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EUGENE H. PETERSON A LINGUAGEM DE DEUS ‘Traduzido por FABIANO MEDEIROS mundocristao ‘Sdo Paulo capitulo 1 Jesus em Samaria Lucas 9:51—1 E uma tremenda ironia que Jesus, cujas palavras criam e formam nossa vida, jamais tenha escrito uma palavra, pelo menos nfo uma palavra que jamais tena sido preservada. Aquelas palavras que ele escreveu na areia em Jerusa- lém, usando 0 dedo como lépis, desapareceram no aguaceiro seguinte. Néo obstante, conhecemos a Jesus como homem das palavras. Ele é, afinal de contas, a Palavra tornada carne. Mas ele nfo deixou nada escrito. Ele falou. Jamais teve um editor, jamais eu uma noite de autégrafos, jamais mergulhou a pena num frasco de tinta. A linguagem para Jesus resumia-se exclusivamente a sua voz: “falou, e tudo se fez” (S1 33:9). Mas sem divide alguma suas palavras foram, naturalmente, escritas —e publicadas. Talver as palavras de nenhuma pessoa foram reproduzidas em forma impressa em tantos manuscritos ¢ livros impressos quanto as palavras de Jesus. Ainda assim, 6 importante manter em mente essa qualidade oral original, essa voz viva de Jesus, as palavras faladas que safram de sua boca ¢ entraram na vida de homens e mulheres por meio de ouvidos abertos e coragées cheios de fé. As palavras escritas, por mais importantes que sejam, si um passo gigantesco para longe da voz que fala. Deve-se fazer um esforgo resoluto para ouvir a voz que fala ¢ pera escuté-la, no apenas olhar para ela e-estudar a palavre escrita.! é antes de mais nade um meio de revelagéo, tanto para Deus quanto Usando palavras, Deus revela-se a nés. Usando palavras, nés nos revelamos a Deus e uns a0s outros. Por meio da linguagem, todo o ciclo de falar escutar, tanto Deus quanto seus homens e mulheres criados pela Palavra sio capazes de revelar vastos interiores antes inacessiveis a nbs. 1 AUNGUAGeM BE oEUS ‘Temos af algo importante. Importante para nossa reflexio, uma vez que ‘nfo é ébvio. E importante para reconsiderarmos continuamente, uma vez que nossa vasta indiistria da comunicagéo trata a linguagem acima de tudo ‘como informacfo ou estimulo, no como revelacio. Muitas vezes, quando a palavra “Deus” é usada em nossa sociedad, ¢ reduzida a uma informacio, ‘mpessoalizada em mera referéncia ou rebaixada a blasfémia. George Steiner, ‘um de nossos autores mais perceptivos dentre os que escreveram sobre a lin- guagem, sustenta, de forma poderosa, que transmitir informacso nfo passa de ‘uma fungio marginal e altamente especializada da linguagem.? Mas a lingua- ‘gem que aprendemos na companhia de pais, irmaos e amigos tem sua origem zno Deus revelador. Tudo 0 que falamos e escutamos ocorre num mundo de linguagem que ¢ formado e sustentado pelo falar e pelo escutar de Deus. As palavras que Deus usa para criar, dar nomes, abencoar ordenar em Génesis so as mesmas palavras que ouvimos Jesus usando para criar, dar nomes, curar, abencoar e ordenar nos Evangelhos. Jesus fala, e ouvimos Deus falar. (JESUS QUE CONVERSA A linguagem de Jesus, conforme relatada a nés pelos evangelistas Mateus, ‘Marcos, Lucas e Joao, suas testemunhas, é as vezes denominada pregagio ¢, ‘em outras ocasi6es, ensino. Mesmo assim, bos parte do tempo encontramos Jesus falando de maneiras que nio sio nem pregacfo, nem ensino. N6s 0 en- contramos falando informalmente num intercimbio conversacional enquanto faz suas refeicdes na casa de alguém ou com amigos, percorrendo campos ou ‘as margens de um lago, ou respondendo a vérias interrupcies e perguntas en- ‘quanto vai a um lugar ou outro. £ esse terceiro uso da linguagem, o informal « esponténeo, que me interessa neste contexto. A pregagio vem em primeiro lugar. E 0 tipo de linguagem que define, tanto no significado quanto no tom, aquilo de que Jesus se ocupa. As primeiras palavras safdas da boca de Jesus, conforme relata Marcos (que foi o primeiro 1 escrever um evangelho), foram em forma de pregagao: “Jesus foi para a esuSeMSAWARA 18 Galileie, proclamando as boas-novas de Deus. ‘O tempo é chegado’, dizia ele ‘O Reino de Deus esté préximo. Arrependam-se ¢ creiam nas boas-novas!"" (Mc 1:14-15). Ele concluiu seu serméo com um apelo que foi atendido por quatro pescadores. Estava a caminho, Pregacio é proclamacio. A pregagdo anuncia o que Deus esté realizando aqui e agora, neste momento € neste fugar. Também convoca os ouvintes a corresponder a contento. Pregacio é a noticia, as boas noticias, de que Deus falver. voc8 no soubesse, mas o Deus vivo esté esti vivo, presente e agindo: aqui, bem aqui nesta rua, neste santuério, nesta vizinhangs. E esté agindo agora. Esté falando agora — neste exato momento. Se souber o que bom para voce, desejaré engajar-se nisso”. “Todos os escritores do Evangelho dio-nos uma orientagéo completa sobre a pregagéo de Jesus, mas Marcos destace-se como um primeiro entre iguais: sua linguagem vigoross, urgente, consegue com grande destreza manter diante de nés 0 aqui, o agora ¢ o pessoal. ‘A pregagéo é uma linguagem que nos envolve pessoalmente com a ago de Deus no presente, Chama atengio na pregacio o fato de que ela consegue transmitir 0 pessoal e o presente. Nao se permite ao ouvinte supor que as palavras pregedas sejam para qualquer outra pessoa que no ele mesmo. O ouvinte nao pode tentar se safar supondo que as palavras pregadas sejam sobre algo que aconteceu hé muito tempo ou mesmo ontem, ou que sejam sobre © que aconteceré no futuro, quer préximo, quer distante. A pregagdo revela Deus em agdo aqui e agora — por mim. Qualquer insipidez. que ouvimos de pregadores e de seus imitadores, podemos ter certeza de que nao se originou em Jesus. Aquele dia, em que Jesus inaugurou seu ministério piblico na Galileia por meio da pregecio, foi o ultimo em uma longa tradicao, de mais de mil anos, de grande pregacées que tinham acabado de ser resgatadas pelo primo de Jesus, Joio Batista. Depois de Jesus, a tradigdo continuot em Pedro e Paulo, em Criséstomo e Cipriano, em Ambrésio ¢ Agostinho, em Francisco ‘e Dominique, em Lutero ¢ Calvino, em Wesley e Whitefield, em Edwards Finney, em Newman e Spurgeon. A pregagio continua a sera linguagem mais fundamental para transmitir a revelagio de Deus em Cristo Jesus, proferidas 20° Auncuxcen oe Deus a partir de esquinas ¢ pilpitos por todo o mundo: Deus vivo, em operacio ¢ falando, aqui e agora, a vocé e a mim. Jesus também sou a linguagem para ensinar. Ao contrério do ensino com ‘que estamos habituedos em nossas escolas, palestras projetadas para pensar ‘em nosso lugar, 0 ensino de Jesus reluzia com aforismos cintilantes. Mais do que transmitir informacio, ele estava remodelando nossas imaginagSes com ‘metéforas, de modo que pudéssemos interiorizar a verdade viva e multidimen- sionada que é Jesus. Todos os evangelistas incluem em seu evangelho o ensino de Jesus, instruindo-nos detalhadamente sobre o que significa viver neste reino de Deus. Mas Mateus é o evangelista que nos fornece 0 maior testemunho sobre o ensino de Jesus. Ele agrupa os ensinamentos de Jesus em cinco grandes discursos (talvez numa lembranga dos cinco livros de Moisés?): O Sermio do Monte (Mt 5—7), Instrugdes aos Doze Discipulos (Mt 10), Instrugées para a ‘Comunidade (Mt 18), Adverténcia contra a Hipocrisia (Mt 23), Ensino sobre as Ultimas Coisas (Mt 24 e 25). Viver dia a dia neste mundo, no qual Deus est presente e ativo a nosso favor e para a nossa salvage, implica cultivar uma percepgio minuciosa do que esté em jogo em cada aspecto da nossa vida. Muitas vezes dicotomizamos nossa vida em piblica e confidencial, espiritual e secular, retalhando-a em partes separadas, ¢ depois guardamos cada parte em escaninhos etiquetados de ficil acess0, para quando sentimos vontade de tratar de cada setor. O ensino redine as partes, estabelece conexses, demonstra relagdes —"liga 0 pontilhado”, como dizemos. Assim, Jesus nos ensina, esmitica os detalhes de tudo aquilo contra 0 que estamos posicionados, das decis6es e ds discernimentos que precisamos fazer, dos meios e métados adequados para vivermos esta vida do reino, na qual Jesus € rei. O ensino de Jesus, tanto na Galileia e em Jerusalém quanto agora da forma em que € reproduzido por nossos professores e mestres, geralmente se dé na companhia de outros, alguns que sio irméos e irmls em obediéncia & outros que acabam se mostrando indiferentes oxs mesmo hosts [Em seu ensino, assim como em sua pregacio, Jesus vive a partir de uma longa tradiglo: os livros de Moisés, que t8m por épice Deuteronémio, depois Provérbios e Eclesiastes, e depois o conselho ¢ a sebedoria tecides na malha ‘magnifica do cuidado pastoral que encontramos nos profetas e nos sacerdotes de Israel. Esse ensino também continua na vida da igreja & medida que nossos pastores e teélogos nos treinam no cultivo de uma obediéncia inteligente e fiel enquanto lidamos com politica, negécios, assuntos de familia, fracassos € sofrimentos, levando vida integra e integrada. O ensino faz. ressurgir palavras ‘mortas para que vivam outra'vez. Ocupa um grande espago na forma em que uusamos a linguagem nesta nossa vida como seguidores de Jesus. ‘A pregacio € 0 ensino sio usos destacados da linguagem entre as pessoas que falam e testificam, que oram e dao orientagio na comunidade crista Normalmente separamos homens ¢ mulheres ¢ os treinamos em escolas € ‘grejas para serem pregadores e professores. Hi muito que aprender. Hé muito de que se resguardar. Precisamos de pregadores e mestres que nos mante- ham focados em Deus por meio de Cristo e nos alertem para as idolatrias sedutoras que nos rodeiam. Na maioria dos casos, estamos bem servidos de pregadores e mestres que compreendem o que esté acontecendo no reino, e que se que nfo se desviario facilmente daquela ‘nica coisa “necess aplicam a fidelidade e & renovacdo de nossa mente. A pregagio € 0 ensino so bastante bem definidos quanto ao modo ¢ contetido © ocorrem em geral em contextos piblicos. Mas hé um terceiro tipo de linguagem da qual todos participamos, inde- ide, quaisquer que sejam nossas pendentemente de nosso papel na comut aptiddes e capacidades. J4 defini esse linguagem acima como “intercémbio conversacional [informal que se dé] enquanto faz. suas refeigdes na casa de alguém ou com amigos, percorrendo campos ou as margens de um lago ou respondendo a vérias interrupgbes ¢ perguntas enquanto vai a um lugar ou outro”, Em qualquer contagem semanal de nosso uso da linguagem, esse tipo de discurso excede de longe qualquer coisa que falemos ou escutemos que pudesse ser designada pregacdo ou ensino. Quando Jesus nio estava pregando e quando nao estava ensinando, ele falava com homens ¢ mulheres com os quais convivia a respeito do que estava acontecendo naquele momento — pessoas, acontecimentos, perguntas, o que quer que Fosse — usando as circunstincias da vida deles como seu texto. Muito a semelhanca de como fazemos. A pre- ‘gacdo inicia-se com Deus: A palavra de Deus, a acéo de Deus, a presenga de Deus. O ensino amplia 0 que esta sendo proclamado, instruindo-nos nas 22 Auncuacem oe oes implicagées do texto, nas verberages da verdade ocorridas no mundo, nas formas especificas em que a Palavra de Deus modela com detalhe nosso modo de viver entre o nascimento e a morte. Mas as conversas informais, ndo estruturadas, brotam de episédios e encontros de uns com os outros que se dio no curso normal da vids com nossa familia © nos locais de trabalho, em pparques e nas compras de supermercado, em aeroportos & espera de um voo ¢ andando com amigos de binéculos na mao, divisando péssaros. Muitas das palavras que Jesus falou séo dessa natureza. Nao somos, na maioria, pregado- res ou professores, ou a0 menos nfo somos designados como tais. As palavras que falamos sio comumente proferidas em contextos do cotidiano, quando comemos ¢ bebemos, quando compramos ou viajamos, fazendo o que as vezes ‘minimizamos como “conversa banal”. ‘Todos os evangelistas atuais mostram Jesus usando esse tipo de linguagem, ‘mas a revelagio mais prolongada de Jesus usando essa linguagem informal e nfo cestruturada acha-se no evangelho de Lucas. O que Marcos faz pela pregagio Mateus faz pelo ensino, Lucas faz pelo intercimbio informal de linguagem ‘que ucorse nas idas e vindas de nossa linguagem comum. ‘ANARRATIVA DA VIAGEM, DE LUCAS No centro do evangelho de Lucas (Le 9:51—19:44), hé uma insergio de dez capftulos que péem em destaque exatamente esse tipo de linguagem informal centre Jesus, seus seguidores e outros homens e mulheres que ele encontra 20 longo do ceminho. A segio € emoldurada por referéncias a uma saida da Galileia (9:51) e depois a uma chegada a Jerusalém (19:11,28,41). Por causa dessas referéncias que servem como uma espécie de moldura, essa passagem 6 normalmente designada @ Narrativa da Viegem. A maior parte do material contido nesses dez.capitulos é encontrada somente em Lucas. Nossos trés primeiros evangelhos seguem um esbogo semelhante, com muita similaridade no contesido e na disposigfo. Ndo exatamente copiam um 20 outro, pois cada evangelista tem uma maneira prépria de contar a histéria, salientando aspectos que de outra forma ficariam despercebidos. Em linhas sgerais, Marcos se detém nas qualidades pregadas e querigméticas da linguagem de Jesus, ¢ Mateus realga as qualidades do ensino, didéticas. Mas Lucas tem ‘um interesse particular em nos imergir nos aspectos conversacionais da lin- guagem de Jesus. Por isso Lucas interrompe o enredo apresentado por aqueles {que vieram antes dele na composico dos Evangelhos, Mateus e Marcos, € interpée essa longa secio, que se constitui na maior parte de material origi- nal, no centro de seu evangetho. Os primeiros nove capitulos do evangetho de Lucas contam a histéria do ministério galileu de Jesus, seguindo 0 padrio cestabelecido por Mateus e Marcos. A hist6ria galileiaassenta os alicerces da ‘nossa vida em Cristo. Os cinco diltimos capftulos contam a hist6ria da semana final do ministério de Jesus em Jerusalém — Jesus rejeitado, crucificado ressurreto para uma nova vida — e também seguem Mateus ¢ Marcos. A hi 1t6ria de Jerusalém consuma a nosse vida em Cristo: crucificagéo, ressurreigao. O que Jesus disse e fez.nos primeiros anos na Galileia esté vinculado com ‘0 que aconteceu nessa tiltima semana em Jerusalém. A transigdo entre os dois lugares é narrada como uma viagem por Samaria, a regido que separava 2 Galileia de Jerusalém. Se no um territ6rio inimigo exatemente, Samar era ao menos, sem diivida, territério hostil. Samaritanos e judeus tinham tido vvisias centanas de anos de inimizade entre si. la se gostavam nem confiavam uns a0s outros. Houve casos de violéncia aqui e ali, ¢ até mesmo encontros sangrentos. Josefo conta @ hist6ria de um episédio em que os samaritanos as- sassinaram alguns peregrinos galileus que estavam atravessando Samaria em sua trajet6ria para uma festa em Jerusalém, Guerrilheiros judeus entéo atacaram aldeias samaritanas por vinganga.? Deslocar-se da Galileia para Jerusalém era ‘uma viagem perigosa de aproximadamente 100 a 110 quilémetros — uma viagem de uns trés a cinco dias num jumento ou a pé. £20 viajar por Samaria, indo da Galileia para Jerusalém, que Jesus separa ‘um tempo para contar hist6rias que preparam seus seguidores a trazer 0 co- ‘mum da vida a uma percepgfo consciente e a uma perticipagio nessa vida do reino, Jesus anuncia a seus discipulos que esté indo para Jerusalém para ser crucificado, e 0s chama para acompanhé-los. Andando juntos todos aqueles dias, ele os prepara para a vida que terio apés a crucificacdo e a ressurreigéo dele. Alguns acontecimentos bem marcantes esto se aproximando. A vida deles ser mudada de dentro para fora. Mas ao mesmo tempo vio lidar com ‘as mesmas pessoas, com as mesmas rotinas, com as mesmas tentag6es, com a mesma cultura romana, grege e hebraice, com 0s mesmos fillhos e com os ‘mesmos pais, com mesma espera 3s vezes interminével, enfrentando a indife- renga de tantos em relagio a eles, lidando com as hipocrisias enlouquecedoras dos cheios de justica prépria, com a estupidez da guerra, com os absurdos do consumo inegavel ¢ com as mentiras dos governadores arrogantes. Tudo teré mudado e, no entanto, nada ter mudado. Jesus os esté preparando para viver num mundo que nio conhece nem quer conhecer Jesus. Jesus os esté prepa- rando (a nés também!) para levarem uma vida de crucificagdo e ressurreiglo, ‘com paciéncia e sem alardes, de forma obediente e sem reconhecimento. Ele ‘0s prepara nessas conversas samaritanas para fazer tudo isso calma e corajosa- ‘mente num vinculo com a maneira em que Jesus o fez. com a maneira em que Jesus falou a respeito. Ele deixa claro que logo, quando ele néo estiver mais fisicamente com eles, sem diivida alguma ndo estardo sozinhos para realizar a cobra da maneira que julgarem melhor. Como ele a esté realizando, 0 caminho da cruz, deve continuar. Mas é interessante e significativo que Jesus nio usa a linguagem da crise. Ela fala numa conversa, mal erguendo a voz. Na maior parte do tempo, ele conta hist6rias. Alguns de seus seguidores (embora nfo todos) jamais esquecerio essas hist6rias. Hé um tipo de intimidade que se desenvolve naturalmente quando homens e mulheres andam juntos e conversam, sem prioridades imediatas ou tarefas atribuidas, a ndo ser chegarem por fim ao seu destino e usando o tempo que for necessério para tanto. Mateus e Marcos nfo desperdicam nenhum tempo para nos levar da Galileia a Jerusalém. Lucas nos fez diminuir o ritmo, usa todo o tempo necessério. Lucas aproveita a oportunidade de usar essa cena de uma viagem sossegada e a pé por estradas, para ampliar e desenvolver a ‘espontaneidade de converses néo estruturadas, enquanto Jesus e seus disci- ppulos viajam da Galileia a Jerusalém — Jesus respondendo a perguntas, Jesus cconversando em torno da mesa da ceia, Jesus falando sobre vérias coisas com ‘seus amigos, Jesus contando histérias. O que Mateus e Marcos buscam cada ‘um cobrir em dois capftulos, Lucas estende em der. Ele nos faz mergulhar no ‘modo em que Jesus usa a linguagem medida que ele lida com o comum ‘0 esporddico, Jesus nfo tem pressa — podendo sempre ser interrompido. £ assim que Jesus usa a linguagem quando no esté pregando nem ensinando. SUSEMSAMARA 25, EE € assim que usamos a linguagem nos momentos néo reservados formalmente para o que poderfamos chamar converse “religiosa”. Duas coisas me interessam na Narrativa da Viagem. Primeira, trata do que esté cocorrendo “no meio” das éreas da vida e do ministério de Jesus, a Galileiae Jerusalém. Jesus e seus discipulos esto viajando pela regido estranha e inéspita de Samaria. Diferentemente da Galilei e de Jerusalém, Samaria nfo € a terra natal de Jesus ¢ seus companheiros. Estdo distantes das sinagogas galileias que eles conheciam tio bem e do templo de Jeruselém que eles tanto amavam. Eles no conheciam aquele povo ¢ tinham pouca coisa em comum com ele, nem sinagoga, nem templo, nem um acordo a respeito das Escrituras, Sio cestranhos para essa regio e para esse povo. Hé uma analogia equi do que ¢ experimentado na vida do cristo “entre ‘os domingos’. A vida de Jesus é normalmente pregads ¢ ensinads na sdoragéo de domingo. © santuério no domingo € o momento © o luger designados para dispensarmos atencSo 20 que significa adorar e para seguir a Jesus na companhia dos batizados, os homens, a mulheres e as criancas que descobrem € percebem quem slo, nfo em si mesmos, mas na companhia e na obra do Pai, do Filho e do Espirito Santo. Trata-se de um momento ¢ lugar separados € protegidos para a oragio e uma escuta em espirito de oragéo, entre homens ‘e mulheres que esto “do nosso lado”, Sabemos muito bem, embora nfo em detalhe, o que esperar. A estrutura, ao menos, ¢ a maioria das pessoas séo previsiveis. Mas entre cada domingo passamos a maior parte do tempo com pessoas que ndo estdo seguindo a Jesus como nés, que no compartilham de nossas pressuposigées, opiniées e convicg6es a respeito de Deus ¢ de seu rein. As circunstncias — necessidades familiares, responsabilidades de trabalho, climas rigorosos, acidentes ¢ frutos derrubados pelo vento — sfo, 20 menos ‘0 olhar ocasional, completamente seculares. Qualquer coisa pode ser dita; ‘qualquer coisa pode acontecer. Muitas vezes “qualquer coisa” € dita e de fato acontece, Pouco desse “qualquer coisa” parece originar-se do texto do sermio ue escutamos no culto de adoracéo dominical, ou ter alguma relacéo com 25 AUNGUAGEN De otUs cle, Samaria € a regido entre a Galileia e Jerusalém na qual passamos a maior parte de nosso tempo entre um domingo € outro. Nenhum de nés € capaz de prever o que nos seré dito ou nas aconteceré enquanto Ié estivermos. ‘Alguns de nés tentam restringir nossa identidade crista ao que ocorre no domingo. Para preservé-la da contaminacio "do mundo", evitamos 0 méximo possivel a conversa que ultrapasse as amenidades polidas com os samaritanes. ‘Outros de nés memorizam expressbes dos sermées e do ensino de domingo ¢ procuram inseri-los em pausas da conversa ou em outras circunstancias nos seis dias seguintes. Mas no demora muito para percebermos que essas téticas sio insatisfat6rias. Qu, se nés mesmos nio percebemos, os samaritanos ccertamente percebem. ‘A designagio “Narrativa da Viagem” nfo ¢ inteiramente satisfatéria porque, embora os dez capitulos sem duivida comecem e terminem com referéncias & vviagem da Galileia a Jerusalém, alo hé clareza quanto ao itinerério ou & cro- nologia da viagem. A viagem em si parece servir como uma espécie de saco de surpresas com histérias e acontecimentos nos quais vemos Jesus adaptando improvisando sua linguagem pera se ajustar a cada pessoa e circunstanc dentro das condigdes que lhe sio apresentadas. A Narrativa da Viagem apre- senta Jesus falando numa linguagem informal, ndo estruturada, boa parte da ‘qual nao sendo categoricamente “religiosa", no transcurso de acontecimentos ‘espontineos e descontraidos ocorridos “no caminho” por Samaria ‘© que comegamos a perceber € que o que comegamos como “Narrativa da Viagem" desenvolveu-se no relato em uma metéfora, uma metéfora da forma ‘em que Jesus usa a linguagem entre um domingo e outro, entre as santas si- ‘nagogas da Galileia ¢ o santo templo em Jerusalém, lugares e momentos em que se espera tuma linguagem sobre Deus e seu reino. Mas Samaria nfo era “santa” no mesmo sentido, nio era favorével ao Jesus que estava sendo reve- Jado na Galileia ¢ em Jerusalém. Luces nos apresenta Samaria como metéfora do modo em que Jesus usa a linguagem com pessoas que t&m muito pouca ou telver nenhuma prontidéo para escutar a revelacdo de Deus e néo raro sio abertamente hostis. £ assim que Jesus use a linguagem quando ele néo esté, como dizemas, na igreja. SUS EM Sauaaia 27 ‘A segunda coise de interesse na Narrative da Viagem € a frequéncia com que Jesus conta hist6rias, as mini-hist6rias que denominamos pardbolas. Nesses ez capftulos, Jesus mais conta hist6rias que qualquer outra coise. Dez das histérias nessa seco intermediéria do evangelho de Lucas sfo exclusivas de Lucas. Todos os evangelistas apresentam Jesus contando histérias — “Nao lhes dizia nada sem usar alguma parébola” (Mc 4:34) —, mas Lucas supera seus irmios evangelistas. E & precisamente nessa Narrativa da Viagem que esto agrupadas as dez parsbolas nfo mencionadas nos outros evangelhos. Haveria alguma razSo para isso? Creio que sim. A parsbola é uma forma do discurso com estilo todo préprio. E uma forma de dizer algo que exige a participacio imaginativa do ouvinte. A pardbola envolve o ouvinte sem cha- ‘mar muita atengfo, quase sub-repticiamente, Essa histria breve, corriqueira, despretensiosa, jogada em uma converse e cai aos nossos pés, exigindo nossa atengéo. A pardbola é literalmente “algo lancado para o lado de” (para, “ao lado de’, + bole, “langado"), diante do que nossa primeira reagio é: “O que isso esté fazendo aqui?”