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A REVISTA MERCURE DE FRANCE:

Literatura e novas perspectivas na década de 1890

Camila Soares López (UNESP - Assis)

A REVISTA MERCURE DE FRANCE

Na França do século XVII surgiu, sob o comando de Donneau de Visé, o


Mercure de France, publicação hebdomadária de caráter semioficial. Primeiramente
nomeado Mercure Galant, caracterizava-se pela publicação de obras originais,
resenhas, além de informações mundanas. (AMARAL, 2010: 212) O êxito dessa
revista manteve-se nos séculos subsequentes; no entanto, o periódico sofreu um
declínio na primeira metade do século XIX, caindo, então, no esquecimento do público
leitor.
Na segunda metade dos anos de 1800, a literatura francesa passou por um
momento de transformação e ruptura. Segundo Pierre Bourdieu (1992), a chamada
“crise do Naturalismo” culminou em uma reação no campo das artes, que negava os
discursos políticos e filosóficos da época. Para Bourdieu, essa reação atrelava-se,
ainda, às mudanças de gerações artísticas, que se opunham em estilo e marcavam a
diferença entre o “novo” e o “antigo”, o “original” e “ultrapassado”. (BOURDIEU, 1992:
206) E essa insurreição se refletiu na literatura simbolista que, em oposição ao ideário
naturalista, exaltava o renascimento espiritualista, o misticismo e as composições do
alemão Richard Wagner, cujas obras escapavam “às regras habituais da construção”.
(BARRE, s/d: p. 20) Diversos agrupamentos afinados a esse propósito fervilharam em
Paris, dando origem a publicações que sustentavam essas ideias.
Entre os periódicos de aspiração renovadora, surgiu, em 1889, a revista La
Pléiade. Após o seu quinto número, ainda no mesmo ano, a publicação se
transformou, e apropriou-se do nome Mercure de France, passando a ser dirigida por
Alfred Vallette. Segundo André Barre, a Pléiade foi a única revista que pôde rivalizar
com as mais poderosas de sua época – a Revue de Paris e a Revue des Deux-
Mondes, – o que nos sugere que o Mercure tenha herdado dela um público leitor já
consolidado. Quando passou a ser diretor do Mercure de France, Vallette demonstrou
ser um hábil administrador; fez, por exemplo, com que a revista passasse a ter não
apenas 30, mas de mais de 300 páginas a cada edição (se considerarmos as edições
em tomo único, que se assemelham a um livro), edificando-a como “a casa sólida e
respeitada do Simbolismo”. (BARRE, s/d: 95-96)
Cada número contava com textos de diversos gêneros: crônicas, poemas,
excertos de romances, além de crítica de arte e literária. Havia seções fixas, como
“Les livres”, que apresentava resenhas de livros; “Journaux et revues”, que versava
sobre periódicos franceses e, também, de outros países, o que indica o caráter
cosmopolita da revista; e “Échos divers et communications”, espaço de interlocução
entre os colaboradores do periódico e seu público.
Em meados dos anos de 1890, o Mercure de France evidenciou, mais uma
vez, o seu pioneirismo, lançando-se como editora. A nova investida ocorreu quando da
recusa, por parte das editoras já existentes, da publicação do Latin Mystique, de Rémy
de Gourmont. Assim, Alfred Vallette propôs-se a modificar esse cenário editorial,
trazendo ao público as produções de seu grupo literário, iniciando o empreendimento,
justamente, pela obra de Gourmont. (BERTRAN, 1960) Em abril de 1892, na seção
“Échos divers et communications” a revista anunciou a publicação do Latin Mystique,
dizendo se tratar de uma tiragem limitada. No número do mês de maio, o Mercure
publicou o sumário da obra, talvez em uma tentativa de atrair leitores; ainda na mesma
edição, e em subsequentes, apresentou as possibilidades de papel para impressão do
escrito, além de indicar os nomes daqueles que já haviam manifestado interesse em
adquiri-lo. Entre eles, estavam Pierre Quillard, Saint-Pol-Roux e do simbolista
português Antonio de Oliveira-Soares – Paris era uma cidade cosmopolita e escritores
lusófonos também se lançavam nela. Assim, a partir de 1894, estabeleceu-se a
Société Anonyme du Mercure de France, que publicou textos de G. Albert-Aurier,
Francis Vielé-Griffin, entre outros.
Pode-se dizer, também, que o critério de “escolas literárias” não era utilizado
para a escolha de publicações; entretanto, os textos publicados entre 1890 e 1900,
eram simbolistas, ou flertavam com a estética. (BERTRAN, 1960: 354). O Simbolismo
foi resultado da busca pela superação do pensamento positivista e naturalista. Na
França, essa sede pelo novo era latente e a revista literária Mercure de France foi
apregoadora desse sentimento, estampando em suas páginas textos contribuições
afinados a tal propósito, o que discutiremos nas próximas linhas.

