). Por volta de um ano a criança começa a falar as
primeiras palavras e em torno dos 18 meses iniciam-se as
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primeiras combinações de palavras (“nenê papá”). Em torno de manifestações apresentadas pela criança que podem levar à
24 meses começa a dizer frases simples (“Luíza qué papa”) e seu suspeita de autismo. Assim, é considerado um signo de suspeita
vocabulário se amplia consideravelmente. Entre os três e os o fato de a criança parecer surda, mas ouvir perfeitamente. Esse
quatro anos a criança possui um significativo domínio da caso sugere que ela ouve, mas é indiferente à voz humana,
linguagem, formulando frases corretas, fazendo perguntas, podendo não responder quando lhe chamam. Um indicador que
expressando-se adequadamente e compreendendo o que lhe é deve ser observado é se a criança tem mais de cinco meses e
dito. não reconhece o manhês, não reagindo a essa forma particular
de fala endereçada a ela. Outras alterações na linguagem que
No transtorno do espectro autista é possível observarmos podem indicar suspeita de autismo são: a criança tem um ano e
alterações na linguagem. Nesses quadros ocorre, de maneira não balbucia e também não são observados gestos de apontar
peculiar a cada aluno, uma alteração nas capacidades de ou dar tchau; ou se a criança tem dezesseis meses e não fala; se
comunicação. Na síndrome de Rett, a fala está, normalmente, a criança com oito meses não imita comportamentos de adultos
ausente, conforme afirmado no capítulo que trata dessa doença buscando reproduzir brincadeiras como bater palmas, colocar a
genética. Isso não significa que esse sujeito não será capaz de língua para fora, balançar a cabeça ou dançar.
No caso do transtorno do espectro autista, as alterações frase), uso estereotipado de frases “da moda” (por exemplo:
UNÍNTESE
na linguagem podem ser observadas já no bebê. É interessante “Lugar de criança é na escola!”), inversão pronominal (uso da
retomarmos as afirmações de Jerusalinsky (2005) acerca das terceira pessoa para se referir a si mesmo), dificuldade para
estabelecer um diálogo com o outro e para compreender
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metáforas. “Há casos em que as palavras se sucedem, umas E mais: a essa produção é preciso dar significação para que não
após as outras, sem ordem gramatical e sem nexo para enlaçá- se perca no vazio. Com base nisso, um aluno com transtorno do
las” (YAÑEZ, 2001, p. 199). espectro autista que tapa os ouvidos com as mãos e grita
possivelmente esteja incomodado com o barulho do ambiente ou
Com base nesses pressupostos, poderíamos nos com outro fator que precisa ser descoberto. É dessa forma que
interrogar sobre como trabalhar as especificidades da linguagem consegue expressar que há algo lhe importunando naquele
Esse trabalho deve ser realizado em conjunto com a na aquisição da fala quanto “na preparação das bases que
família, pois os pais, na maioria das vezes, entendem os sinais, permitem a entrada da criança no universo da escrita”
gestos ou vocalizações dos filhos e podem nos auxiliar nessa (BELINTANE, 2008, p. 69). Os gêneros citados pelo autor são os
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compreensão. Além disso, é importante mostrar aos pais que jogos lúdicos orais, bastante conhecidos por todos: cantigas
cada produção, gestual ou vocal, de seu filho tem um significado. infantis, brincadeiras de colo e com o corpo da criança pequena.
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As parlendas de colo associam os versinhos recitados ou Outros gêneros orais da infância citados por Belintane
cantados com movimentos corporais e tem início assim que o (2008) são as cantigas ou versos que envolvem o bater palmas e
bebê adquire um pouco mais de firmeza. Nessas parlendas “não o mapear o corpo. Esses gêneros são importantes tanto para a
raro, a voz da criança que ainda não aprendeu a falar acompanha aquisição da linguagem quanto para o desenvolvimento motor e
com um murmúrio mais ou menos rítmico” (BELINTANE, 2008, p. o reconhecimento das partes do corpo.