. Fazemos perguntas, pensamos, imaginamos. As “Pa- rfbolas aparecem em répidas e precisas pinceladas. A pardbola é frégil: quase todo o poder reside naquele que a ouve".* E entdo comegamos.a ver conextes, relacées. A parébola néo é usada normalmente para nos contar algo novo, mas para nos levar a observar algo que nos passou despercebido, embora estivesse 1hé anos bem diante de nosso olhos. Sengo, ¢ useda para nos fazer trater com seriedade algo que descartames como de pouca importéncia por nunca enten- der sua razao de ser. Antes de percebermos, estamos envolvidos. A maioria das parébolas tem outro aspecto significative. O assunto em geral ro tem um significado religioso evidente. Sao histérias sobre fazendeiros, juizes e vitimas, sobre moedas, ovelhas e filhos prédigos, sobre banquetes de casamento, construcio de celeiros ¢ torres e participacdo em guerras, sobre o ‘amigo que o desperta no meio da noite para pedir pao, as cortesias da hospita- lidade, trapaceiros ¢ pedintes, érvores e esterco. As conversas que Jesus teve ‘enquanto transitava pelas estradas samaritanas eram com pessoas que tinham ‘uma opinifo diferente sobre Deus do que aquilo que Jesus estava revelando, ou talvez ndo tivessem uma ideia téo bem formada assim sobre Deus. Essa ‘era uma regifio ou hostil, ou neutra. As pardbolas foram a linguagem que Jesus escolheu acima de todas as outras para conversar com essas pessoas, hist6rias que nfo usavam o nome de Deus, hist6rias que no pareciam ser “religiosas”. Quando estamos na igreja, ou num momento e num lugar religiosamente defi- nidos, esperamos ouvir sobre Deus. Mas, fora desses momentos e lugares, nio & ‘o que esperamos. Aliés, nfo queremos. Se quiséssemos lidar com Deus, irfamos case de Deus. As pessoas que encontramos “na estrada” e “entre um domingo © outro” esperam lidar com as coisas a sua prépria maneira, mantendo Deus cenquanto isso no lugar 0 qual ele pertence. Assim, mantenha Jesus no lugar dele — na Galileia e em Jerusalém. “Aqui é Samaria! Estou completamente cocupado com os assuntos da familia e com meus negécios, com a sociedade e com a politica. Eu estou no controle aqui. Vou fazer tudo do meu jeito.” ‘Os samaritanos, naquela época e agora, acumularam séculos de uma indi- ferenga bem desenvolvida, se nao uma aversio indisfarcada & linguagem de Deus — pelo menos a0 tipo usado por pessoas da sinagoga e da igreja. Eles ‘tém ideias proprias sobre Deus e sobre como tocar a vida e nada a nfo ser um desprezo frio pelas opiniGes messifnicas dos de fora. Os samaritanos sabem se defender muito bem da intromissio de uma linguagem de Deus em seus assuntos, sobretudo quando procede de labios judeus (ou cristdos). Assim, ‘quando Jesus atravessa Samaria, ele limita consideravelmente seu uso de uma linguagem explicita de Deus. A pregagio e 0 ensino nfo slo eliminados, mas ‘com certeza sio afastados para as margens. Jesus circula em torno das defesas de seus ouvintes. Ele conta pardbolas. A pardbola mantém a mensagem a certa disténcia, retarda a compreensio, obstrui as reacdes prejudiciais automsticas, desmantela os esterestipos. A parébola chega a0 ouvinte de modo obliquo, “de viés". O samaritano escuta, sem suspeitar de grandes coisas. E entio, sem aviso, sem que a palavra seja usada: Deus! John Dominic Crossan diz que a pardbola ¢ um terremoto abrindo o cho aos nossos pés> E de grande interesse para mim que, durante todos esses vérios dias em que Jesus esté andando com seus discipulos, ele escotha as parébolas acima de qualquer outra linguagem. Sabemos que o fim esta préximo: crucificagéo e ressurreigio. Sabemos que nio hé muito tempo de sobra até Jesus deixar seus discfpulos, e eles terfo de dar continuidade em seu lugar. Cada passo ‘que eles dio por Samaria em diregéo a Jerusalém aumenta a urgéncia. Essa é a ciltima vez que esses samaritanos 0 verdo, 0 escutarko. Por que cargas d'égua Jesus esté contando histérias despretensiosas sobre trapaceiros e esterco? Por que nfo esté pregando a palavra clara de Deus, chamando os samaritanos 20 arrependimento, oferecendo a eles o dom da salvagdo em linguegem direta? A ‘medida que o fim se aproxima, sua linguagem se torna menos, no mais direta. A medida que aumentam os siscos, sua linguagem torna-se ainda mais descon- trafda e conversacional do que de costume. Em vez. de uma ret6rica de elevados decibéis, exigindo uma decisio antes que seja tarde demais, ele mal mencio- na, quando menciona, o nome de Deus, escothendo em vez disso falar sobre préximos e amigos, da perda de uma ovelha e das cortesias da hospitalidade, Isso me interessa por estar em tamanho contraste com 0 que tio comu- mente ocorre entre nés. Quando ficamos mais e mais cientes do que ests em jogo no ato de seguir a Jesus e das urgéncias que isso implica, especialmente ‘quando nos encontramos em territério samaritano, 6 comum entre muitos de ‘n6s que nos tornemos mais intensos em nossa linguagem. Por ser muito mais clara e focada, usamos a linguagem aprendida em sermées e ensinos para dizer A onteas pessoas o que é eternamente importante. Mas a pr6pria intensidade da linguagem pode muito bem reduzir nossa atencéo & pessoa 8 qual estamos falando —a qual deixa de ser uma pessoa e passa a ser um caso. Impacientes para transmitir nossa mensagem, impessoalizamos o que temos a dizer em expressées ensaiadas ou em uma férmula programética sem consideracéo & pessoa diante de quem nos encontramos. A medida que a urgéncia por falar a palavra de Deus aumenta, diminuem os relacionamentos em que hé também a escuta. Acabamos com uma pilha de ossos de palavras descarnadas —discurso meramente religioso. Os mestres espirituais gostam especialmente da parabola, pois no hé nada mais comum do que as pessoas que querem falar sobre Deus perderem o eresse nas pessoas com as quais estdo falando. A conversa sobre Deus éim- _pessoalizada numa conversa meramente religiosa. A conversa religiosa é usada Para organizar as pessoas em causas que no mais nos envolvem, para cumprir lordens que jé nfo mais se nos impbem. Quando as palavras de Jesus passam 1 ser aquilo que meramente preenche os argumentos, ferramentas verbais de ‘manipulacéo, tentativas de controle, a vida se exaure delas e Ié elas ficam, ‘uma pilha de folhas mortas no chio feita com um ancinho, Exatamente nesse momento, o mestre deixa cair uma parabola na conversa. Tropecamos nela, no mais capazes de velejar pelas rotas jé conhecidas das palavras. A parébola impée atencéo, participacéo, envolvimento. ‘A Narrativa da Viagem de Lucas 6 uma imersfo na linguagem narrativa e parabblica caracteristica de Jesus na estrada passando por Samaria enquanto cle transita da Galilei, onde iniciamos a vida de seguir a Jesus, a Jerusalém, ‘onde encontraremos nossa maturidade e conclusio, abragando Jesus na cruz ‘eabracados por Jesus na ressurreiclo. Samaria para nés passa a ser uma orien- taco no que hé de comum, no cotidiano, o lugar onde os habitas e o caréter de um seguidor de Jesus sio moldados entre pessoas que néo tm nenhum interesse em seguir a Jesus nem o incentivam de modo algum. A Narrativa da Viagem de Lucas satura nossas imaginades com a forma em que Jesus usa a linguagem nesse trecho inéspito da estrada entre a proclamagéo galileia da presenca do reino, onde tivemos nosso comeco no ato de seguir a Jesus, e a crucificagio e a ressurreig#o em Jerusalém que conclui a hist6ria de modo téo decisive e dramético. ESPIRITO SANTO EM NOSSAS CONVERSAS ‘A Narrativa da Viagem de Lucas desenvolve a percepgio de que o Espirito Santo est to presente em nossas conversas espontaneas ¢ informais quanto na pregacio formal e no ensino intencional. Como nosses conversas espontd neas ¢ informais nfo sfo a primeira coisa que nos vem & mente quando nos focamos nas as vezes chamadas “coisas de Deus", facilmente perdemos de vista as implicag6es da “palavra de Deus” quando nfo estamos cientes de estarmos falando com Deus ou sobre ele. Quando estamos num templo ouvindo um sermfo sobre Jofo 3:16 ou sentados numa sala de aula fazendo anotacées de ‘ume aula sobre Isafas, € bastante evidente que estamos escutando e proferindo ‘uma linguagem que Deus usa para revelar a si mesmo e que n6s usamos para suse SAMARIA 31 participar dessa revelacéo. Mas ¢ quando estamos contando a alguém sobre ‘uma noticia que acabamos de ouvir no rédio, ou quando estamos Iendo uma carta recebida de um membro da familia naquela manhé, ou quando manifes- tamos nossas preocupag6es com um vizinho da nossa rua? Podem essas palavras também ser revelatérias, ser também maneiras de participar da presenga & da agio de Deus no momentos ¢ nos lugares claramente sinalizados como “sagrados"? Seré que testemunhamos de Jesus quando nao usamos o nome de Jesus? Seré que transmitimos 8s pessoas confianca em Deus quando nio sabemos que o estamos fazendo? Sera que confessamos o pecado quando ‘no estamos em um confessionério ou de joelhos? Seré que louvamos com ‘uma exclamagéo ou um gesto, sem perceber que estamos na companhia de anjos que cantam “Santo, santo, santo"? Certa noite, quando Nicodemos ficou aturdido pela maneira pouco convencional, néo religiosa, em que Jesus estava falando sobre o reino de Deus, Jesus disse-lhe: “O vento sopra onde quer. Voce oescuta, mas nao pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espirito” (Jo 3:8). Nicodemos no tinha nenhuma ideia do que estava falando. Boa parte da linguagem inspirada pelo Espirito ou acompanhada pelo Espirito ocorre quando no o sabemos, seja quando sai de nossos préprios lébios, seja quando vem dos labios de outras pessons. . Precisamos Assim precisamos ser relembrados. Precisamos de orientagi de amigos capazes de ouvir os sussurros do Espirito Santo naquilo que estamos dizendo — e as veres nas entrelinhas do que néo estamos dizendo. E precise- ‘mos ser amigos assim para os nossos amigos. Esses amigos normalmente no tém nenhum papel atribuido na vida uns dos outros. Geralmente nao sabem {que esto fazendo alguma coisa que possa ser chamada “espiritual”. Nathaniel Hawthorne nfo fazia rodeios em assuntos dessa natureza: “Seus instrumentos no tém nenhuma consciéncia de seu propésito; se imaginarem que tém, af csté um sinal bem seguro de que ndo so seus instrumentos"® Estou interessado em cultivar a natureza fundamentalmente sagrada de toda linguagem, incluindo-se com certeza absoluta a linguagem informal, es- pontinea, sem constrangimentos, conversacional, que ocorre quando estamos sentados numa cadeira de balango em frente a uma lareira em um dia invernal, 32 Aunauacen oe Deus passeando pela praia ou tomando café na hora do jantar — conversagées en- quanto andamos por Samaria, Estou interessado em discemir a vox de Deus nas converses que travamos quando ndo estamos pensando intencionalmente em "Deus". ‘Todos nés temos larga experiéncia nesse linguagem. Mas nem todos esta- ‘mos habituados a trazer nossa experiéncia & consciéncia, dando nome a0 que ‘ouvimos ou dissemos. As vezes percebemos em retrospecto. Encontramos tum amigo na hora das comprar e paramos para conversa por um instante — um ‘minuto ou dois no méximo. Algumas horas mais tarde percebernos que algo dito era revelador, uma percepgio da graga, uma percepgéo da beleza, um senso da presenga na qual desenvolvemos uma consciéncia de que “Devs estava neste lugar ¢ eu ndo sabia”. As vezes a palavra ou a frase que desencadeie tudo aquilo acontece quase de improviso. As vezes a percepgio € ateada por um tom de vor ou um gesto. Quase nunca intencionalmente. O fato € que quase todas as palavras sio santas e Deus fala a n6s e por meio de nés pela préprie natureza da linguagem em si, ‘© que quero dizer & que o Espirito Santo transmite em nossa linguagem e por meio dela as palavras da paz, do amor, da graca e da misericérdia de Jesus ‘quando nem percebemos — pelo menos néo na hora em que esto ocorrendo. E todos nos envolvemos com isso simplesmente em virtude do fato de que falamos com muitas pessoas diferentes e ouvimos muitas pessoas diferentes, «em muitos ambientes diferentes, na maior parte dos dias da nosse vida. Pres- tar atencdo em Jesus contando hist6rias na Narrativa da Viagem de Lucas € a ‘melhor orientacéo nessa dimensio da linguagem que eu conheco. Hé uma disciplina antiga de honrar a atencéo cuidadosa que dispensamos a essa linguagem, linguagem que usamos em discursos pessoais e conversacio- nais, a linguagem que ocupa seu lugar ao lado da pregacio e do ensino como essencial & formago em comunidade da vida crista. Essa disci designagio de “orientacéo espiritual”. Ficaré evidente aqueles acostumados a essa tradicfo ¢ & sua prética que 0 que aqui escrevo esté profundamente a recebe a esuseM saan 32 influenciado por ela. Desde cedo na vida da igreja, ao lado da prética da pre- gacio e do ensino péblicos tem havido a pritica correspondente da orientagio espiritual. Na orientacéo espiritual, a linguagem usada na proclamagio e no ensino do evangelho & desenvolvida em conversas pessoais que levam a sério ‘a unicidade de cada pessoa e as circunstdncias reais em que cada pessoa vive. ‘Nao adiantaré amontoar as pessoas em categorias e depois as agrupar em um de trés ou quatro grupos que podem ser tratados eficientemente por meio de ‘uma formula. A medida que amadurecemos em Cristo, nossa no embotada, As orientacSes generalistas, por mais titeis que possam ser, néo levam em consideracdo os detalhes que se nos apresentam & medida que a santidade se enraiza no lugar social e pessoal em que estamos plantados em particular. Precisamos da atenclo sabia de alguém que esteja a par das ularidade € acentuada, coisas, que conheca as sutilezas do pecedo e os disfarces da graca. Mais que tudo, precisamos que nossas oragdes recebam essa atengéo, pois a oraglo é a prética por meio da qual tudo o que somos, tudo em que acreditamos e tudo o que fazemos é transformada na aca do Espirito que opera sua vontade nos detalhes da nossa vida cotidiana. A oragdo consiste na trensformagio do que fazemos em nome de Jesus, no que o Espirito Santo faz em nés & medida que seguimos a Jesus. A orientagéo espiritual € uma pessoa, de forma intencional e em esptrito de oragio, imergindo-se na vida comum ¢ informal de qualquer cristo comum, ‘Mas a prética em sinéo é nem comum, nem informal. A comunidade crista ‘tem uma hist6ria de reconhecer pessoas sébias, experientes, que podem orien- tar o restante de nés. “Pai” (abba) e “mde” (amma) sio as designagdes mai largamente empregadas. As qualificagées para realizar esse trabalho no séo formais, mas hé um consenso na igreja de que as qualificagdes sio, contudo, bastante rigorosas, O conhecimento teolbgico é algo fundamental, e uma longa ‘experiéncia na oragio um pré-requisito. Assim, encontramos uma pessoa tarimbada em discernir a linguagem do Espirito e pedimos que se encontre conosco de vez em quando ou com certa regularidade — um orientador espiritual. Muitas vezes essas pessoas, esses “pais” e “mies”, sio membros de ordens contemplativas em monastérios 24 AUNGUAGHN DEES ‘ou conventos. As vezes esto associados a casas de retiro, Vez por outra sio colocados nas congregaces. Esses orientadores espirituais mantém viva uma longa tradicio na igreja de Cristo. As vezes sio pastores e sacerdotes. As vezes so leigos. Gozam de certavisiblidade e fornecem a definigio para aquilo que tantas vezes ocorre na obscuridade e nas sombras do discurso mais piblico da pregacio e do ensino. Por meio de sua presenca e as vezes em seus escritos, chamam nossa atengéo para a forma em que a linguagem continua a ser reve- Iadora em nossas conversas mais casuals, mostrando a dignidade dessa meneira de a linguagem se comportar. Precisemos de alguns desses homens e mulheres na comunidade, pessoas que siointencionais em nos fazer prestar atenglo i palavras que estamos usan- do quando nio pensamos que estamos dizendo qualquer coisa que importe. Precisamos de ouvintes alertas para conferir dignidade a esses momentos de nossa vida em que no temos conscigneia de estar participando em nada que maginamos poder ser abracado pelo reino de Deus.” Sem diminuir nem marginalizar 0 papel estratégico desses orientadores espi- rituais designados, quero ao mesmo tempo ampliar a consciéncia daquilo de que eles servem de modelo para as fileras de leigos que no estdo cientes das ‘maneiras em que o Espirito Santo sopra por meio de nossas conversas mais casuais € dos clérigos que somente ésto cientes de estarem falando a palavra de Deus quando pregam ou ensinam. As conversas no convencionais que ‘ocorrem fora dos ouvidos e dos olhares do pablico, aliés, ocupam um lugar de destaque na maneira em que aprendemos a usar a linguagem que transmite 0 Espirito e a essa linguagem prestar atencio. Meu interesse ¢ oriundo das tra~ digdes bem definidas e necessariamente rigorosas do orientador espiritual, mas estou tentando algo muito mais simples — talvezalgo a respeito da orientagéo spiritual como 0 que aconteceu ao homem que ficou aturdide ao perceber 20s quarenta anos de idade que tinha falado em prosa por toda a sua vida. Qualquer cristio, ¢ muitos cristéos de fato 0 fazem, pode escutar e nos ajudar a escutar as propensbes ocultas da nossa linguagem, o que nfo se profere vesusensauann 35 nem se ouve, 0s siléacios que subjazem boa parte da linguagem que usamos impensadamente. Essas conversas podem cultivar uma sensibilidade aos ca- sinhos do Espirito Santo, estimular uma aceitagdo da ambiguidade, estender ‘uma disposigéo de viver em momentos em que simplesmente ni hé nenhuma “orientacio" discernivel. Com esse escutar, habituamo-nos a viver um mistério anf exigir que haja uma nota de rodapé informando e explicando tudo o que esté acontecendo, Certamente hé habilidades a ser cultivadas, sobretudo nesta sociedade americana na qual quase todos falam demais e mal ouvem alguma coise. Apenss estou insistindo em afirmar que qualquer um de n6s 6 capaz de fazer isso simplesmente em virtude de nosso batismo e incorporaglo no grupo de homens e mulheres sobre os quais o Espirito sopra, A medida que o Espitito traz meméria as palavras de Jesus (Jo 14:26) nas conversas de homens e mulheres que escutam e respondem a Palavra que se fez carne. Para evitar « presungéo e evitar também confundir aquilo que destaca os hhomens e as mulheres instrufdos e disciplinados que incorporam essa antiga pritica da igreja, no usarei o termo “orientacio espiritual” para 0 tipo de conversa que estou incentivancla A medica que trilhamos nossas varias estradas samaritanas. Mesmo assim, “quem dera” , para adaptar as palavras de Moisés com respeito a Eldade e Medade no deserto, “todo 0 povo do SENHOR fosse orientador espiritual” (Nm 11:29). ‘Uma conversa néo programada no templo em Sil6 entre o velho e quase cego sacerdote Eli ¢ 0 jovem Samuel 6 um exemplo cléssico dessas conversas no premeditadas. Era noite, e Samuel estava na cama. Ouviu uma vor.que chama- Eli era a Gnica pessoa no templo além dele, vva seu nome: "Samuel! Samu ‘assim Samuel naturalmente pressupés que Eli o estava chamando. Saltou da ‘cama e correu até Bli:"Estou aq; o senhor me chamou?”. Bli disse que nfo 0 hhavia chamado e mandou que voltasse para a cama, Isso se repetiu exatamente assim trés outras vezes. Apés a terceira vez, o sacerdote discerniu que era 0 Senhor quem chamava Samuel e the disse que, caso acontecesse outra vez, lé devia orar: “Fala, SENHOR, pois o teu servo esté ouvindo”. E aconteceu de novo, pela quarta vez, ¢ Samuel disse, conforme a instrugdo recebida: “Fala, 'SENHOR, pois o teu servo esté ouvindo”. E nasceu assim um profeta Bi, na melhor das hipéteses um pastor incompetente, ainda assim foi capez de identificar a voz.de Deus naquilo que Samuel supusera fosse a vor. de seu sacerdote, e assim reorientou Samuel para uma vida de orago na qual foi transformado em profeta de Deus (1m 3:1-18).. Outra conversa escrituristica informal —néo pregacéo, nem ensino—que nos adverte sobre como a linguagem-hist6ria realiza sua obra de revelagéo ocorre indiretamente na carta de Paulo aos Gélatas. Paulo esté dando teste- ‘munho de sua conversdo e de sua integracio longa (dezessete anos!) e diligent rna comunidade cristé. Em seu relato, ele faz: mencéo de suas conversas com Pedro (Cefas) em Jerusalém no decurso de uma vista de quinze dias. A palavra grega que ele usa em referéncia as conversas é historeo, £ a palavra de onde se origina a nossa “hist6ria” de uma nacéo ou de um povo, mas tinha um sentido mais informal e pessoal quando Paulo a empregou, algo mais casual, como num “vaivém de hist6rias". Para o académico aleméo Friedrich Biichsel, trata-se de uma “visita com o objetivo de tomar conhecimento”.* Néo eram pregacio ‘nem ensino, mas simplesmente o ato de se conhecerem, contando um para 0 outro as suas histérias e discernindo nas conversas as maneiras em que Deus estava preparando e desenvolvendo Paulo para sua vocagio como apéstolo 20s zgentios na comunidade cristd. Facilmente podemos imaginar Pedro e Paulo sentados num pétio, conhecendo um 20 outro sob uma oliveira, com copos de cché gelado, trocando hist6rias. Paulo conta sobre seu encontro com Jesus nna estrada de Damasco seguido dos tr8s dias de cegueira, Pedro por sua vez relata a confisséo que fizera em Cesareia de Filipos quando é repentinamente interrompido pela repreensio de Jesus: “Para trés de mim, Satanis!". Paulo conta como se sentira segurando as ttinicas de seus companheiros de perse- {guisfo enquanto matavam Estévao por apedrejamento, Pedro agora apresenta ‘sua noite de ignominia no patio de Caifis, quando nega a Jesus. E assim su- cessivamente, quinze dias de histérias enquanto buscavam conhecer-se um a0 ‘outro como irmios em Jesus, descobrindo intimidades do Espirito enquanto abriam o coragdo vulnerével um para 0 outro. ‘Mas o uso mais marcante dessa linguagem & Jesus em suas histérias. As parébolas de Jesus foram na maior parte néo religiosas em seu contesdo mais SUSE SAMAR 37 mostra, Suas pardbolas usavam linguagem doméstica da vida difria e eram normalmente suscitadas por uma circunstancia especifica. Hé nelas uma qualidade de improviso, de espontaneidade, de falta de premeditaglo. Jesus fer largo uso das pardbolas. Quando néo esteva pregando nem ensinando, falava em pardbolas. A forma caracteristica de Jesus usar a linguagem era contar hist6rias: “falou muitas coisas por pardbolas” (Mt 13:3). Jesus conta histérias, e nés escutamos Deus contando hist6rias. E, quase inevitavelmente, encontramos a nés mesmos dentro das hist6rias. Jesus em suas histérias € Jesus usando a linguagem em formas que viemos a reconhecer emplamente como orientag&o espiritual. (OS ZEBEDEUS Um episédio arrebatador prefacia esse longo excurso de contornos narrativos: ¢ conversacionais dentro da Narrativa da Viagem. O episédio apresenta os irmaos Zebedeus, Tiago e Joao. Quando Jesus concluiu que chegara hora de ir @ Jerusalém, teve de enfrentar uma dificuldade. O caminho até Jerusalém passava por Samaria, ‘¢ 05 samaritanos tinham opinides negativas um tanto fortes a respeito dos judeus. Os judeus sentiam 0 mesmo pelos samaritanos. Vinha de longa data o preconceito racial ¢ religioso. E assim, quando Jesus enviou antecipadamente alguns de seus companheiros 2 Samaria para conseguir acomodages, eles foram rejeitados, Retornaram a Jesus e relataram que néo tinham conseguido alojamento. Deparou-se-lhes grande hostilidade dentro da aldeia. Nao foram ‘bem-vindos (Le 9:51-53). Os irmaos Zebedeus, Tiago ¢ Joao, sentiram-se ultrajados. Apelidados “Filhos do Trovio" (Boanerges), esses dois nfo levavam desaforo para casa. Os irmaos eram pavio curto. Zangados com a falta de hospitalidade, queriam_ ‘que descesse fogo do céu para incinerar os mal-educados samaritanos. Tinham precedentes biblicos para essa impetuosidade violenta. Nao foi exatamente 0 ‘que fizera Elias, o tesbita, fazendo descer fogo do céu citocentos anos antes, ‘© exatamente nessa regio samaritana (2Rs 1:10-12)? Poucos dias antes, na transfiguracio ocorrida no monte Tabor, os irmfos-trovio tinham visto Jesus em conversa com Eligs, Bstavam agora numa misséo em regiso samaritana sob ‘ autoridade de lias; por que nfo usar o velho fogo de Elias para cuidar do vyelho problema samaritan? Jesus disse: "No fagam nadal”. Sua repreensio era peremptéria e inego- ciével. Simplesmente nao fazia parte de sua tarefa como discfpulos destruir a coposigd0. Os seguidores de Cristo ndo esmagam as pessoas que néo estdo do nosso lado, quer fisica, quer verbalmente. 