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socom LETRAS cee ils Colegio Primeitos Passos ANDRE BAZIN O CINEMA ENSAIOS Antropologia da Comunicacio Oqueé Ane Visual J Traduca: Eloisa de Araisjo Ribeiro Introdueao: Ismail Xavier DEDALUS - Acervo FFLCH-FIL © cinems =“ pnumyguyit 24000039563 ‘TOMBO. . :29392 IAT Pops f | + aia ‘SBD-FFLCH-USP a Clee. Topas pte ~ editora brasiliense vil A EVOLUCAO DA LINGUAGEM CINEMATOGRAFICA! Em 1928, a arte muda estava em seu apogeu, © desespero dos melhores daqueles que assistiram ao desmantelamento dessa per- feita cidade da imagem pode ser explicado, se nao justificado, Na via estética na qual ela estava entéo engajada, parecia-Ihes que 6 cinema tinha se tornado uma arte supremamente adaptada ao “‘delicado incémodo” do siléncio € que, portanto, o realismo sonoro s6 podia condenar a0 caos De fato, agora que 0 emprego do som demonsirou o bastante que nao veio para aniquilar o Antigo Testamento cinematografico, mas sealizé-lo, caberia perguntar se 2 revolucao técnica introdu- Zida pela banda sonora corresponde realmente a uma revolugdo estétiea, em outros termos, se 05 anos de 1928-1930 sao efetiva- mente 0s do nascimento de um novo cinema, Encarada do ponto de vista da decupagem, a historia do filme ndo deixa aparecer, com efeito, uma solugdo de continuidade tao facilmente quanto se poderia pensar, entre 0 cinema mudo ¢ o falado. Em compensa~ (40, poderiamos revelar os parentescos entre certos realizadores dos anos 1925 e outros de 1935, e sobretudo do periodo 1940-1950. Por exemplo, entre Erich Yon Stroheim ¢ Jean Renoir ou Orson Welles, Carl Theodor Dreyer ¢ Robert Bresson, Ora, tais afinida- des mais ou menos claras provam, em primeiro lugar, que uma ponte pode ser langada por cima da falha dos anos 30, que certos valores do cinema mudo persistem no cinema falado, mas, princi- palmente, que se trata menos de opor o ‘‘mudo” 20 “falado” do que, em ambos, familias de estilo, concepgdes fundamental- ‘mente diferentes da expressdo cinematografica Sem me dissimular a relatividade de uma simplificagao critica que as dimensdes deste estudo me impdem, ¢ considerando-o A EVOLUGAG DA LINGUAGEM CINEMATOGRAFICA 67 menos uma realidade objetiva do que uma hipétese de trabalho, eu distinguirei no cinema de 1920 @ 1940 duas grandes tendéncias opostas: 0s diretores que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade. Por imagem, entendo de modo bem geral tudo aquilo que a representacao na tela pode acrescentar a coisa representada. Tal contribuigio complexa, mas.podemos reduzi-la essencialmente a dois grupos de fatos: a plastica da imagem e os recursos da mon- tagem (que nao é outra coisa senao a organizagdo das imagens no tempo). Na plastica, é preciso compreender 0 estilo do cenério ¢ da maguiagem, de certo modo até mesmo da interpretagao, aos quais se acrescentam a iluminacao e, por fim, 0 enquadramento que fecha a composicao. Quanto 4 montagem, otiunda prineipal- mente, como se sabe, das obras-primas de Griffith, André Mal- aux dizia, em Psicologia do cinema, que ela constituia 0 nasci- mento do filme como arte: 0 que o distingue realmente da simples fotografia animada. Na realidade, enfim, uma linguagem A utifizagao da montagem pode ser “‘invisivel””; € 0 caso mais, frequente no filme americano classic anterior & guerra. Os cortes dos planos nao tém outro objetivo que o de analisar o aconteci- mento segundo a logica matemética ou dramatica da cena, E sua légica que torna tal andlise insensivel; 0 espirito do espectador adota naturalmente os pontos de vista que o diretor the propde, pois sao justificados pela gcografia da acto ou pelo deslocamento do interesse dramético. A neutralidade dessa decupagem “invisivel”” néo d& conta, porém, de todas as possibilidades da montagem. Ein contraparti- da, elas podem ser apreendidas perfeitamente, em trés procedimen- tos comhecidos geralmente pelo nome de “‘montagem paralela””, “montagem acelerada”” e “‘montagem de atragoes”. Criando a montagem paralela, Griffith conseguia dar conta da simuttanei- dade de duas agoes, distantes no espago, por uma sucessio de pla- nos de uma e da outra. Em La rove, Abel Gance nos dé a ilusdo da aceleracao de uma locomotiva sem cecorrer a imagens reais de velocidade (pois afinal, as rodas poderiam radar sem se deslocar), pela simples multiplicacdo de planos cada vez. mais curtos. Entim, ‘a montagem de atragbes, criada por Eisenstein, cuja descrigao nao € tao facil, poderia ser definida grosseiramente como o reforgo do sentido de uma imagem pela aproximasao de outra imagem que no