70). Então, o bebê começa, por meio dessas parlendas, a
Palminhas, palminhas nós vamos Janela, janelinha.
dominar alguns movimentos e “a descobrir uma língua em versos, bater. Porta, campainha.
com métrica, ritmo e rima” (BELINTANE, 2008, p. 70). Nas Depois as mãozinhas pra trás
cantigas abaixo o adulto canta de mãos dadas com a criança, esconder.
UNÍNTESE
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UNÍNTESE
Em nossas pesquisas temos observado, com bastante
clareza, que as crianças que não passaram por esse
traquejo do “entre textos”, por essas possibilidades
que os jogos lúdicos infantis permitem, experimentam
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muitas dificuldades no momento em que iniciam a infantis. Na apresentação, leitura, interpretação ou dramatização
aprendizagem da escrita. Já aquelas acostumadas
aos jogos lúdicos orais tendem a se apegar aos jogos das mais variadas histórias infantis o professor trabalhará com o
da escrita. Extrair da memória um texto inteiro de uma
palavra ouvida, cotejar formas semelhantes (rimas, aspecto instrumental da linguagem. Tanto a linguagem
repetições, paralelismos), escandir palavras, dar
destaque às sílabas ou versos ao pronunciá-los, de
expressiva quanto a compreensiva dos alunos serão
acordo com o movimento do corpo, tudo isso se torna contempladas.
fundamental no momento de aprender e de expandir
as habilidades de leitura.
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Além dos jogos lúdicos orais da infância outra ferramenta aspecto em que observamos alterações, evidenciadas na
que poderá ser utilizada pelo professor no trabalho pedagógico pobreza ou ausência do brincar ou na dificuldade para
para alunos com transtorno do espectro autista são as histórias
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compreender que é o lobo, vestido de vovó, quem diz à seguiam: dramatizações, desenhos, escrita, brincadeiras,
Chapeuzinho: “Pode entrar minha netinha!”. músicas, etc.
É possível ilustrarmos um trabalho envolvendo histórias Na contação de histórias inúmeras atividades podem ser
infantis no atendimento educacional especializado de Leonardo, pensadas. O professor poderá contar uma história lendo um livro,
um aluno com oito anos e hipótese diagnóstica de autismo. No utilizando fantoches, dedoches, bonecos, personagens
atendimento de Leonardo observamos um interesse muito desenhados pelo aluno e colados em palitinhos, entre outros. É
grande por vídeos da história “Thomas e seus amigos”. Apesar importante sempre explorar a criatividade e a livre expressão do
de Leonardo interessar-se por essas histórias resistia às demais aluno, despertando de forma lúdica o interesse pelas narrativas.
narradas ou lidas pela professora. A cada iniciativa por parte da
professora em contar uma história o aluno repetia: “Não! Não Além das ferramentas apresentadas até o momento,
precisamos de histórias!”. Acreditando na importância das outras atividades poderão ser pensadas para trabalhar a
histórias infantis para o desenvolvimento de Leonardo a linguagem dos alunos com transtorno do espectro autista no
professora buscou um livro que contasse histórias de “Thomas e contexto escolar. Abordaremos, de forma resumida, alguma
seus amigos”, pelas quais mostrava preferência. No início do delas, sem a intenção de esgotar as possibilidades:
trabalho o aluno continuava resistindo às tentativas de narrativas
da professora. Porém, após alguns encontros, interessou-se pela
- Conversas: estabelecer diálogos com o aluno, perguntando-lhe
história. E a partir disso outras puderam ser narradas.
sobre seu dia-a-dia, escutando o que esse aluno tem a dizer.
