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RESUMO
I - Introdução
O presente trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa que realizo junto ao
grupo afro-descendente Malê Debalê (Salvador, BA). Utilizo durante a pesquisa o
instrumental teórico da antropologia fílmica, ou seja, uso a câmera videográfica como
forma privilegiada para coletar dados sobre o grupo estudado. O instrumental fílmico
passa a ser fundamental para a compreensão dos processos observados. Trabalho este
instrumental tal qual o define C. de France 43 , ou seja, a câmera está presente desde o
início da pesquisa, após ter obtido o acordo do grupo com o qual desejamos trabalhar.
Exploro, desta forma, os diferentes processos que se apresentam, sem o conhecimento
prévio destes, utilizando uma câmera videográfica digital, método de trabalho que a
pesquisadora citada acima define como exploratório, ou seja, que concerne “a supressão
da observação direta como etapa preliminar indispensável para a pesquisa; ou, o que dá
no mesmo, a instauração do registro fílmico precedendo qualquer observação
aprofundada” (France 1998, p.343).
II – O Malê Debalê
Atualmente o grupo conta com uma diretoria composta por sete membros, sendo
um presidente e os outros ocupando a função de diretores. O bloco desfilou no carnaval
de 2002 com aproximadamente 3.000 membros na avenida. Uma das particularidades do
bloco é a de somente desfilar no circuito central da cidade (Campo Grande). Quatorze
alas compareceram este ano ao desfile, que teve por tema a Mandinga. Estas alas foram
acompanhadas de duas alegorias: no primeiro estavam o rei e a rainha malê e no outro os
cantores e os equipamentos de iluminação e sonorização. O desfile contou também com
uma bateria composta por 150 músicos, que utilizam somente instrumentos percusivos.
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Lúcia Lobato qualifica este espaço de sociabilidade como sendo o “clube social” da população de baixa
renda local (comentário pessoal).
(ensaios, shows etc.) 49 . Deverei, em uma fase posterior da pesquisa, me ater às relações
existentes entre vida cotidiana e religiosidade, no contexto do carnaval, tal qual o
vivenciam o grupo Malê.
O documento que serve de base de análise deste trabalho, Malê I, foi realizado na quadra
de ensaios do bloco em Itapuã, em dezembro de 2001. Entretanto, após esta data realizei
outros vídeos sobre o Malê Debalê.
A filmagen foi realizada com uma câmera videográfica digital que, em razão de sua
pequena dimensão, possibilitou que o meu comportamento enquanto cineasta passasse
quase desapercebido das pessoas filmadas, e fosse assim possível apreender, entre outras
atividades, momentos fugazes correspondendo a aprendizados difusos tanto musicais,
quanto coreográficos.
49
Convém observar que o fato de ter sido introduzido no grupo por um de seus membros, contribuiu para
despertar a confiança do grupo para com o pesquisador.
50
Noção formulada por Jane Gueronnet em Le geste cinématographique (1987).
51
Em relação à filmagem dos aprendizados humanos ver Annie Comolli (1995, 2000).
O documento Malê I nos coloca face à questão dos aprendizados, quando mostra
no início de um plano, uma criança batendo em um tambor. Após um plano fixo de
alguns segundos, um trajeto efetuado da esquerda para a direita apresenta os membros da
bateria tocando seus instrumentos de percussão. Um plano posterior apresenta o maestro
da banda orientando o conjunto de músicos. Esta seqüência em sua aparência simples,
revela duas formas de transmissão e aquisição de saberes que podem ser observados no
que diz respeito aos aprendizados humanos, que podem ser pontuais ou difusos52 .
Incluímos o ensaio da banda sob a orientação do maestro como uma situação de
aprendizado pontual. Já a criança que se exerce com o tambor, estaria em um asituação
de aprendizado difuso. É necessário observar que uma das características do aprendizado
difuso é a de ocorrer freqüentemente envo lvido no fluxo de outras atividades, ou seja é
menos perceptível ao observador-cineasta.
Uma outra seqüência do mesmo documento desvenda uma situação de aprendizado
difuso de um outro tipo: duas meninas dançam tendo como modelo suas mães, que por
alguns momentos “guiam” gestualmente os movimentos do corpo de suas filhas.
IV-Conclusão
Como foi observado anteriormente, esta pesquisa encontra-se ainda em fase inicial,
mas podemos desde já ressaltar alguns resultados no que concerne as diferentes
formas de transmissão e aquisição dos saberes empregadas pelo grupo Malê Debalê e
visíveis no documento videográfico. Notamos que uma das vias seguidas pelo
aprendizado da criança neste grupo corresponde, inicialmente, à observação dos
processos e, posteriormente, à imitação de certas atividades.
A adoção de estratégias cinematográficas, como a filmagem em planos largos e em
planos-seqüência, revelou atividades secundárias não previstas durante a filmagem.
Temos desta forma uma idéia de diferentes processos que ocorrem neste local durante um
ensaio do bloco.
52
Os conceitos de aprendizado pontual e difuso foram analisados por Annie Comolli (1995).
53
“O meio eficiente inclui todos os elementos do ambiente direta ou indiretamente necessários ao exercício
da atividade do agente do processo observado”. (France, 1998, p. 410).
Uma etapa importante do trabalho que deverá ser realizada brevemente
corresponde ao feed-back do documento que será apresentado à comunidade filmada.
Tentaremos desta forma obter comentários e questionamentos dos agentes filmados que
serão importantes no momento das próximas filmagens. O filme tem este poder
comunicacional de poder ser visto, comentado, inclusive pelas pessoas que dele
participaram. Desta forma, estamos trabalhando na direção de uma “antropologia
compartilhada”, tão importante a Jean Rouch.
V-Bibliografia
COMOLLI, Annie.
- Cinématographie des apprentissages. Fondements et stratégies, Paris, Editions
Arguments, 1995.
- “A pesquisa fílmica das aprendizagens”, In Claudine de France (ed.), Do filme
etnográfico à antropologia fílmica, Campinas, Unicamp, 2000.
FRANCE, Claudine de.
- Cinema e antropologia, Campinas, Unicamp, 1998.
- “Antropologia fílmica – Uma gênese difícil, mas promissora”, In Claudine de
France (ed.), Do filme etnográfico à antropologia fílmica, Campinas, Unicamp,
2000.
GUERONNET, Jane
- Le geste cinématographique, Nanterre, Université Paris X-Formation de
Recherches Cinématographiques, 1987.
LOBATO, Lucia F.
- Malê Debalê: Um espetáculo de resistência negra na cultura baiana
Contemporânea, tese de doutorado em Artes Cênicas, Salvador, UFBA, 2001.
LOPES, Nei
- Bantos, malês e identidade negra, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1988.
ROUCH, Jean
- “Le film ethnographique”, In Jean Poirier (ed.), Ethnologie générale, Paris,
Gallimard, 1968.
- “La caméra et les hommes”, In Claudine de France (ed.), Pour une
anthropologie visuelle , Paris, Mouton, 1979.