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Colegio ELOS Dirigida por J. Guinsburg 3 “ae : PREFACIO ae Janusz Korezak (pronunciar lanuch Korezak), de seu nome verdadeiro Henryk Goldszmit (promuncias Henrique Goldschmidt), escritor para criangas e ta mente hi cem anos. O presente volume, ado por esta ocasido, dé ao leitor uma breve exposicdo de sua atividade lite- raria. Em nosso preficio ao livro Como Amar uma Crianca* experimentamos mostrar a atualidade da Seance de Korczak, educador inovador, pedopsiquiatria antes da letra e acima do homem, que dedicou sua vida, sua morte nao & infincia, idéia abstrata, mas 4s criangas concretas, oprimidas, pobres e deserdadas. Resumimos aqui sucinta- mente sua vida e sua obra escrita. t cs I > Korczak era judeu polonés, nascido em Vars6via, entio sob ocupagZo da Rissia dos czares. Sva familia era muiio “as- similada”, isto é, patriota, apaixonada gua € Pela cul- 1. Ed. Laffont, 1978, trad. de Z. Bobo ict. tura polonesas; pouco praticante da religido, mas nfo renegou sev: judaismo. Como a maior parte dos intelectuais, 05 P: sonharam com a independéncia da Polénia ¢ com uma so\ dade onde a miséria fosse menos gritante. O avd foi um gifo na provincia, fato excepcional para um jude na Pol do século XIX. O pai, advogado abastado.e de'renome, morreu quando o jovem Henrique tinha 17 anos, depois de uma longa internagdo num hospissh psiquidtrico. A famitia empobreceu prutalrente e Korozak, que jé pruieta reformas pedagogicas e estudos sobre criangas, da liges para poder continuar com seus estudos ¢ para a mée e a ima. Aos 19 anos entra na faculdade licina. Estudante, trabalha nas bibliotecas gratuitas pa Igas ¢ adolescentes e faz amizadés nas ruas mais pobres de Varsovia. Desde 1900, ajuda a organizar as primeiras colnias de férias pa.a criangas do proletariadc, idéia revoluciondfiapara a época. Logo que dipiomado doutor em medicina, é mobilizado para a guerra russo-japonesa e parte para a fronteira da (nina, raais interessado em escolas rurais que pela derrota do wrército ruszo. Na volta, se especializa em pediatz nus hospitai> d= Berlim e de Paris e visita os ectabelecimentos pedagégicos de vangua-da em Londres € Zurique. T r, amente e pediatra “da moda” com uma’ clientelaabastada,porém dedica o seu tempo cada vez taais ao hospital, 40 s us escritos e ao trabalho com criangas pobres nas,escolas, na mcs. 3 coldnias de férias. Colabora na Universidade Popular, clandestina, e enceta amizade com militantes socialists, Ym 1909 é detiao pela policia czarista, posto na sinistra prisdo politica Cidadela e € ameagado de deportagao para a. Sibéria. Des’ este momento comeca a fundacto de um orfanato para criancat judias; fiscaliza a construgdo, colabora com 08 ;:quitrtos ¢ estabelece os prin- cipios da organizagdo. A casa se.abr em 1913, Korezak se 8 instala e toma-se diretor, médico, educador-chefe. Ele diminui ¢ abandona quase completamente suas atividades hospitalares e seu consultério. Dai em diante sua vida serd ligada 4 do orfanato. Contudo, deve deixi-lo de 19'4 a 1918, pois € mobilizado novamente pelo exército russo como médico na frente e em 1919 mobilizado novamente, desta vez no jovem exército da Polénia independente. Meao da loucura hereditaria? Necessidade de se dedicar? Sublimagdo alcangada? Korczak nunca se casard e nao ter4 criangas, 2 no ser as dos outros. Além do Orfanato, assume, de 1922 2 1936, a co-dirego pedagigica e médica da Nossa Casa, orfanato para criangas catélicas, dé cursos na Univer- sidade de Varsovia, fala semanalmente na Rddio Polonesa (1934-1938), tira algumas férias solitarias nos campos perdidos e faz duas viagens curtas 3 Palestina em 1934 e 1936. Ele é célebre, respeitado, mas considerandc tudo, solitdrio e vitima de suas contradigées: romédntico e cientista, judeu patriota polonés em um pais onde o anti-semitismo est4 em ascensdo, principalmente desde 1935; educador maravilhoso = demais mistificado pela sua fé na toda-poderosa agdo da hercdita- riedade e da eugenia. Parece tornar-se pessimista e desenganado, pressente a guerra que se aproxima. Newerly conta (p. 285) sua vida durarite a guerra e sua morte herdica numa camara de gas com suas criangas em agosto de 1942. otf Korezak era escritor. Escrevia muito < I gostava de escre= ver. Escrevia desde que tivesse um momento livre. Ele jé escrevia nos bancos da escola, cuja disciplina fria, sédica e impessoal nunca suportou. Escrevia até tarde da noite em sua dgua-furtada onde vivia sob os cumes do orfanato. Escrevia oS a ap Gh Oe as interrogagdes sfo mais freqiientes que as afirmagSes dogmiticas. Algumas passagens devem ser recolocadas em seu tempo, como, por exemplo, conselhos de higi especulagSes sobre eugenia e hereditariedade, Mas a maior parte du livro é dedicada a vida coletiva nos internatos, orfa- natos, colénias de férias. O autor trata ai, sem nomed-los € de uma maneira original, dos problemas to atuais como a transferéncia ou a psicoterapia institucional. A finura de suas observagies psicologicas e a beleza poética do estilo fazem dele uma verdadeira obra literdria. Pouco depois da guerra aparece. um estudo sobre criangas na escola matemal e no curso preparatério, Momen- tos Pedagogicos, um breve estudo dedicado aos jornais esco- lares, frgto de dez anos de experiéncia, onde Korczak ja dé a descriggo do jornal redigido inteiramente por criangas. A Bon faz conferéncias, sendo algumas as, instrutores, educadores, monitores, pais. Si de (Instituto de Pedagogia Especial) dé um curso sobre “A Educacdo nos Intematos”). Publica que dizem respeito, entre outras coisas, as tarefas do médico no internat, a enurese, ao corte de cabelos, a pesagem’se- mana!, as punig6es corporais ¢ 4 privagao de alimentos que ele condena’ veementemente. Outros cursos tratam ainda da reforma escolar na Polonia independente, do ensino especia- lizado, da imprensa para criangas. Um deles se chama signifi- cativamente “O,Educador Educado pelas Criangas”, em um outro faia de’ “criangas, ciasse social = tendo seus problemas: profissionais, suas proprias dificu. .des existén- ciais, suas necessidades, desejos, diividas. Desde 1926 é um dos primeiros na Buropa a mostrar a enorme impoitancia educativa do cinema € do radio ("Pro- 12 gramas de Cinema e Rédio para Criangas”). Em 1927, defende © controle da natalidade e a maternidade consciente e publica ‘um estudo sobre cris na.universtdade sobre uma das suas obras-prisnas: O Direito du Crianga u2 Respeito, verdadeira carta de dircitos da crianga. Propde faver do “Dia das Criangas” urn dia de teconciliagdo e de alianga entre criangas ¢ adultos. Em 1933 faz um estudo sobre o que sero ‘08 antigos pupilos do orfanato, publicando o célebre regula- mento, verdadeira constitnicao que liga criangas e educadores, sendo estes iltimos, inclusive o diretor, “resnonséveis perante as criangas pela estrita observancia das le Literdrias ou cientificas? Militante: wagogicas? Como classificar as duas atividad. a um lugar Jonversas do capital na vida de Korezak: a Petite 2 Velho Doutor? Em 1926, funda talvez o primeiro semanério no mundo, de grande tiragem, escrito, redigido ¢ realizado por criangas € adolescentes. A Petite Revue, gragas aos jovens redatores ¢ 4 sua rede de 2000 correspondentes, conta tudo o que passa com os escolares da provincia e de Varsévia. Ela deu toda a importancia que os fatos da vida cotidiana das criangas mereceram; relatou fielmente que tal ou qual instrutor tem sido injusto com-um menino, que um menino grande puxou os cabelos de uma menininha e que ndo € bonito puxar os cabelos dos mais fracos. Ler todas as sextas-feiras era um prazer para dezonas de milhares de criangas. Elas acharam ai tudo que se passava nas escolas, nas muas, nas familias, todas as alegrias, todas as injustigas, as amizades e 28 brigas, estas pequenas coisas de nada que os adultos esquecem e’consideram fiteis e que fazem toda a trama negra ou ensolarada da vida cotidiana ¢ real da crianca. Qs jomalistas da. imprensa adulta que as vezes ironizaram 13 FUVSVTFEFHFHSHSHSHSSSSSHHSUH: evvve este “jornal infantil” eram os que esqueceram ou, como se diz, recalcaram o mundo da sua propria infincia. Korczak, nada esqueceu e até a morte conhece, ama, sabe reviver e re- “sentir 0 vivido, a imaginagdo, a linguagem das criangas. Inter» rogado um dia sobre a sua visio de um joma! para criancas; ” responde: Gostaria de uma revista i i x evista que se imprimisse numa tipografi clandestna, que se. distibuisse as excontidas © que’ as ctiangas comprassem com di~heiro raubgdo dos pais. ‘Em 1936, zak abandona oficialmente o seu posto de redator- up 2k confia 20 seu secretario Neweily, mas cont Snar 2 Petite Revue até o seu itlimo nimero, aparecido em 1939, na véspera da invasdo nazista. ‘As conversas na ridio polonesa cor-ecaram em 1933 ou 1934 e so, provavelmente, as primeiras do géneto desde a invengdo da radiodifusio. Primeiramente ele conta aos pequeninos histérias e contos; estes respondem com milhares de cartas. Logo mais, o “velho doutor”, este era o seu pseudd- nimo nas ondas, se dirige aos adul pais, instrutores, educadores. Suas conversas-s4o pedagégicas, mas nao se pode imaginar alguém mais afastado da pedagogia classica: ele pensa que um dia o radio e o cinema (a televisdo nfo existia ainda) ajudarao a resolver “o problema trégico -da escc' que se extingue...” (nao parece que o audiovisual