LITERATURA E NOVAS PERSPECTIVAS NA DÉCADA DE 1890

Em seus dois primeiros anos, o Mercure de France já se mostrou como


publicação preconizadora de ideias e doutrinas, que se opunham, principalmente, aos
aspectos sociais vigentes, demonstrando o seu descontentamento diante dos rumos
do desenvolvimento, e a aquilo que fora revisitado, sobretudo, pela estética naturalista.
Em meados da década de 1880, a França passava por diversas reações
idealistas, que contestavam os valores mantidos pelos positivistas. Na década de
1890, o Mercure apareceu como uma espécie de ferramenta de consolidação de
novos pensamentos e de sua consequente reprodução na literatura. Refletia em suas
páginas, além disso, o sentimento que pairava em sua época: certo pessimismo fin-de-
siècle, além de tendências como o misticismo e o ocultismo. Na apresentação de seu
primeiro volume, que data de janeiro de 1890, Alfred Vallette recusou o epíteto
décandente à sua folha e apontou a publicação como difusora de questões
inquietadoras:

Vê-se que em tudo, em todos os lugares, e em todos os níveis


sociais, há uma evolução rápida, como se via há quase vinte
anos. Mas, ora em respeito à tradição, ora em adulação de um
público inconscientemente hipócrita, a Imprensa se cala,
naturalmente, diante do cerne das questões espinhosas. O que
cada um pensa e o que ninguém organiza, são essas ideias
paradoxais e subversivas, em 1890, codificadas em 1900; isto
seria-nos agradável de redigir. (VALETTE, 1890: 3).

Para Vallette, o desejo de renovação tornava o Mercure de France diferente


de qualquer outro periódico:

[...] entre os três objetivos os quais um periódico literário pode


propor – ou ganhar dinheiro, ou agrupar autores em comunhão
estética que forma escola e que se esforça ao proselitismo, ou
enfim publicar obras puramente artísticas e de concepções
suficientemente heterodoxas para não serem, de modo algum,
acolhidas por publicações que contam com a clientela – é este
último escolhido por nós, conhecendo, de resto, especuladores
muito deploráveis para esperar a metamorfose de nossos
escritos em ouro, e sabendo serem inalcançáveis, nesse
período transitório que atravessamos, os elementos de uma
escola literária.

Ainda no mesmo ano, outros textos chamaram a atenção para tal perspectiva
de renovação: em escrito intitulado “Les isolés” (“Os isolados”), de janeiro de 1890, G.
Albert-Aurier, colaborador assíduo do Mercure, crítico e escritor de aspirações
simbolistas, apropriou-se do exemplo da arte de Van Gogh para explicitar o anseio de
revigoramento da produção artística europeia – deve-se considerar, ainda, que a
revista foi uma das primeiras a reconhecer o valor da produção do pintor holandês,
publicando reproduções de suas obras e, ainda, sua correspondência com amigos e
com seu irmão Théodore:
Vincent Van Gogh, com efeito, não é somente um grande
pintor, entusiasta de sua arte, de sua paleta e da natureza; é,
ainda, um sonhador, um devoto exaltado, um devorador de
belas utopias, que vive de ideais e de sonhos.
Por muito tempo, ele se deleitou em imaginar uma renovação
da arte, possível por meio de um movimento de civilização:
uma arte das regiões tropicais; os povos que reivindicam
imperiosamente obras que correspondam aos novos meios
habitados; os pintores que se encontram cara-a-cara com uma
natureza até então desconhecida, formidavelmente luminosa,
que confessa, enfim, a incapacidade das velhas artimanhas de
escolas, e que se dedica a procurar, inocentemente, a cândida
tradução de todas essas novas sensações!... (AURIER, 1890:
28)

Consta do Mercure de France, também, um registro da época sobre


Lautréamont, pseudônimo de Isidore Ducasse, que foi autor de Os cantos de Maldoror.
O caráter “desconcertante” da obra, segundo Leyla Perrone-Moisés (1973), fez com
que a crítica de seu tempo não a compreendesse, visto não ter se encaixado em
qualquer quadro literário então conhecido. Eram escassas as informações sobre a vida
de Ducasse, o que impedia, por exemplo, uma abordagem biográfica de sua obra; no
que tange à tentativa de compreensão dos Cantos a partir de crítica estruturalista ou
semiológica, “(...) é perder-se num labirinto sem saída, porque o código dessa obra é
fornecido por ela própria, não pode ser decifrado totalmente por nenhum código
exterior”. (PERRONE-MOISÉS, 1973: 129). Para Leyla Perrone-Moisés,