pertence necessariamente ao mesmo acontecimento: os fogos de artificio em O velho € 0 novo, que sucedem a imagem do tour. Nessa forma extrema, a montagem de atragdes foi rara 6 ANDRE BAZIN mente utilizada, até mesmo por seu criador, mas podemos conside- rar bem préxima em seu principio & pritica mais geral da elipse, da comparagio ou da metafora: sao as meias jogadas na cadeira a0 pé da cama, ou ainda o leite que transborda (Crime em Paris, de H. G. Clouzot). Existem, naturalmente, combinacées variaveis esses trés procedimentos Quaisquer que sejam, podemos reconhecer nelas 0 trago ¢o- mum que ¢ a propria definicao da montagem: a criagdo de um sentido que as imagens ndo contém objetivamente € que procede unicamente de suas relagdes. A célebre experiencia de Kulechov com © mesmo plano de Mosjukine, cujo sorriso parecia mudar xpressio conforme a imagem que o precedia, resume perfeita- mente as propriedades da montagem. ‘As montagens de Kulechov, a de Eisenstein ou de Gance nao mostravam 0 acontecimento: aludiam 2 ele, Eles tiravam, sem diivida, pelo menos a maioria de seus elementos da realidade q queriam descrever, mas a significacao final do filme residia muito mais na organizagao dos elementos que no conteiido objetivo deles. ‘A matéria do relato, qualquer que seja o realismo individual da imagem, surge essencialmente de suas relagoes (Mosjukine sorrindo + crianga morta = piedade), isto é, um resultado abstrato cujos elementos concretos n&o comportam as premissas. Do mesmo modo, podemos imaginar: meninas + macieiras floridas = espe- ranga, As combinagdes séo incontaveis. Porém, todas tém em comum o fato de sugerir a idéia por intermédio da metafora ou da associagao de idéias. Assim, entre 0 roteiro propriamente dito, objeto iltimo do relato, e a imagem bruta, se intercala uma etapa suplementar, um “transformador” estético, © sentido nao esta nna imagem, cle ¢ a sombra projetada pela montagem, no plano de consciéncia do espectador. Resumindo: tanto pelo conteido plastico da imagem quanto pelos recursos da montagem, o cinema dispde de todo um arse- nal de procedimentos para impor aos espectadores sua interpreta- go do acontecimento representado. Podemos considerar que, no final do cinema mudo, esse arsenal estava completo, Por um lado, 0 cinema soviético levou as tltimas conseqiéncias a tecria ¢ pratica da montagem, enquanto que a escola alema fez com que a plastica da imagem sofresse todas as violéncias posstveis (ce- ndrio ¢ iluminac&o). E claro que, além do alemto € do soviético, outros cinemas também contam, mas seja na Franca, na Suécia ou na América, ndo parece que a linguagem cinematogratica careca de meios para dizer o que ela tem a dizer. Se 0 essencial A EVOLUGAO DA LINGUAGEM CINEMATOGRAFICA, 6 da arte cinematografica consiste em tudo 0 que a plastica e a montagem podem acrescentar a uma realidade dada, a arte muda uma arte completa. O som s6 poderia desempenhar, no maximo, tum papel subordinado e complementar: em contraponto a imagem visual. Mas esse possivel enriquecimento, que no melhor dos casos s6 poderia ser menor, corre o risco de nao ter muito peso no prego do lastro de realidade suplementar introduzido ao mesmo tempo pelo som. E que acabamos de considerar o expressionismo da montagem € da imagem como o essencial da arte cinematografi mente essa nogao geralmente admitida que questionam implicita- mente, desde o cinema mudo, realizadores como Erich Von Stro- heim, F. M. Murnau ou R. Flaherty. A montagem n&0 desempe- nha em seus filmes praticamente nenliutn papel, a no ser o papel totalmente negativo da eliminagao inevitavel numa realidade abun. dante demais. A camera nfo pode ver tudo ao mesmo tempo mas, do que escoltte ver, ela se esforca a0 menos para nao perder nada. que conta para Flaherty, diante de Nanook cagando a foca, é a relagdo entre Nanook ¢ o animal, a amplitude real da espera. A montagem poderia sugerir © tempo; Flaherty se limita a nos mos- trar a espera, a duragao da caga e a propria substancia da imagem, seu verdadeiro objeto. No filme, esse episodio 56 admite, portanto, um iinico plano, Podemos negar que ele é, por isso mesmo, muito mais emocionante do que uma ‘‘montagem de atragbes”? Murnau nao se interessa tanto pelo tempo, mas pela realidade do espago dramético: a montagem nao desempenha, nem em Lobi- somem (Nosferatu) nem em Aurora, nenhum papel decisivo. No entanto, poderiamos pensar que a plastica da imagem a aproxima de um certo expressionismo, mas seria uma visdo superficial. A composicao de sua imagem nao é de modo atgum pictural, ela nao