moderno tenha permitido a realizacdo desta profecia otimista). Neste interim, dé conselhos, ou melhor, explica concretamente, com humor, numa linguagem simples e cotidiana, que se dirige tanto 20 inconsciente como a razZo, como compreender a crianga, como respeitd-la, como amé-la para que ela desabroche e ndo sufoque sob 0 amor. . a | | | Bom nimero destas conversas foi publicado.sob forma de artigos na imprensa especializada. Algumas foram reunidas num livro publicado em 1939: Pedagogia com Humor. Em setembro de 1939 Korezak fala pelo radio, mas desta vez para levaritar o moral ¢ fazer um apelo paraa defesa de Vars6via em chantas, assediada e esfomeada. i Korezak romancista e novelista fala ainda ¢ sempre da crianga. B pena que ndo se editou ainda suas obras completas" . ‘Aos dezessete anos publica sua primeira novela, cheia de humor, onde recomenda aos pais tomarem as criancas. a” sério. Dois anos mais tarde recebe uma recompensa literaria por uma pega teatral inédita e perdida. J4 nesta idade, sob6 pseudonimo de Janusz Korezak, escreve varios fothetins, sobre- tudo humoristicos, que a renda destes ajuda sua mie, sua ima ¢ ele mesmo a viverem?. Em 1901 0 primeiro romance se intitula As Criangas da Rua: fica-lhes fiel aié a morte. Desta época datam igualmente as reportagens populistas, acima mencionadas, sobre os bairros pobres de Varsdvic. Mas as 1, O leitor encontra amualmente 28 obras editadas 6b forma de" livros em polonés, sendo algumas traduzidas em 25 linguas ¢ as Obras Escolhidas em 2 ou 4 volumes em polonés, hebraico, inglés; russo & alemio. Eis, a titulo de inforacgo, a lista das linguas: {diche, bulsero, tcheco, sérvio-croato,” gafo, Tumeno, sueco, francés, espanhol, ., azerbaijaniano, casaque, quirguiz, leténio, portugués, japonés, arme! lituano, tadjique, ucraniano. 2. Uma coletin-a d ~tes folhetins foi editada em 1906 sob forma de um livro, ainda atual © agradavel: Bétises et balivernes (Loli- ces e Futilidades). — criangas dos ricos nfo sdéo mais felizes. A Crianga do Salao* - (1906), que ainda hoje faz rir e chorar pelo seu misto de ternura, tristeza e humor, descreve a opressio de que do, vitimas, seus sonhos, fantasias, obsessdes € seus sofrimentos. Estes romances, fato freqiente na época, sfo publicadus sob forma de “folhetim” numa revista literdria ou polpular, por vezes varios anos antes de sua publicacdo definitiva em forma © de livros. = Em 1910 e 1911 aparecem assim dois pequenos traba- thos que se pode considerar como duas primeiras obras-primas, podendo ser lido tanto por criangas como por adultos: Joski, Muszki e Srule (trés mes populares judeus) descreve um grupo de criangas do proletariado judeu que numa coldnia de fé:‘as descobre, pela primeira vez na vida, a floresta, a torrente e... a vida comunitédria, num quadro resolutamente anti-hierdr- quico e nao repressivo. Jozki, Jaski e Franki (trés prenomes -popularesde criangas cat6licas) conta com o mesmo humor e ‘com 0 mesmo amor como as criangas passam nas colonias de fé- rias do proletariado polonés. Korczak toma parte num e noutra destas colonias, mas nao se podia pensar na Polénia de entdo organizar colénias comuns para as criangas das duas religides. Um ano depois aparece A Celebridade, 0 primeiro romance especificamente para criangas. Seu tema é 0 sonho jesejo de tomar-se célebre, de tornar-se muito diferente e um pouco seme- Ihante ao sonho de ascenséo social que os pais procuram “inculear na erianga. Est6'tema explica o sucesso do livro, pois 08 leitores se identificam sem dificuldade com o heréi. Sob diversas formas Korczak retoma este motivo em todos os seus livros para criangas. “Em A Celébridade & 0 sonho e sua reali izagdo entravada alguém, ao me: © tipicamente infantil (0 prenome Macius em poionés é Matiaszinho) é a fantasia realizada: um menino bem simples, de.modo algum principe, se bem que filho do rei, um menino come. vocé ou eu, como diria um leitor de dez anos, este mefiino torna-se de repente rei, isto é, monarca absoluto. As voltas constantement: com o egoismo, a estupidez, a vaidade dos adultos, representadz>~ “Ins ministros, reis, jornclistas... ele se esforca em construif'um mundo onde a criangs * ma igual ao adulto, deixa de ser uma minoria o;..-midz, ust pais onde a democracia toma-se realidade e realidade para dos: os pobres, oS negros » as criangas. E todo jovi... witor se sente tanto mais s~"ddrio com este bom rei jue ele 1 .1m livro impresso a valicac; de sua prépria fantasia .negalémana: e todo leitor chora 9 Jes: amento deste belo sonho, a vitéria dos adultos rasodveis, dvidos e, feitas as contas, estipidos, a condenagio, cativeiro e a morte do reizinho, jé adulto, fildsofo e pessimista antes da idade (O Rei Matias numa Itha Deserta) Em Faléncia do Pequeno Jack (1924) € 0 império dos negécios onde uma crianga penetra:-o seu sonho de grandeza nao é tomar-se ico'e subir na escala social, mas acabar com © roubo, injustigas e substituir 0 lucro pelas cooperativas. Ai também, apesar do verdadeiro génio em negocios do pequeno Jack, 0 sono desaba. Em Jojo, 0 Bruxo, Caetano, o Magico (1934) a fantasia megalémana esta apresentada 4s criangas no estado puro: uma crianga, igual a elas, que dispde de poderes sobrenaturais € que alguns dos seus desejos se realizam a despeito da veros- similhanga e do bom senso. A iiltima novela que Korczak escreveu para criangas Us: Rapaz Obstinado (1938) mostra como um sonho de grandeza pode realizar-se na vida real: ndo é mais uma ficcdo, 17 mas uma biografia apenas romanceada de Louis Pasteur. Este opusculo prova a extraordinaria continuidade de pensamento € dos desejos de Korczak: desde 1902, num artigo “Biografias” ele se propés escrever toda uma série le biografias, contando a infancia de grandes homens como Pasictir, Pestalozzi, Leonardo da Vinci. Eu mesmo, como crianga, era como tantas outias na Polénia, leitor assiduo dos romances 4- “ ‘zak. Ma época nunca teria acr2litado que o seu autor puaesse ser um homem sério, cientis'- pedagogo. Parecia que escrever como Korezak era fil, que sua linguagem, seus esczitos, sev estilo, vinham por si s6. Soxtnte como: adulto compreendi todo 0 génio necessdrio rara saber dar este sentimento de evicfacia 4208 leitores infantis. Somente como adulto que iravei tonhe- cimento com os livros de Korczak para “pessaas grandes”. O estilo no era o mesmo, mas ld também o estilo ndo era - que se esperava de um livro pedagogico e sério. Poeta em prosa para criangas, Korczak permanece poeta em suas obras para adultos ¢ mesmo em seus trabalhos cien- tificos. Na poesia & que ele resolve todas 2s contradig6es de. sua vida atormentada ¢ como grande poeta, amigo das criangas, que ele merece passar & posteridade. S. Tomkiewicz ~ O Direito da Crianga ao Respeito igs Em 1929 ik escreveu no aici preficio da segunda do seu livro Como Amar uma Crianga: Qual € mir de hoje para com a crianga € a 8 fespondo a esta mi 10 Diseito da Crienga ao Respeto. Bin F 1. FALTA DE RESPEITO E FALTA DE CONFIANCA Vivemos na idéia que um grande vale mais que um pequeno. — Bu sou grande, grita alegremente um menininho posto em pé numa mesa. — Sou maior que vocé, declara com orgulho a um amiguinho da mesma idade, mas menor de estatura. Como é penoso nfo poder alcangar um objeto, sobre- tudo s6 para fazé-lo voc’ se poe nas pontas dos pés! Que can- seira para as peminhas querendo acompanhar os passos de um adulto. E 0 copo que escorrega sempre das maos pequenas demais. Que esforgo, que gestos desajeitados somente para trepar numa cadeira, subir numa escada, sentar-se num carro; impossivel abrir uma porta, olhar pela janela, dependurar cu suspender um objeto, sempre alto demais. Numa multidgo inguém the dé atengfo, nfo se vé nada, se é empurrado. Decididamente, no € facil nem agraddvei ser pequeno. F preciso ser grande, ocupar bastante lugar para susci- tar estima e admiragdo. Pequeno, quer dizer sempre: banal, desprovido.de interesse. Gente pequena, pequenas necessida- es; pequenas alegrias, peyuenas tristeza. 