1H virios anos, eu estava dirigindo num trecho de estrada que conhecia bem. Cheguei bem a tempo de ver uma escavadora retirar uma casa ao lado da estrada. A méquina amarela levou mais ou menos uns vinte segundos para despedacar a casa em gravetos. Eu observara aquela casa com apreciagio durante 05 26 anos em que fui pastor naquela comunidade. A casa pequena sempre bem conservada se fazia acompanhar de uma horta grande sempre ‘bem mantida, na qual se plantava e da qual se cuidava com devocéo. Fileiras bbem retinhas de milho, de beterraba e de cenoutra. Sempre livre de ervas da- ninhas. E quando chegava 0 meio do vero (como naquele dia), ela florescia com alimentos, prontos para ser colhidos, preparados e comidos. Fazia pouco tempo, porém, uma empresa de desenvolvimento havie comprado o terreno para construir um shopping center. Uma casa com sua horta é uma ofensa a um shopping center. E hé uma solugio tecnolégica simples: a escavadora. A beleza viva da cass e da horta nfo tinha nenhum valor monetério na competigéo com a feiura e com o concreto do shopping, e assim mandaram a escavadora para climiné-la. Lembro-me de ter pensado, no instante em que vi tudo acontecer: “os Zebedeus estio na ativa outra ver”. ‘Quando o grupo de Jesus, a caminho de Jerusalém para estabelecer defini- tivamente 0 reino de Deus, pés-se contra a ofensiva falte de hospitalidade dos ‘samaritanos, os irmaos Zebedeus tinham (ou pensavam ter) 0s meios tecnolégi- cos para tiré-los do caminho — nao um trator de lagarta no caso deles, mas uma tecnologia igualmente eficaz e espiritualmente superior do fogo de Elias. Um ndimero surpreendente de cristios, esquecido da repreensio sem res- salvas de Jesus, continua a ingressar no time dos Zebedeus. Tis cristéos, cheios de zelo a medida que seguem a Jesus, ndo tolerarfo interferéncia. Segue-se violencia, Agem assim em suas familia, em suas igreja, entre seus amigos. [No decurso de centenas de anos mataram judeus e mugulmanos, comunistas, bruxas ¢ hereges, ¢, mais aqui no nosso caso, nativos americanos, A maior parte da violencia, talvez toda ela, comega na linguagem. Jesus advertit-nos de que poderia ser assim: “Vocé ouviram 0 que foi dito a seus antepassados: ‘Nao ‘matarés', ¢ ‘quem matar estaré sujeito a julgemento’. Mas eu Ihes digo que ‘qualquer que se irar contra seu irméo estaré sujeito a julgamento, Também, qualquer que disser a seu irméo: ‘Racé’, seré levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco"’, corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mt 5:21-22). Assim, todos nés, sem excegéo, necessitamos de uma instrugo completa na lingwagem de Jesus, a maneira em que ele falava com aqueles que 0 seguiam 2a mancira em que falou com aqueles que encontrou enquanto viajava por ‘Samaria. A viagem que comegou com os irméos Zebedeus decididos a fazer descer fogo do céu para matar aqueles samaritanos sem-vergonha terminou alguns diss mais tarde, quando os romanos mataram Jesus por perturbara paz Violéncia ameagada no principio, violencia concretizada no fim. Mas, entre ‘um momento e outro, uma delicada linguagem de sugestfo, capaz também de ‘escutar, uma linguagem que convida a participagia, sma linguagem que no diz muita coisa, mas deixa margem para o mistério. Histérias. Minha intengéo nas péginas que se seguem na primeira parte deste livro observar, uma a uma, as dez pardbolas exclusivas de Lucas, as quais ele situa na Narrativa da Viagem. Quero recuperar a habilidade de usar as pelavras em histérias assim, essa linguagem de Jesus que é sua marca, a parébola, para uso em nossas préprias viagens por nossa prépria Samaria americana, este pats tio largamente indiferente a Jesus e & linguagem de Jesus. capitulo 2 O préximo. ‘Apprimeira historia que Jesus conta na estrada que percorre a regifo de Samaria apresenta, como seria de esperar, um samaritano. Mas, antes de Lucas contar ahistérie, le apresenta dois episédios ocorridos nessa estrada samaritan que liga a Galileia a Jerusalém. ‘Um homem diz a Jesus: "Eu te seguirei por onde quer que fores”. Jesus the diz que eles ndo pernoitario nos melhores hotéis. Ao que tudo indica, isso jamais tinha acontecido com aquele homem. Nunca mais ouvimos a seu respeito, Jesus enti diz a um segundo homem: “Siga-me”. Esse homem concord, mas impée certas condigées. Ele tem algo importante que precisa fazer primeico. Jesus dispense-o. Seguir a Jesus ndo € algo que adiamos até que fagamos pri- meiro 0 que queremos fazer. Entio um terceiro homem aparece em cena € se diz pronto para seguir a Jesus — mas ainda nfo totalmente. Jesus diz, na realidade: “Deixe para Ié. £ agora ou nunca”. No final, acaba que o homem no esté pronto coisa nenhuma. Jesus mal comegou sua viagem por Samaria em diregfo a Jerusalém ¢ jf conseguiu trés seguidores. Mas eles nem deram dez passos e ja caf- ram fora. CCaptamos a mensagem: seguir a Jesus nfo € algo que acontece a nossa ma- ‘eira, Seguimos a Jesus da maneira dele. Néo temos af um langamento muito ‘auspicioso para a Narrativa da Viagem. Trés seguidores em potencial,¢ cada ‘um, um desistente (Le 9:57-62) Os trés desistentes séo substituidos por um grupo que estabelece com eles ‘um contraste, um grupo caracterizado por uma resposta obediente e imedia- ta (Le 10:1-24), Jesus nomeia 72 outros e os envia em 36 duplas como uma WGe tales o howe de Nes ‘vanguarda para preparar o caminho para ele por Samaria. Ha um bom trabalho @ realizar —Jesus fala de uma colheita plena —, e eles esto prontos para comecar © bom trabalho, Mas, por melhor que ele seja, eles ndo devem ser ingénuos a respeito das circunstincias, Nao devem esperar boas-vindas de coracdo aberto. Jesus adverte sobre “lobos”. Ele recomenda austeridade, sem estratégias mirabo- antes: mantenha as coisas simples, diretas, amaveis, pessoais. Deve-se saber que haveré oposicio. Nem todos ficaro entusiasmados com esses estrangeiros que por ali passam com essa sua conversa de “reino de Deus”. Jesus conclui suas instrugées aos 72 com uma reprimenda severamente formulada para homens e mulheres que rejeitam as boas noticias do reino de Deus que “esté préximo”. Ele expressa alto e bom som uma mensagem incisiva, condenatéria, de juizo sobre homens e mulheres que rejeitam as boas notfcias do reino de Deus que “est préximo”. A recusa de se arrepender traz consigo s6rias consequéncias. Mas & significativo que, quando Jesus cita nomes, so Be ples cals parang cd ca Care neo sas sfo as trés pequenas cidades pequenas, o “THingulo Evangélico”, nas quais Jesus passou a maior parte de seus trés anos chamando e ensinanda disefpulos. Ao usar o nome das cidades galileias de seus seguidores como concentragées nucleares de impenitentes, Jesus esté indiretamente opondo-se a uma classi- ficagio indiscriminada dos samaritanos com 0 esterestipo de “maus sujeitos". “*Saibam que haveré hostilidade”, Jesus estd dizendo a eles, “mas no pensem ue a auséncia de hospitalidade em relagio a0 Deus que ‘estd préximo’ é coisa de samaritano, Nao ¢ em nada diferente do que acontece lé na terra de vocés, centre suas familias e vizinhos. Néo tratem essas pessoas de md vontade. Elas ‘ndo esto mais inclinadas a aceitar ou a rejeitar 0 testemunho de voces do que qualquer dos bons judeus com os qusis vocés se criaram". Jesus nio faz pouco caso da hostilidade prevista. Mas tampouco ele a considera uma afronta pessoel E assim eles partem. Quando os primeiros comecam a retornar da missd0, ‘uma palavra, “alegres’, caracteriza os relatos. Tudo esté funcionando. As obras de Jesus e as palavras de Jesus executadas e pregadas pelos 72 tém resulta- dos condizentes com Jesus. Os 72 ficam absolutamente aturdidlos com 0 que acontece entre os samaritanos — “surpresos pela alegria" Isso € tudo muito ‘empolgante. Jesus confirma a empolgagio deles: “Eu vi Satands caindo do céu opmoxmo 3 como relampago", exulta "no Espirito Santo” junto com eles ¢ agradece a0 “Psi, Senhor do céu e da terra” pela colheita, "Exultando” (agalliad), 0 verbo que 44 forca as palavras de confirmagéo de Jesus, transmite uma exuberdncia que ‘vemos expressa na dana e nas cambalhotas. E na Samaria de todos os lugares! Mas ele também insere uma palavra de precaucio: ...alegrem-se, nfo por- {que 0s espiritos se submetem a vocés, mas porque seus nomes esto escritos nos céus” (Le 10:20). Héo perigo de nos tornarmos excessivamente empolga- dos com o que vemos acontecendo ao nosso redor € negligenciemos 0 centro, nossa identidade inscrita no céu, a partir da qual o trabalho se desenvolve. A alegria esté ancorada néo no que fazemos, mas em quem somos “nos céus". Hé uma imenss exuberdncia em participar na obra e nas palavras de Je- sus. Mas hé também essa tinica palavra de cautela que deve acompanhar @ alegria sentida Esse contraste entre duas respostas a Jesus colocadas lado a lado, os trés desistentes e os exuberantes 72 do batalhéo de vanguarda, fornece uma orientagéo realista sobre aquilo que podemos contar como certo enquanto Viajarmos pelu Le1sitério samaritane: desergées decepcionantes, instrugiee claramente articuladas, “lobos", participacdo de membros do grupo na obra de Jesus, grande alegria e otimismo disciplinado. Bem nesse instante, um estudioso da religifo pés-se de pé com uma per- sgunta para testar Jesus. = Mestre, © que preciso fazer para obter a vida eterna? Jesus respondeu: <6 que esté escrito na lei de Deus? E como voct o interpreta? Ele dist: — Que vocé ame ao Senhor, 0 seu Deus, com toda a sua paixo, oragio, isculos e inteligéncia — e que ame seu préximo to bem quanto ama a ‘vocé mesmo, — Boa resposta! — disse Jesus. — Faca isso, e voce viverd Procurando um meio de evaséo, ele perguntou: —Mas como voeé definiria “préximo"? A resposta de Jesus 6 a primeira parébola da Narrativa da Viagem. Jesus respondeu contando uma hist6ria. “Havia um homem em viagem de Jerusalém a Jeric6. No caminho, ele foi atacado por salteadores. Roubaram sua roupe, espancaram-no e foram embora deixando-o semimorto. Por sorte, tum sacerdote estava a caminho na mesma estrada, mas, quando o viu, virou © olhar para 0 outro lado. Depois, apareceu um homem religioso, um levita; esse também evitou o homem ferido. “Um samaritano que viajava por aquela estrada aproximouse. Quando viu a condicéo do homem, seu coracio se condocu, Prestou-the or ps socor 10s, desinfetando e fazendo curative em suas feridas. Depois ergueu o homem colocando-o sobre o jumentinho do samaritano, levou-o a uma penséo e girantix que tivesse 0 conforto necessério. Pela manhi, tomou dues moedas de prata ¢ dew-as a0 dono da pensio, dizendo: ‘Cuida bem dele. Se custar mais, p6e na minha conta — eu pagarei quando voltar’ “0 qu Ihe parece? Qual does homens tomou-s prime dohomem atacado pelos salteadores? = seats que o tatu com bondade-respondew 0 estudio da religio — Vie faga 0 mesmo, Lucas 1025-37 ‘A histOria € suscitada por uma conversa com uma pessoa cujo nome ni & ci- tado, identificada somente pelo trabalho que executa. Trata-se de um jurista, ‘um nomikes. A lei com a qual se identificava profissionalmente nio era @ lei secular, mas a lei de Deus, a lei de Moisés, a Tord. Uma designacio mais exata entre n6s seria “professor de religiio” ou “estudioso da Biblia". O trabalho de um jurista, defendendo e interpretando @ lei de Deus, era um trabalho honrado ¢ responsével no século I. Na época, como acontece agora, es Escrituras eram citadas e erroneamente citadas por qualquer pessoa que precisasse contar com ‘sutoridade divina para seu programa. Os jurists, esses estudiosos da Biblia, eram responséveis entre outras coisas por manter suas comunidades de sobreaviso em relagao as possibilidades de insanidade e/ou engano religioso. Muitos so os lideres religiosos que enganam e seduzem em nome de Deus, Por mais que sejamos cuidados nesse assunto, jamais seré o bastante. Esse estudioso da Brblia esté levando seu trabalho a sério, testando Jesus em relagio autoridade das Escrituras, No hé razio para supor que haja al- ‘guma intengio nesse teste — ekpeiradzé pode simplesmente significar teste ‘A hist6ria € contada no contexto de uma multidio de pessoas que esto seguindo a Jesus, muitas delas talvez por curiosidade. Os 72 que acabaram de retornar voltaram de wma misséo extraordinariamente bem-sucedida em terri- ‘6rio samaritano, uma regio que entre judeus tinhe a reputacio de heresia. Os homens e as mulheres so ingénuos. f facil enganar as pessoas (especialmente 0s samaritanos?) em nome de Deus. f importante ter pessoas ao redor com instrugdo e discernimento, sobretudo em questées de religito e de Biblia. E cocorre de, no dia em que os 72 retomam jubilosos, estar lé um estudioso judew da Biblia com a responsebilidade de garantir que a verdade é verdadeira. Por formagio e por habito, ele se pergunta: “Esse negécio 6 para valer?” (© homem esté realizando um trabalho importante, Ninguém deseja um Mesias sem comprovagio. Os riscos sio demasiadamente elevados. No {queremos arrscar a vida em algo que no fim néo passe de ume fraude. Sabe- ‘mos por experiéncia que existe uma quantidade incrivel de fraucles religiosas cocorrendlo no mundo. Queremos nosso Mesias provado e aprovado por dentro por fora, examinado e interrogado. Assim, o jurista dé o passo necessério para “testar Jesus”. io era a primeira nem a Gltime vez que Jesus era testado. Lucas conta que Jesus, logo antes de iniciar seu ministério pAblico, foi provado pelo Diabo no deserto, O teste era detalhado e rigoroso —e hostil. A prova do Diabo foi ‘uma tentagio sedutora, pois 0 tentou para que se tomasse um Messies que agradaria multidses, uma celebridede cheia de glamour. Mas ele passou no teste, Disse ndo a0 Diabo. Mateus e Marcos precederam Lucas no relato dessa pprova. Jesus também foi provado perto do término de seu ministério paiblico no jardim do Getsémani. Essa prova foi sinda mais detalhada e rigorosa que a primeira, o teste final: {A prove foi ngonizante. Jesus passou no teste. Mateus ¢ jesus iré 8 cruz, sacrificaré sua vida pela salvagio do mundo — ou nao’ Marcos também relatam essa prova. 46 AUNGUAGEM o€ beUs Na Ultima Ceta, Jesus disse algo a seus discfpulos que somente Lucas relata: “Vocés so os que tém permanecido ao meu lado durante as minhas prova- g6es" (Le 22:28).! *... durante as minhas provagdes” prende minha atencéo: parece que havia mais testes impostos a Jesus que apenas a prova agonistica do deserto no principio ¢ a prova agonizante do Getsémani no fim. Entre esses outros testes estava este que somente Lucas relata, a prova do estudioso da Biblia nos primeiros dias da viagem por Samaria. Enquanto o teste se pro- ccessa, observamos algo significativo a respeito da maneira em que Jesus usa 4 linguagem — nao proclamando, néo interpretando, mas conversando. Um intercimbio respeitoso, Nem confrontacional, nem com ares de superioridade, ‘Uma conversa que convida (e garante) a participagéo. Hé cinco segmentos nessa conversa. Primeiro segmento, O estudioso da Biblia faz sua pergunte de teste: + © que preciso fazer para herdar a vida eterna?”. Talvez essa seja sua pergunta-padrao para por as pessoas a prova, uma pergunta que ele faz a cada professor de religio que seja desconhecido. Nao é uma mé pergunta, ‘Todos queremos viver mis que uma exlsténcia meramente animal, e é nesse “mais" que nosso carter e nossos valores se mostram. A maneira em que vivemos esse “mais” diz muita coisa sobre nossa sabedoria, nossas motivacbes € quo bons somos. E denota certo grau de esperteza o fato de que ele formula a pergunta na primeira pessoa. O estudioso da Biblia faz sua pergunta parecer um pedido de cconselho, Ele no é nenhum amador nesse assunto. Ele sabe que, se voc® fingir estar pedindo conselhos, a pessoa que voc® esté examinando se desarma, deixa cair as defesas, nfo se sente ansiosa. Se vocé interroga uma pessoa acusadora~ ‘mente, vai conseguir muito menos do que se pedir um conselho. Todos achamos dificil resistr & oferta de um conselho. Uma pergunta, independentemente de seu conte‘o, em geral nos honra por seu ar de respeito. Qualquer pessoa que peca informagées de qualquer tipo consegue muito mais do que pedi. Sim, eu creio que esse estuclioso da Biblia jé fezisso antes. Ele sabe o que esté fazendo ¢ jf aperfeicoou sua técnica. E talvez até tenha um caderno em casa cheio das respostas que recebeu diante dessa sua pergunta. ormoxmo «7 Mas ele no € pirco para Jesus. Jesus responde a sua pergunta fazendo coutra pergunta: “O que € escrito na Lei? [...] Como vocé a 1é?", (Certa vez assisti a uma entrevista feita com Elie Wiesel, o romancista judeu e escritor na dren de espiritualidade. O entrevistador disse: — Observei que vocés, jldeus, muitas vezes respondem as perguntas fa- endo outa pergunta. Por que agem assim? ‘A.que Wiesel respondeu: — Por que nao? © foco muda. Deixa de ser um exame objetivo, uma pergunta de mdltipla ‘escolha em que a resposta pode ser marcada no quadradinho correto. Inicia-se ‘um relacionamento; inicia-se um dilogo. J4 no 6 um interrogador superior eum interrogado inferior. O didlogo desenvolve uma experiencia académice, Seré que o estudioso da Bblia comegou essa conversa simplesmente com a menor dose de arrogincia, ou com uma retidio impessoal ¢ policiadora? Se foi esse 0 caso, nao é mais 0 que se vé. O tiro sai pela culatra. A pergunta de Jesus pée 0 jogo em pé de igualdade. Segundo segmento. O estudioso da Biblia responde & pergunta de Jesus resu- mindo a lei de Moisés no estilo cléssico: amar a Deus e amar a0 préximo — ‘uma mescla de Deuteronémio ¢ Levitico. Nao € como se apresenta no original, mas € preciso, Jesus dé-lhe uma boa note: “Vocé respondeu corretamente! Faca isso, © % aspecto mais extraordindrio desse segmento & que o estudioso e Jesus invertem as posigBes. Enquanto poe Jesus d prova, o estudioso da Biblia cencontra-se no mais administrando o teste, mas pessoalmente envolvido no teste. No ato de testar Jesus, le se vé testado por Jesus. © examinador passou a ser 0 examinado. O estudioso da Biblia que se propés passar um teste em Jesus sobre ortodoxia tem sua propria ortodoxia testada. Trata-se de tum exame oral conduzido em piiblico, talvez.na estrada ou na praga da vila. © resultado esté reconfortante. Ele passa 0 teste. Por sinal, ambos passam, 48 AUNGUAGEN De Deus Jesus e 0 estudioso, Esto agora em pé de igualdade, ambos atestados como cortodoxos, ambos competentes para ensinar os caminhos de Deus. Terceiro segmento. O estudioso, em vez de se sentir a vontade na companhia de Jesus, como seria de esperar — uma vez que ambos agora esto seguros um da ortodoxia do outro —, faz outra pergunta: “E quem é 0 meu préximo?". Lucts atribui uma motivacio a pergunta do estudioso: “querendo justificar- se", O estudioso esté se sentindo inquieto. “Esté procurando um meio de evasio.” Sentimos a necessidade de nos explicar somente quando sentimos que no temos toda a razo. Talvez haja mais na vida que ortodoxia. A auto- justificagio é um dispositivo verbal com o objetivo de restaurar a aparéncia da azo sem que se faga nada a respeito da substancia. Se sentimos que estamos sendo criticados por alguém, saltamos com uma defesa ou uma desculpa. A ‘maioria de nés age muito desse forma. Nao gostamos que ninguém pense ‘ue somos maus, incompetentes ou estiipidos. Uma das manchras-padri da defesa é conquistar a oportunidade da ofensiva para pér a outra pessoa sob defesa, tirando a atencdo da minhe fraqueza ou falha, e deslocar a atengio para a outra pessoa. Qual seré a fraqueza ou a falha do estudioso com a qual ele quer evitar lidar, da qual deseja desviar a atencdo? Nao hi nada de errado com seu conhecimento ou seus processos de pensamento. Ele conhece detalhada- mente a Tord e é capaz de cité-la com exatidao. Nao hé nada de errado com sua competéncia profissional. Jé observamos que ele conduz seu exame de Jesus com grande destreza. Se ele pensa bem e trabalha bem, o que sobra? Bem, talvez como ele é, como vive, como ama. Talvez esteja relacionado 4 sua indisposigéo de ser vulnerével num relacionamento capaz de fazé-lo sofrer (0 que sem dtivida é posstvel em todos 0s relacionamentos), sem disposicéo para tomar parte ativa nas exigéncias do amor nas quais tudo 0 que € caracteristicamente humano é posto & prova. Talvez ele se recuse @ arriscar-se nas incertezas e nas vulnerabilidades de um relacionamento com homens e mulheres e com Deus, e ainda mais no relacionamento pessoal oméxmo 49 ‘mais importante: 0 amor. Talvez ele queira manter um controle rigido. Talvez seu coragio esteja atrofiado. O eestudioso comega essa conversa com confianga. Ele esté no controle. Ele € 0 guardio da verdade biblica. Pretend julgar se Jesus é competente para censinar e conduzir os discfpulos, Uma maneira em que o exame poderia ter terminado seria num simples pronunciamento de aprovado ou reprovado. Ou poderia ter-se desenvolvido numa discussfo, num debate teolégico tendo os espectadores curiosos como jiri. O que de fato aconteceu nao foi, assim creio, previsto pelo estudioso, Tomado de surpresa nessa posigéo nao habitual para ele de ser o examins- do, ele tenta recobrar a posigdo original de estar no controle, fazendo uma segunda pergunta. Fica incomodado de estar em pé de igualdade com Jesus; deseja estar no controle em relagZo a Jesus. Nao esté acostumado a estar num relacionamento pessoal de mutualidade. Quer estar impessoalmente no controle. E assim tenta recuperar o controle da conversa fazendo uma pergunta que pork Jesus na defensiva: “E quem é 0 meu préximo?". Mesmo enquanto fox 4 pergunta, deve estar se parabenizando — “brilhante recuperagio". “Préxi- mo” 6 uma categoria sabidamente dificil de definir em termos préticos. Se © estudioso tivesse perguntado "E quem é Deus?", ele e Jesus poderiem ter trocado algumas citagées das Escrituras, e esse seria o fim do assunto. Teria sido um debate entre iguais. Mas ele deseja recuperar sua posiglo eleveds; assim, em vez de pedir uma definigio do Deus revelado, ele introduz.a figura imprecise do “préximo". Definir 0 préximo teria sido bom para um debate ue usaria 0 dia inteiro, com os espectadores curiosos aos poucos deixande 0 local a medida que a fome os chama para o jantar. Oestudioso da Biblia ¢ um veterano nas questées de religiéo. le sabe que ‘uma pessoa pode se esconder sem ser notada por muito tempo, talver até toda uma vida, por trés de questées religiosas. Seré que fez isso a vida toda — dirigiu estudos biblicos, fez perguntas incisivas, defendeu a verdade das Escrituras, ‘cumpriu as fungGes religiosas — e nunca foi descoberto? Mas Jesus o descobre. E 6 uma parsbola que o faz, essa histéria merecida- mente famosa que é normalmente chamada “Parébola do Bom Samaritano”. 