acrescenta nada 4 realidacle, nfo a deforma, muito pelo contré- rio, ela se esforga para desvelar suas estruturas profundas, para fazer aparecer relagoes preexistentes que se tornam constitutivas do drama, Assim, em Tabu, a entrada no campo da imagem pelo lado esquerdo da tela de uma nau identifica-se absolutamente com © destino, sem que Murnau jogue com o rigoroso realismo do filme, com cenério totalmente natural. Mas foi seguramente Stroheim quem mais se opés a um sd tempo ao expressionismo da imagem ¢ aos artificios da montagem. Nele, a realidade confessa seu sentido como o suspeito sob 0 inter= 0 ANDRE BAZIN rogat6rio incansavel do comissério. O principio de sua mise-en-scéne é simples: olkar 0 mundo de bem perto ¢ com bastante insisténcia para que ele acabe revelando sua crueldade e feiira. Poderiamos imaginar facilmente, em diltima instancia, um filme de Stroheim composto de um tinico plano td longo ¢ grande quanto quiséssemos. A escolha desses irés diretores nao é exaustiva. Certamente encontrariamos em outros autores, aqui ¢ ali, elementos de cinema nao expressionista € nos quais 2 montagem nao tem vez. Alias, ‘até mesmo em Griffith. Mas talvez esses exemplos sejam suficien- tes para indicar a existéncia, no amago do cinema mudo, de uma arte cinematografica precisamente contraria & que ¢ identificada com 0 cinema por exceléncia; de uma linguagem cuja unidade semantica e sintética ndo de modo algum o plano; na qual a ima~ gem vale, a principio, ndo pelo que acrescenta mas pelo que revela da realidade. Para tal tendéncia, 0 cinema mudo nao passava, de fato, de uma enfermidade: a realidade, menos um de seus elemen- tos. Virtualmente, tanto Ouro e maldicdo como a Joana d’Arc, de Dreyer, j4 s80, portanto, filmes falados. Se deixarmos de con- siderar a montagem e a composicdo plastica da imagem como a propria esséncia da linguagem cinematogréfica, 0 aparecimento do som néo constitui mais rachadura estética que divide dois aspec- tos radicalmente diferentes da sétima arte. Um certo cinema pen~ sou ter morrido com a banda sonora; n&o foi de modo algum “o cinema": 0 verdadeiro plano de clivagem estava noutra parte, con- tinuava — e continua — sem ruptura, a atravessar 35 anos da his- t6ria da linguagem cinematografica Sendo, assim, a unidade estética do cinema mudo questionada ¢ repartida entre duas tendéncias intimamente inimigas, reexami- nemos a histéria dos Ghimos 20 anos. De 1930 a 1940, parece ter se instituido pelo mundo afora, ¢ principalmente a partir da América, uma certa comunidade de expressdo na linguagem cinematogréfica. E 0 triunfo em Holly- wood de cinco ou seis géneros que assezuram entao sua massa~ crante superioridade: a comédia americana (A muther faz 0 ho- ‘mem, 1936), 0 burlesco (Irmaos Marx), 0 filme de danga e o music- hall (Fred Astaire e Ginger Rogers, os Ziegfeld follies), o filme policial e de gangsters (Scarface, a vergonha de uma nacido, O fugitivo, O delator}, 0 drama psicoldgico ¢ de costumes (Esquina ‘do pecado, Jezebel), 0 filme fantastico ou de terror (O médico e (0 monsiro, O homer invistvel, Frankenstein), © western (No tempo A EVOLUGAO DA LINGUAGEM CINEMA LUGRAFICA, De 1930 a 1940, ¢ 0 triunfo em Hollywood de cinca ow ses géneros que ase juram sua massacrance superioridade. Aqui, um polical: Scarface, vergo- daha de wma napao, oorax. das diligéncias, 1939). O segundo cinema do mundo &, sem davida alguma, no mesmo periodo, o francés; sua superioridade se afirma acs poucos numa tendéncia que podemos chamar grosseiramente Ge realismo noir ow realismo postico, dominado por quatro nomes: Jacques Feyder, Jean Renoir, Marcel Carné e Julien Duvivier Nao sendo nossa intengao premiar, seria imitit demoratmo-nos 1os cinemas soviético, inglés, alema0 e italiano, cujo periodo con- siderado € relativamente menos significative para eles do que os dez anos seguintes. As produgdes americanas e francesas bastam, em todo caso, para definir claramente o cinema falado anterior & guerra como uma arte que alcancou visivelmente o equilibrio ¢ a maturidade. Primeiro, quanto ao fundo: grandes géneros com regras bem claboradas, capazes de agradar 0 maior piiblico internacional ¢ interessar também uma elite culta, contanto que ela nao fosse @ priori hiostil ao cinema. Segundo, quanto & forma: estilos da fotografia © da decupa- gem perfeitamente claros e de acordo com o tema; uma total recon n ANDRE BAZIN cilfacao da imagem e do som, Revendo hoje filmes como Jezebel, de William Wyler, No tempo das diligencias, de John Ford, ou 0 Tragico amankecer, de Marcel Carné, teremos a sensagio