21 VVHBHvsesvvvgvsvuevwrewrrrnunv"vrrvwr TS 8 Tudo € grande para se impor a nés: grand. montanhas altas, arvores majestozas. abe Dizemos: “Uma grande ctya, um grande homem”, _ Uma crianga, to pequena, tao leve... {70 pouca coisa Precisamos abaixar-nos para chegarmos a ela. Também tio fraca, ¢ isto € que o pior. “Podemos levanté-la, projetata no ar, sentd sua vontade, dizerlhe para parar de correr, momento o menor dos seus esforgos. contra a uilar a cada Mostrase indécil? Somos bastante fortes para acabar com isto. Dizemos: “Nao vd, ndo toque, vi lé, devolva” e a crianga sabe que precisa obedecer. Antes de chegar lé, quan- tas vezes protestou, sempre em vao. Ei-la agora submissa, resignada. Quem ousard tratar assim um adulto? As circunstancia~ deveriam ser excepcionais para que ele se veja insultado, empurrado, maltratado. Enquanto parece nos natural e inocente-dar um tapa na crianga, agarrar a Sua mo nar nos seguir docilmente, aperté-la brutalmente em nossos bragos. A impoténcia favorece o culto da forga. Se se arroga depressa © direito de manifestar livremente o seu mau humor. Nao hd necessidade de ser adulto para utilizar 0 argumento da forga, forgar 4 obediéncia. Pode se fazer mal impune- mente se se sentir mais velho ou mais forte -fisicamente. E © nosso exem, i i plo que ensina A crianga desprezar tudo que fraco. Mi educagaoe triste pressigio. : “ ‘A face do mundo mudou. Nao precisamos mais dos nossos miisculos. para trabalhar ou para deiender-nos do inimigo. O nosso" bentestar e nossa seguranc2 ndo dependem mais da nossa forca fisica. Agora € 9 nosso essravo obediente, a maquina, quevos, atranca da terra, das florestas, dos inares. Desde que os misculos perderam o valor de garantia exclusiva de privilégios, 0 intelecto ¢ a ciéncia aumentaram em nossa estima. ‘A modesta célula do pensador de ontem e as quinqui- Iharias do alquimista tornaram-se centros de pesquisa € grandes laboratérios. As bibliotecas aumcntam sempre e suas. estantes vergam sob © peso dos livros. Orguthosos templos do espirito atraem cada vez mais pessoas. O nomem da cié cria e ordena. Através dos hierdglifos, das cifras e dos si bolos, com que bombardeia amultiddo de mertzis, traz 0 teste- munho do pod... ¢. ‘somem. F. preciso que 0 espirito posta assimilar tudo isto e que a memoria chegue 2 fixd lon © ensino se alonga por anos de trabalho fastidioso; sempre mais escola, mais provas, mais palavras impressas... € do outro lado o fraco, a criancinha tao pouca vivida que nao compreende nada, que nao sabe nada ainda. Interrogacdo que mete medo: como repartiz, os territd- rios conquistados, as tarcfas e os saldrios? Como acomodar nossa vida sobre este globo a que somos submetidos? Quantas oficinas precisamos implantar para dar trabalho as mos ¢ cérebros que 0 reclamam? E como fazer para manter em ordem esse formigueiro humano, assegurar‘a’ sua proters0 contra a md vontade ¢ a loucura individuais? Como preencher as horas da nossa vida, encontrar um equilibrio entre 0 tra- balho, repouso, distragdo, defender-nos da apatia, da saturacio, do aborrecimento? Criar aglomeragdes discipiinacas, facilitar 2 4 a comunicacio, ou, a0 contririo, dispersar e ou frear, inflamar ou apagar: quem, onde ¢ como? \gam suas posigées, Prudentes, politicos ¢ juristas mas isto cada vez é um novo erro. il interesse também pela” crianga; ‘debates e° decisbes se sucedem sem que o interessado seja jamais consultado. Teria ele algo 2 dizer? Nesta luta pela existéncia e influéncia, além do espirito ¢ da ciéncia, a malicia é de uma ajuda consideravel. Um “esper- to”, sempre alerta, descobre logo as boas ocasides recebe muitas vezes mais do que devia. Ele no se embaraga com es- criipulos, seus ganhos sio ripidos e faceis; ele deslumbra e sus- cita inveja. Nao, nao é facil conhecer bem os homens: a vida Constz6i altares na sombra das pocilgas. E a crianga? Caminha desajeitada com seu manual escolar, sua bola ¢ sua boneca. Present: ~ue acima dela, sem que cla participe em nada, passam coisas importantes que decidem a sua felicidade ou a sua desgraca, punig6es © recom- pensas € que quebram sua resisténcia. A flor anuncia o fruto; um pintinho amanha seré galinha que pde ovos! aifiovilha acabaré dando-nos leite. No momento eles exigem muitos cuidados e despesas e preocupagées esto sempre ‘presentes: sobreviveré, nfo nos decepsionara? A juventude € fonte de inquietac&es, é preciso esperar tanto tempo. Talvez tornar-se-4 o arrimo da nossa velhice: ela nos recompensaré além da nossa expectativa... Contudo, a vida no vai sem secas, geadas, aguaceiros da primavera que destroem as colhcitas. _Nio_fazemos outra coisa sendo estudar os Pressagios; gueremos piever tudo, assegurarmo-nos de tudo. Esta espera ansiosa daquilo que viré aumenta nossa irreveréncia para com O.que esta af. - : O jovem ¢ o seu pequeno valor barganham: somente perante a Lei e Deus que a flor de macieira e o trigo em flor valem tanto quanto uma macd e o campo de trigo maduro. Nés 0 acalentamos, protegemos, educamos. Ele recebe tudo sem se preocupar com nada. Que seria dele sem nés a quem deve tudo. Tudo, sem excegdo, a somente a nés. Nés conhecemos os caminhos do sucesso. Prodigali- zamos-lhe lig5es e conselhos, desenvolvemos suas qualidades, corrigimos seus defeitos. Nés nos encarregamos de dirigi-lo, de melhoré-lo, de endurecé-lo. Ele nfo pode nada; nés podemos tudo. . Damos ordens e exigimos submissdo. Moral e juridicamente responsaveis, sabendo tudo e prevendo tudo, somos os unicos juizes de seus atos, movi- mentos, pensamentos e projetos. Estabelecemos seus deveres e cuidamos que ele os cumpra. Tudo depende da nossa vontade e da nossa com- Preensao; sfo nossos filhos, nossa propriedade, é proibide tocar neles. {A situagdo, de todo jeito, evoluiu um pouco: o con- trole social jf faz uma timida aparicdo, levemente, imper- ceptivelmente, ele se opde 4 vontade e autoridade paternais.) Enquanto_até_um_mendigo_disp5e, a sua_ _Maneira, da esmola_que recebe, a crianga ndo_possui nada que seja sua propriedade; deve prestar conta de cada objeto que for posto 25 gratuitamente em suas mdos: ndo pode rasgé-lo, nem quebrar, dar, nem pode recusar. Deve aceité-lo € mostrar-se satisfeita, Tudo € previsto 2 regulado antecipadamente, os lugares, ¢ as horas, com prudéncia e de acordo com a natureza de cada ocupagio. s, (Nao serd esta a razdo do seu apego aos obyetos sem valor? Apego esse que nos surpreende e que desperta nossa comiseragdo. Estes pedagos de barbante, caixinhas e pé- rolas, toda esta quinquilharia sem conta, nao sfo sua itnica propriedade?) ‘A crianga deve merecer todas essas benesses pela obe- digncia e pela boa conduta. Somos sensiveis a uma bela oracdo, deixa-nos enternecer... desde que a crianga nao exija nada. Tudo que lhe damos. depende_da nossa boa vontade, nao de seus direitos que sdo nulos. = (Uma comparagdo dolorosa se impée: a de uma mulher mantida por um homein rico.) sua dependéncia material, peia miséria de sua condigao. ~~ Faltamos com o respeito & crianga porque ela nfo sabe nada, nao adivinha nada, nao pressiona nada. Ela nfo conhece,as dificuldades, nem as complicagses da vida adulta, ignora de onde vém estes periodos de agitagio, de desalento, de lassiddo que perturbam a nossa paz e estraga © nosso humor; ndo tem a minima idéia da derrota e dos desenganos que acompanham nossa maturidade. Ingénua, 26 deixa facilmente se enganar, sem desconfiar seja do- que for. « ~» Ela acredita que a vida simples e facil Tem 0 papai e a mamée. Papai ganha dinheiro, mamde compra tudo que é preciso, Ndo sabe o que é trair seus deveres ou lutar por gquilo a que tem direito ou vantagem: _Liberada de toda preocupagdo material, ignorando <3) “tentagces fortes, as agitagdes, nao pode compreender-nos, nem nos julgar. Nés a adivinhamos sem. dificuldades, a penetra- mos com uma olhadela; no precisamos de interrogatérios para descobrir suas pequenas astucias desajeitadas. E se esta imagem que fazemos da crianca nfo for senao |. uma ilusio? Talvez ela dissimule, talvez sofra em segredo? ; ee Nés escavamos montanhas, abatemos drvores, exterml- namos animais. Novas cidades surgem em grande niimero onde antes s6 havia florestas e pintanos. Implantamos 0 homem em terras semp:? novas. =. Nés submetemos o mundo; o ferro ¢ o animal estéo a nosso servigo. Colonizamos as ragas dé cor, re aproxi- madamente as relagGes entre os povos « lisonjeamos as massas. ‘A paz e a justiga estio ainda longe: a miséria ¢ a humilhagio predominam no mundo. ae Como as nossas criangas nos parecem pueris com suas dividas e suas reservas! 0 espirito democritico da crianga ndo conhece hierar quia: ele sofre da mesma forme diante da fadiga do trebalhe dor, da fome de um camarada, da miséria de um burto de cate, do suplicio de uma galinha sendo degolada, O cachorroe 0 piss oe sab sous proximos, a borboleta e a flor seus iguss. El des a cobre um irmao numa Solidatiza de nés em seu © homem possui alma. pedra ou numa concha, Ela se des W orgulho de novostico; ignora que s6 N6s_ndo_respeitamos a criarigad pofque“la teri’ mu j horas de vida pela frente. ee sae Enquanto | NOsso$ passos tomam-st pesados, nossos gestos interesseiros, nossa percep¢Ho e nossos sentimentos empobrecem, a crianca corre, salta, olha em sua volta, se maravilha € interroga em pura gratuidade. Ela desperdica suas lagrimas e prodigaliza seu riso generosamente. _ No outono, quando o sol € raro, cada dia’ bonito é Precioso, na primavera as drvores sdo verdes ‘e qualquer jeito. Nao ha necessidade de cuidados supérfluos, precisa tao pouco para a cri: T feliz. Ndo a tomamos a sério, nos livramps del: iruetas, sem consideracdo pela exube: rancia da su: nem pela sua alegria que ela da com tanta facilidade.. Corremos atrés do tempo. Cada quarto de hora, cada ano tem a sua importincia, enquanto a crianga tem todo o seu tempo, nao arrisca faltar ao encontro com a vida. Ainda nio € soldado, nao defende a patria, mesmo que sofra ao mesmo tempo que ela. Nao se precisa-do seu sufrégio, pois ainda nfo é eleitor; ela nao artisca proferir ameagas, ndo exige nada, nao diz nada. Pequeno, fraco, pobre, dependente, nao ¢ senao um cidadao em potencial. Tratado_ ora_com —indulgéncia, ora com brutalidade, 28 porém sempre € em_toda parte com o mesmo desrespeito. Ela € apenas uma crianga, umn garoto. que so sera homem amanhd. E preciso esperar ainda para existir verdadeiramente. Vigiar, t@-la constanfemente debaixo dos olhos. Vixiar, nao largéla um minuto. Vigiar que ndo fique nunca sozinh2. A todo momento ela se arrisca cair, se machucar, sujar. tudo, entornar, rasgar, quebrar, se perder; por foge na casa, deixar entrar ladrées. A desgraga chega tdo depressa e ¢ a inva- lidez para o resto da vida: ela, seu amiguinho de brinquedos, nds mesmos, todo o mundo é