50 AUNGUAGEM DE DEUS ‘A hist6ria € contada numa estrada samaritana, mas € proferida a um pro- fissional rligioso judeu. E muito provavelmente é ouvida também por outros judeus que esto acompanhando Jesus da Galileia para Jerusalém. Devia ser ‘uma senhora multidio — quantos além dos 72 que haviam sido enviados na ‘isso? Imagino uma considersvel congregacdo de judeus galileus em viagem pela regiéo hostil de Samaria com Jesus. ‘A importincia do local 6 realcada por ts observacées. Primeiro, Jesus conta sua hist6ria a um homem que seus ouvintes judeus considerariam um bor judeu, ‘Segundo, ahistéria apresenta um homem que no imaginério judeu da €poca seria estereotipado como um mau samaritano. Terceiro, a hist6ria em si se dé no na estrada de Samaria, pela qual estavam transitando, mas a muitos quilémetros 20 sul, na estrada que sai de Jerusalém para Jeric6, em territério judeu. Um bom estudioso judeu, uma boa estrada judaica e um mau “samaritano” Jesus cria @ hist6ria. Um homem esté andando de Jerusalém para Jericé. ‘Trata-se de uma longa caminhada de 27 quilémetros descendo mil metros por uma regio desértica e erodida até a fértil planicie do Jordo. A estrada sc contorce e ce enleia por gargantas e arroios marcados com cavernas. uma ‘estrada famosa por abrigar bandoleiros. O roubo é algo comum, os assassinatos rio raros. Jesus nio deixa clara a identidade étnica do homem, mas, dado o contex- to, supomos que seja judeu. Ele € atocaiado por salteadores que levam tudo ‘o que tem, até sua téinica, o espancam quase até a morte e o deixam para 1s abutres terminarem 0 servigo. Acontece o tempo todo mesmo agora, em ruas da cidade e em estradas remotas do mundo inteiro. Por sorte, s6 nesse ‘momento passa um sacerdote. Mas a sorte dura pouco. O sacerdote nao pode se dar ao trabalho. EntZo passa um levita — outra possibilidade! Mas 1 vitima néo encontra nas mos do levita melhores chances do que nas méos do sacerdote. O homem € abandonado trés vezes — pelos salteadores, pelo sacerdote ¢ agora pelo levita. Dada a conversa recém-gravada entre 0 estudioso da Biblia e Jesus, nfo podemos deixar de supor que 0 sacerdote eo levita também conhegam aquelas duas ordens que o estudioso da Biblia acabou de recitar, e as conhecem tio bem quanto ele. Os trés homens, 0 sacerdote, 0 levita e 0 estudioso da Biblia, omnoxmo 5 sio colegas de profissdo nas quest6es da Tord. Sto responséveis por manter a lei de Moisés a respeito de Deus e do préximo recordada e em funcionamento na comunidade judaica Exatamente nesse momento um samaritano aparece e cuida do judeu roubado e espancado, ¢ no de qualquer maneira. Ele desinfeta as feridas do homem, passa 6leo nelas, faz 08 curativos necessérios, coloca-o sobre © jumento, leva-o para uma estalagem e cobre suas despesas de estadia. Um samaritano, o esterestipo da pessoa mé no imaginério judeu, ama seu *préximo” judeu, Uma histéria simples, contada de forma simples, transitando pela regio de Samaria, Quarto segmento. Toda a conversa entre Jesus ¢ 0 estudioso da Biblia gira em ‘tomo de penguntas. Primeiramente a pergunta do estudioso da Biblia: “Mestre, ‘© que preciso fazer para herdar a vida eterna?”. Depois a pergunta de Jesus: "O que esté escrito na Lei? [...] Como voce a 1é?”. B agora uma terceira e “Qual destes trés voc# acha que foi o préximo do iiltima pergunta de Jesus: hhomem que caiu nas mos dos assaltantes?” © estudioso da Biblia, ndo Jesus, fornece a conclusio a hist6 “Aquele que teve misericérdia dele”. A hist6ria de Jesus nio define o préximo. Cria ‘um préximo. A hiist6ria de Jesus poe um ponto final em todas as ocasi6es ¢ em todas as vvariagdes da pergunta “E quem é 0 meu préximo?”. Desde aquele momento até © presente, a pergunta é: “ Eu serei um préximo?". Como Heinrich Greeven afirma: “Nao é possivel definirmos nosso préximo; tudo o que podemos fazer €sermos nés mesmos esse préximo”?> Quinto segmento. A palavra principal, a pairar silenciosa mas insistentemente nessa conversa entre Jesus o estudioso da Biblia, é um verbo no imperative: 52 AUNGuAGEN oe oFus “ame”. Essa ordem para amar, embora nfo repetida, ecoa continuamente pelos detalhes da conversa. “Amor” como substantivo & um assunto vasto e complexo. Filésofos € te6logos escrevern milhares e milhares de pginas explorando suas manifes- tac6es culturais, suas complexidades emocionais, suas nuangas psicol6gicas. Mas surpreendentemente hé pouco desse tipo de coisa em nossas Escrituras. © amor néo € um assunto a ser debatido por nossos profetas e sacerdotes, ‘nossos apéstolos e pastores, nossos poetas que oram ¢ nassos sibios. A palavra 6 usada como substantivo muitas vezes, mas significativamente em nossas Escrituras € um verbo que ganha vida. Nao “Deus é amor”, mas “Deus tanto amou 0 mundo..." No momento em que o substantive “amor” transforma-se num verbo, deixa de ser um assunto a ser debatido, compreendido ou examinado. Entra em nossa vida. E, quando o verbo ¢ proferido no imperativo, ganha vida num ato de obediéncia. Entra em acéo, faz parte da histéria e na histéria revela sua verdadeira natureza, Usado como verbo na histéria, logo fica evidente se a palavra nobre que ecoa a prépria gléria esté sendo usada para enobrecer € slorificar as almas ou esté sendo usada como uma capa para uma ganancia manipuladora, um poder cfnico ou uma cobica impessoalizante num mundo esvaziado de préximos. Jesus fala as palavras finais ¢ definitivas dessa hist6ria, ambas verbos no imperative: “Va [...] Jaga”. ‘Sem mais perguntas. Sem mais respostas. Chega de papo religioso. Vé ¢ ame, Bastam os debates impasstveis da interpretago da Escritura, nfo mais usando a religiéo (ou Jesus!) como meio de evitar ou dispensar ho- mens € mulheres de carne e osso que se acham em nossa vida. Algo esté ocorrendo, e fico sabendo que sou participante. Nao, 0 que ougo, alifs, & “Seja participante! As historias fazem isso: criam as circunstancias imaginativas nas quais aprendemos por intui¢#o uma ordem imperativa pera deixarmos o mundo des 1do dos debates distantes e impessoais para nos tornar participantes omméxmo 53 obedientes na vida, seguidores obedientes de Jesus, préximos de todos que cencontramos @ camino de Jerusalém. Ficamos curiosos. Serd que 0 estudioso da Biblia se tornou um préximo e “vai e cumpre” a ordem de amor que conhecia téo bem? Nio obtemos resposta para essa pergunta. Apenas conhecemos nossas préprias respostes ¢ nossas, préprias histérias. capitulo 3 O amigo Lucas 11:1-13 vida & pessoal. Por definicéo, Todas as partes dela: linguagem, trabalho, amigos, familia, flores e vegetais, rochas e montanhas, Pai, Filho e Espirito ‘Santo — as obras. Quando qualquer parte da vida é abstraida do particular, uulada em uma generalizacZo, burocratizada em um projeto, reduzida a causa, mata-se a prOpria vida, ou a0 menos ela & consideravelmente de- preciada. Quando qualquer um de nés desiste de estar pessoalmente presente ppara 0s nossos filhos, nosso cdnjuge ou nosso amigo, a vida se esvai. Deixar de ser hospitaleiro a um desconhecido obstrui a vida. Deixar de prestar atengio a uma conversa interrompe o fluxo da vida. A indiferenga habitual diante do esplendor de um corniso em flor desfaz as congruéncias intricadas e subja- centes da criagdo que aprofundam a participacio no exuberante, a vida nae para a gloria de Deus. Jesus & nossa mais importante testemunhe da primazia do pessoal: *.. eu vim para que tenham vida, ¢ a tenham plenamente” (Jo 10:10) — no meras ragbes de sobrevivéncia, mas muita fartura, perisson. Jesus € nossa mais im- portante revelagio de que Deus é pessoal, abundantemente pessoal. Quando lidamos com Deus, nfo estamos lidando com um principio espiritual, uma ‘deta religiosa, uma causa ética ou um sentimento mistico. Estamos lidando pessoalmente com Jesus, que esta lidando pessoalmente conosco. Tudo 0 ‘que sabemos sobre Deus, sabemos por meio de Jesus. E Jesus é totalmente pessoal — um corpo vivo e uma alma, que come plo e peixes e bebe égua e vvinho, Jesus fala e escuta, Jesus nasce em uma familia cujos nomes conhece- ‘mos, ¢ cle mesmo tem um nome pessoal, um nome que era tio comum em ‘sua cultura quanto Beto e Maria so comuns na nossa, Jesus chora. Jesus fica irritado. Jesus toca e € tocado, Jesus sangra quando se corta. Jesus morre. Jesus esté totalmente a vontade em seu corpo ¢ em sua familia, 8 vontade conosco em nossa corporalidade e em nossa familia, Fle nlo se abstrai de nada 56 ALNGUAGEM De oEus onmco 57 disso; ele néo é isolado em nenhum detalhe. Ele esté presente, totalmente, , Lucas, 20 compor sua Narrativa da Viagem, reconta uma histéria us que faz para ur Deus impessoalizado 0 que a hist6ria do samaritano todos os nossos préximos impessoalizados. Jesus nos imerge numa de linguagem que nos mantém completa ¢ absolutamente pessosis em agradéveis ou aceitéveis a Deus) tornando-nos menos humanos, menos fisicos, de abordarmos a Deus, 0 que significa dizer, em nossas oracSes. ‘menos emocionais, menos envolvidos com nossa familia, menos associados bem pode ser 0 Gnico aspecto da nossa linguagem que mais cor selacionalmente, intimamente. O que revelacéo biblica nos conta, uma revelacio sintetizada e consumada cem Jesus, é que no podemos nos transformar mais semelhantes a Jesus (maig com pessoas social ou moralmente indesejéveis. Néo nos tornamos mais es- 0 de perder contato com a simples realidade de nossa humanidede. pirituais tornando-nos menos humanos. 05 0 contato com nossa humanidade quando privamos Deus de sua . As criangas oram em espontinea honestidade. A catéstrofe © a see tas vezes nos conduzem para o fundamento da nossa humanidade, linguegem € purificada de toda simulagéo efalsa piedade, e oramos A primeira histéria de Jesus na Narrativa da Viagem faz que todos nés sej ir de nossas entranhas. Mas & parte da infincia e da crise, enquanto es- o préximo da hist6ria, fazendo-nos préximos de homens e mulheres que nun na estrada, passando pelo samaritano comum e secular, nossas oragées ma forma de se abstrair dos detalhes simples e inconfundiveis que tanto pparte de nossa vida comum e diéria. Muitas vezes a oracio é praticada bientes protegidos c religiosamente definidos, Galileia e Jerusalém. E ssimas vezes é formulada em clichés de falsa piedudle extrafdos de varias ‘onde ficam pendentes e & disposigio, ou tomados de empréstimo de oragio. fio hé nada de cliché nem de emprestado na histéria de Jesus. Jesus essa histéria para nos tornar imediata e pessoslmente presentes com ‘que eram nossos préximos porque usévamos a linguagem para estereotipé-los fem cartazes de caricaturas empalidecidas — “samaritanos", por exemplo, ou algum outro termo étnico ou racial, moral ou religioso do descarte. Uma ves que os tenhamos desumanizado por um simples artificio de linguagem, se nos ocorre amé-os. Seré possivel amar um pedago de cartolina? Obedecer: ordem de Deus de amar nosso préximo fica muito mais administrével qua excluimos da ordem a maioria das pessoas que no conhecemos ou de quem no gostamos. A histéria de Jesus nos reumaniza, repessoaliza, reaproxima @ riés e a todos @ quem encontramos. Tendo agora nos transformado em préxi- ‘mos por causa da histéria de Jesus, encontramos outro préximo para amar a cada curva da estrada, ‘A segunda hist6ria da Narrativa da Viagem foca-se em Deus de forma Deus da mesma mancira que sua hist6ria anterior conseguiu fazer 0 préximo. Um dia ele estava orando em determinado lugar. Quando conclu, um de seus discipulos disse: “Mestre, ensina-nos a orar assim como Jofo ensinow seus discipulos”. Entio ele disse: “Quando voces orarem, digam: pessoal. Impessoalizamos as pessoas quando as estereotipamos. Impessoa- lizamos Deus a0 generalizé-lo — Deus como ideia, Deus como forga, Deus como dogma. Mas, como nio conseguimos amar uma ideia, uma forga ou ee ‘um dogma, eficazmente eliminamos 0 “ame” da ordem biblica “ame a Deus” aparece ema, eficazmen “ame” da ordem_ eee ¢ 0 substitufmos com verbos como “reconhega”, “respeite”, “considere", “defenda'”, “estude” — todos verbos que exigem, se exigem, pouco namento pessoal, Mantenha-nos vivos com trs refeigdesprincipa Mantenha-nos perdoados diante de vocé e perdoando as pessoas. Mantenha-nos protegidos de nds mesmos e do Disbo". 8 AUNGUAGEM De ous ‘Depois ele disse: "Imaginem o que aconteceria se vocés fossem a um amigo no meio da noite e dissessem: — Amigo, empreste-me trés pies. Um velho amigo de viagem, passando por aqui, acabou de vir a casa, ¢ eu néo tenho nada que Ihe posss oferecer *O amigo responde da came: : —Nio incomode. A porta est trancada; todos os meus fihos jf se deitaram para dormir, ndo posso levantar-me para Ihe dar coisa alguma. “Mas permita-me dizer-Ihes que, ainda que ele nose levante por ser amigo, se voct fizer pé firme, batendo na sua porta e acordando toda a vizinhanca, por fim ele se levantard e Ihe conseguira tudo de que necessitar. “Estou querendo dizer 0 seguinte: Pecam, ¢ voces conseguitio; Busquem, e vocés encontrario; ‘Batam, e porta se abrird. “Nao negocie com Deus. Seja direto. Pega aquilo de que necessita, Néo € ‘num jogo de gato € rato, de esconde-esconde, que nos encontramos. Se seu filho pequeno pedir uma porgio de perce, voce oassusta nn ue serpente viva ‘em seu prato? Se sus filha pequens Ihe pedir um ovo, vocé a engana, dando- the uma aranha? Por pior que voc®s sejam, no pensariam em tal coisa — a0 ‘menos vocés sio razodveis com os proprios filhos. E no acham que o Pai que «0 concebeu em amor Ihes daré o Espirito Santo quando o pedirem?” Leas 1121-13 A historia € contada no momento em que Jesus tinha estado em oracio, € seus discipulos the perguntam: “Senhor, ensina-nos a orar” (Le 11:1). Jesus responde oferecendo uma breve oracio ¢ depois contando uma histéria. Essa & a dinica ocasido nos Evangelhos em que os discipulos pedem que sejam ensinados, a tnica vez que os discipulos se dirigem a Jesus com um ‘verbo no imperative: “ensina-nos”. Jesus ensinava diariamente. Ele ensinava.n0 ‘campo, na sinagoga e no templo. Os discipulos haviam observado Jesus orar, por muito tempo, durante os anos na Galileia. Agora pedem: “ensine-nos”. omuco 59 Tiraram os cursos introdutérios sobre como viver no caminho de Jesus e agora estayam aptos a cursar as disciplinas optativas de urn nivel mais elevado. Eo que escolhem? Oragio. “Ensina-nos a orar”. Nio é significative? Nao pedem que se Ihes ensine um melhor compor- ‘tamento — nenhum pedido aqui de um curso de ética. Nao pedem que se thes ensine a penser de modo mais preciso a respeito de Deus — nenhum pedido aqui de um semingrio em teologie. Nao pedem um curso de pla- nejamento estratégico para poderem introduzir o rein. Eles tem andado com Jesus por mais ou menos trés anos, prestando atengo no que ele faze escutando o que ele diz. De algum modo, chegaram a perceber que segui- -lo nao significa imitar que ele faz, nem repetir 0 que ele diz. Significa ‘cultivar um relacionamento com Deus ds maneira que eles observam em Jesus. Querem operar a partir do centro alimentado por um Deus pessoal, ‘um Deus relacional, um Deus de amor, como viram Jesus fazer. Querem instrugio e treinamento nessa acdo que parte da fonte, nesse ato profunds- mente humano ¢ humanizador. Querem fazer bem aquilo que Jesus faz de melhor: "Ensina-nos » orar" Jesus responde a eles dando-thes um breve modelo de oracéo, contando ‘uma simples parabola e depois relacionando a oragéo e a parébola com alguns ‘comentérios sobre pais e filhos, de modo que a oragdo e a pardbola se ferti- lizam mutuamente. Os comentérios mantém em movimento noss0s fluidos imaginativos. E depois Jesus recua e deixa que a oragio e a parébola facam seu trabalho em nés. oragio-modelo que Jesus thes oferece é surpreendentemente, talvez até Ituosamente, breve. Eles pedem que se thes ensine a ora. J examinaram todas as possibilidades do que poderiam querer de Jesus. Restringiramn todas 8 opcées a este ‘nico pedido: ensina-nos a orar. Chegaram ao xis da questio © estio motivados a se empenhar nessa agio central que subjaz e motiva a vida de Jesus, dando-Ihe forma. Matriculam-se e comparecem. Jesus comega @ensinar. Ele mal comesou ¢ jé terminou. A oracdo que cle Ihes ensina se co Auncuacin oe us compée de cerca de 38 palavras. Se feita lenta e meditativamente, dura apenas 22 segundos. E ai acaba. Aula encerrada, turma dispensada. (© que esté acontecendo aqui? Pensaram que se haviam matriculado um seminério de pés-graduagio sobre oragio e de repente esto de novo nas russ sem chegarem sequer a abrir um livro ou anotar uma definicéo. Se alguns deles estivessem preparados de Iépis em punho, teriam, no melhor dos casos, uma pégina das notas. ‘Mas ndo hé nenhum sentido de surpresa expresso no texto como o temos ‘em nossas mos, nenhum sinal de que os discfpulos tenham sentido que com- praram gato por lebre. Talvez sejam as nossas ideias sobre o ensino que sio deficientes. E especialmente o ensino sobre a ora¢io. ‘Sem a devida instrugio que procede de Jesus, nosso conceito de ensino € dominado peles explicagdes. Quando vamos para a escola, esperamos ter as coisas definidas, explicadas, e contamos adquirir muita informago que nos possa ser de utilidade. Aprendemos a ler, aprenclemos a contar, e depois somos testados sobre aquilo que nos ensinam, pedindo-se que repitamos tudo de ‘novo. Quanto mais complexo 0 assunto, mais demora aprendé-to. Mas isso é, propriamente falando, néo instrugéo, mas escolarizagio. As coisas que mais nos importam nao sio aprendidas dessa maneira, coisas como andar, por exemplo, e a fala. E amar, e esperar, e acreditar. Para essas tarefas complexas e maravilhosas precisamos de professores, mas nio de escolas, nio de explanacdes, nio de definigées. Precisamos estar a0 redor das pessoas que sabem fazé-lo, que estdo engajadas na acdo ¢ um pouco mais adiantadas ue nés no processo, mas jamais pensariamos em ir escola para ser instruidos ‘nesses assuntos. Seria como ira escola para aprender a andar de bicicleta, uma escola em que nunca vimos nem tocamos uma bicicleta Frequentar um lugar de adoragio é uma boa maneira de aprender a orar; no participar de uma oficina de oragio. Asso se a uma pessoa que voce sabe que ora é uma boa maneira de aprender a orar (quer voc8 fale, sobre ‘oracio quer nio); nao ler outro livro sobre oracio. A oragéo exige esses tipos de instrugdo e somente pode ser adquirida por esse tipo de ensino, 0 tipo de ensino em que Jesus € o mestre. Por ora, examinar com curiosidade e mara- vilhamento essa sequéncia de oragio/parébola/comentério nas palavras ¢ na oamco 61 presenca de Jesus apresentada por Lucas na Narrativa da Viagem 6 uma boa ‘maneira de aprender a orar A.combinacio oracio/parabola/comentério deixa claro que a oragio € um discurso pessoal. A oracZo-modelo comeca com um substantivo vocative: —uma forma focada de se dirigir a uma pessoa. E a parsbola comega com um substantivo vocativo: “Amigo” — uma forma focada de se dirigir a uma pessoa. Esses vocativos insistem numa forma direta e pessoal, nfo "a quem possa in- teressar", nfo um chamado a oragZo por meio de um folheto produzido para tum largo piblico. Os comentérios que se seguem utilizam uma converse entre filho e pai para realcar as dimens6es pessoais da oracéo. © comentério final ‘etorna a0 Pai que abriu a oragio-modelo, mas dessa ver. ele é “Pai que esté ros cus". A primeira palavra na oracdo € “Pai”, ¢ a tltima linha da pardbola presenta 0 “pai” ‘A combinacio de oracSo/parabola, cada uma abrindo com substantivos vocativos — “Pail, “Amigo!” —, dé-nos um treinamento na forma direta e pessoal de tratamento. O vocativo ndo é um tratamento generalizante. Ele tem por alvo uma pessoa especifica, a fim de conceder uma mensagem pessoal. A que o vocativo faz.recair sobre o aspecto pessoal ampliada pelo uso de ‘verbos no imperativo. Cada verbo na oracéo € expresso no imperative, cinco eles: Santificado seja, Venha, Dé, perdoa, no deixes. Outros cinco verbos ‘no imperativo dominam a pardbola: empreste-me, Nao me incomode, seguidos de Pegam, busquem, batam. Os imperativos sio comandos ou ordens de uma "Pessoa para outra. Sao dirigidos de uma pessoa para outra pessoa e preveem “uma resposta pessoal. Esses imperativos séo suplementados pelas referéncias filho que pede a seu pai uma porgio de peixe ou um ovo, um pedido que iplica um verbo originariamente no imperativo, __ Os imperativos sdo verbos que ligam as pessoas de tal maneira que muda ‘modo de ser das coises. Algo passa a a de discurso, em vez de descrever 0 que ¢ ou de supor que algo poderia do ser como é, 0 imperativo toca o futuro de modo que algo novo possa © imperativo nao tem tempo algum para a linguagem impessoal —as ir que agora no existe. Como 2 Auuacen be oeus férmulas mégicas, por exemplo, ou a propaganda tecnolégica, ou a manipu- lac sistemstica Jesus nos ensina a orar. Usando substantivos no vocativo e verbos no impe- rativo, ele nos envolve pessoalmente na ago do Deus que age pessoalmente em nossa vida. Oragfo € ago. A oracio nfo ¢ uma entrega passiva & maneira de como as coisas sio. Hé muitas outras dimensbes na oragfo, com certeza, ¢ aprenderemos sobre elas ja bem cedo.' Mas é aqui que comegamos. E aqui que Jesus comesa. Jesus aprofunda nosso senso do aspecto pessoal na oracio usando os termos “Pai” e “amigo”. “Pai” e “amigo” sfo designagdes que excluem o impessosl. {A dinimica da oragio como algo pessoal é desenvolvida em detalhes parabs- licos na histéria do amigo que procura seu amigo no meio da noite, pedindo trés pies, de modo que possa estender hospitalidade a ainda outro amigo. O termo “amigo” é usado em referéncia a cada pessoa na hist6ria: 0 amigo jé na cama a quem se pede pio (¥. 5), © amigo que chega faminto no meio da noite (v. 6) e 0 amigo que pede o pao (¥. 