de uma arte que encontrou seu perfeito equilibrio, sua forma de expresso ideal e, reciprocamente, admiramos neles os temas dramaticos ¢ ‘morais que, sem diivida, nao foram totalmente criados pelo cinema, > mas ao menos elevados por ele a uma grandeza, a uma eficécia artistica que, sem cle, nunca teriam atingido, Em suma, todas as caracteristicas da plenitude de uma arte “cléssica” Compreendo que se possa, com razio, defender a tese que a originalidade do cinema do pés-guerra, em relagiio ao de 1939, re- side na promogio de certas producdes nacionais e, em particular, no brilho ofuscante do cinema italiano e no aparecimento de um cinema brit€nico original e lberado das influéncias hollywoodia- nas; que dai se tire a conclusio que o fenémeno realmente impor- tante dos anos 1940-1950 ¢ a intruséo de sangue novo, de uma ‘matéria ainda inexplorada; em suma, que a verdadeira revolugao foi feita muito mais a nivel dos temas do que do estilo; do que © cinema tem para dizer ao mundo, mais do que da maneira de 0 dizer. O ‘neo-realismo” no é a principio um humanismo antes de ser um estilo de mise-en-scéne? E esse estilo néo se definiria essencialmente por um desaparecimento frente & realidade? Tampouco temos a intencdo de elogiar nfo sei que preeminén- cia da forma sobre 0 fundo. ‘“A arte pela arte” ndo € menos herege no cinema, Talvez, ainda mais! Mas a tema novo, forma nova! E saber como o filme nos diz alguma coisa é mais uma| maneira de compreender melhor o que ele quer nos dizer. Em 1938 ou 1939, portanto, o cinema falado conhece, sobre- tudo na Franga ¢ na América, uma maneira de perfeicao classica, fundada, por um lado, sobre a maturidade dos géneros dranéti- \( 08 elaborados durante dez anos ou herdados do cinema mudo e, or outro, sobre a estabilizacdo dos progressos técnicos. Os anos 30 foram a um s6 tempo os do som e da pelicula pancromitica ‘Sem dvida o equipamento dos estiidios nao parou de ser aperfei- soado, mas tais melhoras eram apenas de detalhe, nenhuma delas abria possibilidades radicalmente novas para a mise-en-scehe. Tal situagdo, alids, ndo mudou desde 1940, a néo ser talvez no que toca a fotografia, gragas ao aumento da sensibilidade da pelicula, A pancromética desequilibrou os valores da imagem, as emulsoes ultra-sensiveis permitiram que seus contornos fossem modificados. Podendo rodar em estiidio com diafragmas muito mais fechados, A.EVOLUGAO DA LINGUAGEM CINEMATOORAFICA. 73 © operador pode, se fosse o caso, eliminar as imagens nebulosas dos planos de fundo que geralmente eram de rigor. Mas poderia- mos, certamente, encontrar exemplos anteriores do emprego da profundidade de campo (como em Renoir); ela sempre foi possi- ‘vel em cenas de externa e até mesmo em esttidio, mediante algu- ‘mas proezas. Bastava querer. De modo que se trata, no fundo, menos de um problema técnico — cuja solugao, é verdade, foi enormemente facilitada — do que de uma busca de estilo, sobre a qual voltaremos a falar. Em suma, desde a vulgarizaco doy gmpreto da pancromitica, conhcimento dos recurtos do micro fone e da gengyalizago do guindaste no equipamento dos esti-| dios, podemos Bonsiderar adquiridas as condigdes técnicas necessé- rias e suficientes para a arte cinematografica a partir dos anos 30. 34 que os determinismos téenicos foram praticamente elimina- dos, € preciso entio procurar noutra parte os sinais ¢ os princi- pios da evolucao da linguagem: no questionamento dos temas e, por conseguinte, dos estilos necessarios & sua expressao. Em 1939, © cinema falado chegara ao que os ge6grafos chamam de perfil em equilibrio de um rio. Isto é, a curva matematica ideal que é 0 resultado de uma erosto suficiente. Atingido o perfil de equilibrio, © rio flui sem esforco de sua fonte & sua embocadura € cessa de escavar ainda mais seu leito. Mas, caso ocorra aigum movimento geoldgico que aumente excessivamente a peneplano, modifique a altitude da fonte, a agua comesa a trabalhar novamente, penetra nos terrenos subjacentes, embrenha-se, mina ¢ escave. Por vezes, tratando-se de camadas de calcério, todo um novo relevo se esboca em baixo-relevo quase invisivel sobre o planalto, mais complexo ¢ irregular no caso de seguirmos 0 curso da agua. EVOLUGAO DA DECUPAGEM CINEMATOGRAFICA A PARTIR DO CINEMA FALADO Em 1938, encontramos quase em toda parte o mesmo tipo de decupagem. Se chamamos, um pouco convencionalmente, “‘expres- sionista”” ou “‘simbolista”’ o tipo de filmes mudos fundados na composisao plastica e nos artificios da montagem, poderiamos qualificar a nova forma de relato de “analitica”” © ‘dramética” Consideremos, para retomar um dos elementos da experiéncia de Kulechov, uma mesa posta e um pobre diabo faminto. Podemos imaginar a seguinte decupagem em 1936: 4 ANDRE BAZIN; 1. plano geral enquadrando a um s6 tempo o ator e a mesa; 2. traveling para a frente terminando no rosto que exprime uma mescla de maravilhamento e desejo em primeiro plano; 3. série de primeiros planos de viveres; 4. retorno ao personagem enquadrado de pé, que avanga len- tamente em direcao da camera; 5. ligeiro traveling para trds a fim de permitir um plano ame- ricano do ator apanhando uma asa de galinha. Quaisquer que sejam as variantes que se possa imaginar para essa decupagem, haveria ainda pontos comuns: 1. a verossimilhanea do espago, no qual o Ingar do persona- ‘gem esti sempre determinado, mesmo quando um primeiro plano elimina 0 cenério; 2. a intengao ¢ os efeitos da decupagem s4o exclusivamente dramaticos ou psicoldgicos. _ Em outros termos, encenada num teatro e diante de um audi- trio, a cena teria exatamente o mesmo sentido, 0 acontecimento continuaria a existir objetivamente. As mudangas de ponto de vista da cAmera nada acrescentariam. Apresentam apenas a realidade de maneira mais eficaz, Em principio, quando permitem que seja melhor vista, salientando em seguida o que merece ser salientado. B claro que, como o diretor de teatro, o diretor de cinema dis- pe de uma margem de interpretacdo para onde pode dirigir 0 sen- tido da acdo. Mas é apenas uma margem e, como tal, no poderia modificar a légica formal do acontecimento. Consideremos, em contrapartida, a montagem dos ledes de pedra em O fim de Sao Petersburgo; aproximadas com habilidade, uma série de esculiu- ras dio a impressio de um iinico animal que se ergue (como 0 ovo). Esse admirdvel achado de montagem é impensavel em 1932. Em Furia, Fritz Lang introduz ainda em 1935, apés uma sucessio de planos de mutheres tagarelando, a imagem de galinhas cacare- Jando num patio. E uma sobrevivéncia da montagem de atragbes ‘que j4 chocava na época ¢ que, hoje, parece totalmente heterogé- ‘nea a0 resto do filme, Por mais decisiva que seja a obra de um Carné, por exemplo, em sua valorizacio dos roteiros de Cais de sombras ou de Tragico amanhecer, sua decupagem permanece 20 nivel da realidade que ele analisa, é apenas uma maneira de vé-la bbem. Por isso, assistimos ao desaparecimento quase total dos tru- ‘ques visiveis, tais como a superposicto, ¢ até mesmo, sobretudo nna América, do primeiro plano cujo efeito fisico por demais vio- lento tornaria a montagem sensivel. Na comédia americana tipica, © diretor retorna toda vez que pode ao enquadramento dos perso. AEVOLUGAO DA LINGUAGEM CINEMATOGRAFICA 15 nagens acima dos joelhos, que se verifica mais de acordo com a tenga espontinea do espectador, 0 ponto de equilfbrio natural de sua acomodagio mental. De fato, tal pratica da montagem tem suas origens no cinema mudo. E mais ou menos 0 mesmo papel que ela desempenha em Griffith, em O lirio partido, por exemplo, pois, com Intoferdn- cia, Griffith ja introduz a concepedo sintética da montagem que ‘0 cinema soviético levard as suas iltimas conseqténcias ¢ que se vera, menos exclusivamente, accita por toda parte no final do cinema mudo. Compreende-se, aliés, que a imagem sonora, muito ‘menos maledvel. que a imagem visual, tenha levado a montagem para o realismo, tliminando, cada vez mais, tanto o expressionismo plistico quanto as relacdes simbélicas entre as imagens. Assim, por volta de 1938, os filmes eram, de fato, quase sem excegiio, decupados segundo os mesmos principios. A histéria era deserita por uma sucessdo de planos cujo niimero variava relativa- mente pouco (cerca de 600), A técnica caracteristica dessa decupa- gem era 0 campo/contra-campo: é, por exemplo, num didlogo, @ tomada alternada, conforme a logica do texto, de um ou outro interlocutor. Foi esse 0 tipo de decupagem, perfeitamente conveniente aos melhores filmes dos anos 30 a 39, que a decupagem em profundi- dade de campo de Orson Welles e de William Wyler veio questionar. ‘A notoriedade de Cidadao Kane nao poderia ser exagerada. Gragas & profundidade de campo, cenas inteiras séo tratadas numa {inica tomada, a cdmera ficando até mesmo imovel. Os efei- tos dramaticos, que anteriormente se exigia da montagem, surgem aqui do deslocamento dos atores dentro do enquadramento esco- Uhido de uma vez por todas. E claro que Orson Welles nao “‘inven- tou" a profundidade de campo, como tampouco Griffith inventou ‘© primeiro plano; todos os primitives do cinema a utilizavam, e por razies Sbvias. A imagem