O texto de Lautréamont marca o fim da literatura, o momento


em que ela explode para dar lugar a outra coisa. Essa outra
coisa começará verdadeiramente com Mallarmé, e exatamente
com o que ele definiu como “poema crítico”. Lautréamont é um
daqueles terroristas épicos que estouram sua bomba; depois
da explosão, resta aquilo que Oswald de Andrade chamou a
“fratura exposta de Lautréamont”. (PERRONE-MOISÉS, 1973:
157)

Foi o também escritor Rémy de Gourmont, em fevereiro de 1891 (quase 22


anos após o lançamento da obra de Ducasse/Lautréamont) quem destacou, em
especial, a originalidade de Os Cantos. Em tempos de busca de novas perspectivas
literárias, parecia relevante ressaltar a qualidade de uma obra que poderia ser tida
como renovadora:

O valor dos Cantos de Maldoror não lhe é atribuído pela


imaginação pura: feroz, demoníaca, desordenada ou
exasperada de orgulho em visões dementes, ele assombra
tanto quanto seduz; [...]
Esse valor que eu gostaria de qualificar, eu creio, é dado pela
novidade e originalidade das imagens e das metáforas, por sua
abundância, sua sequência logicamente disposta em poema
[...]. (GOURMONT, 1891: 98)

Como já se mencionou, a voga naturalista parecia não encontrar mais terreno


entre alguns dos literatos do fim do século XIX. Em texto sobre a obra de Edouard
Rod, que se dedicava ao estudo do “intuitivismo” (isto é, “a aplicação da intuição como
método de psicologia literária”), Alfred Vallette criticou o “método naturalista” do fazer
literário, apontando seus representantes como:

[...] os fanáticos pela observação, os que se apagam mais


diante das manobras de suas personagens, que são forçados,
sob a pena de fabricar essa máquina automática: marionetes
que se movem em um cenário, de definir de tempos em tempos
um estado de alma, qualquer que seja o procedimento
(VALLETTE, 1890: 101).

Nesse texto, Vallette concentra-se, ainda, na discussão sobre a


representação da realidade na literatura. No século XIX, o romance ganhava fôlego a
partir da representação da realidade quotidiana e que sugeria, entre outros aspectos, o
Naturalismo como espécie de “fotografia” da existência humana, com seus
pormenores e afinado, além disso, aos aspectos do cientificismo, que se opunha às
ideias dos novos agrupamentos literários. Esses “novos” retomaram o valor do
idealismo e mesmo o da religião na sociedade, em antinomia ao valor da ciência,
mantido pelos positivistas. Surgiu um novo espírito, hostil às concepções materialistas.
Para Vallette, o romance naturalista, apesar de suas aspirações, não foi capaz de
atingir a verdadeira representação do “real”:
[...] outro defeito impediu, também, o romance naturalista de
alcançar a exata expressão do verdadeiro: o abuso da análise,
que destrói o fato e abole seu caráter, diluição absolutamente
contrária ao próprio objetivo da arte: a síntese. Evidentemente,
o autor deve ser um analista, mas para, depois de ter
decomposto o fato, reconstitui-lo, concretizar sob o aspecto
notável e característico que responde ao fim da obra
[...].(VALLETTE, 1890: 101).

Vallette afirma, também, que o ciclo naturalista havia chegado ao fim, graças
à evolução dos jovens literatos:

[...] está provado que, após um momento parados no


Naturalismo, quase todos os jovens literatos evoluem hoje –
sem, além disso, saberem muito para onde vão. Não é o caso
de estudar as inúmeras novas tendências, mas essa
constatação me parece característica de que o ciclo naturalista,
contudo aspirando a tão pouco, permanecerá incompleto, e
que mesmo tão poucos assuntos aos quais ele se refere, terão
encontrado sua expressão imparcial. (VALLETTE, 1890: 101).
As artes também eram assunto da revista, especialmente aquilo que tratava
de novas perspectivas. Em 1892, Saint-Pol-Roux publicou o texto intitulado “De l’Art
Magnifique”. Para Pol-Roux, a verdadeira arte se distanciava dos “Modistas” e dos
“Progressistas”, pois a expressão artística era uma “corrida para a juventude”,
enquanto o pregresso se caracterizava como “corrida à velhice”. (ROUX, 1892: 100) O
valor da religiosidade é igualmente ressaltado pelo autor, no que concerne ao fazer
artístico:

As Ideias são mortos-vivos, que a Arte revelará por evocação?