ameacado. Vigilincia ainda e sempre; & preciso proit jativa, exercer um direito absoluto de controle ¢ critica. Ela nfo sabe quanto, como e 0 que comer e beber; ignora os limites que 0 cansaco imp6e. Cuidar-se-d de suas tefeicgdes, do seu sono, do seu repouso. Durarte quanto tempo? Até quando? Sempre. Debalde ela muda com o tempo, nossa desconfianga permanece ou mesmo cresce. Ela é incapaz de discernir o importante do fatil. A ordem, um trabalho sistematico, tantas nogdes que lhe permanecem estranhas. Distraida, esquece tudo, negligencia 08 seus deveres. Ndo tem a menor idéia de suas responsabili- dades futuras. Nos deveros instrutla, servirlhe de exemplo, corrigi-la, reprimir os seus mausinstintos, alertéla, imporlhe uma conduta a seguir. Combater as sua fnomices, seus caprichos, sua obstinaczo. ’ » » » B30. opior, Fazer com que aceite © nosso programa feito de pru- déncia, previdéncia, medo e inquietude, mavs pressentimentos € previsdes sombrias. Ricos de%nossa experiéncia, conhecemos os perigos, as armadilhas, as d¢sgragas ¢ catdstrofes que a espreitam. Sabendo que mesmo a maior prudéncia no nos poe nunca_inteiramente a salvo do perigo, redobramos a des- confianga por desencargo de conscigneia. Assim, em caso de infortinio ndo teremos de que nos acusar. Travesso por gosto, dir-se-ia que ela ¢ estranhamente atraida pelo mal: dé ouvidos aos miaus conselhos e segue sempre os piores exemplos. Facil de perverter, ela se mostra refratéria a toda ten- tativa de emenda. NOs, que s6 queremos o seu bem e s6 desejamos faci- litarlhe a vida, colocamos a sua disposicgo toda a nossa experiéncia, basta ela dar a mao e seguir-nos. Conhecemos bem todas as coisas prejudiciais as criancas por termos j4 as experi- mentado... Que ela possa, por sua vez, ndo experimenté-las, que istoxpelo menos, lhe seja poupado! — Lembre-se... saiba... trate de compreender. — Espere um pouco, vocé verd. Ela nfo quer escutar. Desobedece iri contradigao. Por eenaitonge _ Que trabzlho, que paciéncia para acabar com a sua obs- tinacdo, para conseguir dela um esforgo! Sozinha, ela iria para enveredaria pelos caminhos os mais perigosos. a > | Pode-se tolerar os seus feitos ruins, suas bobagens insen- satas, seus gestos irrefletidos? Ela ndo-é, para dizer a verdade, senZo um ser primdrio em quem’é dificil confiar; mesmo sua submissdo, sua candura so apenas aparéntes, Em suma, um malfeitor, um findrio. “Tem sempre um estratagema & mdo) para escapar 20 nosso controle, entorpecer ndssa vigilincia, zombar de n6s. ‘Acha desculpas para tudo e est4 sempre pronta para uma dis- simulagdo ou mentira. Com ela vocé nunca pode estar seguro de nada, a divida esté sempre presente, engendrando falta de respeito e des: confianga « além disto suspeitas e acusagdes. Uma comparagfo penosa yerr 4 mente. sera ela entio a um aventureiro, um hébado, um revoltado, um louco? Como fazer para viver junto sob 0 mesmo teto? 2 31 2. O RESSENTIMENTO © Tanto faz. Nos amamos as criangas. Tais como sdo, elas so a docura, a esperanca, a luz da nossa vida, nossa alegria owo repouso. Por que espanté-las, prostré-las, atormentd tas? * Que vivam livres e felizes... Donde vem entdo este sentimento de peso, de embarago, de sobrecarga tremenda? Como explicar que este queridinho tenha uma to ma reputacao? ‘Antes mesmo que ela chegue a este mundo inéspito, a confusdo e as .essii¢es aparecem no seio da familia. Adeus ‘aos meses demais curtos quando a espera era alegre. ‘Ao fin de um longo periodo de indisposiges vern a doenga,a dor, depois as noites agitadas e as despesas impre- vistas. A paz do lar € perturbada, a order comprometida, orgamento desequilibrado. Loge, ao odor acre’ dos cueiros ¢ aos gritos agudos do recém-nascido se junta o ruido das cadeias conjugais. 33 ¥ E este outro inconveniente, o de nfo + poder compreen- % der-se com palavras, o de ser condenado a brincar Ge adv. » nhago. Espera-se entdo pacientemente. Quando j4, enfim, fala e anda ~ isto é, quando jé i todos 0s cantos, toca em tudo, vista os lugares da ean soe incomoda outro tanto, o sujeitinho déspota. Ele faz uma porgo de estragos, opondose sempre a nossa vontade sabia, exige muito e nfo compreende sendo 0 que Ihe agrada. Tudo isto nfo so, de modo algum, ninharias; nosso ressentimento para com a criansa se alimenta justamente de todos estes despertares madrugais, jomais amassados. © paredes mancadas, bindculos ou vasos quebradas, perfume derramados, honordrios pagos ao médico. Adormece muitas vezes no momento que menos nos convém, come seguindo a sua propria fantasia. Vocé espera que ela sorria: espantado, ela comeca a chorar. E com tudo isto,é frdgil: a menor imprudéncia arrisca provocar uma doenga, fazer surgit novas dificuldades. Desde que um perdoa, outro, descontente, se-apressa a acusar; além da mie, o.pai, a governanta, a empregada, a vizinhanga que tomam a peito a boa educagdo da crianga; cada um deles pode castigar contra a vontade materna, por vezes sem que ela saiba. __ © pequeno intrigante é muitas vezes a causa da disputa e fricgdes entre adultos; ele acha sempre alguém para ficat zangado ou mal disposto. Ndo € raro, que a indulgéncia de 34 um valha para a crianca para ter que responder perante outro. oe ” Nossa bondade mesma é muitas vezes apenas uma negligéncia disfargada_e incompreen: E ainda ai € a crianga que fica com a responsabilidade das faltas cometidas por outros. . _ (Sejim meninas ou meninos, ndo gostam que os chamem de “ctiangas”. Quando se chocam com as nossas admoesta- {Gdes, este nome os compele.a responder pelo passado, a dividir amé reputacdo dos pequenos.) Nio, a criangdo nfo €, muitas vezes, 0 que queriamos que fosse e 0 seu crescimento para nés € ocasigo de muitas decepgoes. — Jaé tempo dele... Nés temos Ihe dado tanto e com tamfo amor! Ele ndo podia recompensar-nos um pouco com a sua boa conduta? Deveria, portanto, compreender, aceitar certas coisas, re- nunciar a outras e, antes de tudo, mostrar-se_reconhecido. Na medida que cresce, seus deveres e nossas exigéncias aumentam. Mas a maioria das. vezes ele. os int 20, contrario e fica aquém daquilo que dele se espera. Logo a escola tomard parcialmente conta dele e nés teremos de ceder uma parte do nosso poder e das nossas exi- géncias. Resultado: vigilincia redobrada, responsabilidade acrescida, autoridade desdobrada com risco .de_conflitos. E novos defeitos aparecem. < Os pais tém a tendéncia de desculpé-losa sua indul- géncia decorre de um nitido sentimento de culpa‘de ter dado 4 luz este ser imperfeito ou, no caso de uma crianga enferma, de terthe imposto um sofrimento. Acontece que a mie procura numa doenga imagindria o meio de defender a crianga 35 36 contra as acusagdes de estranhos ou contra as suas proprias dividas. Em regra geral, a voz da mde ndo inspira confianga. Ela € julgada parcial e incompetente. A crianga, merece tanta benevoléncia? Para‘ responder esta pergunta que nos preocupa, dirijamo-nos a estes peritos que sdo os educadores. E taro que wm educador admitido como preceptor por um particular encontre condigdes favoriveis a um bom entendimento com as criangas. Constrangido por um controle que inspira desconfianga, ele se vé obrigado a manobrar entre as indicagdes vindas de cima e as suas proprias opinides, entre as exigéncias exteriores e a sua propria comodidade. Responsivel pela crianga que lhe foi confiada, ele deve suportar as conseqiiéncias das decisoes duvidosas dos seus patrOes, tutores legais da crianca. Constrangido a‘dissimular ou a contornar as dificuldades, € ameacado pela corrupgdo e pode resvalar facilmente pela hipocrisiae pela preguica. ‘Ao longo dos’ anos a distancia entre as suas exigéncias de adulto e os desejos da crianga aumenta, o que o leva a por em pratica meios de adestramento pouco honestos. Comega a, se- queixar deste tr halho ingrato: para cast’ ar qualquer um, Deus fez dele um educador. Como 6, pois, cansativo este ser sempre agitado, baru- Ihento, curioso da vida e de seus mistérios; suas perguntas e seus espantos aborrecem-nos, assim como as suas descobertas e suas experiéncias, quase sempre malogradas. E raro sermos scus conselheiros ou seus consoladores; estamos na maioria das vezes no rol de juizes. Contudo, os castigos infligidos na hora s6 tém este tnico resultado: — Os desvios que nascem de aborrecimentos ou da revolta se fazem mais raros, porém mais violentos, matizados de raiva. Para acabar com eles, para se assegurar contra as mds surpresas, reforca-se ainda mais a vigiléncia. Sua queda amortecida uma vez, eis 0 declive 20 longo do qual 0 educador escorregaré: — Falta de julgamento, falta de confianga, suspeitas; © educador comega a observar a crianga e acaba por sur- preendé-la em flagrante delito; acusagdes, vastigos; busca de meios de prevencao eficazes. — Recurso cada vez mais freqiiente as proibigdes e ao constrangimento. — Ele néo vé mais os esforgos da crianga que tenta preencher apropriadamente uma pdgina do seu caderno ou uma hora da sua vida. Agora sé tem para ela palavras frias de condenagéo. © czutceleste do seu perdio é cada vez mais raro, subs- tituido pelo vermelho-vivo da célera e da indighagio. A tarefa, no entanto, é mais drdu2 ainda quando se trata de um grupo de criangas. Quanta compreensao € neces- sdria entaoi Como ¢ facil cometer 0 erro de uma acusagao injusta, de conceber um rancor ridiculo! 