nebulose sé apareceu com a monta- gem. Ela ndo era apenas uma sujeigdo técnica consecutiva a0 ‘emprego dos planos préximos, mas a conseqiiéncia légica da mon- tagem, sua equivaléncia plistica. Se, a tal momento da ago, 0 diretor faz, por exemplo, como na decupagem acima imaginada, um primeiro plano de uma fruteira, é normal que a isole também no espaco pela focalizacdo. A imagem nebulosa do fundo confirma portanto o efeito da montagem, ela pertence apenas acessoria- mente ao estilo da fotografia, mas essencialmente a0 do relato. Jean Renoir ja tinha perfeitamente compreendido quando esere- veu em 1938, isto é, depois de A besta humana ¢ A grande ilusio 6 ANDRE BAZIN ce antes de A regra do jogo: “Quanto mais avango em minha pro- fissio, mais sou levado a fazer a mise-em-scéne em profundidade em relagao @ tela; quanto mais isso funciona, mais eu evito criar © confronto entre dois atores colocedos obedientemente diante da c&mera como no fotdgrafo””. E, com efeito, se procurarmos o: precursor de Orson Welles, nfo seré Louis Lumiére ou Zecca, ‘mas Jean Renoir. Em Renoir, a busca da composi¢ao em profun- didade da imagem corresponde efetivamente a uma supressio par- cial da montagem, substituida por fregitentes panordmicas ¢ entra- das no quadro. Ela supde 0 respeito & continuidade do espaco dramético e, naturalmente, de suua duracao. E evidente, para quem sabe ver, que os planos-seqtiéncia de Welles em Soberba nao so de modo algum “o registro” passivo de uma agdo fotografada num mesmo quadro, mas, 20 contrério, que a recusa de cortar 0 acontecimento, de analisar no tempo & rea dramética, é uma operacao positiva cujo efeito é superior ‘a0 que a decupagem clissica poderia ter produzido. Basta comparar dois fotogramas em profundidade de campo, uum de 1910 ¢ 0 outro de um filme de Welles ou de Wyler, para compreender s6 ao ver a imagem, mesmo separada do filme, que sua funcao é bem diferente, O enquadramento de 1910 ident se praticamente com a quarta parede ausente do palco do teatro ‘ou, pelo menos em cenas externas, com 0 melhor ponto de vista sobre a ago, enquanto que 0 cenétio, a iluminacao ¢ 0 Angulo dao, & segunda paginacdo, uma lesibilidade diferente. Na superfi- cie da tela, o diretor eo operador souberam organizar um tabuleiro de xadrez dramético, do qual nenhum detalhe é excluido. Encontra- remos os exemplos mais elaros disso, se nao 0s mais originais, em Pérfida, no qual a mise-en-scene ganha um rigor depurado (em Welles a sobrecarga barroca torna a anélise mais complexa). A colocagdo de um objeto em relagao aos personagens é tal que 0 espectador no pode escapar a sua significacdo. Significacdo que ‘a montagem teria detalhado num desenrolar de planos sucessivos.? Em outros termos, 0 plano-seqiiéncia em profundidade de campo do diretor modemo nao renuncia montagem — como poderia renunciar sem recair num balbucio primitivo; ele a integra A composicao pldstica. O relato de Welles ou de Wyler nao € menos explicito que o de John Ford, mas ele tem sobre o tiltimo a vanta- gem de ndo renunciar aos efeitos particulares que se pode tirar da unidade da imagem no tempo ¢ no espago. Nao é indiferente, com efeito (pelo menos numa obra que consegue ter estilo), que um acontecimento seja analisado por fragmentos on representado em A EVOLUGAO DA LINGUAGEM CINEMATOGRAFICA 77 sua unidade fisica, Seria evidentemente absurdo negar os progres- s0s decisivos trazidos pelo emprego da montagem na Linguagem da tela, mas eles foram adquiridos em detrimento de outros valo- res, no menos especificamente cinematograficos. Por isso, a profundidade de campo nao ¢ uma moda de opera~ dor com 0 emprego de filtros ou de tal estilo de iluminagio, mas juma aquisicdo capital da mise-en-scdne: um progresso dialético na historia da linguagem cinematogratica. E {sso nfo € apenas um progresso formal! A profundidade de campo bem utilizada nao € somente uma maneira a um s6 tempo mais econémica, mais simples ¢ mais sutil de valorizar acontecimento; ela afeta, com as estruturas da linguagem cinema togrifica, as relates intelectuais do espectador com a imagem e, com isso, modifica o sentido do espetéculo. ~ 'O assunto deste artigo levaria a analisar as modalidades psico- ogicas dessas relagdes, quando no suas relagbes estéticas, mas poderd ser suficiente observar grosso modo: 1, que @ profundidade de campo coloca o espectador numa relagdo com a imagem mais proxima do que a que ele mantém com a realidade. Logo, é justo dizer que, independente do proprio contetido da imagem, sua estrutura é mais realist 2. que ela implica, por