8). Todos na hist6ria séo designados “amigo”. Trés amigos. Nem todos na hist6ria se dio bem simplesmente porque sio amigos. Imente para s6 depois submeter- se 4 suas exigencias. Mas tudo 0 que acontece € entre amigos e tem em si um ccerne de responsividade e relacionamento. Nossa relaglo com pais ¢ amigos € ‘essencialmente pessoal. Nenhum de nés é indiferente a pais € amigos. Quanto 2is50, nfo faz nenhuma diferenca se nos tratam bem ou mal. Como quer que rnos tratem, tomamos isso pessoalmente. A maioria de nés gasta a vida inteira lidando com pais (e mies) e amigos, e essas relacées esto entre as mais profun- das que jamais teremos. Nossa identidade e nosso caréter em desenvolvimento formam-se em relacionamentos pessoais. Somos biolégicos, completamente; ‘amigo na cama renuncia a sua amizade ini ‘somos psicolégicos, com certeza; somos politicos, sim; somos econémict certamente. Mas 0 fundamento de tudo isso é a dimensio pessoal Significa dizer que a oragio s6 pode ser aprendida no vocabulério € na {gramética dos relacionamentos: Pai! Amigo! Jamais pode ser uma questéo de pér as palavras certas na ordem certa. Jamais pode ser uma questio de ‘bom comportamento, ou de boa disposicio, ou de manipulacéo habilidosa: Jamais pode ser uma matéria de adquirir alguma informagao sobre D ommco ‘ou de entrar em contato comigo mesmo. E um relacionamento, exclusiva e interminavelmente pessoal. E assim é imperativo que prestemos atencio a ‘nossa linguagem, pois 0 pessoal est em constante risco, ¢ cada vex mais, de ser climinado pelas reivindicagées arrogantes ¢ blasfemas da tecnologia, a apoteose do impessoal, ‘aqui esté um detalhe que eu considero intrigante: 0 plo ocupa um lugar de destaque na oragio e na parébola. ‘A versio de Lucas da oragio-modelo de Jesus é uma versio editada daquela “que Mateus nos fornece. A oracio de Jesus em Mateus consta na forma de petigoes: Pai nosso, que ests nos céus! Santficado seja o teu nome. (I! petigdo) ‘Venha 0 teu Reino; (2 peticéo) soja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. (3 peticfo) Dé-nos hoje 0 nosso pio de cada dia. (4 peticio) Perdoa as nossas dividas, assim como perdoamos aos nossos devedores. (5 peticfo) Endo nos deixes cair em tentagio, ‘mas ivra-nos do mal, (6 peticio) porque teu é o Reino, ‘o poder e a gloria para sempre. Amém. Mateus 6:9-13 A versio editada de Lucas tem a seguinte redacfo: Pai! Samtificado seja 0 teu nome. (I* peticio) Venha 0 teu Reino. (2 peticéo) ‘Dé-nos cada dia o nosso pio cotidiano. (3 petigéo) 8 AuNGuacee oc oLus camo 65 ‘temos aquilo de que necessitamos para viver. Somos dependentes do Pai, do para as coisas mais essencias. Se largados @ prépria sorte, depois de conquistarmos um trabalho com bom salério, de adquirirmos um lugar onde viver e tivermos feito os pre- para um plano de satide — cuidando dessas e de quaisquer outras terrenas —, muito provavelmente seriamos capazes de supor a.@ hora de comesar a lidar com Deus e assim nos preparer para 0 tamos as prioridades do céu aprendendo a orar. me (“nosso”), duas expressées (“que estés nos céus”¢ “mas livra-nos do mal”), mos nossa Biblia para ver o que Jesus tem a dizer sobre isso. Por acaso, a terceira peticao (“seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu"), ea jos em Lucas 11. O que encontramos? Jesus confrontando-nos com nossa doxologia (“pois teu 6 o Reino, o poder e a gléria para sempre. Amém”,). A digo de Lucas tem dois efeitos: ajusta 0 foco e pée o plo no centro. Perdoa-nos os nossos pecados, pois também perdoamos a todos os que nos devem. (4# petigio) E nao nos deixes cair em tentagdo. (5+ petigio) Leas 11:24 10 elementos: um prono- Lucas encurta a versio de Mateus suprimindo ci , nossa necessidade daquilo sem o que no conseguimos viver — pao. ‘nos mandando pedir pio ao Pai. Jesus contando-nos uma histéria sobre | Amigo que certamente nos dard pio. Para que servem os amigos, sendo darem a nés ¢ @ nossos amigos o de que precisamos? Agora temos uma oragio de cinco petigdes. Numa série de cinco, o terceiro ‘elemento, “Dé-nos cada dia 0 nosso pao cotidiano”, fica posicionado no cen- ‘10 e portanto se destaca um pouco em relacio aos outros. O ato de centraro pio na oragéo como a terceira das cinco petig6es corresponde ao realce que © pio recebe na parébols, também identificado com o niéimero trés (“trés pies"). O pio é depois novamente frisado no comentério de Jesus quando. cle fala de um filho que pede a seu pai peixe e avo, 0s quis, como 0 pao, sie alimentos comuns e bésicos. ‘Nao quero afirmar coisas demais nessas observagées, mas vé que Luc ber € abracar nossa necessidade basica, nossa pobreza, é pré-requisito vel para o emprego dos imperatives na oraglo e na parébola. Se 0 tivo for emitido a partir de riqueza, nao é nada sendo um desejo de ou espiritual. Ordena- Deus que nos dé o que queremos, nfo o de que precisamos, usando a ppara elevar nosso padrao de vida. jo nos afirma que Jesus Cristo, a revelago de Deus tomado humano, ‘mio dos prvilégios da deidade e adotou a condicéo de escravo, tornou- ‘mais, um arrematado consumismo rel estivesse ensinando sutil mas poderosamente algo absolutamente fundacion para a nossa compreensio ¢ prética da oragio, a saber, que a oragio lida com que hé de mais bésico em nossa humanidade. Nao € algo que acrescentamo! Nio € um acesséeio “espiritual” com 0 qual nos deleitarmos depois que ao! Tendo se tornado humano, permaneceu humano. Foi um proces- asseguramos de nossa sobrevivéncia fisica. ‘lmente humilhante. Néo reivindicou privilégios especiais, Em vez Lucas é um artista. Sua arte esté em suas palavras. Seu ensino & cheio de ou uma vida altrufsta, bediente e depois experimentou uma morte arte. Nao esté explicando. Nao esté liderando uma torcida. Esté fazendo 04 ta, obediente — eo pior tipo de morte ainda por cima: a crucificagéo” Emily Dickinson, que talvez tenha aprendido com Jesus, que era um i5-8). Em outras palavras, quando Deus se tornot homem, revelando @ das indiretas, recomendou quando escreveu: “fale de vies.” ropria humanidade, nao veio na forma de um super-homem, mas Por meio da arte de Lucas e do ensino de Jesus, encontramo-nos imer entou a pobreza da existEncia humana mais profundamente e mais nas circunstncias didrias em que nossa vida em Cristo é formada e nutt temente que qualquer outro homem jamais seria capaz"? Tornou-se dé-me o pio, empreste-me trés pies, passe-me o peixe. Somos pobres. tamente pobre e sem nenhum valor: “ume raiz safda de uma terra seca {.-.] nfo tinha qualquer beleza ou majestade [..] desprezado e rejitad fl nio o tinhamos em estima” (Is 53:2-3) Quando Deus se tornou humano em Jesus, mostrou-nos como nos t seres humanos completos diante dele. Reproduzimos o que Jesus fez, a tomarmos absolutamente necessitados e dependentes do Pai. Somente q ‘Ros apresentamos esvaziados, nos mostramos empobrecidos diante de D odemos receber o que somente mos vazias podem receber. Essa 6 a pol 72 de espirito que Jesus abengoa (Mt 5:3). Quando escutamos e seg Jesus, que viveu em constante dependéncia do Pai, convencemo-nos den pobreza como homens ¢ mulheres. Percebemos nossa absoluta caréncia, Sq todos pedintes. Pai, dé-nos pio. Amigo, empresta-nos trés pies, Ser significa que somos as mais incompletas e pobres de todas as criaturas, No necessidades sempre ultrapassam nossas capacidades. Johannes Baptist h escreve sobre a “indigéncia radical de nossa humanidade” ¢ “a necessidad ‘caréncia transcendental” no amago de nossa humanidade.? Nunca ficamos menos necessitados, menos dependentes quando o tornamo-nos mais necessitados, mais dependentes — o que significa dig ais humanos. Quand aramos, mergulhamos cada vex. mais profunda na prépria condiglo humana da qual o pecado nos separa e Cristo nos construtor de um celeiro cas 12:13-21 gica de um estudioso da Biblia a respeito da “vida eterna” fama histéria sobre um homem que ajudou um desconhecido tina estrada, o qual havia sido roubado ¢ espancado por ban- a morte. Mais adiante, um pedido de seus discfpulos sobre oraglo deu origem a uma histéria de Jesus, na qual Jhomem que pede pio a um amigo seu para alimentar uma responde s peruntas sobre o céue atende a pedidos para que ‘oracdo — preocupagées espirituais cléssicas — com histéries pnhecido ferido e um convidado inesperado e faminto? Seria Dbserva que boa parte das nossas conversas sobre “as coisas de de evitar a presenca pessoal de Deus nas pessoa feridas e ‘encontramos na estrada para Jerusalém? Seria porque ele sabe dilegio por debates sobre as questées do céu ¢ da oracdo so um o termos de lidar pessoalmente com nossos familiares ¢ amigos Jesus conclui seu ensino sobre oragdo com o seguinte: “Se vocés, apesan serem maus, sabem dar boas coisas a seus filhos, quanto mais o Pai que ros céus dard o Espirito Santo a quem o pedir! (Le 11:13). Espirito Santo? Pensamos que estvamos pedindo pio para nés mest Para nosso amigo, Pensamos que estvamos pedindo peixe e ovos, Es Estamos. Mas, 20 introduzir o termo “Espirito Santo” na conversa, Jesus ane ‘nossa compreensao das palavras e dos caminhos de Deus nos detalhes de ¢ hhora e de cada dia. O Espitito Santo 6a maneirs de Deus estar pessoalm conosco em tudo o que escutamos, falamos e fazemos. Deus em tod ‘est presente? Seria porque Jesus esté tentando desmamar-nos elice em nome de Deus? Aqui temos outra histéria que segue fenquanto Jesus encaminha uma conversa do supostamente © sparentemente secular. Uma pessoa néo citada pelo nome ‘multidio e dirige-se « Jesus da seguinte forma: “Mestre, dize a divida « heranga comigo” (Le 12:13). m, 20 que parece, esté sendo defraudado por seu irm&o em re- ireito numa heranga e pede que Jesus o ajude a corrigir aquele detalhes de nossa vida e da vida de nossos amigos e vizinhos, Deus p fects» sjudar, negando qualquer autoridade pare fase: de maneira pessoal e abrangente me designou juiz ou érbitro entre vocés?”. A pergunta € Fet6rica, exigindo uma resposta negativa. Ninguém nomeou Jesus juiz ou érbitro nas questées de familia desse homem. Mas nio po- demos deixar de pensar: “Mesmo?”. A recusa de Jesus nos assusta por ser totalmente estranha, uma vex.que sabemos que os rabis eram, e ainda sio, julzes na comunidade judaica. © pedido do homem nio é um desprop6sito. E o fato de essa histéria cocorrer logo depois da oragio e da parsbola sobre a oraco, tudo fica ainda ‘mais estranho. Ai esté um homem fazendo exatamente © que Jesus insistix que fizéssemos: “Pecam.... busquem... batam...". © homem esté orando, orando exatamente como Jesus Ihe ensinou 2 orar — usando 0 vocativo pessoal (/Mestre") ¢ usando um verbo no imperativo para dirigirse pessoalmente a Jesus, 0 que significa dizer, Deus (quer 0 homem reconhecesse Jesus como Deus, quer no). Mas a resposta a essa sua oragéo é uma 4spera dispensa. £ 0 fim da oragio como férmula. O homem esté seguindo 20 pé da letra 0 ensino de Jesus a seus discipulos sobre a oracio. Se a oragio uma questo de usar a gramética correta dirigida a pessoa certa, esse homem certamente teria conseguido o que queria. Jesus acaba de exercer um discernimento espiritual elementar Fle discer- niu no pedido de justica o pecado subjacente da cobiga. Nao hé nada no texto que revele que o homem nio estava, na realidade, sendo defraudado. Seus direitos estavam sendo violados. E certamente nao da vontade de Deus que nenhum de nossos direitos seja pisoteado por ninguém. A justica € essencial ao reino de Deus, efrisada com paixio por todos os profetas hebreus de Isaias a Malaquias, por Jodo Batista ao preparar 0 caminho para Jesus, e pelo préprio Jesus. A busca pela justica e o clamor por justica tém precedentes biblicos notéveis, Assim, ndo hi nada estritamente errado com o pedido do homem. Ele esta pedindo a mesma justiga que Amés, Isafas ¢ Jeremias Ihe haviam ‘ensinado que era Fundacional no reino de Deus. Mas Jesus discerne no pedido ndo uma paixio por justiga, mas um virus de pecado, o pecado da ganancia, da cobiga. Nao ha nada mais comum entre ‘6s que andamos na companhia de homens e mulheres que seguem a Jesus do que usar o que todos concordam que seja uma boa coisa, até mesmo essencial a0 reino de Deus, para disfargar nosso pecado. Aqueles de nés que se com prometeram a seguir a Jesus a ser por ele ensinados no chamam a atengi0 COCONSTRUTORDE UM CELERO 69 por serem propensos a pecados manifestos. Néo queremas pecar. Nao nos colocamos deliberadamente no caminho do mal. Mas nossas boas intencOes nfo so nenhuma protecio segura das asticias do Diabo, das seduces do Tentador. ‘Quase todos os pecados aos quis nos sentimos atraidos vém com a roupagem de virtudes, Pensamos estar pedindo ou fazendo algo biblico, verdadeiro edireito. E, pars falar a verdade, estamos. Assim como esse homem do meio dda multidao, o qual somente um dia ou dois dias antes havia aprendido a orar, fe agora fazia o que Ihe tinham ensinado: Eu quero justiga! Praticamente toda tentagfo que sobrevém aos que estamos comprome- tidos com Jesus e decidimos sacrificialmente segui-lo se dé na forma de algo correto, necessério e obviamente bom. © Diabo nao gasta seu tempo tentando-nos # fazer algo que sabemos ser mau. Ble esconde aquilo que & ‘mau em algo bom e depois nos tenta com aquilo que é bom. Jé fomos mais ‘que advertidos de que 0 Diabo aparece como anjo de luz. Por que continue- ‘mos a viver em tamanha ingenuidade? O velho cintico dos acampamentos erta nt mosca: “O Diabo é um mentiroso ¢ um enganador; se vocé no se lar, ele o engana, sim, senhor” Um dos espantos do mundo é 0 pecado que se alastra¢ viceja, sendo aplau- em comunidades e organizagées cristis. A ambigio, o orgulho e a avareza lugar de honra sem que ninguém questione, e depois sio “apoiados” ‘um versiculo fora de contexto ¢ selados com oracio. Jesus néo é alguém que atende 2 oragbes indiscriminadamente. Jé passou isso. Aqueles quarenta dias enoites de tentacio no deserto nfo permitiram ‘margem para a ingenuidade nessas questées. Tudo que 0 Diabo pos te de Jesus foi envolto em roupagem escrituristica. Jesus nio foi tentado mal evidente, mas pelo bem aparente. Ele conseguiu ver o que estava por ‘€ se manteve firme. E agora ele consegue enxergar 0 que esté por tris da tio correta desse homem — e se mantém firme, 105 mentiras com as mesmas palavras usadas para falar a verdade. As rio somente podem revelar; elas podem ocultar. A linguagem & usada ‘meio de revelar, desvendando a realidade; 6 também usada como meio r encobrindo a realidade. Por mais que sejamos cuidados, nunca seré 0 70 Auncuacen oe ous suficiente nessas quest&es. “Amigo... cuidadal” Seré que um clamor por justiga na realidade nfo esconde um lamento por uma fatia maior da torta? Seré que ‘uma campanha contra a corrupgao politica néo é abastecida na maior parte pela ira? Seré que uma proposta de evangelismo néo mascara uma mesura idélatra ao Rei Ndmero e Quantidade? E sera que uma “declaracao de visto” alinhavada numa reunido de comité tarde da noite, uma vez examinada & luz do dia, nfo acaba se revelando um projeto de inchada ambigio? Seré que o pedido desse homem a Jesus numa questéo de justiga era na verdade uma cortina de fumaga obscurecendo algo completamente diferente? Jesus pensou que fosse. Sua histéria dissipou a fumaca Alguém saiu da multidio e disse: — Mestre, ordena 2 meu irmio que me dé uma parte justa da heranga da fama, Ele respondeu: — Senhor, o que o faz pensar que é da minha conta ser seu juiz ou me- diador? Falando ao povo, ele continuou: “Cuidado! Protejam-se contra a menor dose de gandncia, A vida néo é definida pelo que vocés tém, mesmo que tenham muito", Entdo contou-Ihes esta histéria: "A fazenda de certo homem rico produzia ‘uma colheita extraordinéria, Ele entéo pensou com seus botées: ‘O que eu ppoderia fazer? Meu celeiro néo é grande o bastante para essa colheita’. Entéo diss mais amplos. Depois entdo armazenarei neles todo o meu cereal e as minhas “Vou fazer 0 seguinte: derrubarei meus celeiros e construire cel mercadorias, € . As comunidades religiosas fornecem as circunstdncias para essa m espiritual, esse pecado, muito mais do que o mundo secularizado. tempo para perceber que essa nova vida no é uma vida concluida, mas fEomum para o pecado é justica prépria. Para firmar rafzes, exige vida em proceso. Muitos de nés demoram a aprender. Muitos de Juma comunidade em que a retiddo ¢ honrada e perseguida. Sem agarram as imaturidades egoistas 0 méximo que podem, indispostos ac midade em que se praticam métodos justos, a justiga prépria nio Outros de nés deslizam de volta a velhos hébitos de desobediencia ¢ a procuram atalhos para @ santidade. Ainda outros fazem experimento! em que Illich observava que o estabelecimento médico constitufa ‘meios nos quais tentam permanecer no controle de sua vida e manipulam! ‘ameaca a satide fisica dos americanos, eu estava assumnindo met 100 ALNGUAGEN DE Ogu eee re trabalho de pastor ¢ observaya 0 que nunca tinhs levado a sério — que oes belecimento religioso no quel eu agora tinha responsabilidades constituta séria ameaca a fé cristd na forma de justica propria. Eu estava percebendog diferentemente dos pecados que uma congregagio em adoracéo normal percebe ¢ dos quais se arrepende, a justiga pr6pria quase nunca é recon! no espelho. As vezes em outra pessoa, jamais em mim, or protegio contra o pecado da euscbigenia ¢ uma consciéncia oat a condicéo de perdidos, na qual tio ee Sree je un Salvador. Mas € uma consci8ncia dificil de mante ee amo [oa de ebetho com ux sure naa de algodio = «¢ somos cumprimentados com “Bom dia, pastor”, ou nm revé-lo, doutor”, ou “Acebei de ler seu livro mais recente, professor de foto conseguiu abarcar tudo esse volume”. Como culkivamos wma aguda em nossa imaginacio de “Vém vazias minhas méos,/ Presas a esto” a0 mesmo tempo que na outra mio estamos cerregando ee “unjversitrio, ou plano de aula da escola dominical, ou 0 tiltimo trabal fi desgnado de conduzir uma missto a0 Zimbbue?Afnal de cones, aos, com credenciais como testemunhas escolhidas de Cristo do da eusebigenia € dificil de detectar, porque 0 pecado esta sempre do em palavras e atos que tém toda aparéncia de ser justos, eusebés = devotos (no hebraico, tzadik). Assim como a doenga chameda Esse feniémeno € to comum, to prejudicial, tao despercebido boa ps do tempo, e portanto no observado a no ser nas formas estereotipadas charges, que pensei que precisava de um nome especial, “eusebigenia", chamar atengao para ele, Estou cunhendo a palavra numa analogia com o médico “iatrogenia”. A palavra grega eusebeia significa “santo”, “revere “devoto". Descreve uma pessoa que esteja levando uma vida consagrada, ch de fé e obediente diante de nosso Senhor: justo. E também usada em senti positivo nas Escrituras Mas a questéo ¢ a seguinte: essas pessoas caracterizadas por eusebeia tém tendéncia de pecar e de levar outros a pecar de maneiras que os que no té eusebeia —as pessoas que ndo dio a minima para a justica, mas estio se em busca de mais dinheiro, mais prazer, melhor sexo e uma aposentador explicagées sobre seu estilo de vida — nfo slo tentados. Ou seja, hé c pecados simplesmente nio acessiveis aos nio cristfos, as pessoas de fora da f Somente homens e mulheres que se tornam cristios sio capazes de com ‘uma histéria, uma de suas melhores, que nos eavolve num autorre- nto de nossa justiga prépria, o pecado da eusebigenia que de modo ‘menos inocente contratmos na igreja. A hist6ria é habilidosamente uida e desempenha sua fungfo quando nos estarrece com o fato de que ‘na realidade, perdidos. Conhecer essa hist6ria e nela meditar € tanto nto defesa diante da justica prépria. situa a histéria quase no centro de sua Narrativa da Viagem por destacandlo sua importéncia central aqueles de nés que estio seguindo fem diregio a Jerusalém. Bis a histéria: € tm @ oportunidade de cometer alguns pecados, com a justiga prépria n ‘topo da liste, Tanto a capacidade quanto a oportunidade para a justica prépe se expandem exponencialmente quando nos tornamos cristéios abertame professos, vivendo naquilo que todos diziam ser um pais cristdo. Mas como a justica prépria se transformou num cliché desbotado e Famente permite 0 autorreconhecimento, precisamos de toda a ajuda q pPossamos ter para ver como funciona e quio facilmente podemos nos infect inadvertidamente, Seguindo o exemplo de Illich e seu diagnéstico da iatroge ue estéflagelando nosso sistema de saiide, proponho o termo “eusebigeni para chamar nossa atengSo e fazer soar o alarme a respeito desse pecado tantas vezes aprovado na comunidade cristé Janes epoca muitos homens ¢ mulheres de ceputasio dviess estvam andando com Jesus, escutando atentamente. Os fariseus e estudiosos da 102 ALNGUAGEM De Deus Cosmos Ro.o0s 103 religlio ndo estavam contentes com isso, nem um pouco. Eles resmunga pés Depois tomer um bezetr bem slimentado com cereais ssem-n0 fans festear! Varo ter momentos maravilbosost Mew filo esté aqui — dado parte agora vivo! Dado por perdido e agora encontrado!” E comegaram x momentos maravilhosos. Todo esse tempo, scufilho mais velho estava li fora, no campo. Quando fa de trabalho, ele chegou de volta. Ao aproximar-se da cass, ouviu Ddsca © as dancas. Chamando um dos servos da casa & parte, perguntou 0 [estava acontecendo. Ele disse: ‘Seu irmao voltou para casa. Seu pai mandou ie fizese uma festa — com direito a churrasco de novilho! —, porque ele re acolhe pecadorese faz as refegbes com eles, tratando-os como amigos". A murmuragio deles deu origem a esta histéria, 7 "Suponhamos que um de vocstvesse cem ovelhas pereste wma no dearia as 99 no desero par irem busca da perdi a encontrél? vez encontrad, pode er certeza de que a colocaria sobre o ombros, ji © a0 chegar a casa chamaria seus amigos ¢ vizinhos, dizendo: ‘Comemorem ‘igo! Enconrei minha ovelha perdida.Podem estar certos de uma ‘ais alegria no céu pela vida resgatada de um pecador do que por 99 pes bas que néo precisa de esate “Ouimaginem uma mulher que tena dez moedes pera ms. Nio deréuma limpada en impr case, clhandoem cada nicho ec «qe a encontre? E, quando a encontrar, pode estar certo de que cha amigos e viinhos: "Comemorem comigo! Encontre minha moeda perd Ferdem estar certs de uma cis ess € 0 tipo de festa que os anjos de D lo toda ver que uma alma perida se volta para Deus tide volta a casa, sio e salvo © 20 iemo mais velho saiu amuado e irritado ¢ recusou a entrar ¢ se unit des, Seu pai satu e tentou falar com ele, mas ele se recusava a escutar. O ‘Veja quantos anos permaneci aqui servindo-o, jamais the dando um to de dor, mas vocé alguma vez. deu uma festa para mim para meus : 05? Entéo esse seu flho que jogou fora sew dinheiro em prostitutes aparece Entdo ele disse: “Havia um homem certa vez.que tinha dois filhos. O @ voces se langam a oe novo disses seu pa: ‘ai, quero agora mesmo o que sinda estou pra rece im, » psi dividiu a propriedade entre eles. Nao demorou muito € 0} ‘mais jovem fez.as malas e parti para uma terra distante. Li, sem disciplina dissolucéo, esbanjou tudo o que tinha, Depois que acabou todo o seu dit houve uma severa fome por todo aquele pats, e ele comecou a se prejud Ele conseguiu trabalho com um cidadao lé que Ihe designou a seus campos dar comida aos porcos. Tinha tanta fome que comeria as espigas de *Seu pai disse: -— Filho, vocé ndo compreend. Voce ests comigo © tempo todo, ¢ tudo meu & seu —mas esse é um momento maravilhoso,e tinhamos de come- t Esse seu irmio estava morta, ¢esté vivo! Esteve perdido, e foi achado!”