Inicialmente eram histórias sobre trens e posteriormente foram se
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Lembrando sempre que cada aluno falará a sua maneira: por
diversificando. Algum tempo depois, Leonardo chegava à sala de
meio de palavras, gestos, gritos, choros, sorrisos.
recursos multifuncionais e selecionava o livro que gostaria que a
professora lesse. A partir das narrativas outras atividades se
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- Trabalho com músicas de interesse do aluno: a música é um Na realidade a linguagem, tanto expressiva quanto
recurso importante, pois além de normalmente interessar aos compreensiva, é trabalhada sempre e de diferentes formas na
alunos oferece a oportunidade de exploração da língua oral. O escola. Nesse trabalho é fundamental que o professor suponha
professor poderá cantar e fazer pequenas pausas na música, que seu aluno tenha algo a dizer, sem a necessidade de que os
estimulando a criança a seguir a canção ou dizer a palavra que outros falem por ele. Uma simples vocalização poderá ser
está faltando. tomada como um pedido, uma demanda, uma tentativa de se
expressar. É necessário que o profissional da educação faça
- Histórias seriadas: propor ao aluno que ele coloque em ordem pausas em sua fala, durante as intervenções pedagógicas, para
as diferentes cenas de uma história seriada e depois fale sobre que a linguagem da criança possa aparecer. Frequentemente os
cada uma delas, criando um enredo, é uma interessante forma professores e outros profissionais falam incessantemente na
de explorar a linguagem oral. Além disso, a história seriada tentativa de suportar o vazio causado pela angústia de uma
trabalhará a noção temporal e o raciocínio lógico do aluno. criança que poderá não falar, não responder às solicitações,
evitando o contato com o outro.
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trabalhando a linguagem e oferecendo desafios cognitivos.
3. 3 | A psicomotricidade
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a ser avaliado e trabalhado na inclusão escolar de alunos com
movimento, considerando também o sujeito que o habita. No
transtorno do espectro autista. “Na maioria dessas crianças, o
corpo a ser trabalhado há um sujeito para além de gestos mais
padrão maturativo do equipamento orgânico apresenta
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ou menos desarmônicos. Considerando esse pressuposto em linguagem, em que são atribuídos significados aos sons emitidos
sua prática o professor irá transcender exercícios meramente pelo bebê; e o aspecto psicomotor, cujo desenvolvimento
repetitivos e mecânicos e poderá propor atividades que levem em depende da linguagem, dos significados produzidos para esse
conta o sujeito. Nas palavras de Levin (2001, p. 68): corpo.
[...] o corpo de uma criança metaforiza-se na Para a criança o investimento dos pais e a significação
linguagem, esta é a condição do corpo humano.
Quando a mãe olha, fala, ou acaricia seu filho, dá um dada a seu corpo e as suas produções é determinante. Se os pais
sentido a esta experiência corporal, dá a linguagem,
ela decodifica e compreende a pura experiência possuem dificuldade em investir e apostar nesse corpo isso
corporal e transforma-a num dizer, ou seja, articula-a
numa cadeia discursiva.
poderá se tornar um obstáculo ao desenvolvimento psicomotor.
Da mesma forma é importante que os professores e outros
Dessa forma, evidencia-se a importância de os pais darem
profissionais que trabalham com essa criança possam fazer esse
sentido ao corpo do bebê (ou a seus balbucios, no caso da
investimento. Evidentemente que em alguns casos há um
linguagem), que é inicialmente puro organismo biológico. É por
comprometimento motor orgânico, como na síndrome de Rett,
meio desse banho de palavras que os gestos e movimentos, o
porém o investimento é essencial para que não se imponha a
puramente corporal começam a ter uma significação. Assim, “a
esse sujeito um limite maior que o próprio limite orgânico.
linguagem significa, dá um sentido e uma forma à experiência
corporal. Esta é a condição de todo corpo humano” (LEVIN, 2001,
p. 69). Na escolarização de alunos com transtorno do espectro
autista é importante que o professor utilize a ludicidade e o brincar
espontâneo para avaliar e trabalhar a psicomotricidade, evitando
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É possível observarmos aqui o cruzamento dos aspectos
exercícios mecânicos e sem sentido para a criança.