conseguinte, uma atitude mental mai ativa e até mesmo uma contribuicdo positiva do espectador & mise-on-scone. Enquanto que, na montagem analitica, ele s6 pre- isa seguir o guia, dirigir sua atengZo para a do diretor, que esco- the para ele 0 que deve ser visto, Ihe é solicitado um minimo de escola pessoal. De sua atengio ¢ de sua vontade depende em parte 0 fato de a imagem ter um sentido; 3. das duas proposigdes precedentes, de ordem psicolégica, decorre uma terceira que pode ser qualificada de metafisica. ‘Analisando a realidade, a montagem supunha, por sua pré- pria natureza, a unidade de sentido do acontecimento dramético. Sem divida, outro encaminhamento analitico seria possivel, mas entdo teria sido um outro filme. Em suma, a montagem se opbe essencialmente ¢ por natureza a expresso da ambigilidade. B 0 ue a experiéncia de Kulechov demonstra justamente por absurdo, dando a cada vez um sentido preciso ao rosto cuja ambigilidade autoriza as 118s interpretagdes sucessivamente exclusiva. Em contrapartida, a profundidade de campo reintroduz a am- bigilidade na estrutura da imagem, se nfo como uma necessidade (os filmes de Wyler so pouco ambiguos), pelo menos como uma possibilidade. Por isso nao é um exagero dizer que Cidadao Kane ANDRE BAZIN (0 plano-seqiéncia do diretor moderna nao renuncia 4 montagem, ee a inte fra 3 sua plistica, A cena do suiidio fracassado em Cidaddo Kane. 86 pode ser concebido em profundidade de campo. A incerteza fem que permanecemos da chave espiritual ou da interpretacko esta, a principio, inserita nos préprios contornos da imagem Nao que Welles se proiba recorrer aos procedimentos expressio- nistas da montagem, mas justamente a utilizacto ocasional deles, entre os “*planos-seqiiéncia”, em profundidade de campo, Ihes con- fere um sentido novo. A montagem constituia outrora a propria matéria do cinema, a textura do roteiro, Em Cidadao Kane, um encadeamento de superposigdes opdese & continuidade de uma cena representada numa tinica tomada, ele é outra modalidade do relato, explicitamente abstrata. A montagem acelerada jogava com ‘© tempo e com o espaco; a de Welles nao procura nos enganar, a0 contrario, se propde, por contraste, como uma condensacao temporal, o equivalente, por exemplo, do imperfeito francés ou do freqiientativo inglés. Assim, a ““montagem répida”’ ¢ a ‘‘monta- gom de atragdes", as superposicdes que o cinema falado nao mais empregara durante dez anos, voltam a ter um uso possivel em rela. ‘¢f0 a0 realismo temporal de um cinema sem montagem. Se nos demoramos no caso de Orson Welles, foi porque a data de seu apa- recimento cinematografico (1941) marca bem © comeco de um A EVOLUCAG DA LINGUAGEM ch MATOGRAFICA 8 novo periodo, ¢ também porque seu caso é 0 mais espetacular € 0 mais significativo em seus préprios excessos. Entretanto, Cidadao Kane se insere num movimento de conjunto, num vasto desioca- mento geol6gico dos fundamentos do cinema, que confirma quase em toda parte, de algum modo, essa revolugao da linguagem. Eu encontraria uma confirmaco disso, por caminhos diferen- tes, no cinema italiano, Em Paisa e em Alemanha ano zero, de Roberto Rossellini, «em Ladrdes de bicicleta, de Vittorio de Sica, © neo-realismo italiano opde-se as formas anteriores do realismo cinematogrAfico pelo despojamento de todo expressionismo e, em particular, pela auséncia total dos efeitos de montagem. Como em Welles, e apesar das oposigdes de estilo, o neo-realismo tende 2 dar ao filme o sentido da ambigitidade do real. A preocupacdo de Rossellini diante do rosto da crianga de Alemanha ano zero é justamente oposta a de Kulechov diante do primeiro plano de Mosjukine. Trata-se de conservar seu mistério. Nao devemos nos iludir com 0 fato de a evolusao neo-tealista ndo parecer se tradu- zir, a principio, como nos Estados Unidos, por alguma revolucao na técnica da decupagem. Sao muitos os meios para atingir 0 mesmo objetivo. Os de Rossellini e os de De Sica sio menos espe- taculares, mas também visam acabar com a montagem e a fazer entrar na tela @ verdadeira continuidade da realidade. Zavattini nao sonha com outra coisa que filmar a vida de um homem a ‘quem nada acontece! O mais “esteta’” dos neo-realistas, Luchino Visconti, revelava — to claramente, alias, quanto Welles — 0 projeto fundamental de sua arte em La terra trema, filme com- posto quase unicamente de planos-seatiéncia, no qual a preocupa- sao de apambarcar a totalidade do acontecimento se traduz pela profundidade de campo ¢ por intermindveis panoramicas. Nao poderiamos, porém, passar em revista todas as obras que