37 Uma 86 crianga, mesmo fraca e pequena, chega a cansar- nos * suas pequenas bobagens nos agastam, porém quanto mais temivel, cansativo, exigente e imprevisivel em cuas reagdes a0 lado dela é a multidaa! Compreendam: ali ndo se trata mais de criangas, mas de um grupo organizado em bando. Isto ndo tem mais nada a ver com criangas. Vocé jé tem ma idéia da sua forca e eis que de repente se sente fraco e pequeno. A multiddo, este gigante cujo peso representa o de uma coletividade dispondo de um capital enorme de experiéncia, agora se levanta na sua frente, ora solidéria em sua resisténcia, ora dividida em um sem-nimero de pares de pernas e mos, cada um com uma cabeca cheia de idéias e de exigéncias secretas. Como tudo é dificil pera um educador que chega numa classe ou num internato onde as criangas tenham sido demais contidas! Desgostosas_ com uma disciplina demasiado severa, insolentes, elas se organizam como bandidos para impor sua lei a vocé. Como sdo fortes e perigosas, quando num esforgo cole- tivo chocam com sua vontade que quer barrd-las! Nao sdo mais criangas, mas elementos desencadeados! Quanta revolta escondida que o educador prefere silen- ciar, com vergonha de se confessar mais fraco que a crianca. Uma vez escaldado, ele nio se embaraca mais com escripulos para sufocar, dominar os insolentes. Acabam as confidéncias, as brincadeiras, mesmo as mais inocentes! Proi- bidos os dar de ombros, os gestos hostis, os siléncios obstina- dos. os olhares irritados! Esta indocilidade atrevida precisa ser extinpada pelas raizes, queimada ao fogo da vinganca! O educador comprard entio os dirigentes com privilégios, esco- lherd os seus confidentes, trataré com rigor sem ter em conta ae a justica, decidido a extinguir a primeira centelha de revolta para que esta multidao temivel nfo tente, mesmo em pensa- mento, ditar-lhe a sua vontade ou soltar-se. - A fraqueza da crianca desperta, as vezes, a nossa ternura; afoxea zpo $6 pode indignar e ofender-nos. Nada_mais falso_que a opinifo de que a gentileza torna as criancas insolentes ¢ a dogura leva inevitalmente 4 desordem ¢ insubordinagao. Mas, pelo amor de Deus, nZo chamemos de bondade a nossa negligéncia, nem nossa inabilidade nutrida de_asreiras, Entre os educadores, além dos “espertos’ maneiras rudes e misantropas, encontramos os mandrides que ninguém quer, em lugar algum, incapazes de ocupar qualquer posto de responsabilidade. © educaaor, as vezes, apela a sedugdo para ganhar rapi- damente e sem custo a confianga das criangas. Em vez de organizar a vida do grupo, o que representaria.um trabalho lento e consciente, ele condescende em participar nos jogos delas, nos dias que se sente disposto. Esta indulgéncia senho- rial est4 sempre mercé de qualquer momento de mau humor sé 0 torna mais ridiculo aos olhos das criangas. ~ Por vezes, muito ambicioso, pensa mudar o homem com a ajuda da persuasdo, com palavras moralizantes; acre- dita que é suficiente comover para obter uma promessa “? emenda. Ele acaba irritando e aborrecendo. E se pensa em Se fazer passar, aparentemente benévolo, por aliado, usando palavras hipécritas, a sua perfidia, vinda 4 luz, 86 inspirard desgosto. - 39 Um tratamento mau engendrard sempre 0 desprezo, os falsos sinais de amizade, hostilidadee revolta, a falta de confianga, conspiragdc. : ‘Ao longo dos meus anos de trabalho nasceu uma convicgao cada vez mais firme: sim, as criangas merecem 0 nosso respeito, a nossa confianga, a nossa amizade. E bona viver nesta atmosfera particular feita de sentimentos delicados, risos alegres, esforgos entusiastas, primeiras admiragdes, alegrias puras ¢ claras. E um trabalho estimullante, atil e belo. ats Contudo, uma coisa me inquietou, despertou uma davida: como é que uma crianga, a mais segura, as vezes nos decepciona? Por que estas explosdes — na verdade raras — de insubordinagio Os adultos, é verdade, ndo sao melhores, mas em todo caso, sio mais ponderados, mais firmes, reservam-nos menos surpresas desagradaveis. ’ Obstinadamente, procurei uma explicagdo € pouco a poueo cheguei a formular assim a minha respost~: ~ (1) Se o educador procurar, antes de tudo, determinados tragos-de cardter, aos seus olhos mais positivos, certas quali- dades que julga mais preciosas procurar modelar todas as criangas sobre um, mesmo padrdo e levé-las todas na mesma diregdo, ele seré logo enganado: muitos responderdo aos seus desejos apenas na aparéncia; outros, sensiveis as suas sugestoes, se esforcardo para seguir os seus preceitos. Mas s6 duraré algum tempo. No.dia em que a verdadeira face da crianga for,enfim, revelada, nfo somente o educador mas elas mesmas, as criangas, ressentirdo dolorosamente a sua derrota. Reagiréo 40 com tanto mais violéncia quanto mais esforgo tenham feito $ para dissimular-se ou submeter-se. Uma vez desmascarada, a crianga ndo tem mais nada a perder. Que licdo importante se pode tirar disto! : / 2. Os julgamentos do educador e os do grupo no obe- decemi aos mesmos critérios. Qualidades, algum dom par- ticular de um colega, as criangas descobrem tudo isto téo depressa como 0 educador, mas enquanto este se empenha em fazer desabroché-las, as criancas contam tirar delas um lucro imediato. Este privilegiado dividird com elas as suas riquezas naturais ou guardard s6 para ele, esta espécie de orgulho egoista, sujo e avarento? “Fulano se faz dificil, ele queria que a gente Ihe suplicasse!” Criticardo que nunca quis contar uma histdria, particinar de uma brincadeira, fazer um desenho, prestar um servigo. Deixado 86, ele tentard reconquis- tar por um gesto espetacular a simpatia do grupo. Sua conver- so ser sempre acolhida com regozijo. O seu gesto nao signifi- cara de modo algum uma mudanga para pior, a0 contrdrio, indicaré que a crianga mudou, que se tornou melhor. 3. Eles decepcionaram/ofenderam como grupo. A explicagdo, encontrei-a num livro sobre adestramento de snimais endo tenho vergonha de dizé-lo. Ai se aprende que nao é quando um ledo est com raiva que é mais perigoso, mas quando est brincando e, todo excitado, quer continuar brincando. Em sua forca, a multiddo parece com um ledo. A psicologia s6 no € suficiente para dar todas as res- postas. Ericontsarse-d muito mais num livro de medicina, 41 wTwerwvweowvwreTowrereoewewrwvwrrwwrwrwvrowewrewwwTweYv ,~ sociologia, etnologia, histéria, poesia, criminologia, num livro de orag3o ou num manual de adestramento de animais. 4.E enfim a dltima explicagao, de longe a mais ensola- rada: uma crianga pode embriagar-se com oxigénio como um adulto com vodka. Sintomas: excitagdo, controles diminuidos, temeridade, confusio € como conseqiéncia: sentiraentos de culpa, aesgosto de si mesmo. Minha observacdo ¢ estrita- mente clinica. Alguém pode ser muito digno de_respeito e nao resistir ao dlcool. Nio castigar: esta clara embriaguez honra as criangas e deveria emocionar-nos. Em vez de distanciar-nos, ela nos aproxima; de inimigos, ela nos ajuda a tomarmo-nos seus aliados. Dissimulamos nossos defeitos e nossas agdes, as mais vis. Sob pena de grave ofensa, as criangas ndo podem cri car-nos, nem se aperceber de nossas fraquezas, nossas extra- | Vagancias, nossos ridiculos. Posamos como modelos de per- fei¢do e defendemos nossos segredos, nés, 0 clé no poder, a casta de iniciados, investidos de tarefas elevadas. A crianga, todo o mundo pode desnudé-la, colocé-la no pelourinko: Trapaceiros profissionais. jogamos contra as criangas com cartas marcadas, cobrindo com os ases de nossas qualida- des suas cartas pequenas de suas fraquezas. Nés nos arranjamos Sempre-de-modoa opor_o que temos d@ mais precioso a0 que elas tém de pion. » * Onde estdo, nesse momento nossos desleixados e ata- rantados, nossos comildes € mossos preguigosos, nossos imbecis, pandegos, ‘nossos ‘aventureiros, trapacciros, nossos bébados e nossos ladrdes? E nossa brutalidade, ncssos crimes notérids ou, ocultos? Quanta discérdia, astuicia. citimes, male- dicéncia, ‘¢hantagem; palavras que ferem, que desonram; quanta tragédia familiar sérdida cujos primeiros martires so as criangas! E nos temos a andicia de acusé-ias? Contudo, nossa respeitavel sociedade adulta jé passou por mais de um crivo: quantos desapareceram em cemitérios, prisdes, manicomios; quantos entraram nas Aguas s\ criminalidade. Em vez de permitirthes julgar por eles mesmos, rés Ihes impomos um respsito cego pela idade e pela experiéncia. Assim, encorajamos um bando de jovens impertinentes, mai~ velhos, a levé-'9s, muitas vezes 4 forga, a compartilhar suas experiéncias duvidosas. Estes viciados, desequilibrados, vao aonde bem lhes parecer, atropelan tudo e todos, brigam, fazem mal e conta- minam os outros. Fazem nos ver também, de passagem, que € por causa deles que as criangas so coletivamente culpadas. Estes poucos casos isolados alarmam a opinigo, marcando com nédoas visiveis a superficie da vida infantil e ditam a rotina pedagégica os seus métodos habituais: medidas expt- ditivas (embora elas causem mais depressdo que outra coisa), rudez (embora seja ofensiva), severidade (isto é, brutalidade). Nao damos as criangas os meios de se orgat Inrespeitosos, desconfiados, mal dispostos para com las, cuidamos delas bem mal. Para saber como haver-nos precisaria dirigirmo-nos a peritos e os peritos ai so as criancas. 43 Seriamos a tal ponto desproyidos de senso eritico, que tomariamos por amizade as. caricias com que cumulamos as criangas? Seri que ndo compreendemos que apertando em nossos bragos as criangas, procuramos refiigio nds a para: fugir dos momentos de s to, de abanidon me= mente, nds lhes pi ‘© peso da nossa “dot, da nossa nostalgia de adultos. 