. Lucas 15 eae nee ee aS a € iluminada por fariseus e estudiosos da Biblia murmurando “Isso fez voltar ao jufzo. Ele disse: Todos aqueles agricultores que tr Tham para meu pai sentam-se A mesa para trés refeigées disrias, e aqui cu e ‘morrendo de fome. Vou voltar para o mes pai. E drei a cle: Pai, pequel Deus, pequei contra voc; ndo sou digno de ser chamado seu filho. Contratar como empregado’. Levantou-se naquela hora e foi para a casa do ‘Quando ainda Ihe faltava muito para chegar, seu pai o avistou. poe pate, eee eee ee ae de que Jesus esté tratando os injustos, a escéria samaritana, com pee ees Deus, pequei contra voc8. Néo meregoj hhospitalidade. As queixas deles provocam a histéria. trata aqui de um epis6dio isolado, mas um hébito bem documentado essa conduta afiivel e acolhedora para com os exclufdos, os homens es caracteristicamente marginalizados da sociedade, sobretudo da ente contra Jesus. As pessoas com quem Jesus esté falando naquela viagem por Samaria, sio estranhos ao mundo da fé, “coletores fe pecadores", pessoas indesejéveis, de mé reputacéo. Os membros fariseus ¢ estudiosos da Biblia, que viviam reta e responsavelmen- lofendidos. Eles lamentam: “Ele acolhe pecadores, tendo relacoes {com eles nas refeicées, tratando-os como velhos amigos". Os justos ‘Maso pai nem ouvia. Chamou os servos: 'Répido, Tragam uma muda de roupa e vistam-no, Ponham o anel da familia sobre seu dedo e sand COs imskos rRDIoOs 105, oe AUNGUAGEM DE DEUS esse deserto de sda regido estranha ¢ hostil de Samaria, sociedade religiosa, dos bem comportados. Os verbos na histéria estéo avés da regi ‘tempo presente, comunicando a ideia de que isso é 0 que Jesus faz 0 Jo atr = 40. Esto ansiando pela seguranca e pel ase pecadores de mé reputacio. Estfo ans do moralismo. ; ‘ = do uma pressuposigéo aqui na qual no insistirei, mas € apoiad: o: esses friseus € estudiosos da Biblia so seguidores de Jesus; a inho do discipulado; estéo a caminho de Jerusalém com todo. Ele se relaciona bem com essas pessoas que vivem 8 margem da tabilidade, ‘20 menos respcitabilidade moral e religiosa. Nao é grande lento, que 0s presentes que vivem de forma responsavel e respeitivel d cami se sentir provocados e assim murmurem com indignacdo, elo agora cstio pensando melhor — no tém certeza de que querem se ‘aessas almas perdidas, essa turba de samaritanos. 3s, mas por serem ‘murmuraram nio por serem maus perversos, mas pt e vnedvontadoe, Os friseus cos etudioss da Bla murmu- : ‘mas por serem bons ¢ estarem amedrontados. A palavra grega para o que eles estio fazendo é diegongudzon, “mun vam" (ARA, ARC, ECA, ACF e BJ), “criticevam” (NVI, AS21 e BLH). ©inico escritor do Novo Testamento que usa a palavra; ele a emprega de ng em 19:7, num contexto semelhante para se referir & resposta das pessoas i =a ic 1s casos sio adoradores reverentes e dedicados doresem ambs libert 7 eguindo a orientagao de Deus. Os 10s das superstigbes pagis © segui de murmuradores podem receber 0 adjetivo eusebeia, santos tratamento acolhedor de Jesus a Zaqueu, 0 rico coletor de impostos de Jeri Quando Lucas emprega uma palavra que nenhum de seus colegas gelistas utiliza, néo & ma ideia examiné-la de perto, Dos quatro evange Lucas € 0 que emprega 0 vocabulério mais extenso. 6 também o que te ‘maior familiaridade com a Sepruaginca, a traduséo grega da Biblia hebra traducio-padrio usada pela igreja primitiva, Ele esté continuamente fa alusto por suas palavras bem escolhidas aquelas velhas histGrias hebr fundacionas. E é 0 que faz aqui: a palavea “murmurar” é usada pela prim vez na Biblia em Exodo 15:24 e 16:2. Nessa passagem de Exodo, os israelitas foram libertos do Egito ¢ e 4 caminho de Cana8. Depois da exultante travessia do mar Vermelho, entram numa viagem bem dificil pelo deserto. Depois de seis semanas b rduas, “toda a comunidade de Israel reclamou [diegongudzen] a Moisés Arlo no deserto, Disseram-thes os isralitas: ‘Quem dera a mio do Se ‘nos tivesse matado no Egito! Lé nos sentévamos 20 redor das panclas de ‘€comfamos pio a vontade, mas vocés nos trouxeram a este deserto para fa morrer de fome toda esta multidio!" (Bx 16:2-3) agora algo esté ocorrendo que deixa tudo muito confuse. fe nideles, retos, pela qual eles se definem, & de repente apagada. Ficam 1s, perdidos. No gostam de se sentir assim e por isso murmuram, Compreensivelmente, ; 1¢ dé origem & provavelmente mais famosa parébola de ex. isso qui ‘e dessa reclamacio, Jesus lanca essa paribola. {hist6rias (ndo trés, que é a contagem usual) compSem essa pa- fo em espiral. ‘fo dispostas numa intensificagio em esp ce neira histéria conta cem ovethas: uma dentre cem se perde. O past dda ovelha perdida, a encontra, a traz.de volta e chama seus amigos Seré que Lucas estd chamando nossa stencio para a semelhanga d contextos aqui i? Creio que sim. O povo murmura contra Moisés porque © conduziu por territério perigoso, desconhecido e dificil, Nao sabem pisam. Néo hé nenhuma sinalizacdo, Anseiam pela seguranca e pela g i da escravidio egipcia. As pessoas murmuram contra Jesus porque ele a6 ef = ara se alegrarem com ele. fhistria conta dex moedas: uma ds dex se perde, ea dons da fem sua procura, encontra-a e chama os amigos e familiares para se 06 AUNGUAGEM oF DE us osimtkos reno100s 107 Aterceira histéria conta dois filhos: um dos dois se perde, co pai aguard {com as defesas da justica propria em baixa, Jesus destiza para uma eae ria, Essa é a hist6ria de outro filho perdido. Mas esse filho est 0s AvcuAGEN De oes Faken ti ato ‘rs vezes perdido: perdido para seu pai, perdido para seu irméo ¢ perdid para a comunidade de celebracéo. Um filho que jamais fez nada que char ‘ atengio por ser errado, que cumpriu as regras, que trabalhou arduamer na fazenda. E ainda isto: 0 pai, que hé anos espera o retorno do filho m novo, imediatamente sai procura desse filho mais velho, encontra-o ¢ insi implora com ele para que se una a celebragio. O verbo é parakalei. & palavra que expressa um vir ao lado, junto de. Palavras de sutil persuasio, convite, de boas-vindas, de incentivo que nos atraem para a comunidade q Fm apés outro, os murmuradores abandonam seu status de justos, Seguro, dufinido, aprovado pela multidio, e fazem companhia com 0 perdido ‘Teeminam a histéria de Jesus em um celebragéo dos amigos, dos hos e dos anjos. Sem mais murmiirios. : ora captamos. Jesus contou as primeiras trés mini-histérias “de Ge introduzir essa quarta histéria de uma pessoa perdida que hé muito perdeu seu senso de estar perdda, para superar as autopercepebes de os de congregacdes que jamais pensam em si mesmas como perdidos. canta, festeja e se congratula com o perdido e achado. Esse & 0 verbo ass os nés os que estio Ié fora & procura dos perdidos, ou organizando primeiramente com o Espirito Santo, o Paréclito —o Deus que vem a0 no lado, atraindo-nos para a comunidade dos perdidos e achados. Jesus ndo fornece uma conclusdo para essa quarta histéria. As trés p +as hist6rias sfo contadas com uma estrutura semelhante e um fim idénti perdido, seguido de busca, seguida de encontrado, seguido de celebragdo, quarta histéria segue uma estrutura idéntica: perdido, busca, encontr Mas nao hé nenhum desfecho, nenhuma celebragio. Nao ficamos saben prépria em grande parte consiste na negacio de nosso estado de per- KE cuscbigénica e gera uma multidio de pecados. f dificil oe orque @ embrulhamos num lugar to respeitével, na companhia Be acsee em hancos de igreje, cantando hinos e lendo a Biblia, "em nome de Jesus". A realidade, exposta pela histéria-terremoto {6 que Jesus esté ld fora a nossa procura. Somos tio perdidos quan- Aqui esté o meu. No actimulo constante das histérias de perdidos e quer ovelha desgarrada, como qualquer moeda que deixamos cai, como dos, cada hist6ria seguinte ajusta o foco: uma de cem, uma de dez, um filho prédigo. dois — agora chegamos a somente um. Todos os olhares se voltam para senquanto nos agarrarmos a qualquer preteasio de termos tudo sob um, 0 irmao perdido que restou. Jesus para de falar. Siléncio. O que acontece com esse iiltimo perdido? Jesus nio vai terminar a hist ria? O siléncio desenvolve o suspense. O siléncio torna-se incémedo, insuportavel e, por fim, sismico. 5€ 0 irmo mais velho se deixa ser encontrado ¢ perticipa de elebrayao, ‘mesma hist6ria do perdido e achado, mas sem um fim. Uma hist6ria sem fi convida 0 ouvinte ou leitor a fornecer o fim. , seremos impedidos de nos aprofundar e de amadurecer na fé cristi mnto evitarmos o reconhecimento de que estamos perdidos, sere- Pois, enquanto insistirmos em manter as gradles morais seguras Num choque de reconhecimento, um dos murmuradores — um fa ‘sempre sabemos onde nos posicionamos (e onde todos 0s outros se Un estudinoo da Biblia? — capea: "Eu sou o iemio. Esse sou ex! Ecsta 1), essas poses da autossuficiéncia, nos privaremos da companhia dido muito mais que todos os outros. Eu sou esse. E fui encontrado! O lencontrada, da moeda achada, dos dois irmios reencontrados ¢ dos ‘encontrou-me” m celebracio. E depois outro, ¢ outro, e outro, a medida que as placas tect6nicas deslocam profundamente abaixo de seus pés. Tudo o que sobra da j propria sio escombres. do eusebigénico pode ser impedido. f to simples quanto dificil ‘nossas competéncias e habilidades diariamente no altar. Readentrar a condicao de perdidos na qual nosso Salvador vem a nossa procura 10 AUNGUAGEM DF DEUS nos encontra “tal qual estou, sem demorar”, ¢ nos restaura a seu rebanl lo8 sua bolsa, a sua familia, com todos os anjos do céu regozijantes. Em toda parte e em todas as ocasiées aprendemos a submeter ccondigdes da histéria de Jesus e a0 conselho dos guias sébios no cami cristo que nos dizem que no podemos criar justia pelas nossas ati 0u nossos moralismos, mas devemos continuamente readentrar Kierkegaard chamou “o poder preparador do caos", que Joo da Cruz ‘mou “a noite escura da alma”, e um escritor inglé "© um escritor inglés andnimo denomi nuvem do desconhecido” a Oastuto Lucas 16:1-9 ‘0s ° fade Jesus acerca dos irmaos perdidos — o prédigo e seu irmio — esté jrediletas de todos os tempos, contada e recontada através de gera- ria que se segue imediatamente leva 0 prémio ‘contrapartida, a ‘mais desconsiderada — ou, se nfo desconsiderada simplesmente, de artada, Sua pr6pria falta de popularidade Ihe confere um caréter ‘que compele nossa atencio. cos, embora nem todos, de forma sistemética tiveram proble- ls, Rudolf Bultmann, a quem muitos consideram o comentarista cia do século 20, declarou ser a pardbola incompreensivel.' Mas no sejatida por incompreensivel, ¢ sem dtivida alguma singular. Aaistéria: disse s seus discipulos: “Havia certa vez. um homem rico que tinha um. ie. Fle tomou conhecimento de que seu gerente vinha tirando vantagem posigio contraindo altas dividas. Entdo ele o chamou a sua presenca © dhe: “O que & iso que estou ouvindo sobre voce? Vocé esté despedido. E tuma auditoria completa de seus liveos’ ‘gerente disse para si mesmo: ‘O que & que eu vou fazer? Perdi mew ‘como gerente. Nao sou forte o bastante para um trabalho bracal, © oso demais para pedir esmolas... Ah, eu tenho um plano. Vou fazer assim, quando eu estiver no olho da rua, as pessoas me aceitario ‘ele comecou a pé-lo em prética. Um apts 0 outro, ele chamou as jque estavam devendo a seu patrio. Ele disse a0 primeiro: ‘Quanto vocé deve ao meu senhor? respondeu: (Cem vasilhas de azeite de oliva, gerente dse: ani ore su conta, sente-se aqui — rpc agora —escreva cinquenta seguinte disse: 12 AUNuscen oe seus oso 113 "—E woc®, 0 que vocé deve? nem 0 astuto tem uma desculpa. Nenhuma racionalizacéo, nenhuma tincia atenuante, nada wra diaskorpidz6 (Lc 15:13 ¢ 16:1 —“desperdicou", “desperdigan- ‘usada num momento fundamental em ambas as historias. O que quer “Este respondeu: (Com sacas de trigo. le disse: —"Tome sua conta, esereva oitente. "Agora, aqui esté uma surpresa: 0 patrio elogiou o gerente deson Por qué? Porque ele sabia cuidar de si mesmo. As pessoas da rua sio espertas nesse assunto que 0s cidadios que seguem as leis. Esto em co alerta, buscando angules, sobrevivendo por sua sabedoria. Quero que sejam espertos da mesma maneira — mas naquilo que é corveio —, cada adversidade para estimuls-los a uma sobrevivéncia criativa, a con pprendla nessa hist6ris no sio as facanhas morsis. Ndo sto histérias que as boas obras. 90 filho quanto o gerente experimentam “graga estonteante”. O filho nido da familia. O gerente no é langado na prisfo. Ngo colhem o que ‘Nio ganham o que merecem. Depois de errar toda uma vida, por 0 filho ganha de seu pai uma festa com grande abundancia, © sganha de seu patrio um surpreendente elogio. dduas hist6rias nfo hé nenhum “fim” propriamente dito, Nao somos eo sobre 0 que o irmio mais velho faz. Néo somos informados sobre sua atencio nos fundamentos essenciais, de modo que vocés vivam, real viva, € no simplesmente cheguem perto de ter um bom comporta satisfeitos consigo mesmos. stece com o gerente. O final faltante clama por um fim, uma reso- (6s, leitores, ouvintes, somos puxados para participar num mundo de Dique fazemos? Bem, nio fazemos nada, Nao é o que esperamos por A primeira leitura (ou escuta), as duas histérias parecem vir de mundae d ‘6 mal contra um pai ou wm patrio, # nin é 0 que esperamos de rentes. A histéria dos irmios perdidos e seu pai paciente e compassive fem emogées profundas dentro de nés. Um pai com dois filhos, ambos 08 4 go que compense tudo o que fizemos de errado, mas com um convite tudo daquele que deseja nossa integralidade, nosso bem-estar. religioso. As hist6rias no nos deixam com um programa para fa- © tratam muito mal. © filho mais novo, pela traicéo cruel ¢ insensivel; 0 velho, por sua fria justica prépria, incrustada, rigida, reservada. O pai 0 dois com boas-vindas pungentes, compassivas, inclusivas, reconé Amamos essa histéria, Nunca nos cansamos dela. A pintura que Rembi fez dessa hist6ria ainda nos comove. Mas a segunda histéria nio suscit ira percepgio sobre a importncia dessa hist6ria um dia quando Aaproximando do Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, & procu- facionamento. Eu era pastor ¢ tinha ido visitar um membro de aco que acabara de ser operado, Nao havia nenhuma garagem estaya tomada de carros estacionados um 20 lado do outro. 16s nada dessa compaixdo familiar de arrebatar 0 coracio. Ainda assim, h semelhantes impressionantes nas duas histérias, Em 15, 0 filho lanca-se & misericérdia de seu pai. Em Lucas 16, o gerente & misericérdia de seu patréo, Tanto o filho quanto o gerente esto em di dades desesperadoras e nio tém nada que conte a seu favor a néo ser uma Jotado. Lembrei de amigos meus que numa situagio dessas ‘meteu os pés pelas mos como gerente. pedindo uma vaga ¢, entio, achei que deveria tentar. Orei ‘Tanto o filho quanto o gerente traem uma confianga. A identidade es ‘um lugar para estacionar. Uns oito metros a minha frente, de cada um foi desperdicada, e nfo tém nada que conte a seu favor. Estacionei e tranquei o carro. Que satisfacio! Nao somente eu desperdigada © mal vivida. Um meteu os pés pelas maos como filho; 4 AuNouncEM OE ors eae. 1 havia experimentado um pequeno milagre nas ruas do leste de Baltimore, também tinha agora ume hist6ria que eu poderia contar a meus amigos me validaria como um orador eficaz. ‘anos de idade, jé um profissional tarimbadlo em adentrar veiculos os e em pedir 0 que conseguisse para sua sobrevivéncia, usando sua dim destravamento de portas para permanecer vivo naquele ambiente Depois de mais ou menos uma hora com meu amigo convalescente 9, agora sendo elogiado por mim por empregar sua, pericia e proeza quarto de hospital, desci de elevador e voltei para a rua, relembrando a preendente provisio de uma vaga para estacionar — minha primeira — vendo a hora, cheio de satisfaco, de contar a hist6ria para os meus ami para perceber que eu tinha fechado o carro com a chave lé dentro. Fiquel sem saber 0 que fazer, olhando @ chave dependurada na ignicéo, dent carro trancado. is numa sobrevivericia criative? fui violentamente despertado de meus devaneios flsamente piedosos de uma oracdo que produz milagres e uma expectativa, com um to- tga prépria, de ser aplaudido por meus amigos quando percebessem dde oracfo recentemente encontrados? Aquela rua de realidades is © imprevistas — “Posso ajudar, chefia?” — ficou lado a lado Bes sem ago, de mos no bolso, imaginando 0 que poderia fazer ‘rages ¢ salmos pastorais planejados no quarto de hospital. quele mesmo instante, um menino afro-americano de mais ou menos de idade aproximou-se de mim e disse 7 — Algo errado, chefia? Bu disse: os mais tarde, enquanto lia um livro, minha introspecgio na hist6ria fnaquela calcada do Johns Hopkins foi confirmada e aprofundade. O ertto pur Kenneth Bailey, entéo catedrético da Near Fastern School pgy [Nova Escola Oriental de Teologial, de Beirute. Ele passou toda a eacional no Oriente Médio (Libano, Egito, Siria, Iraque e Palestina), fensinando na sala de aula, mas também mergulhando nas linguas e nes dos camponeses, cuja forma de vida preserva fortes lagos com Rheotestamentério do século I. A familiaridade de Bailey com essa nos permite avangos novos e, em alguns casos, inigualéveis ‘que recebemos as parébolas de Jesus. Para mim, e para muitos 1, ele passou a ser professor por exceléncia das parébolas de mais profundo estudioso do Novo Testamento, N. T. Wright, ue Bailey "tem sido como vista aos cegos” para todos nés que grabolas de Jesus Foi o que fez.para mim ao reimaginar Lucas 16, 9 astuto, a qual “elogia um salafrério (e] tem sido uma vergonha pelo menos desde que Juliano, o Apéstata, usou a pardbola para ferioridace da fé crista e de seu fundador".* fsua compreensio precisa da cultura que serve de base para aque- — Sim. Tranquei o carro com a chave lé dentro. Ele disse: — Eu posso ajudé-lo. Tirou um pedaco de arame do bolso e em trinta segundos ou menos ap estava aberta; entéo ele estendeu a mlo e me entregou a chave Eu disse: — Ainda bem que eu estava aqui quando voc® apareceu. Ele sorriu e dis — Isso vale um délar para o senhor? Enfiei a mio no bolso para pegar a carteira. Elogiei-o: — Um délar? Vale dois délares! E entreguei-the o dinheiro. Quando saf com o carro, essa hist6ria de Jesus que deixou perplex ‘mesmo escandalizadas tantas geracées de leitores — um gerente dest elogiado por um ato de desonestidade, um astuto elogiado por ser bbrotou de minha imaginacao subconsciente. Néo era o que eu tinha acab experimentar: esse menino, cheio da esperteza das russ do centro de B deslinda as tradicdes populares e campesinas da cultura e 6 Auncuscenoe seus observa que o gerente é um gerente de aluguéis de propriedade, e 0s d slo fazendeiros que pagam pelo arrendamento em espécie (azeite e t ‘mencionados). Quando se descobre que o gerente vinha defraudando p dos fundos pelos quais era responsével, ele é demitido no ato. Ele declara inocente, Cala-se ¢ no apresenta nenhuma desculpa. Seu silén ‘uma admissZo de sua culpa, Nao tenta encontrar um plano para recong seu emprego. Dispensa toda a atencio para 0 que fara em seguida, Mas nesse siléncio ele percebe algo que é fundamental para compree a hist6ria: ele é demitido, mas no punido. Ni tos de terra a fazendeiros que pa- endament de supervisionar os arre r (azeite de oliva,trigo), talvez na época da colheita. Trata-se écie a je boa posigfo na comunidad que tiveram associagbes de longa dm equele proprietério, Eles pressupdem que o gerente tenha uma importante da parté do proprietirio, eo gerente permite que eles ipido agora — escreva” —; ele jiham isso. Ele esté com pressa — wae tcsbar logo com isso antes que 0 patrio descubra o que esté fezendo sores souberem que hé um engano em jogo, talvez nfo queiram — isso significaria faltar com a confianga para com 0 proprietério, se exige dele que deva suas terras para eles. Os devedores pres- que defraudou. Ele nio é enviado para a prisio. Aliés, nem repreendid So iria querer mais arrendar suas terras pa sejam legftimas, uma ordem vinda do €. Bailey resume a cena: “Esse empregado experimentou dois aspe gue os modiicages na conta seam legitim ém supunham eles) tnba | natureza do seu patrio. Ele & um patrBo que espera obediéncia © age g jo e cumprida pelo gerente,o qual (também supunham cles) juizo em relacio ao empregado desobediente. £ também um patrio q monstra misericérdia e generosidade fora do comum mesmo ‘para com administrador desonesto. O ouvinte/leitor atento da parébola nao pr nenhum desses fatos". seu patrlo: uma gratificagio. Os devedores ficam maravilhados patificago generose do propretirio, conquistada pelo gerente, jo proprietirio percebe o que acontecera, restam-Ihe duas esco retornar aos devedores e dizer-lhes que tudo aquilo no passe 12 armado pelo gerente que jé havia sido Assim, o que ele faré? Ele precisa de um empiegu. Ele examina a po co, que era um esquema armado pelo g dade de cavar valas e rejeita a ideia. Examina a possibilidade de pedir es rejeita a ideia. Mas quem o empregard? Sua imagem péblica esté des E entio ele aparece com um plano. Mas qual é o plano? Ele no nos info por causa de generosidade dele se transformaria em murmur ce, Ou, entio, ele pode nio dizer nada, aceitar o elogio e deixar © por mais velhaco que seja, desfrutar de sua popularidade. desse plano — o siléncio ajuda a construir certa tensio como parte de o drama, | tebe, Ele afl de conta, um homem genereno — a Esta € a hipétese de Bailey, uma conjectura que se encaixa tanto a fo gerente para a cadeia. A generosidade € uma aa campesina quanto ao contexto biblico mais amplo. O plano do gerent re arriscar tudo pela qualidade da misericérdia que ele jé experimentou de amin wna ee que thé cab porte puto, le patrio. Se fracassar, certamente iré para a prisfo. Se for bem-sucedido,, do adiante a generosidade do patrio os fen oa tum her6i na comunidade".