instrumentais que tratamos até o momento: o brincar, quando a
mãe estabelece jogos que mapeiam o corpo do bebê; a
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apresentará alterações no caso de alunos com transtorno do
4. 4 | A aprendizagem
espectro autista, tendo em vista os impasses na estrutura
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UNÍNTESE
conforme Ferreiro e Teberosky (1999), quando perguntamos às
crianças pequenas (em torno de quatro anos de idade), onde
poderemos ler, elas dizem que é possível ler tanto no texto
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quanto no desenho. Quando solicitadas a nos fornecerem uma Conforme Mèredieu (2004), podemos resumir os quatro estágios
interpretação como: “o que diz aqui?”, respondem como se do desenvolvimento gráfico do desenho da criança em: realismo
perguntássemos “o que é isso?”. É somente após os quatro anos fortuito, realismo fracassado, realismo intelectual e realismo
de idade que as crianças começam a fazer a distinção entre visual.
desenho e escrita e passam a percebê-los com funções e
naturezas diferentes. O desenho passa a representar a forma dos Realismo fortuito: este estágio começa por volta de dois
objetos e a escrita representará o nome desses. É nos estágios anos e põe fim a fase dos rabiscos. A criança que antes
finais do desenho que a criança começa a construir o sistema de desenhava sem um desejo de representação agora começa a dar
escrita. forma e nome aos objetos.
Pillar (2012) afirma que ao começar a diferenciar o Realismo fracassado: após ter descoberto a forma dos
desenho da escrita, a criança se preocupa também com as objetos, a criança procura reproduzir esta forma por volta dos
diferenciações no interior de cada uma dessas linguagens. três/quatro anos. Aqui a criança tem a convicção de que pode
Percebe que a forma como escrevemos não tem relação com a representar através do desenho tudo o que deseja. Dá aos
forma dos objetos, sendo que na escrita se distribuem símbolos detalhes o grau de importância que tem para ela naquele
linearmente sobre a superfície, ou seja, da esquerda para a momento, exagerando ou omitindo partes conforme seu ponto de
direita. vista.
UNÍNTESE
Realismo intelectual: essa fase que começa por volta dos
acompanhar a evolução dos traçados gráficos da criança que quatro anos caracteriza-se pelo fato da criança desenhar do
terão por finalidade última o traçado das primeiras letras. objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Aparece a
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transparência dentro dos objetos. Desenha uma casa com os Mèredieu (2004) a criança projeta no papel o seu próprio
cômodos e os objetos dentro, por exemplo. Também poderá esquema corporal, traduzindo a maneira como vive seu corpo. É
desenhar uma mulher grávida e o bebê aparecer em por volta dos cinco anos que a criança começa a estruturar a
transparência no ventre da mãe. figura humana com todos os seus detalhes e riquezas.
Realismo Visual: por volta dos oito/nove anos aparece o Para concluir esta breve incursão sobre o desenho infantil,
fim do desenho infantil e a criança desenha o que vê. Aparecem apresentaremos, a partir das postulações de Mèredieu (2004) e
as especificidades e os detalhes dos desenhos, particularizando Perondi et al (2001), a evolução da figura boneco, partindo do
as formas que antes eram genéricas. círculo e do boneco girino até chegar à forma humana mais
evoluída:
UNÍNTESE
dedos, orelha e umbigo. Passará a desenhar de acordo com as
influências da sua cultura e também com valor afetivo. Conforme
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Boneco-flor: prolongamento do girino de um só membro determinado estágio do desenho ou da escrita, mas entender a
para representar o corpo, posteriormente os membros são construção que a criança faz desde as primitivas garatujas até o
colocados nas laterais. esboço das primeiras letras.
As metamorfoses sofridas pelo boneco. Fonte: MÈREDIEU, F. de. O desenho infantil. São Paulo:
É interessante salientar que a escrita surge
Cultrix, 2004, p. 34. concomitantemente com a constituição da imagem corporal.