Elas não são do presente, que são de sempre? A primeira
causa disso está em Deus; o Poeta será sua causa segunda; é
por isso que a Arte é, em minha sentença, a segunda criação.
A Ressurreição de Lázaro me parece o perfeito símbolo da
Arte.
A Arte é a humanidade de Deus; a arte também se chamou
uma vez Jesus.
Vasto cemitério que o universo, vasto cemitério para o qual é
glorioso aos Poetas de tocar a sentinela indulgente.
Assim, Poetas, entendamos as nossas espontâneas mãos de
ressurreição, pois são, sob a sepulcral eflorescência, tesouros
em que cada um é um raio de eternidade! Revelemos as
ideias, belas adormecidas – oh, esse despertar, cor de
noivados! – depois beijemos essas morenas e essas loiras, que
sonham em se tornar as mães imaculadas de nosso gênio! A
obra então será verdadeiramente a Vida, e os mundos filiais
evocados, por nossa própria especulação, o mundo inicial de
Deus formarão um firmamento terrestre diante do qual
empalidecerá o firmamento celeste; nós enriqueceremos a
humanidade pobre de tantos astros novos, e nós seremos os
deuses que oferecem a hospitalidade de nossos próprios sóis!
(ROUX, 1892: 101)

Saint-Pol-Roux explora, ainda, a oposição entre Arte e Ciência, o que era


pauta dos literatos da época:

Que os Progressistas não se apressem, de modo algum, a nos


atribuir um espírito retardatário!
O Progresso na Ciência e o Progresso na Arte resultam em
dois: a Ciência é humana, a Arte é divina. Ela pertence à
extrema velhice do mundo ao ver, sem dúvida, depois de
numerosas tentativas e inúmeras coordenadas, triunfar a
resultante e o sucesso da Ciência, pois a ciência é, antes, um
ser criado pelo homem. Em contrapartida, a Beleza triunfava
antes do homem. Enquanto o gênio do Autor é o de encontrar o
triunfo da ciência, ou o Bem-Estar no amor-próprio ou no
orgulho, o gênio do Artista é, portanto, o de reencontrar o
triunfo da Arte – a Beleza. (ROUX, 1892: 99).

Ao final do texto, Saint-Pol-Roux menciona a “revolução” nas artes, premissa


que nos lembra a perspectiva de Pierre Bourdieu sobre a época:
Na verdade, certas apoteoses ocorrem apenas em uma época
determinada, antes da qual há o surdo período de exílio e de
incubação. Assim a Poesia, sobretudo potencial! Sua
atmosfera adequada ainda não estava pronta, ora porque
faltava coragem aos poetas, ora porque os aborteiros
tradicionários tornavam essa coragem inviável. [...] A
Revolução, que tem preparado suas fraldas em nossas almas
corajosas, pode enfim aparecer, virgem ardente dos séculos
findos, anfitriã perfeita da Liberdade, isto é, da Verdade.
(ROUX, 1892: 99)

No âmbito do pensamento da época, o Mercure de France traduziu para o


francês textos do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Ao discorrer sobre a obra desse
pensador, Henri Albert exaltou o seu valor, além de explicitar seus conceitos – a
exemplo da concepção de “super-homem” – e de associar a sua filosofia ao desejo de
renovação dos anos de 1800:

Nietzsche prevê a aurora vindoura de uma cultura nova, não de


uma cultura nacional, mas expressamente europeia. Agora, a
elite das nações já não mais conhece fronteiras – os homens
superiores de todos os países se sentem compatriotas, aliados.
Esses bons Europeus serão a casta futura que reinará na
Europa, casta estrangeira, tanto no vão patriotismo
democrático ou monárquico como no socialismo, na anarquia e
no niilismo. (ALBERT, 1893: 52)

Como já se mencionou, fizeram-se presentes na França do XIX correntes que


exaltavam o misticismo e o ocultismo. Havia a hostilidade em relação às concepções
materialistas e um florescimento do misticismo religioso ou profano. Os textos de
Edgar Allan Poe, popularizados entre 1856 e 1869 por Charles Baudelaire, graças a
sua tradução das Histórias extraordinárias, além da tradução de Corbeau, feita por
Stéphane Mallarmé e que data de 1876, influenciaram os jovens poetas da época, que
encontraram no escritor americano “algumas teorias que deviam servir de base à nova
estética”. (BARRE, s/d: 12). Em fevereiro de 1892, o Mercure de France iniciou a
publicação de traduções inéditas de textos de Poe. O primeiro a ser versado para o
francês foi “La personalité et l’originalité” (“A personalidade e a originalidade”); nesse
escrito, o autor estadunidense discorre sobre M. Hawthorne,1 utilizando-o como
exemplo daquilo que seria “novo” ou “original” em literatura, além da experiência da
própria leitura, enquanto troca entre escritor e leitor:

A verdadeira originalidade – verdadeira, relativamente, ao seu


objetivo – é a que, elaborando suas imperfeições, os
inconscientes, as rebeldes fantasias da humanidade, ou
excitando os movimentos passionais do coração, ou dando a
luz a algum sentimento universal, a qualquer instinto

1
Possivelmente, trata-se do romancista e contista estadunidense Nathaniel Hathorne.
embrionário, combina também com o efeito de prazer da
novidade aparente de reais e egoístas delícias. O leitor, no
primeiro caso (o da absoluta novidade), está excitado, mas
perplexo, perturbado, e, até um certo ponto, ele sofrerá de sua
impossibilidade de compreender, da idiotice que o impede de
perceber a ideia. No segundo caso, seu prazer é duplicado. Ele
experimenta delícias intrínsecas e extrínsecas. Ele goza com a
intensidade da novidade e do pensamento, ele se aproveita
disso como algo realmente novo e absolutamente original, não
somente no escritor, mas nele – leitor. Ambos, imagina-se, e
sós, entre todos os homens, pensaram assim. Ambos criaram
isso juntos. Há, portanto, entre eles, um vínculo de simpatia –
uma simpatia que erradia cada página do livro. (POE, 1892:
141)

Ao longo da década de 1890, o Mercure de France manteve-se em evolução.


Seus primeiros anos determinaram sua postura precursora, que se estendeu, além
disso, ao meio editorial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos do século XIX, a França passou por mudanças estruturais
e, ainda, por modificações no âmbito literário. O descontentamento com as instituições
vigentes resultou, ainda, em uma necessidade de renovação das artes, o que resultou,
entre outras manifestações, na ascensão do Simbolismo.
Na década de 1880, grupos se reuniram para sustentar e divulgar essa
estética. Tratou-se de um tempo que foi, ainda, fervilhante para o periodismo. Algumas
publicações foram efêmeras; outras, em contrapartida, consolidaram-se. O Mercure de
France, ou sua “série moderne”, foi revista que se edificou nesse cenário. Seus
colaboradores assinaram textos afinados aos propósitos de renovação do período,
defendendo diferentes concepções na arte e no pensamento. Discorriam sobre
autores, de seu tempo e mesmo de outrora, que propusessem elementos formais e
temas que se distanciassem daquilo que já estava estabelecido.
As primeiras publicações do Mercure de France atribuíram fôlego a textos
posteriores que mantiveram o apreço pelas questões atreladas à renovação na
literatura e nas artes, mantendo sua sintonia não apenas com as bases conceituais do
Simbolismo, mas assimilando, igualmente, conceitos e ideias que propulsionaram as
vogas do século XX.

REFERÊNCIAS

ALBERT, Henri. Friedrich Nietzsche. Mercure de France. Paris, jan. 1893. p. 46-65.
AMARAL, Glória Carneiro do. Navette literária França-Brasil: a crítica de Roger
Bastide. São Paulo: EDUSP, 2010. (Tomo I)

AURIER, G.-Albert. Les isolés. Mercure de France. Paris, jan. 1890. p.24-29.

BARRE, André. Le Symbolisme – Essai historique sur le mouvement symboliste en


France de 1885 à 1900. New York: Burt Franklin, s/d.

BERTRAN, Aviva H. Schonthal Bertran. Mercure de France: The Birth of a Publishing


House. In: ______. The French Review. Vol. 33. Nº4 (Feb., 1960), pp. 351-358.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/383650.

BOURDIEU, Pierre. Les règles de l’art: Genèse et structure du champ littéraire.


Éditions du Seuil, 1992.

GOURMONT, Rémy de. La littérature “Maldoror”. Mercure de France. Paris, fev. 1890.
p. 97-102.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Falência de crítica. Um caso limite: Lautréamont. São


Paulo: Perspectiva, 1973.

POE, Edgar A. La Personnalité e l’Originalité. Mercure de France. Paris, fev. 1892. p.


139-141.

ROUX, Saint-Pol. De l’Art Magnifique. Mercure de France. Paris, fev. 1892. p. 97-104.

VALLETTE, Alfred. Intuitivisme et Réalisme. Mercure de France. Paris, abr. 1890. p.


97-104.

______. Mercure de France. Mercure de France. Paris, jan. 1890. p. 1-4.

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