Esta composição poética é constituída por seis quadras (de notar que o uso da quadra
é uma marca «popular» da poesia pessoana) de versos octossílabos e rima cruzada, de acordo
com o esquema abab.
O tema do texto é a dor de pensar, de ser racional, lúcido, do qual derivam outras
temáticas tão caras ao ortónimo:
. a consciência da efemeridade da vida;
. o tédio existencial;
. a dispersão e o aniquilamento finais.
O assunto assenta no confronto entre a pessoa de uma ceifeira que o sujeito poético
vislumbra fugazmente e ele próprio. Note-se que não há qualquer referência concreta à
ceifeira que a individualize (por exemplo, nome, rosto...), o que sugere esse carácter fugaz da
«visão» tida pelo sujeito poético.
Nas três primeiras estrofes (1.ª parte), encontramos a descrição da ceifeira e do seu
canto. Com efeito, o “eu” vislumbra uma ceifeira a cantar, sinónimo (aparente) de alegria,
felicidade, suavidade, serenidade, inocência e espontaneidade. No entanto, em simultâneo, a
descrição é marcada por notas dissonantes: ela é "pobre" (isto é, "infeliz", "coitada") e a sua
voz encontra-se cheia de dor, de amargura ("... e a sua voz, cheia / De alegre e anónima
viuvez" - vv. 3-4 – de notar a metáfora e o paradoxo). Deste modo, o canto da ceifeira, que
aparentemente exprime sentimentos eufóricos, revela, na perspetiva do sujeito lírico,
superficialidade, irreflexão e inconsciência, ideia comprovada na terceira quadra.
Este quadro provoca uma reação antitética no sujeito poético: por um lado, alegra-se por
a ver feliz, graças à sua voz alegre e cheia de vida que o encanta e prende; por outro lado,
entristece, pois sabe que, se a ceifeira tivesse consciência do seu mundo, da sua situação, não
encontraria motivos para cantar. No entanto, "canta como se tivesse / Mais razões para cantar
que a vida" (comparação), mas o sujeito poético vê na sua voz "curvas", metáfora que poderá
sugerir diversas oscilações melódicas, sugerindo a suavidade do seu canto; vê ainda "o campo
e a lida", isto é, o trabalho árduo, excessivo e mal remunerado, o sofrimento, o rebaixamento
do ser humano, a mulher transformada em instrumento de produção. Como se explica, então,
que, não obstante este quadro, ela continue a cantar? O que acontece é que a ceifeira não
reflete (na sua vida), logo é inconsciente, e é esta inconsciência que justifica o seu canto e a
sua alegria.
A segunda parte do poema abarca a 4.ª, a 5.ª e a 6.ª estrofes, nas quais o sujeito poético
tece pedidos e exprime desejos.
- a ceifeira, por sua vez, julga-se feliz, porque apenas sente, não racionaliza, não
intelectualiza a sua realidade, as suas emoções, o que leva o sujeito poético a exclamar "Ah,
canta, canta sem razão!" e a desejar "Ter a tua alegre inconsciência". Deste modo, a
ceifeira e o seu canto constituem a metáfora da felicidade inatingível.