$ Nos instantes dessesiléncio, toda a sua vid Ree eS een ae ‘uma guinada, Ele entra num mundo que munca conheceu e dele parti 9 da natureza do seu patrio. E venceu. Como 0 pat — um mundo de graca. Ele viveu, aparentemente com muito sucess0)| sua sabedoria, pela asticia de seus célculos. Mas tem sido um mundo m equeno e muito apertado. Agora ele enxerga outro caminho, muito E assim que funciona. Ninguém até agora sabe que ele foi demitido. cchama os devedores um a um. O gerente é um administrador de p 050 e misericordioso, ele escolheu pagar todo o prego pela salvacéo ate” tuto” brota como uma metéfora vivida da improbebilidade surpreen- ,ndo diferente do meu amigo de dez anos naquela rua no leste . Um escritor usa para ela 0 termo “burlesca” Essa histéria, que 118 AUNGUAGEN De Deus oasiuio 119 folestadeda fofinitas vezes por homens e mulheres numa busca desespergy ito mais dificil tornar uma pessoa boa atraente e interessante do que @ por encontrar aqui alguma ligao moral edificante, a fim de salvar Jesus d clogiar um trapaceiro por ser um trapaceiro bem esperto, transforma-se eq ‘uma hist6ria sobre a aceitacdo da salvacéo, 0 tipo de hist6ria que se acha bet no ceme da boa noticia de Jesus. patife ou a um embusteir. ‘Ahist6ria de Jesus sobre o homem astuto resgata esse conjunto de palavras ssabedoria que muitas vezes se embotam em um tipo de presungio e de decéncia chamando o stuto de prudente. “Prudente” em nossa lingua cuidado e cautela, pisar em ovos, nio se arriscar muito. A histéria sobre sto mostra o comportamento de um homem que escapa por um triz de vida de célculos em beneficio préprio e se descobre desfrutando de uma Mais uma coisa: a palavra “prudéncia". "E o senhor louvou o administrad erosidade do tamanho do mundo — de Deus. Deus é aquele com quem pa cle tem de se haver. A acéo generosa de Deus define sua vida, néo seus os obsessivos, sua defraudagéo e adulteracio da contabilidade. (NV), “com astticia” (AS21), “ele sabia cuidar de si mesmo". A palavra 6 phronimos; a palavra hebraica, chokmah. Tanto a palavra grega quanto a hebraica séo normalmente traduzidas p “sébio". Sao comuns no Antigo Testamento, sobretudo em Salmos e Provés bios, apresentando diante de nés, em metéforas e provérbios inesquectveis, tipo de vida que se desenvolve a partir de toda uma vida de cuidadosa atengs ‘aos caminhos de Deus. Hé um vocabulério equivalente em todas as Ig palavras que marcam o que significa viver bem, levar uma boa vida, ter um vida moral, a vida espiritual, a vida crista. Hé muitas tradig6es sapienciaise todas as religiSes e culturas. ‘Mas essas palavras, por mais comuns e titeis que sejam, tendem taml @ carregar um senso de algo pesado. Sao palavras que nos poem a pens palavras sérias. Chegam em nossa linguagem a partir da experiéncia prof da e da reflexéo madura, mas também, no por culpa delas, passam a associadas aos idosos que ja passaram por quase tudo na vida ¢ agora capazes de aconselhar e advertir 0 restante de nés sobre como néo deste a nossa vida. Outras palavras — palavras como “agradével", “educado® “bem-comportado” — passam a ser usadas em contextos semelhantes No proceso perdem o brilho. “Agradavel” como adjetivo no tem estilo energia. A “educado” falta aquele tempero. Uma menina quacre cha Prudéncia ¢ meia-irma de uma pessoa pudica. Mas, quando essas pala nos veio salvar a alma. Veio também salvar nossas palavras. A palavra palavras estio bem no cerne da autorrevelacéo de Deus para nés. Se as forem prejudicadas pelo uso descuidado ou pernicioso, ou se forem ndonadas cerecendo de reparo, ou se ficarem incrustadas de craca pelas companhias, os detalhes afiados da revelagdo de Jesus ficam embotados. nagem descuidada no servico de Jesus é a responsdvel por uma quanti- fenorme de danos, em pé de igualdade com a mentira descarada como yento para ouvirmos e respondermos 8 mensagem da boa notfcia de para nés. E assim é necessério atencéo vigilante e constante para manter nossa lingua- fem bom estado de reparo. As palavras desgastam-se. Perdem a textura, ‘cores desvanecem. Precisam ser recondicionadas, reabilitadas, renova- Seja por mau uso, seja por excesso de uso, muitas vezes palavras antes ‘acabam embotadas ¢ insfpidas. Nbs que usamos a linguagem temos responssbilidade de Ihes devolver a agudeza,limpando-as, esfregando o dimento das associag6es indevidas. A maioria de nés presta mais atengio limpos pratos, facas e garfos que usamos para nossas refeig6es do |a manter em bom estado as palavras que usamos para comunicar nosso Rossas promessas, nossos compromissos e nossas lealdades. j espirituosamente profundo Cartas do inferno, de C. S. Lewis, o chefe perdem seu lugar na vida segundo Jesus e tém que mais ou menos se virar ps 1Bnios, © Morcegio, escreve a seu deménio-eprendiz, o Cupim, que conta prépria, podem tomnar-se enfadonhas. Os romancistas acham semp ls departamentos mais importantes do inferno 6 seu brago filolégico. “"Nosso pai de baixo" tem uma equipe de hébeis graméticos que diligent mente corroem e depois arruinam as palavras. Eles tém um interesse especi em trabalhar nas palavras que a comunidade crista usa em suas conversas testemunho, Percebemos em nosso mundo contemporéneo como trabalh ‘muito bem em cima de “arrependam-se”, introduzindo figuras cericatas hhomens encurvados carregando cartazes nas esquinas das cidades, e em da palavra “salvar”, espremendo-a numa senha que 0 pée dentro do c reduzindo-se “fazer o amor" ao intercurso sexual. pitulo 9 O homem invisivel Lucas 16:19-31 fes atentos do grego de Lucas observaram um detalhe, um simples o de frase, que liga as trés hist6rias de Jesus nos capitulos 15 e 16, "rudente” e 0 conjunto das palavras de sabedoria que a cercam ‘também vitais demais para ficarem restritas a um uso secundério. Mas ¢ téria dos irmfos perdidos, a histéria do astuto ¢ a histéria de Lézaro © 0, Esse conectivo vincula de modo claro, mas discreto, a segunda e a certeza precisam ser recondicionadsas. Jesus consegue reavivar essas pala hist6rias com a primeira. O primeiro grupo de histérias sobre itens ¢ fazé-las funcionar outra vez, no nos mandando para um dicionério a dos” no capitulo 15 apresentada como parébola: "Entdo Jesus Ihes g esta parabola...” (Le 15:3). Essas hist6rias sfo a resposta de Jesus & jo dos escribas pelo fato de ele estender hospitalidade a estrangei- de rastrear sua origem etimol6gica, mas pondo-as numa histéria na qual m € possivel perder de vista a natureza robusta que irrompe em uma res Jesus cheia de surpresa, {pecadores. Mas, depois das parébolas introdut6rias da ovelha perdida e perdida, cada uma das histérias que se seguer, a do pai e seus filhos, rndeiro rico © seu gerente astuto e a de Lézaro ¢ 0 rico, &introduzida lexpressio que Lucas, e somente Lucas, usa no Novo Testamento: ! tinha dois filhos..” (15:11), “O administrador de um homem o.comum € antrhapes tis, “um homem’. observamos € que, apés ter introduzido 0 grupo das hist6rias dos 5 a 16 com 0 termo “parabola”, Lucas introduz cada histéria prin- 1 como: “E agora outra hist6ria do mesmo tipo — um homer jo de que todas tém por objetivo reforgar umas as outras. Cada esenta personagens centrais que estdo perdidas de vérias maneires: “um pai (0s dois filhos, um num esbanjamento tresloucado e 0 ou- dém fri), o astuto traindo a confianga de seu patrio e oinfeliz, empurrado para as margens extremas das trevas exteriores da ‘cada histéria uma visitagio da graca inverte o enredo. O irméo nde como deve, em arrependimento. Néo sebemos como 0 felho responde, mas sabemos que é generosamente acolhido na Mowe mvsver 128 festa e nos vemos na esperanga de que ele também se arrependeré ¢ se unis ‘Assim, com que novas introspecgdes essa terceira hist6ria de arrepenci- to, a histéria de Lézaro, contribui para as que a antecederam? 0s demais. A res su ici evidéncia implicita ‘ Besa oe a eereree oreesereet oe on me ‘alve, antes de tudo, uma adverténcia. Os ricos so um alvo fic em qusl- Us uda radicalmente de vida, de uma conspiragao contra seu A ‘“ eee ‘ Penuare yw, Saceal assunto, secular ou espiritual, para a reforma sociale a justiga econémica ‘oferecem infnitos exemplos para as caricaturas cOmicas e escarninhas. A a possibilidade a temos na hist6ria de Lézaro, mas, dado 0 teor das nar- de Jesus, minha inclinacSo € me centrar em Lézaro. Ele € a tinica pessoa ,afinal de contas, que tem a honra de ser identificado pelo nome. ‘uma participacio, ao lado de outras pessoas, da generosidade de seu pat O infeliz. Lézaro ndo faz nada ele mesmo, mas se vé alvo de uma ago — € erguido da miséria sub-humana de ter os cies lambendo suas feridas pi uma vida junto de Abralo”, experimentando aquilo de que hé tanto ter foi excluido pela autogratificagdo do rico, que agora enxerga Lézaro co que pela primeira ver.e, embora sejajé tarde demais para ele, deseja ver cinco irmaos tendo uma oportunidade de arrependimento. Os cinco i do homem rico, como o irmao mais velho da primeira hist6ria, sio dei “Havia certa vez um homem rico, qual se vest de forma cara e sepuindo pelo menos na narrativa, em suspenso. Nao sabemos se eles se arrepender ee ae es Em cada hist6ria a ressurreigéo fica impli pobre chamado Lézaro, coberto de frida, tinha sido despejado em sua porta Os elementos comuns em cada hist6ria se acumulam: algo ocorreu Por toda a via, ele vvia para conseguir tirar uma refeicdo das sobras do rico, Jesus e em torno dele que inverteu “as coisas como elas sio”. As condig Seus melhores amigos eram os ees que vinham lamber suas feridas, "Entdo ele morreu, esse pobre homem, e foi levado pelos enjos para o seio de Abralo, O rico também morreu e foi sepultado. No inferno © no tor- ‘mento ele olhou para cima e viu Abraio a disténcia e Lizaro em seu regaco. Entio clamou: *__Pai Abraio, misericérdi! Tenha miserie6rdia! Envie Lézaro para molhar & ponta do dedo na gua para molhar minha Kingua. Estou agonizando neste Fogo. “Mas Abraio disse: *— Filho recorde-se de que em toda a sua vida voc® teve o que era bom do exilio em que as personagens (¢ Israel) viveram por tanto tempo prestes a terminar; as pessoas se veem diante cle uma resposta que devem a saber, arrepender-se. © comando imperativo "Arrependa-se" fica imp durante todo 0 tempo em que Jesus esté contando as histérias, embora explicito depois dos primeiros usos da expressdo nos dias de abe da pregacdo de Jesus (Mt 3:21 e 4:19). Mas a referéncia ao arrependi cencontra lugar de destaque na histéria de Lézaro (Le 16:30)? re ets aas Aid tk Cone Essas observagées libertam a histéria final, @ de Lézaro, de ser uma his Bases ec. ag bias aaron amarrada tempo demais como uma histéria sobre o pés-vida, o que acon ‘nés, de modo que ninguém pode ir de n6s até voc® ainda que quisesse, nem quando morremos e nos vemos circunscritos ao fogo do Hades ou 20 ninguém pode cruzar de onde vocés esto para c. a me sustenta N. T. numa exegese de ampla e *0 rico dise: eeaieee sei areerpemrer renee a ae *—Entio permita-me pedirlhe, Pa: envia-o casa de meu pai, onde tenho “cinco irmios, para que ele possa contar-hes toda a verdade e advert-los, para visio, “a parébola no é, como muitas vezes se supée, uma descrigéo do. -vida, advertindo as pessoas de que se certifiquem de seu destino eterno [. IR egos cease gu de tormenta A realidade é incomodamente diferente [...] antes, o que estava acontect “Abraio respondeu: 420 rico e 20 pobre no tempo presente, As boas-vindas de Jesus ao pobre *— Els ttm Moisés e os Profetas para contar-thes a verdade, Que eles rejeitado eram um sinal de que o verdadeiro retorno do exi ‘ougam. *“— Eu sei, pai Abraio — disse ele —, mas nao esto escutando. Se alguém dos mortos ¢ fosse até eles, eles mudariam seus caminhos. ‘ressurreigao’, est4 sendo formado; e, se estamos no alvorecer da nova’ aqueles que querem pertencer a ela precisam se arrepender"? nce oe OEUS OMOMEM nemsivel 125 "Abraiio respondeu: Se nio querem escutar Moisés ¢ os Profetas, néo se convent alguém que ressurge des mortos" iseum de Washington, D.C., a apenas Jo até 0 Smithsonian Museum a = de nossa cidade. Ela combinow com os redatores 4 a da exposigio. Era na época uma grande noticia Mo es estavam fazendo a peregrinacio para ver os tesouros. Mas ela ‘uma agenda particular. Era uma época em que muitos estavam emt invistvel. O rico € bem vistvel e por si ssidades especiais. Carla, uma garota de nossa congregacso que , a or sinal bem resplandecente em suas roupas da moda, com os sons eos aromas de uma continua que ele dé em seu lar-troféu —risos, Ninguém pode perder a presence do rico na bisbilhotice, de sue vida em uma cadeira de rodas, toda semana lembrava resto vi adoravam 2 Deus juntas de como era importante tomar cuida- dancas e fartura de fica hé muito desconsiderada em nossa terra. Karen aquela vila, Cada aparéncia, nnecessidade bési: cada boato adiciona peso a sua importincia. A prépria exist dele confere eminéncia 4 comunidade inteira. Seu status de celebridade £08 semelhanga de uma equipe esportiva em época de campeonato, briho, ainda que de segunda mio, a todos os espectadores comuns, de p importancia, tediosos, mas espectadores admirados e invejosos, que Préprio fato de serem comuns s4o exclufdos do circulo mégico desse hom E Lazaro € invisivel. Ninguém enxerga Lézaro. Em sua invisibilidade compartilha do destino dos pobres, dos doentes, dos explorados e de t os “infelizes da terra sua aribuicdo jornaistica a sua peixdo cada vez maior por fazer snecessidades dos portadores de deficiéncias. Alugou uma cadeira de jou um par de muletas e consegui que seu marido @ eae a exposi¢fo de ‘Tutancimon, empurrando-a na cadeira de rodas Jotadas da exposigio. Queria experimentar, ainda ie ye nosso amiga Charla e milhares de outros tinham de enfren fie da, Os corredores do museu estavam abarrotados de gene. filas de pessoas esperando lancar um breve olhar em alguns dos is espetaculares de joalheria e escultura, os equivalentes a oe e linho fino” da parébola do rico. Karen em sua cadeira de ro ou devidamente impressionada por essas pegas raras do inegavel Cada sociedade encontra sua forma de fed olhos, pée dedos nos ouvidos e pelo uso extravagante de desodorantes ‘caminhées de lixo para se livrar do cheiro da deterioragao, da sujeira, do odor e da miséria. Colocamos nossos doentes nos hospitais, nossos i asilos, nossos pobres em cortigos ou favelas ¢ nosso lixo em aterros sani Nunca temos total sucesso em manté-los fora da vista, do olfato e da a as fazemos 0 melhor possivel. De vez em quando, no da realeza egipcia, mas © que a deixou absolutamente perplex cinco horas em que percorreu © museu sentada numa cadeira de Gnica vez, nem uma vez, ninguém olhou diretamente para ela com ela, Homens e mulheres igualmente desviaram 0 olhar. Somente um romancista ou po - ‘um jomalista ou pregador, faz o melhor posstvel para esfregar 0 nosso Mi em tudo isso. Mas, para o que sobrava de ricos mortos. Ela era uma pessoa invistvel cadeira de rodas. a rnem eu percebemos na ocasifo, mas, anos mais tarde, num de modo geral, desviar nosso olhar, silenciando os higienizando ambiente, conseguimos bastante bem nao enxergar, - a , percebernos: a histéria que Karen escreveu para nosso jornal cheirar ou tocar Lézaro. ‘Tenho uma bos amiga, Karen, que atuava como jomalista no jornal de Pequena cidade, Vérios anos atrés uma exposigao dos magni tei egipcio da Antiguidade, faraé Tutancimon, uela semana era uma recontagem da hist6ria do rico ¢ Lézaro, néo _ s t sobre o que acontece depois que morremos, mas uma hist6ria ficos tes estava numa turné pelos te com variacées 20 nosso redor, a cada dia. Say 126° AUNGUAGEM BF CEUs Alguns anos antes de Jesus contar essa hist6ria, clamou em seu sermio i (Me 1:15). 0 extlio de Israel acabou. Ele esté reunindo os exilados para participar de gural: “O Reino de Deus esté préximo. Arcependam-se nova forma de vida, um novo governo, uma inversio radical “das coisas clas sio”. Ele esté a caminho de Jerusalém, recrutando seguidores a0 lo caminho para participarem com ele do novo governo, do novo jeito do, de fazer as coisas. Esté dando as boas-vindas a todos os que tém “ouvid ouvir”, mas esté também deixando o mais claro possivel que esté te a agenda daquilo que Isafes do Exilio mais ou menos quatrocentos anos; pregou como boa noticia a sua congregacio de exilados: ‘© Espirito do Senhor Esté sobre mim, porque me ungis para pregar boas-novas aos pobres..” Jesus também incluiu os cegos, os mudos e os coxos em sua agenda d ‘no, mas & significativo que ele comece com os “pobres" — os marginal 0s rejeitados, “todos os que desejarem, venham”, sem levar em conta, reputacio ou qualificagéo. Jesus assenta 0s alicerces da inclusividade 0s “todos os que desejarem” ao dar nome a um inominado, ao tornar aquele a quem ninguém vé, dando uma voz aos que nunca sao escut Lézaro, para comecar. A histria de Lézaro destr6i em mil pedagos os esterestipos dos hom das mulheres que imaginamos estarem na vanguarda da lideranga da mi reino de Jesus, Jesus esté a caga de seguidores que participario com ele tabelecimento de seu reino, seu novo governo. Seus primeiros recrutas surpresos e indignados seus observadores. Os ricos, poderosos e infl forma alguma sio exclufdos — o rico José de Arimateia e o influente Nicodemos sio citados e contados entre os seguidores de Jesus —, ma rnenhur indicio nas hist6rias do Evangelho como estéo escritas de q WOMEN vse, 127 inha esse método “o:mais brilhante e 0 melhor". Paulo sul —. avaliagio nada lisonjeira dos chamados: “Deus escolheu deli- Tpente homens e mulheres que a cultura negligencia, explora e abuss; 1 ‘jodes-ninguém” (1Co 1:28). cos a ere americana amplamente difundida e prati- Gnquestionével de ter como alvo os homens eas mulheres influentes dos pare 2 obra do reino —homens e mulheres, como dizemos, com fades comprovadas de lideranca” ou a0 menos com “potencial de lide- Be onde tiramos isso? Certamente nao foi ao ler as hist6rias que Jesus fs hist6rias que foram contadas sobre ele. fstico da linguagem que conta hist6rias com precisio (¢ as que ou so com certeza exatas) que essas hist6rias jamais sfo isoladas em si mesmas, mas sempre tm uma relagio orginica com uma or, uma meta-istéria, uma histéria abrangente que explica tudo "j histéria € um testemunho verbal da coeréncia da vida, da eo do comeco, do meio e do fim, Embora a grande histria, a meta- Info inclufa tudo, em principio nada fica de fore. Bem todas as “histria so histrias. As iuatragBese os cists, por ém uma sparéncia superficial de hist6ria, mas néo o slo. Sio os ezanhados do gato de Cheshire, de Lewis Carolla trvialzagio da ‘pesar de os pregadores as usarem com frequéncia nos sermées fazerem uso delas para despertar o interesse das pessoas € as sio fragmentos da vida, por mais deliciosos que sejam, sem prece- consequéncia, instanténeos sem primeiro ou segundo plano, como , "Sem pai, sem mie, sem genealogia, sem principio de dias vids..." (Hb 7:3). Arrancada da hist6ria complexa da revelagio de 10 ou o gracejo tem data de validade muito curta ia, como tal, sempre opera no contexto de ums meta-hist6ria, implicitamente desenvolve reconhecimento e percepgao ¢, 5 ispostos, participacéo em uma realidade maior, mais saudével =d ws 129 128 AuNcuscenpeceus oe (Genta) ¢ em Gltima anélise mais significative, A hist6ria cativa nossa iq S40, permitindo que captemos mais do que sentimentos imediatos ag — outras vidas, outras circunsténcias, outras possibilidades. Uma ve de nos paralisar na a sobre Lézar. Mas quando a histria termina perceberos que mas um cena: essa € uma histéria sobre os irméos do rico. Essa “lama suja” do nosso ego pecaminoso, autocent ‘mesmado, nossa imaginacéo pode ser um catalisador pare'a é que o usa para criar algo do nada, des “coisas que agora captamos: & nessa diregdo que a hist6ria se encaminhou i 3s cinco irmfios? {© que vai acontecer so: i a certeza das coisas que se esperam, a ia de Jesus tornou 0 invistvel Lézaro visivel 8s préprias pessoas da ite de aproveita- '0 vernos [...] que © universo foi formado pela p ge somente tinham olhos para o rico e seu séquito de ap: Deus, de modo que aquilo que se vé foi feito do que é vstvel” (Hb I Ou, expressando de outra manera fé é“a firme Fundagdo que subj ue faz valer a pena viver. [...] um meio de acessarmos aguilo que nig ssuimos enxergar. [..] Pela fé, vemos o mundo passar a existir pela pal Deus, aquilo que vemos sendo criado pelo que no vemos” (Hb 1 ato da Fé, tormamo-nos participantes dispostos na histéria como um to caminhos e a obra de Deus, serd que seus ouvintes também se veriam da mesma maneira frmios? E seré que responderiam aos imperatives latabee spendam-se” (Mt 3:2) e “Sigam-me” (4:19) — que reverbe- rsticios de todas as hist6rias de Jesus nesta viagem metaférica JJeremias, um de noss0s maiores estudiosos das pardbolas de Jesus, a hist6ria que Jesus denominou "o Reino® histéria sincera contada ao longo do caminho fornece acesso a essa ue expande e se desenvolve, uma histéria dos caminhos de Deus em 8 n6s, e dos nossos em relagéo a Deus. A Biblia est cheia desses hi Nossa vida esté cheia dessas histérias {que um nome melhor para a hist6ria de Lézaro seria “Paribola os".4 Ou, talvez, “Parébola dos Cinco Irmaos”, aproveitando a de em torno do irmao mais velho do prédigo e aplicando-a Pea Jo mais velho se arcependess e uni-se {dle Lizaro. Seré que 0 iemao mai ° a ide ressurreicio — ou no? Seré que os cinco irmaos se arrependet BA celebracdo de ressurreigéo — ou néo? dda ressurreiclo esté inequivocamente presente nessa recontagem (da velha lenda egipcia, transformando-a de uma licéo moral e ética Ao contar a hist6ria de Lézaro, Jesus usa uma velha lenda egipcia com tes bem conhecidas na Palestina dos tempos de Jesus, O enredo bisieg 2 trajet6ria do deus Si-Osiris ao submundo, onde observou o destino rico e de um homem comum, destino esse retratado como uma i sortes, eo pobre e uma especulagio sobre o pés-vida em uma aera @ssurreicio esté ocorrendo por toda parte ao redor de Jesus. Mas jo um ato de arrependimento para escancarar esses olhos. Se voct 4 ra Lazaro. er olhos para o rico, permaneceré cego pat . ssa a tinica parabola dos Evangelhos em que alguém é identificado ahistéria em Joso da ressurreigfo do homem que carrega o mesmo © Funeral do rico sem a presenga de amigos e o homem ¢ pultado em grande pompa. Hé recontagens dessa histéria bésice na P Os ouvintes de Jesus deviam conhecer bem a lenda, na qual Jesus i nomes de Abraio e Lézaro, judeus ¢ samaritanos. € 0 primeiro de gana atencio. O pai da igreja primitiva Origenes € o pri ee jeonhecimento @ propor uma ligacdo entre as duas historias. H entre a lenda desse Lézaro e a do Lézaro amigo de Jesus? Nio ersonalizando @ hist6ria egipcia para seus o Jesus também reconta a hist6ria de tal maneira que desloca seu Ra resposta definitiva a essa pergunta, mas apenas fazer @ pe i snto diante de nés. Quando o rico és-vida para esta vida atual.E 0 faz acrescentando um epflogo & velhal mter a dindmica do arrependimento diant eee oe ‘ue radicalmente muda aintenglo. Comegamos supondo que estamos Fao que Lézaro seja enviado para advertir seus 130 AUNGUAGEN OE oEUS aie ol “Se alguém saisse dos mortos e Fosse até eles, eles mudariam seus cami Abrado Ihe diz: eniténcia Ié no fundo do coragéo por toda uma vida é um comeso, mas difcilmente seré 0 suficente. Os humores Ager cultivados. As emog6es podem ser facilmente manipuladas. O que dr sbendonado em nossa compreensio de arrependimento éideia do o solitério do pés-Lluminismo totalmente dedicado e uma busca por ipesar ¢ um senso de ps ee : "Se ndo querem escutar Moistse 0s Profetas, nfo se co ero por alguém que ressurge dos mortos” (Le 16:30-31). Aqui estdo palavras: “arrepender-se” e “ressurgir” (ressurreiclo). ‘A pardbola de Lézaro mostra que a ressurreigio em si nfo produ Dendimento; a ressureigho do Lfzaro de came e oss & uma confirmagio Pior ainda, ndo apenas a ressurreicio falha em garantir 0 arependi fo particular’ provocou mais dureza de coraco — descrenc assassina. A ressurra Bs anos atrés, minha mulher e eu estévamos dirigindo nas montanhas Lizaro, embora crida por alguns, acabou se mostrando a gota d'égua q em andamento o plano que acabou desembocando na crucficacio de E daquele dia [dia em que Lazaro ressurgiu] em diante, resolveram [de Jesus] a vida" (Jo 11:53) Tampouco a ressurreico de Jesus mais ou menos dez dias depois re ‘em algo como um avivamento de arrependimento de ambito nacional, por um parque nacional, numa estrada estreita talhada na encosta ds ‘Chegamos 20 local de um acidente em que um motociclista saltou ‘etrada pare um precipfcio de centenas de metros. Alguns policiais ¢ florestas trabalhavam para que o trinsito nfo parasse, enquanto outros ‘um complexo sistema de cordas e roldanas para puxar o que tinha p da motocicleta e de seu motorista fg, obviamente, estavam curiosos, mas fomos impedidos pelos policiais lorestais de parar e olhar ao redor. Mas, um pouco depois da cena pote, a estrada fazia uma volta de onde podiamos olhar para trés por esfladeiro e perceber 0 que tinha ocorrido, perto de 140 metros de 5 Parei o carro, e safmos com nossos binéculos para tentar ver elguma 1s na cena do acidente percebeu onde estévamos “Arrependa-se” acha-se entre os imperativos normais da vida espi € uma pelavra dificil de compreender. Mas é uma palavra muitissimo de escutar. O arrependimento é algo complexo. A prépria ordem em sf eta. E uma velha palavra na vida da fé. Simplesmente significa “volta “mudar de ideia". A palavra ndo carrega ambiguidades. Basta fazer 0 q manda. Pessoalmente, mas néo individualisticamente. Na histéria arrependimento nao pode ser afunilado para algo meramente particulay, sentir-se pesaroso por seus sins ¢ pronto para fazer reparagdes. para retornar @ Deus e aos caminhos de Deus em relago a seu povo. Ahist6ria e a tudo a todos na hist6ria. Diz respe' policial que estava jum megefone, ordenou por e hé nada para ver". Mas eu sabia que havia algo para ver ¢ queria ver. sobre o desfiladeiro: “Voltem para 0 imedistamente (mas minha espose, que anda segundo a le, sim) Jeu que estivesse quebrando alguma lei s6 por olhar de binéculo. dem se repetiu: “Volte para o carro! Nao hé nada para ver”. E depois Relutantemente, com @ insisténcia de minha mulher, obedeci. 