3 Fora desta fuga para a crianga, a’ quem imploramos um pouco de e fa outra caricia decorre de uma tentativa culj de procurar ¢ despertar nela a sensualidade. # — Vem que te aperto em meus Dragos porque estou triste. Eu te dou um beijo, prometido... Isto do ternura. ee 4 a 3. O DIREITO AO RESPEITO Como se houvesse duas vidas: uma séria, respeitdvel e outra inferior, embora tolerada com indulgéncia. Dizemos: 0 futuro homem, o futuro trabalhador, o futuro cidadao. O que quer dizer que a verdadeira vida e as coisas sérias comegardo para eles mais tarde, num futuro longinquo. Condescende- mos que andem em nossa volta, mas sem eles parece bem mais modo. Nio e nfo, pois sempre houve e sempre haverd criangas. Nao cairam do céu para apenas ficarem um pouco tempo conosco. Uma crianga ndo é um conhecimento que se en- contra ao acaso de um passeio e do qual se pode livrar rapida- mente com um sorriso e com um simples bom-dia. AS criangas constituem uma porcentagem importante da humanidade, de sua povoagdo, povos e mages, e como habitanter nossos ‘concidaddos, nossos companheiros de | sempre. Elas estavain, esto, estardio. : : Uma vida s6 para tir nao existe. A infancia € 0s longos | | importantes ancs na vida de um homem. me | as 46 desonestos? Nao as temos esbulhado? A lei cruel mas franca da Grécia ¢ da Roma antigas autorizou a matar uma crianca. Na Idade Média os pesca- dores achavam em suas redes caddveres de bebés afogados nos rios. Na Paris do século XVII vendiam-se criangas pequenas a mendigos ¢ sobre © adro da Notre Dame se livravam dos pe- queninos por nada. E isto ndo faz tanto tempo. Ainda hoje s40 abandonados quando so demais. © niimero de criangas ilegitimas, abandonadas, negli- genciadas, exploradas, depravadas, maltratadas, aumenta dia-a-dia. De certo, elas so protegidas pela lei, mas suficien- temente? Neste mundo em plena evolugfo as velhas leis precisam ser revisadas. 272 Nés nos enriquecemos. Nio vivemos mais do fruto do nosso trabalho. Somos herdeiros, acionistas, co-proprietdrios de uma fortuna imensa. Cidades inteiras com os seus iméveis, seus hotéis, seus teatros, minas, fabricas sfo hoje nossa propriedade. Os mercados do mundo esto abarrotados de mercadorias cujo transporte € assegurado por um ntimero sempre crescente de navios. Os consumidores esto af e s6 pedem para serem beneficiados. Fagamos um balango: qual é a parte do rendimento * global que devia caber A crianga legalmente e nfo como esmola? Verifiquemos honestamente nossas contas para ver © que colocamos a disposi¢go da povoacdo infantil esta parte. da nagdo que por ndo ter ainda crescido se acha reduzida a condiggo de servos. A quanto monta nosso patrimOnio? Como € dividido? Nao as temos deserdado, nés os tutores , os * 7 Elas vivem no aperto, na pobreza, na austeridade, no aborrecimento... Elas sufocam. - Introduzimos uma escolaridade obrigatéria, impomos © trabalho; intelectual, regulamentamos 0 registro de nomes ¢ as convocagées domiciliares. E eis a crianga com a dura obri- gacdo de conciliar os interesses de duas autoridades as quais ela é submetida simultaneamente. Os pais suportam mal as exipéncias da escola € os con- flitos decorrentes atormentam a crianga. Mas quando a escola acusa, os pais se solidarizam com ela. Eles s6 recusam os deveres que a escola Ihes impoe. O servigo militar _ndo € para um soldado uma prepara do para o dia em que ele seré chamado @/agao? No entanto, © Estado providencia todas as suas necessidades: recebe um teto, alimenta¢do, um fuzil e soldo. Fornece tudo isto porque ele tem direito; isto nunca é uma esmola. Uma crianga submetida a escolaridade obrigatoria esté reduzida a mendigar a seus proprios pais ¢ 4 comunidade. Os legisladores de Genebra confundiram as nogoes do direito e do dever: 0 tom da Declaragao* salienta a solicitacao e ndo a exigéncia. E um apelo a boa vontade, um pedido de compreensio. \ € confia aos seus burocratas 0 cuidado de prover as necessida-| 1. Korczak fala aqui da Declaracio dos Direitos da Crianga, votada em 23 de fevereiro de 1923 pela Unido Internacional de Ajuda as Criancas e ratificada em 26 de setembro de 1923, por ocasifo da ‘58 Sessio da Liga das NagSes, em Genebra (Nota do Tradutor) te A escola cria o ritmo das horas, dos dias, dos moe Pe _ des dos Nossos jovens cidadios, No entanto, a crianga é um ser dotado de inteligéncia que conhece, ele mesmo, suas neces- didades, seus problemas ¢ ‘suas dificuldades. Nao hé neces- sidade de ordens: despoticas, de rigores impostos, de um contro- le desconfiado. O que é preciso é tato para tomar o entendi- mento possivel e uma ConfiangasnitSperiéncia que facilitard a cohabitacao e colabomngta? oh Uma crianga nfo € um néscioz ‘entre elas os imbecis ndo so mais numerosos que entre nds. Vestindo-nos em nossas roupagens de digni adultos, impomo-lhes entre- de deveres ineptos ¢ tarefas crianga para, aturdida de estupe- fagdo diante de tanta arrogincia, tanta agressividade, tanta estupidez adulta. A czianga possui um futuro, mas também um passado feito de alguns cantes, de lembzangas, de medita. tes profndat gene Cons nés, ela sabe e esquece, Tespeita ¢ menospreza, raciocina bem e se engana quando nfo sabe. Ajuizada, concede sua confianga ou a Tecusa. Ela é como. um estranho numa cidade desconhecida cuja lingua ce € tampouco seus hibitos ou a dire- 40 das “se virar” sozinha, mas se isto for is conselho. Precisa neste caso de um informad jo. Respeito pela Sua ignorncia! Um maui cardter, um tratante,explorarfo a ingenuidade do estranho, dando uma resposta incompreensivel a fim de induzi-lo em erro. Um grosseirdo rosnaré palavras pouco améaveis entre os dentes. Como eles, em vez de servir como 48 informantes educados, nés ladramos grosseiramente, cobri- mos a crianga de invectivas, de palavras ofensivas, de nossas punigdes. O conhecimento das criangas seria bem pobre se ndo 0 Procurasse junto a um camarada ou se ndo nos escutasse em Segredo, atrds das portas, surpreendendo nossas onversacées. Respeito pela sua laboriosa busca do saber! Respeito por seus reveses e por suas ldgrimas! Uma meia rasgada, um copo quebrado signi‘icam a0 mesmo tempo um joelho esfolado, um dedo ferido. Cada hematoma, cada contusio sio acompaninaaos de dor. Uma manch2 ¢e tints no caderno 4 apenas um pe- queno acidente infeliz, mas também um rovo revés, um novo sofrimento. — Quando € o papai que derrama o café, mamée diz: nao € nada; quando sou eu, apanho. Ainda_mal_familiarizadas com a dor e a injustiga, elas sofrem € choram mais que nés. Mas nés zombamos de suas lagrimas; elas nos parecem Sem gravidade, por vezes nos irritam, — Chordo, rabugento, berrador! Eis alguns epitetos encantadores com que enrique- cemos nosso vocabulirio para falar das criancas. Quando ela fica obstinada, faz caprichos, suas ligri- mas exprimem sua impoténcia, sua revolta, seu desespero: é © apelo por socoro de um ser desamparado ou privado de liberdade, suportando um constrangimento injusto e cruel. | Estas ligrimas so por vezes sintomas de uma doetiga e, sem. * Pre, os de um sofrimento, @ & Sere Respeito pela propriedade e 0 orgamento da crianca! Ela participa das preocupagdes materiais da sua famflia, sente suas dificuldades e. comparando sua situacdo com a de um colega mais afortunado, sofre com a idéia de subtrair ao orgamento familiar algurs tostBes penosamente ganhos. Sentir-ce encargo dos seus Ihe é penoso. Como fazer quando € preciso comprar um boné, um | livro, uma entrada de cinema? O que fazer quando nfo tem mais espago num cademno velho ou quando se perde um lapis? Que fazer quando se tem vontads de oferecer um presente a uma pessoa que se ama, emprestar dinheiro a um amigo, | comprar um doce? Ha tanta coisa que faz falta, tantos desejos | tantas tentugdes e1 sva volta. .¢ 0 dinheiro que falta. I O fato de os furtos constituirem o delito mais fre- qente entre os menores nio é um aviso que deveria incitar- nos a uma vigiléncia maior? Os castigos nao fardo nada af: é a conseqiéncia desagradavel da nossa falta de interesse pelo problema de orcamento da crianga. Em todos esses objetos obtidos pela mendicancia, e que constituem a propriedade da crianga, ndo se deve ver apenas uma quifquilharia sem valor. Eles representam os materiais ¢ ferramentas do seu trabalho, suas esperancas, suas lembrangas. Toda esta amargura dos seus primeiros anos, todas estas PreocupagSes, inquietudes, decepgdes ndo tém nada de imagi- nario; so auténticos. Ela cresce. Vive com mais intensidade, sua respirago se faz mais répida, seu pulso bate mais depressa; constrdi o seu ser, toma amplitude, se aprofunda mais na vida. Cresce dia ¢ noite: durante o sono, no meio dos jogos, risos e choros, =. ¢ também quando faz bobagens, depois vem, toda envergo- 0 ) nhada, pedir perdao. x No curso do seu crescimento conhece as primaveras do trabalho intenso e os outonos do repouso. Sew coragdo tem por vezes dificuldade de seguir, seus ossos aumentam, as glindulas mudam de quimica se, atrofiando ou se desper- tando;, aparecem caréncias ou excessos e inquietudes e sur- Presas sempre noyas. As vezes, gostaria’de correr, respirar o ar livre, lutar, levantar peso, alcancar vitorias; as vezes, gostaria de se escon- der num canto, devanear, evocar