Assim, brincadeiras de pintar e bordejar o corpo são prelúdios da
escrita: de um rosto lambuzado com tintas as cores e os rabiscos
O professor deverá compreender os sistemas de desenho “escorregam” para o papel. Essas afirmações ressaltam a
UNÍNTESE
e de escrita, bem como seus níveis de evolução para que possa importância de atividades que envolvam a pintura de partes do
ter a noção do momento gráfico em que seu aluno se encontra. corpo da criança.
Não quer dizer que tenhamos que enquadrar a criança em
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Muitas vezes observamos dificuldades nas crianças com para a aquisição da escrita dos alunos. No entanto, para esses
transtorno do espectro autista para fazer traços no papel. Dessa sujeitos em particular a escrita poderá oferecer algo a mais, pois
forma, alguns poderão saber todas as letras, mas evitarão traçá- terá valor terapêutico. Nas palavras de Bastos (2012, p. 150) é
las ou poderão nomear as partes do corpo, no entanto se importante:
recusam a desenhar no papel uma figura humana. Uma
estratégia que pode ser utilizada nesses casos é oferecer jornal [...] fornecer para a criança instrumentos como a
leitura e a escrita, dentro de suas possibilidades
para as crianças que tem dificuldade de simbolizar o corpo. subjetivas e cognitivas, fazendo-se uma aposta de
que esses instrumentos poderão ser úteis tanto para
Desenhar sobre o jornal é mais produtivo porque a folha em reordenar o campo simbólico como para lidar com a
branco poderá ocasionar maior desorganização psíquica, pois angústia siderativa.
UNÍNTESE
pontuarmos alguns aspectos sobre o trabalho pedagógico. Em
nesses casos. Não é necessário um método específico de
relação às estereotipias, manifestações bastante observadas na
alfabetização para esses alunos. Os pressupostos que temos
escola, o professor precisará considerá-las, dando-lhes sentido.
apresentado, desde o brincar até o desenho, servirão de base
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Por exemplo, o balanceio de corpo poderá ser lido como uma colocando palavras, ressignificando cada ato, cada ajuste na
dança e a música poderá ser introduzida; uma batida insistente rotina.
do apagador no quadro poderá ser vista como a tentativa de
apagar; riscos feitos de forma aleatória no quadro negro poderão Um exemplo do que anteriormente falamos é uma aluna
ser atribuídos sentidos de escrita. Quem sabe um simples risco que comia com frequência iogurte na escola. Ela não consegue
não se transforma na letra I, inicial do nome do aluno? Gestos compreender, não sem sofrimento, que em determinado dia não
descompassados ou rodopios ao redor de si poderão ser há esse alimento. A menina chega ao refeitório, como sempre
considerados estereotipias típicas do transtorno do espectro fazia, e diz a palavra iogurte para solicitar seu lanche favorito. No
autista ou poderão vir carregados de significado. Criar um momento em que a merendeira avisa que não há, a aluna se
contexto, dar sentido, atribuir um nome às produções do aluno desorganiza: chora e joga-se no chão. A professora, então,
fará toda a diferença. Dessa forma, aluno e professor darão vida explica a ela que hoje não tem, mas que outro dia terá e ela
às suas histórias e a escola se transformará num lugar para poderá comer novamente. As palavras são ditas calmamente,
invenções, onde a criatividade abrirá portas para acolhermos a nomeando esse sofrimento e explicando o que aconteceu. Nesse
todos que quiserem usufruir desse espaço à sua maneira. sentido, é importante introduzir noções como: agora não, depois,
amanhã, espera, outro dia. Poder dar nome aos sentimentos do
O segundo ponto que devemos considerar refere-se à aluno, dizer-lhe que compreendemos sua angústia é organizador
resistência a alterações na rotina. O diálogo é uma ferramenta para eles, pois dessa forma possibilitamos que algo seja dito e
importante para trabalhar essa dificuldade. Caso uma alteração que um vazio não se instaure diante da sua dor.