participam dessa evolugao da linguagem desde 1940. E hora de ten- tar uma sintese dessas reflexoes. Os titimos dez anos parecem marcar os progressos decisivos no campo da expresso cinemato- aréfica. Foi propositalmente que parecemos perder de vista, a par- tir de 1930, a tendéncia do cinema mudo ilustrada particularmente por Erich Von Stroheim, F. W. Murnau, R. Flaherty e Dreyer Nao que parecesse extinta com o cinema falado. Pois, muito pelo contritrio, pensamos que cla representava o veio mais fecundo do cinema dito mudo, 0 tnico que, precisamente porque o essencial de sua estética nao estava vinculado a montagem, atraia o realismo sonoro como um prolongamento natural. E bem verdade, porém, que 0 cinema falado de 1930 a 1940 nao Ihe deve quase nada a ‘nao ser a excecdo gloriosa e retrospectivamente profética de Jean <0 ANDRE BAZIN Em Le terra trenta, de Luchino Visconti, a preocupagio de agambarcar 3 tolalidade Gos acontecimentos se traduz pela profundidade de campo e por incerminaveis panorirnicas as Rava Renoir, © tinico cujas pesquisas de mise-en-scéne esforcam-se, até A regra do jogo, para encontrar, para além das facilidades da montagem, © scgredo de um relato cinematografico capaz de expressar tudo sem retalhar 0 mundo, de revelar o sentido oculto dos seres e das coisas sem quebrar sua unidade natural Nao se trata, contudo, de langar sobre o cinema de 1930 a 1940 um descrédito que nao resistiria, alids, de modo algum, & evidéncia de algumas obras-primas mas simplesmente de introdu- zir a idéia de um progresso dialético cuja grande articulacao ¢ marcada pelos anos 40. £ verdade que o cinema falado anunciow a morte de uma certa estética da linguagem cinematografica, mas somente daquela que o distanciava mais de sua vocacZo realista Da montagem, no entanto, o cinema falado tinha conservado 0 essencial, a descri¢ao descontinua ¢ a analise dramatica do evento. Renunciou & metafora ¢ ao simbolo para esforcar-se na ilusto da representacdo objetiva. O expressionismo da montagem desapare- ceu quase que completamente, mas o realismo relative do estilo VOLUGAC SUAGEM CINEMATOGRAFICA 8 de decupagem, que triunta geralmente por v~!ta de 1937, impli- cava numa limitagao congénita da qual né~ podemos nos dar conta enquanto os assuntos tratados !> cram perfeitamente apro- priados. E 0 que acontecia na coméd:: americana, que atinge sua perfeigio no ambito de uma decopagem em que o realismo do tempo ndo desempenhava papel algum. Essencialmente légica, como 0 vaudeville ¢ 0 jogo de palavras, perfeitamente convencio- nal em seu conteiido moral ¢ sociolégico, a comédia americana sé tinha a ganhar com o rigor descritivo e linear, com os recursos ritmicos da decupagem classica, Foi, provavelmente, sobretudo com a tendéncia Stroh Murnau, quase eclipsada de 1930 a 1940, que o cinema reata mais ou menos conscientemente durante os iiltimos dez anos. Mas ele nao se limita a prolongé-la, busca também ali o segredo de uma regenerescéncia realista do relato; este torna-se novamente capaz de integrar 0 tempo reat das coisas, a duragao do evento 20 qual a deeupagein, classica substitufa insidiosamente um tempo intelec- tual e abstrato. Longe, porém, de eliminar definitivamente as con- squistas da montagem, ele thes da, ao contrario, uma relatividade © um sentido. E apenas em relagdo a um realismo acrescido a ima- gem que um suiplemento de abstragao torna-se possivel. O reperts- ., 0 estiligtico de um diretor tomo Hitchcock, por exemplo, estende- se dos poderes do documento-bruto as superposicdes ¢ ads closes. Mas. os primeiros planos de Hitchcock nao so os de C. B. de Mille em Enganar e perdoar. Sao apenas uma figura de estilo entre outras. Em outros termos, no tempo do cinema mudo, a monta- gem evocava 0 que o realizador queria dizer; em 1938, a decupagem. descrevia; hoje, enfim, podemos dizer que diretor escreve direta- mente em cinema, A imagem — sua estrutura plastica, sua orga zapdo no tempo —, apoiando-se num maior realismo, dispde assim de muito mais meios para infletir, modificar de dentro a realidade. cineasta nao ¢ somente o concorrente do pintor e do dramaturgo, mas se iguala enfim ao romancista. 1, Exe tigos, 0 primeiro escrito para o tivro ani= versirio Vingr ans de cinéma a Venise (1952), 0 segunda, intitulado "“A decupagem € sua evolugdo™, publicado no n° 93 Gulho de 1985) da revista L ‘Age Nourecu, 0 terceiro nos Cahiers du Cinéma (n® 1, 1950). 2. llustragdes precisas desta endlise podem ser encontradas no proprio estudo sobre William Wyler

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