lembrancas nostdlgicas. | Alternativamente, gosta da vida dura, do esforco e da tran- qililidade, do calor e do conforto. Seus entusiasmos e seus desalentos se sucedem. A lassiddo subita, defluxo, indisposigdes se alternam. Ela tem muito calor, treme de frio, tem sono, more we * fome, de sede, sente-se mal: tudo isto nao s40 caretices, nem desculpas de aluno preguicoso. Respeito pelos mistérios e transtornos deste trabalho duro que é 0 crescimento! Respeito pelos minutos do tempo presente! Como saberd ela resolver amanh@ os seus problemas se nds impedi- mos que ela viva hoje uma vida responsavel? Nao sapatear, ndo humilhar, nfo fazé-la escrava do amanhi; deixé-la viver sem desencorajar, sem precipltar, sein apressd-la. Respeito por cada minuto que passa, pois ela morreré e no voltaré mais; ferido, sangraré; assassinado, voltard para freqiientar vossas noites. g | 51 { Deixemola, confiante, beber a alegria da manha. E o } que ela quer. Um conto, uma conversa com 0 cachorro, uma * ) partida de bola nfo so para ela tempo perdido; ela nunca se apressa quando olha uma imagem, recopiando uma letra. Faz tudo com uma encantadora staple E ela que tem Tazio. + Nés tersos um medo jag’nuo da morte. porque ignora- mos qu; a vids ¢ am coxizjo de mementos que nascem ¢ morrem. Um ano: gene camo adaptar a etemidade ao uso diario. Um i ‘© tempo de um sorrico on de um suspiro. Uma mie dese} © seu filho. Nao noderd, pois ela é sempre uma mulher diferente que deixa um homem para aculher um outro e isto desde sempre. Atribuimos aos nostos pobres anos, graus diferentes de maturidade, Errado: nfo existe hierarquia a nivel de idade como nfo hé graduagao a nivel de sentimentos, quer trate de dor, de alegria, de esperanca, de decepsn. '{ Quando falo ou brinco com uma crianca, um instante | da minha vida se une a um instante da vida dela ¢ esses dois |} instantes mesm? maturidas, Se estiver no meio de um grupo, "a uma crianga que eu cumprimento com um. olhar ou com um sorriso. E se me zango, nfo destruo por isso a ssuntaa -ualdoy-mas/envenenc um momento impcrtante da sua Wilt cous im momento rim e vingativo aa minha. 4 Renunciar em nome de um futuro incerto? O que é | que ele promete de to sedutor? Pintamo-lo com cores exa- | geradamente sombrias, depois vem o dia quando as nossas previsdes se realizam: a_casa_cai porque se negligenciou a + camstrugdo das fundagdes. oe 4. ODIREITO DA CRIANCA ASER OQUE ELAE Nés nos interrogamos com ansiedade: — Que serd dele, o que ele fard na vida? Queremos que os nossos filhos sejam melhores que nés. © futuro homem perfeito aparece era nossos sonhos. © que esperamos para prender-nos em flagrante delito de mentira, para pregar no pelourinho nosso egoismo dis simulado sob um lugar-comum? Nossa devocdo é apenas uma trapaga vulgar. Nos fizemos um trato conosco mesmo, perdoamos nossas faltas, dispensando a obrigacdo de tomar-nos melhores. | Fomos erroneamente educados. E tarde demais. Nossas faltas, | nossas falhas esto bem enraizadas. As criangas nfo tém 0, direito de criticar-nos e nés mesmos nao temos mais razio para fazé-lo. Assim desculpados, renunciamos para sempre lutar contra nés mesmos. Cabe as criancas arrostar esta pena, Este ponto de vista, o educador se apressa a espost em Vez de se observar, observa as criangas ¢ registra as faltas delas e no as suas, 53 E eis a crianga culpada de tudo que incomoda a nossa tranqiiilidade, comipromete 0 nosso conforto, decepciona nossas ambig6es. Ela nos expde a toda sorte de desgostos, perturba nossos habitos, absorve nosso tempo, nosso pensa- mento. Na base de toda falha est4 sempre a md vontade. A crianga no sabe ndo € escutada, mal compreendida ‘ou ndo compreendida, se enganou, nao conseguiu, nado chega 14? E falta sua. Seu insucesso, seu cansaco, todo momento penoso da sua vida sao outras tantas provas da sua mA vontade. Um trabalho descuidado, muito lento, malfeito: € a negligéncia, a falta de atengd0, preguiga, falta de interesse visivel. Ela opée recusa a uma exigéncia iniusta ou irrealizdvel? FE um delito. Ela se toma alvo de suspeita vexante ditada pela malvadeza? Nao hd fumaca sem fogo. Ficamos zangados com ela por tudo: por ter despertado os nossos receios, as. nossas diividas, mesmo por ter tentado melhorar-se. — Vocé vé, basta querer para poder. Encontramos sempre uma razio para alguma censura; insacidveis, pedimos-Lhe sempre mais esforgo. Damos-lhe, ao menos, bom exemplo? Facilitamos a coexisténcia com ela, cedendo com tato, evitando dificulda- des indteis? Nao somos cabecudos, rabugentos, agressivos, caprichosos? A crianga atrai nossa atengdo somente quando ela nos incomoda e semeia a desordem; so os tinicos momentos que. a percebemos e lembramos. Nao a vemos quando ela é calma, 54 séria, recolhida e ficamos indiferentes face aos seus momentos . « Bay sagrados, quando a crianga se entretém consigo mesma, com o mundo e com Deus. Constrangida a calar os seus desejos secretos € oS impulsos do seu corag4o de medo de ser ridicula- rizada.e maltratada, dissimula da mesma forma o seu desejo de recopiciliago ou de uma melhora. Ela guarda pard si mesma docilmente suas observacdes judiciosas, sua admiragdo, sua inquietude, esconde cuidadosa- mente seu ressentimento, sua ‘lera_ sua revolta. C seremos vé-la saltitando e vate vc palmin’ —, ela u6S m »stra, pois, unia cara sorriderte de bufao. . AS criaugas rdins e suas mas agGes fazem mais barulho € cobrein o inurmtirio do bern. No entanto, o bem € mais forte © mais resistente do que se pensa. E falso di: seja mais facil que melhorar. ‘ Yoda nossa atengio se concentra sobre 0 ma e nds gastamos um tesouro de invengdes para despisté-lo, fareja-lo, pegé-lo em flagrante, adivinhé-lo em nossos:maus pressenti- mentos e em nossas suspeitad. (Alguina vez, vinia-nnos & mente vigiar destayméneira os velhos, proibir-lhes de jogar futebol? Que abontiacao é esta mania que temos de suspeita seiftpte de onun'smo nas criangas?) ; Eis aqui mais um que sai batendo a porta ¢ m‘s cama que ndo “oi feita, uma mancha de tinta no:cajem:, casaco perdido. Quando no fulminamos, passamos 0 nosso tempo resmungando em vez de regozijarmo-nos que. tais casos sejarn isolados. ee ‘Suas queixas ¢ brigas nunca escapam 4 nossa aten¢Jo, mas qudo mais numerosos s4o aqueles que perdoam, cr2 oferecem ajuda, prestam servicos, aplicam-se em seus traba- que corromper | 55 56 thos e exercem uma_ influéncia salutar cm sua volta. Mesmo 08 piores, os mais insuportiveis dentre eles so capazes de fazer- nos sorrir, depois de ter nos feito chorar. O que gostarfamos, tio fundo, é que cada um dos 10000 segundos de uma ai (faga 0 caloulo) soya igualmente fiiceis para a4 Donde vem que a mesma ‘crianga possa parecer ruim a ‘um educador’e hoa para. outro? Gostarfamos de vesti-las todas com o mesmo uniforme de virtude feito a0 nosso gosto e de acordo com um p: invengao. Pode-se en na histéria um outro exemplo de tal tirania? A raga dos Neros proliferou. a preguica, ‘sem doenga; as qualidades e virtudes e vicios. | ‘Ac lado de uin grupo pouco numeroso de criangas, da alegria e das festas, essas criangas confiantes e sorridentes, | cuja vida parece como um conto de fadas ou com uma lenda odin, gags gue maioria esmagadora aquelas a quem a vida-et ‘@ mais tenra idade suas duras verdades com palayras que nada tém de ternas. ; ‘As tridnga8 da muséria, as vitimas corrompidas da gros- ' seria e da’ ignorincia e as criangas do bem-estar, vitinas cor- rompidas de” uma superabundincia com Caricias refinadas. | Sujas e desconfiadas, desencorajadas peio mundo dos homeus, mas no ruins. ‘Além da casa, 0 vestibulo, o corredor, o quintal e a rua se encarregam da educagio da crianga. Bla fala-com as pala- vras do seu meio, repete as suas opinides, imita os seus gestos, segue o seu exemplo. A crianga absolutamente pura ndo existe: cada uma, embora em graus diferentes, se acha ja maculada. Mas corao ola se purifica depressa! Uma sujeira no se trata, lava-te e a crianga ajuda o melhor que pode; ela esperou © seu banho com impaciénicia ¢ eis que te sorri agora e sorn asi mesma. Todo educador conhece este género de triunfos faceis saidos diretamente de um conto moralizante sobre o gentil 6rfo: so a fonte de ilusdes para alguns zaoralistas ingénuos que podem assim concluir a facilidade da tarefa. Regozijam senipre com tais éxitos os incompetentes, dando aos orgu- Ihosos matéria pata orgulho e exasperando os impacientes que gostariam de vé-los generalizados. Os primeiros, pro- curario obter sempre tio bons resultados, usando a persua- G0, 08 outros, exercendo o maior constrangimento. Nao hd somente criangas maculadas, muitas j4 esto estropiadas ou feridas. Hé feridas que saram por si mesmas sob um curativo bem limpo e no deixam cicatrizes e outras que € preciso tratar com extrema prudéncia e cuja cicatri- zagdo é lenta ¢ dolorosa. Ha feridas e abscessos que requerem | ainda.mais paciéncia e tratamento minucioscs. “Toda came se cicatiiza”, diz 0 povo. Gostaria de acrescentar que “Toda alma se cicatriza”. Quanto arranhdo, quanta doenga contagiosa numa escola ou num internato; quantas tentagdes; sussurros, ins- tigagdes a0 mal! £, no entanto, o seu efeito é apenas pas- sageiro, {nofensivo. Nao é preciso recear as grandes epidemias 57 —~—a Sewell rl er lUcTThlUcCU elem hh 58 no interior de um intemato cuja atmosfera esteja cheia de oz6- nio e de luz. Ai reina uma aura de sade. Que sabedoria no lento desenvolvimento do miraculoso Processo de cura! Sangue, seiva, células encerram mistérios que forgam o respeito. A menor peturbacao, 4 menor ferida, © 6rgio ameagado se mobiliza para reencontrar o equilibric comprometido e asseguiar sua furedo. Que trabalho admiré- vel o crescimento de uma planta ou de um homer! Uma emogdo, um esforgo e 0 coracdo j4 bate mais forte, o pulso se faz mais rapido. E com a mesma forca, com a mesma resisténci 1 a Com resisténcia que a alma infantil 6 dotada e equilibrio moral, a vigilancia Coote Tito s4o uma realidade. E falso que o contagio se propaga mais facilmente entre as criangas. mae S6 se pode aplaudir a idéia da introdugdo da pedologia! nos programas das escolas. Pena que seja tardiamente. Sem. gompreender a harmonia do corpo, ndo se pode respeitar os mistérios da melhoria psiquica. y Somente uma incompeténcia grosseira pode fazer com que joguemos no mesmo. saco, indistintamente, criangas puras € sis (porém julgadas dificeis porque sfo vivas, ambiciosas e dotadas de espirito critico) ao lado das criangas rancorosas, desconfiadas, estouvadas, sempre prontas a seguir um rau exemplo e das que se macularam; que sucumbiram 4 tentago. Uma olhada inexperiente, indolente, superficial, mistura tudo € confunde com alguns casos de criangas depravadas ou por- tadoras de taras. 