ocorra deverá ser explicado desde o início que algo no ambiente
UNÍNTESE
sofrerá modificações. É preciso que o professor dê sentido a A resistência à escrita no papel é outro aspecto que poderá
essas mudanças, ouça e compreenda a angústia de seu aluno, ser observado no trabalho pedagógico com alguns alunos com
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transtorno do espectro autista. A introdução de algumas interesse do aluno, para que possa procurá-los no momento em
alternativas contribuirá para que os traços que antes figuravam que as atividades apresentadas não lhe atraírem ou a dinâmica
como simples rabiscos sem direção escorreguem para o papel. da sala de aula estiver lhe angustiando.
O professor poderá propor escrita em diferentes materiais como
papel pardo ou folha de jornal, no chão ou no quadro com Todos esses exemplos e muitos outros poderão ser
materiais diversos. O computador também é uma importante desenvolvidos na escola para favorecer o processo de
ferramenta no processo de alfabetização desses alunos, pois aprendizagem dos alunos com transtorno do espectro autista.
muitas vezes se interessam mais pela digitação do que pela Sabemos que o trabalho na escola nos absorve e por vezes nos
escrita no papel. impede de vermos esses alunos nas suas especificidades. Para
tanto, há que se ter um olhar cuidadoso, procurando localizar em
Por fim, é preciso considerar que, conforme afirmamos cada um aquilo que os faz únicos, detentores de um estilo próprio,
anteriormente, os interesses desses alunos podem ser bastante uma marca que os identifique para que possam dizer a que
específicos e peculiares. Enquanto um poderá se interessar por vieram.
dinossauros, outro quem sabe permaneça durante muito tempo
jogando para cima uma garrafa pet. Outro talvez folheie revistas Referências
insistentemente, de trás para frente e de forma sistemática sem
ALENCAR, R. Brincando com bebês. In: NOGUEIRA, F. (org.).
se deter em nenhuma página. O professor precisará acolher Entre o singular e o coletivo: o acolhimento de bebês em abrigos.
São Paulo: Instituto fazendo História, 2011, p. 47-65.
esses interesses e iniciar o trabalho pedagógico por eles. Que
trabalhos poderão ser pensados a partir de dinossauros, garrafas
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BASTOS, M.B. Incidências do educar no tratar: desafios para a
pets ou revistas? De que forma envolver a turma toda nessas clínica psicanalítica da psicose infantil e do autismo. 2012. 224 f.
propostas, favorecendo a interação social? Nas salas de aula Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Área de concentração: psicologia Escolar e do Desenvolvimento
cantinhos, nichos poderão ser construídos com materiais de
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Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, _________________. A criação da criança: brincar, gozo e fala
São Paulo, 2012. entre a mãe e o bebê. Salvador, BA: Álgama, 2011.
BELINTANE, C. Vamos todos cirandar. In: Revista Mente e VIEIRA, M.C.S.; ALMEIDA, J.J. de. Contar histórias no Lugar de
Cérebro. A mente do bebê: o fascinante processo de formação Vida: carne de língua. In: KUPFER, M.C.M.; PINTO, F.S.C.N
do cérebro e da personalidade. 2.ed. revista e atualizada. São (orgs.). Lugar de Vida, vinte anos depois: exercícios de educação
Paulo: Duetto Editorial, 2008, p.66-75. terapêutica. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2010, p.193-199.
CORSO, D.L.; CORSO, M. Brincando com palavras. In: Revista YAÑEZ, Z.G. Aspectos instrumentais na psicose: reflexões para
Mente e Cérebro. São Paulo: Ediouro Duetto Editorial Ltda, uma educação inclusiva. In: Escritos da Criança. Porto Alegre:
Edição Especial n. 26, 2011, p.38-45. Centro Lydia Coriat, n.6, p.193-220, 2001.
UNÍNTESE
Cérebro. Doenças do cérebro: Autismo. São Paulo: Duetto
Editorial, 2010, p.62-66.