1. Pedologia: estudo fisiologico e psicolégico da crianga que, tendo sido desenvolvido no fim de século XIX, teve como principais representantes H. Preyer, E. Claparéole, na Poldnia, J. M. Dawiol, J. Jokeyko (Nota do Tradutor). {Nés, os adultos, no tornamos inofensivos todos esses abandonados da vida e exploramos engenhosamente 0 trabalho dos deserdados?) f cs Constrangidas a viver com estes tiltimos, as crianqas ss padecem duplamente: sido vitimas- de abuso e arrastadas ao mal. Mas. as nossas acusat6es estendem-se sempre sobre 2 totalidade das criangas. Com” uma inconsciéncia que ‘nos é propria acusamo-las de uma resporsabilidade coletiva. = Veya como elas sfo, de que sio capazes! wr Esta é talvez a pior das injustigas. Qs filhos de beberrdes, toda esta progenitura da violén- cia € da loucurai\Os seus delitos nao thes sio ditados de fora: obedecem a ordens interiores. Como ¢ sombrio o-momento quando tal crianga tealiza que ela nao é como as outras e que € dificil ser enfermo; logo ela, sera maldita e esc Vem entdo as suas primeii futar a que a empursa a agir mal, de cc nbater para obter o que as outras criangas receberam por nadave tao fucilmente...e que parece tio banal, tdo fatil no meio da claridade:do.equilfbrio moral... Ela procura ajuda. Se vocé concederthe confianga, ela mesma viré pedir, exigir: “Salve-me!” Ela the confidenciat4 0, seu segredo: gostaria de mudar, uma vez por todas, logo, com urn esforgo de vontade supremo. " Em vez de incitd-la 4 prudéncia, de frear este impulso impetuoso ¢ retardar 0 momento. de uma decisdo to grave, nos a atraimos em nossas redes e the armamos armadilhas. 59 ak. Assim que elas expGem ‘os seus desejos secretos a luz clara do dia, comm ‘franqueza,.nés hes ensinamos a dissimula- fo. Blas nds oferecem dias e dias-de conduta isrepreénsfvel @ nés, por um sé momento. de desvio, rejeitamo-las. gern pie- dade. Que sentido tem isto? = ; Ce los os dias — "ga. No tem importincia, nao ¢ Os seus ataques se espacarar mais. Um tisico: toss¢ menos, sta temperatura baixou; esta ndo é uma verdadeira melhra, iias tarrgouco é agravaments. Tudo istoummédicopod por conta do sucesso da cura. Aqui nada se obtém: rca, impossivel extorquir seja 0 que for. Desesperadas, revoltadas, desprezando uma virtude demais servil, assim so essas criangas quando se encontram frente.a_um. . Um 1 santidede talvez: 9 seu desgosto pel . E esta sansida’ que esfirearnos Para extirpar, pisar. Opressores sanguin“ emprege is tortura a fome para quebrar, ndo digs. sv resisten Sua_manifestagdo exterior. Brutos ir-onsvientes, aticamos ser desgosto dio pela boa canduta que elas associam ahipociisi Nos no as faremos fefuneiat a0 seu propama de vVinganca, elas: O° guardardo para mais tarde, - zando 9 momento oportuno. Se ainda acreditam na ondsde sles sepultardo esta nostalgia em grande segredo no mais profundo do seu ser. ~ Pot que VOCE deixou ei: nascer? uem thé peditr paia me daresta vida de cachorro? ram Ai invoco a mais alta iniciaggo, & mais cific 60 fo. Se as pequenas faltas, transgressdes menores se con- ilumina--- tentam com uma cofpreensfo paciente amigavel, os jovens delingilentes precisam de amor. A revolta destas criancas é justa. E preciso rechacar virtude demasiado facil, fazer alianga com 0 delito solitdrio do maldito, Quando, senao agora, receberd a flor de um sorriso? Em nostos toformatirics ¢ ainda o ternpo da iriquisigdo, da tortura medieval, o fucor da vinginga. Yooés ndo véeru que as melhores entre as criang, s se queixam sinceramente daque- las que so a8 piores? Onde estd a sua falta? Nao ha muito ainda, o médico, humilde e docil, dava aos seus doentes xaropes enjoativos e misturas amargas, amarra- va-os em caso de febre, multiplicava as sangrias e condenava @ moner de forme aqueles que caiam nestas sombrias antecd- maras do cemitésio que eram os ‘hospitais. Solicitos com os ticos, indiferentes com os pobres. Até o dia em que comegou a exigir. Este dia ele obteve para as eriancas espago e sole — vergonha nossa - ordenou, qual um general’, que deixassem-nas correr ¢ viver aventuras alegres no seio de uma comunidade fratemal onde se discute uma vida mais honesta ao redor de ura fogo sob um céu estrelado. E nds, educadores, qual ser4 o nosso campo de ago, qual serd 0 nosso papel? ° Guardises de paredes ¢ méveis, do siléncio nas areas, da limpeza das orelhas e do chio, distsibuidores de roupas 1. E do fato, um general inglés, Robert Stephenson Baden- Powell (1857-1941) que € 0 criador do escotismo (Nota do Tradutor), 61 62 calcados usados e de uma magra pitanga, confiaram-nos a protecdo dos privilégios dos adultos ¢ da execucdo dos capri- chos dos diletantes e eis-nos responsaveis por um bando, sendo que se trata somente de impedir que se cause estragos e que perturbe 0 trabalho e 0 repouso dos adultos. Pobre comércio de temores ¢ de desconfianca, lojinha de bugigangas morais, tenda miserdvel onde se vende urna cigncia desnaturada que intimida, confunde e adormece em vez de despertar, animar, alegrar. Representartes de virtude com abatimento, o nosso dever ¢ inculcar a humi!dade ¢ 0 respeito nas criangas e entemnecer os adultos, lisonjeando seus belos sentimentos. Por um salério de miséria, somos indica- dos para construir para o mundo um futuro s6lido e trapacear dissimulando 0 fato de que as criangas representam na reali- dade o namero, a forga, a vontade ¢ a lei. © médico arrancou a crianga 4 morte; 0 nosso dever ' de educadores é-permitirlhe viver e ganhar o direito de ser uma crianga. Nossos homens de ciéncia dizem-nos que o homem maduro age por motivagdes e a crianca por impulsos, que © espirito de um adulto é légico e o da crianga é fantasioso e cheio de sonhos quiméricos; que 0 cardter e o perfil moral do adulto sdo bem definidos, enquanto~a crianga se perde no labirinto dos seus instintos e seus desejos. Eles no pro- curam aproximé-lo nunca na sua diferenca, mas véem nela uma estrutura psiquica infezior, mais pobre e mais fraca que do adulto. Comparados com a crianga, nés todos seriamos sabios eruditos. ae E que dizer da nossa desordem de adultos, da estrei- teza de nossas opinides e de nossas*convic¢Ges, da nossa psi- cologia gregaria com os seus .preconceitos ¢. suas manias, de todos...pstes, pais savel de ponta’“a bébados. | léncia; loucura, excessos de Comparada conose« 10 uma. crianca parece .ajuiza- da, razoavel, equilibrada! O série da sew empenho, a soma de experiénoias adquiridas, a riqueza relatiya ¢.a justeza dos gamentos e -apreciagdes, a moderacgo. de suas exi- 2 sutileza dos seus sentimentos, seu infalivel senso Vocé tem certeza realmente de poder _uitrapassi-la? Exijamos respeito por seus cthos limpidos, sua fronte lisa seus esf rcos nosos em folha, sua candura. Em que jyeis nossos olhares: apagados, nossa fronte enrugada, nos=s cabelos brancos e resseq) i costas curvadas pela resigna;4o? H4 uma aurora e ura per-do-sol; uma orag: nossa respiragdo € feita de inspiragio e de bater, 0 rosso coracdo se*contrai¢ dilata. e uma da noite; expiragfo ep: Um soli: parte, seja quando-volta da guerra. Como uma nova onda, uma’ geragdo jovern estd em vias de subir. Chegam com seus defeitos e com suas qualidades. Criemo-lhes condigdes pura que possam se tornar melhores. Nés ndo venceremos o timulo que ‘sdo as taras heredi- tdrias; nfo podemes dizer ao joio que se transforme em trigo- da manhé 4 sumpre coberto de poeira, seja quando SS 63 4 Poder, Sexo e Letras ne kepibice Vetha, Sexpio Micels. 3. Do Groizsco = do Subiiene, Victor Aygo (Trad. «Notas de Célia 2neroe na Literature: Jariinc-Auneriegna, Haroldo . lebte do Testro, Joré Ortega y Gasset 5. Oswald Cansbal, Benedito Nencs. |. Mirio de Anchads/Svrgos, Exit Redeigues Monegal. . Politica 2 Estrstucntiamo in Isesel, Ziva Bon-Posst @ Denjamin ‘sushoveki. 29. 4 Prosa Vexguardism wa Liseretura Presilera: Oswald de Andrade, Kenneth D. Sacksem. (20. Estruturalisnio: Russos x Frinceses,\%. 1, Ralachov. a ero ane Ocupaciomal: Jimpliceeées Regionais e Urbatas, Anita

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