2 entrar numa no 'o fim da hist6ria. Continuamos a dirigir, com nossa curiosidade ‘ma de vida, assumindo-se membro do reino de Cristo. Jesus est cham os ‘e mulheres para se juntarem a ele numa forma de vida que abi incluso no reino. Seguir a Jesus no caminho da cruz fornece a met sucinte. “Vocé precisa revisar sua vida” (Rilke) i rca uma prética devocional recomendada a sua vida jé ‘no fard isso por voce. Assumir uma série de resolugdes néo o faré . Mas a hist6ria, como muitas vezes acontece, continua 8 pasar imaginacio. Como pai, pastor e intérprete das Escrturas, tenho de forma especial pelos imperativos. O imperativo €@ maneira mais sclara e menos ambigua de formular um verbo. E, para qualquer um_ porte em viver bem e seja responsivel pelo bem-estar dos outros, Bivos sfo um equipamento necessério em nosse linguagem: coma iil ee | 132 AUNGUAGEM De Deus ) 4 1s pessoas, como tantos samaritanos da époce & seu lanche, arrume seu quarto, ame a Deus, ame seu préximo. O im i ressureigio, Para a8 pessots, anes scanas hoje, que nem sequer saber que existe uma histéria, chama a atenglo, facilmente compreendido, nao exige explicaglo. B, sre en coger aver, cont isi aps isi, apés histri, ente € ‘menos a curto prazo, é geralmente eficaz. a Acordem do policial naquela estrada na encosta da montanhs naqu ique nos poem dentro da Histéria. fea wido isso: prendew minha atengio, me fez entrar no carro ¢ me movimento, © que ndo fer foi tomar-me participante do que estava cendo. Nem era a intengSo — pretend o oposto: impedir que eu do que estava acontecendo, Mas o que me interessa nfo € o impera lado que prende minha atengéo e me pée em movimento, mas como desenvolve em indicativos e subjuntivos, imperfeitos e perfeitos, gama de participagdes numa frase, na vida. O que teria acontecido, por exemplo, se aquele policial tivesse em de seus subordinados até mim para me dizer: “Precisamos de ajuda para, ‘corpo, Tudo 0 que voct esté fazendo ao olhar por esse bindculo € at Voct pode nos ajudar? Precisamos de ajuda com as cordas”, Nao consigo imaginar nao fazer isso. Nao seria muito, apenas se ppuxar ums corda, Fnio exigiria nenhume habilidade, Entio eu fata hist6ria, ¢ nao seria um mero espectador atrapalhando, © que estou tentando mostrar 6 que, embors os imperatives sejam ‘mente essenciais para prender nossa atenco, e nos levar a fazer ou no coisa, eles néo cumprem seu propésito enquanto néo nos inserem na hi Em geral, a eficdcia do imperativo néo aumenta pela repeticlo ou pliacio, Ele consegue o trabalho que precisa desempenhar quando nos! na hist6ria. E no caso do imperative “Arrependam-se”, passamos af ds histéria do reino de Jesus, com todas as suas complexidades, possibilidades de amor e obedigncia, Aprendemos muito com o modlo em que Jesus age. Ao seguir por! cle nio repete simplesmente seu sermao inaugural “Arrependam-se" vez, e cada vez mais alto, & medida que se aproxima de Jerusalém. que tudo, ele nos conta hist6rias que nos convidam a ser partici | | i 10 Aviuva Lucas 18:1-8 rocupagbes le interesse para mim que, em contraposigéo as pres biblica haja téo pouco interesse, se wntempordneos, na hist6ria ts oraco como coisa em si. E certamente esse interesse nfo se fs de Jesus. Nenhuma instrugfo sisters eculagdo sobre a dindmice tica sobre como orar, ipalestea sobre oracio, nenhuma esp (como funciona), sem classficagSes que categorizam os tipos de s ocasides. Ihomens e mulheres orando por toda parte. mais abrangente. E Jesus, ocupando a posiséo central, € nosso (a segunda parte deste livro retomaré Os salmos séo nossa representativo de oragio ( io). Mas hé muito pouco sobre a oracio come tal, como assunto jsolar, estudar e exercitar. O que temos simplesmente sio pes- io, pessoas que oram. aque seguimos nos passos de nossos antepassados .e oravam, fazendo uma pausa no caminho para dar um seminério sobre indo experimentos controlados para demonstrar a eficécia ‘estio preparando o caminho do Senhor, seguindo “o caminho de Pio tiram um tempo de folga para orar. A oracio € 0 que estio estio se preparando, enquanto estéo seguindo. dizer que nfo hd exposigbes no histéricas da oragio — toda stada em pessoas, em lugares e em ocasiées. Nao € 0 tipo de ser tratado como uma abstraco. Aproximar-se da oragéo sem jo a quem oramos e sem as condigées reais e vividas da pessos ue simplesmente no encontramos na revelagio biblice. aviv 37 Duas das histérias de Jesus caracteristicamente lucanas ¢ relacio ‘Samaria dizem respeito a oracéo. A primeira, a hist6ria do amigo (Le 11s situa a oragio no cenério simples da vida comum: homem pede pio ao Js que isso se repetiu inémeras ple nunca Ihe deu conversa. Mas, depois 4 P disse para si mesmo: ‘Néo dou a mfnima para o que Deus pense, vida nfo para sn, Mis, como e884 mos para 0 que a pessoas pensam. Mas, rs Baez melhor ea fazer alguma cise gorantir que ela receba para um amigo seu que acabou de chegar na hora inoportuna da Foe importunat, Nao hé nada aqui que chamariamos de “espiritual” : réro, vou acabar destruid pelas suas pancadas” mas é inega he pessoal. Estamos lidando aqui com uma conversa entre amigos que mivelmente se conhecem pelo nome. Sao, afinal de contas, vi esse jue, por mais corrupto que seis eth dizenda? na histéria e em seu camentério esté enrsizado no pestoal: 0 terial soar pensar que Deus no vai entrar em cena eno val garatir 6 usedo quatro vezes,“filho/flhos”, 21 ae oe colhido, que continuam a clamar por socorte?Seré ue termos pessoais, relacionais. A oracio é uma linguagem usada relaci Pi defendé-los? Eu Ihes asseguro que sim. Ele fo el para com a Trindade. A persisténcia (anaidia) & uma perseveranga 6 Iquanto dese tipo de Fé peristenteo Filho do Homem acharg sem desculpas, pedindo aquilo de que necessitamos. Afinal de contag, do retornat?” ‘nosso amigo, e no um “desconhecido”. Jo 0 Mestre disse: Lucas 18:1-8 A segunda hist6ria € completamente diferente. Aqui nao hé nenhuma no pessoal. A histéria € sobre uma vitiva que faz uma petigéo a um jug dois vizinhos que se relacionam tranquilamente, amigavelmente, um outro, mas uma relagéo impessoal em uma corte de justica em que as so determinadas por uma questéo de justica. Um vidva sem nome e sem rosto. éprios. Quando em heres sem recursos préprios. Q indo antigo eram rl = Tdaham de depender da hospitalidade da via. Essa vitws precise gum havia feito algo errado para ela oa havia aes a ‘Mas um fio comm liga as duas hist6rias. A primeira menciona a “pers m que Fosse rico, poderoso ou gees ie 20 juiz cdo amigo que pede o plo, ea segunda prefacia a histéria anunciando sua fin en ce categiam dguéss como realgar nossa “necessdade de orar sempre e nio desanimar”. "Ni des ee eae (md engkakein) serve de paralelo & “persisténcia” anterior. A medida Bgase ce forar sveconatderava a Deis. O juz a tratava gzmos perto do fim dessa viagem metaférica por Samaris talver esse See eee ee nt came cam desdém. Que ft! da oracio precise ser grafado em letras garrafus, A oragéo ndo & uma o Beg como = todos Sere eee co fandamentalmente necessiria, A oragio no € um interkdio felsamente pi ee Se o da noite, Abordava-o nas ruas. Ela 0 im ‘la necessariamente permeia a vida em todos os momentos ¢ lugares. ad Feria po todo orstoe dois lhos roxas (0 sentido bo hupopiads5) por causa das pancadas dela, Por fim, ele cedeu. ga que ela tanto peda. - ; Gris sobre oracio: “deviam orar sempre e nunca desanimar’ Jesus contou-lhes uma hist6ria mostrando que era necessério que a tantemente e sem cessar. Ele disse: “Havia certa vez um juiz em uma ¢ jamais pensara sobre Deus e no se importava em nada com as pessoas. ‘naquela cidade viva ats dele: ‘Meus direitos esto sendo violados. Inecessério “orar constantemente e sem cessar" Aviva 139 138 AUNGUAGEM DF oEus Ssentio®, por que estés tio longe’ Amaioria das pessoas, talvez todas, uma vez ou outra, oram. E muitas—, iaheieeeenes) sabe quantas? — desistem. E por que nio deveriam? Se néo conseguemy Salmos 10:1 Pedlem, se nlo recebem o que concebem como “resposta”, por que insi mais notivel na oragéo nfo € ofato de que tantos oram, mas que algung oT PPersistam em oragao, Por que insistimos? Por que continuamos a orarq ara sempre tesqueceris de mim? ttemos tdo poucas provas de sua eficécia? Todos os que fizeram da orag te quando esconderis de mim o teu roto pritica conhecem o sentimento, desalentadar as vezes, de que a or Uste quando terei inquietagbes balde furado. Voce vai até o rio pegar um balde de agua e, quando He tristeza no coracio dis apés dia? ae casa, a agua jé se foi, o balde vazio, e tudo o que resta para mostr BALE quando o meu inimigo triunfard sobre mi Salmos 13:1-2 esforgo é um rastro de umidade que logo 0 sol vai secar e fazer desay ‘Nao admira nem um pouco que Jesus tenha encerrado sua hist6ria EE cca Deus aforismo: “Mas quanto desse tipo de fé persistente o Filho do Homem Brae cbandonaste? ‘a terra quando retornar?". O que significa dizer: “Ele encontraré or que estés to longe de salvar-me, mulheres que ainda estario orando, que nao terio desistido, que Jonge dos meus gritos de angistia? desanimado?”. Essa “fé" no é uma abstragio generalizada, mas uma fg Deus! Vida que € expressa em oracio persistente. A palavra “fé" no grego 6 lao de dia, eae ee, nada de artigo definido, a f, a vida de f€ que abraga e ora todas as emer reco sivin! Salmos 22:1-2 da fé e se mantém com Jesus enquanto ele convida seguidores para e reino e Ihes dé as boas-vindas. 2 Poe que dormes? Arrealidade € que aqueles que se mantém nessa vida de f de seguin te} Nio nos reeites para sempre. orando o que vivem e vivendo o que oram, aprenderam a lidar con gue escondes 0 teu rosto = ue nossos sentimentos no instrufdos interpretariam como uma ces 0 nosso sofrimento & a nossa aflgio resposta da parte de Deus, 0 siléncio de Deus. Aprendemos por experiéncia que o siléncio de Deus diante de ng Salmos 44:23-24 "quando o adversério iré 2ombar, 6 Deus? es nfo se deve a alguma impoténcia de nossa parte, alguma falha 0 sarc tegvome pan ere? maneira em que oramos que pode ser consertada desde que cons Salmos 74:10 as mios no manual certo de oragio. O siléncio de Deus é uma exp DE para see? repetida e comum entre os que oram. Se houver qualquer coisa 6 BN srcce c vou fever? liveo oficial de oraglo, esse livro é Salmos. Essas slo as oracées q para sempre o seu amor? ‘acesso ao mundo complexo ¢ intricado da linguagem que nossos ant BE sin promesce? que oravam usavam para responder & palavra de Deus para eles. E Deus de ser misericordioso? or perceber que o siléncio de Deus faz parte disso. As pessoas que fra refreou sua compsixio? oe profundamente experimentadas no siléncio de Deus. 140 AUNGUAGeM pe DEUS AVA 141 Até quando, SENHOR? Ficards irado para sempre? conosco, cle envolve-se em nossa vids, ele envolve-nos em sus vida. Isso Jocorre em pessoas citadas pelo nome e em lugares citados pelo nome. £ vcesoal ¢ local. Nunca chegamos a conhecer toda ahist6ria— uma raxio Volta-tc, SENHOR! Até quando serés assim? be demasiado grande e complexa. Uma ver que € Deus quem revela, hé Jamente muitos mistérios que nunca compreenderemos. (Um deus : ge pode compreender nfo é Deus.) Mas so mistéros bons, iluminados, oe or que, por qué?” “Quanto tempo, quanto tempo, fos agourentos, manchados pelo mal. Palavras como “amor leal", >, *bengio", ‘perdio”e “grace” so prodigemente empregadas du- ‘As pessoas que oram sabem como € no ouvir nada em resposta. Asp ss as histdrias, oragdes, meditacdes ¢ reflexdes que revelam Deus. As que oram néo conseguem o que pedem quando pedem. As pessoas que se perguntam muito “Quanto tempo?” e “Por qué”, O importante, todavia, é que esses salmistas, nossos mestres da 9 quem somos aprendizes na orago, continuavam orando apesar do si bas nfo respondidas que fazemos (as perguntas "Por qué?” ¢ “Quanto 3) junto com qualquer possivl siléncio, ume ver vistas de forma in- ‘aa hist6ria que a tudo abrange do Deus bom, salvador, acolhedor, em wir nossa confianca bésica, na verdade a expande para além das Sabemos que continuavam orando porque temos as oragées deles co ddas em Salmos para nos fazer mergulhar no mundo da oracio. Gerag geracio de judeus e cristdos continua a orar e a cantar esses mesmos do que somos capazes de absorver. e do juiz perverso na histéria de Jesus é tudo que sabemos que orando e cantando ey i €. Como fomos imersos em todos esses séculos de hist6ria e cangio, ees er” © Quem rea Be rellexiv, reconhecemos imediatamente que esse juz 6 uma par6dia siléncios. fe grotesca do Deus que nos € revelado. O esquete do juiz perverso choque com a nova percepcio de tudo o que sabemos que Deus sabemos que Deus 6. Até agora, tendo estado em companhia (Como aquela vitiva que nao desanimou, Por que desanimamos? thecemos 0 cariter ¢ a obra do Deus que esté conosco, o Deus nos relacionamos. {que nos mantemos em oragdo ¢ néo desanimamos. Agimos assim emos que Deus é tudo 0 que o juiz. perverso nao é. Sabemos que Continuamos porque sabemos quem € Deus como ele 6. Deus em palavras e gestos como o Deus que cria, 0 Deus que selva eo D lege um povo para dar testemunho em palavras ¢ gestos da cri — nem auséncia sio evidéncia de descém ou indiferenca, salvacdo. Deus criou um cosmo e viu que “ficou bom”. Deus salvou mulheres perdidos em relagio aos caminhos dele e separados de Deus elegeu um povo como “reino de sacerdotes" (Bx 19:6) para para as nacée: (Is 51:4), testemunhas a mostrar e relatar os cam Deus a toda a terra, dando as boas-vindas a todos os que encontra que se unam ao grupo. o por que nos mantemos orando e néo desanimamos. Sabemos do reino é urgente —a6s 0 ouvimos dos labios de Jesus. O Massunto que de ver.em quando entra de novo na pauta do de- Um Deus bom, um Deus resgatador, um Deus acolhedor. A. 5 Jo que esté acontecendo o tempo todo, quer estejamos cientes feita em histéria, apés hist6ria, apés hist6ria por mais de dois mil Mas éintencio de Jesus tornar-nos cientes dele. O reino requer a2 AUNGUAGEMDE DEUS Aviva 1 das arquibancadas. Ele emprega linguagem apocaliptica pera sacudi-los de vemaneiras rotineiras de pensar. A linguagem apocaliptic € linguagem da ina. A linguagem apocaliptca € linguagem radical, que prende nosse cio. Tipicamente, lida com 0 catastréico, com terremotos ¢ eclipses, com Fee inferno, com dragées e diabos — coisas pr6prias do fim do mundo ‘com os anjos, arcanjos e os esplendores celestes. & particularmente ‘uma total renovagio de nossa imaginagéo, de modo que consigamos enxerg © que nossos olhos no vem, de modo que sejamos capazes de particip naquilo que néo seré relatado no jornal de amanhé, Enquanto Lucas nos conduz.na companhia de Jesus a0 longo dessa vi metaférica por Samaria, imediatamente anterior & narracio da hist6ri viva, ele prepara nossa imaginaclo para compreender o contexto da hist6 E 0 faz introduzindo (em Le 17:20-37) uma reorientagio radical na natur despertar pessoas sondmbulas em meio a este mundo de maravilhas. do tempo e do espaco, tempo e espago do reino, de modo que, quando es Tinguagem que nos permite ver © que nio pode ser captado com uma tamos Jesus contando a histra da vita, reconhecemos que a persisténd ‘ouvir 0 que nio pode ser eletronicamente gravado. oraco € algo muito diferente do que epenas se manter com fibra a despeit Finguagem apocaliptica pode ser compreendida como uma referencia qualquer coisa. A oracio persistente é 0 tnico tipo de orago que ¢ congruet ‘a acontecimentos por vir do Jutzo Final: condenacio, segunda vinda, be nuclear, o que quer que seja. Mas a mesmfssima linguagem pode ser compreendida metaforicamente como forma de transmitir um sen- ‘com 0 que podemos denominar uma compreensio do “reino” da maneiray ‘Deus trabalha no tempo e no lugar. Os fariseus dao o salto inicial no ensino perguntando quando viré 0 surgéncia. Conhecendo a predilegio de Jesus pela metifora e conhecendo rexto histérico em que ele esti trabalhando, € muito mais provvel ser apocaliptcas. Ele estétreinando de Deus. "Reino de Deus” é o termo que Jesus usava frequentemente ¢¢ retéfora da obra abrangente do governo de Deus, do dominio de Deus eneira em que Jesus usou as imagen: FinaginacKo pere que possamos partcipar adequadamente do grande drama {que est acontecendo neste exato momento —ndo acontecimentos Jesus esté nfo 56 proclamando, mas fazendo vigorar.' Os fariseus quef saber “Quando?” Hi algum resquicio de sarcasmo cético na pergunta? Como se estives dizendo: “Voct s6 fala desse reino de Deus. Estamos comegando a ficar por viz, mas a presenca do reino neste exato momento. o cle transmite o senso de urgéncia absoluta, aquels urgéncia das crises, preserva a obediéncia fel de seus seguidores no trabalho e na adoragio, familiares e com os amigos? Como ele faz isso sem que eles se dis- agora comecem a especular sobre o futuro ou fiquem paralisados pela § de tio amedrontados que ficaram? © que ele faz é usar a linguagem ,, mas metaforicamente. Ele usa imagens de crise de hist6rias bem gs como a de Noé € 0 dilivio, a de Lé e Sodoma, Isso, essa urgéncia, da reordenagio da maneira em que Deus esté presente entre 60 que esté ocorrendo neste exato momento, Nao outro dilivio, no tombe de fogo e enxofre, mas uma forma radical e nova de retratar 0 Jesus entio desenvolve a resposta que deu aos fariseus, ensinanda seguir a Jesus e participar com Jesus no estabelecimento do reino. sobre o assunto a seus discipulos. Ele repete o que disse aos fariseus gm spocaliptica é uma estratégia de linguagem para desvendar a per- ‘em mostrar que o reino de Deus nio € um evento da mesma forma stremendas energias do bem e do mal que confltam uma com a outra jogo do futebol, ao qual vocé assiste comprando um ingresso e assistifl pele aparentemente benigna do rotineiro ¢ comum. A linguager pouco cansadas dessa conversa. Mostre-nos. Quando vamos presencif-lo2 que algum dia vamos vé-l0?”. ‘A resposta de Jesus é "Agora mesmo. Nao é algo que vocés possam dda mesma maneira que enxergam um elefante na rua. Esté bem aqui. ‘estdo nele. O reino de Deus esté sendo formado bem aqui. Nio é maravilhas do mundo como as pirémides que vocés podem visitar i Egito de camelo. Parem de olhar ao redor e se perguntar ‘Quando?’ atengio a quem vocés slo e a quem eu sou. Para comeco de conversa, talvez orar”. ae AUNGUAGEM DE DEUS Awiva us Muitas vezes em minhs rages rei pedindo 0 que achava que Fosse bor, © pemistia em minha petisf,estupidamente importunando a vontade de Deus, nfo deixando que ele ordenasse as coisas como sabe ser melhor. Mas, quando Sbtinha o que pedia, fcava muito pesaroso de nfo ter pedido que # vontade dde Deus fosse feta; porque no final as coisas se mastravam diferentes do que uti magiado[-] Nios aij oer medintament eee 1 pede, Ele deseja dar-Ihe algo melhor — faé-lo perseverar em sua oras30, Fer gue€ melhor do qu desfutar do amor de Deus estar em comunho com ele? da visio apocaliptica chama a imaginagio de oragio para participar de f vigorose naquilo que Deus esta fazendo neste exato momento. Houve muitos movimentos revolucionérios na Palestina dos dias de J Lider apés lider apareceu com uma estratégia para se livrar da opressig ‘mana. A linguagem apocaliptica estava no as, a maioria da qual comp: literalmente, e quase toda ela pressupunhe violéncia. Os essénios sediadas Qumran também usavam a linguagem apocalfptica literalmente — um violento ao atual regime do templo —, mas a violéncia devia ser emy sobrenaturalmente. rio distingue entre persistir em “minha petigio” e perseverar em foracio”. “Persistir” e “perseverar” podem ser sindnimos. Mas Evégrio ‘com discernimento que ele tinha usado as mesmas palavras ou palavras Jesus estava anunciando libertacio da opressio perversa de Roma amo uma licenca de orago para ser radicalmente desobediente corrupgio do templo. E também estava trabalhando com 0 repositério mum de palavras e imagens apocalipticas —, mas estava usando essa subversivamente, metaforicamente. Esse reino estava sendo poderos histéria de Jesus a respeito da vidva, uma histéria sobre “orar sem ces- faz.a perseveranca ser imersa nos caminhos de Deus, que séo revelados Israel e em Jesus, © nos engaja nas atuais urgéncias apocalipticas que se jolvem a medida que seguimos a Jesus por meio dos equivocos ¢ das wes de Samaria a caminho de Jerusalém. Isolados desses caminhos te formado, mas ndo por meio da violéncia sangrenta; antes, por mei sacrificio, do sofrimento, da rejeigéo — e oragio perseverante, persist E uma vida de fé, uma vida de oragdo que participa aqui ¢ agora em Deus endireita o mundo, ndo 8 espera de um sinal, néo procurando evento. Como essa vidva Lurgéncias, a oragao persistente logo torna-se uma cobertura para nada ido que uma voluntariosidade obstinade. Essa € outra razio por que oramos sempre e ndo desanimamos. assim porque Deus esté trabalhando de uma maneira abrangente, em nncia com seu reino, e queremos estar engejados nessa obra Uma observagio final sobre a histéria de Jesus acerca da vitva. £ poss histéria como uma ordem para ficar firme independentemente das ci cias. E alguns de fato a leem dessa maneira: orar porfiadamente por especifica, para permanecer em um casamento abusivo, orar pelo emy sonhos. Mas hé mais cores na paleta da persisténcia na oragio do que branco. f importante manter em mente o conselho de Evigrio, 0 S tum de nossos primeiros e mais persistentes mestres da oragio: ‘Toda vez que Jesus conta uma histéria, o mundo daqueles que escutam, amplis, a compreensio se aprofundsa, a imaginaglo se energiza. Sem histori acabamos com estereétipos — uma terra chata com figuras chatas de cartoli sem textura nem profundidade, sem interior. (Os contadores de histérias convidam a participagio. Os contadores de nos fazem perceber como as cosas so, nfo perceber apenas como es res, mas perceber para que nos possamos engajar neste mundo de ma P6r 0s pés para andar por seu solo, colhendo uma macé/Apple Mcint uma drvore e deliciando-nos com seu sabor adstringente, mergulhando uum lago na montanha e voltando revigorado pelo batismo, segurando a dde uma crianga e sentindo # confianga pulsar através daqueles dedos. Jesus no conta histéras para ilustrar grandes “verdades” sobre Deus e a salvacéo, sobre o Diabo e a condenacio eterna. Hé, naturalmente, ve para conhecer e campreender: a verdade sale Deus, a verdade sobre oc cerrado, a verdade sobre o passado. Mas Jesus no parece se importar ‘nos contar uma verdade abstata, A intengfo dele é nos envolver, os pésna 28 mos na massa de pfo, com o Deus vivo que esté operando neste m E por isso que Jesus conta histérias, ndo para informar, explicar ou defini, para nos fazer partcipar ativamente dos caminhos e da vontade de Deus lares, nas vizinhangas e nos locais de trabalho onde passamos o tempo, Nada dispense Jesus de forma mais grosseira do que traté-lo co professor de escola dominical que aparece aos domingos para nos sobre Deus e como ficar livres de problemas. Se esse for o papel que 105 a Jesus, entenderemos muito mal quem ele é e a que veio. Ele’ rnos chamando para segui-lo e unir-nos a ele na obra da vida eternal que| da salvacio e que esté sendo formada neste exato momento na est Jerusalém passando por Samaria. Aqui esté outra de suas hist6rias, a hist6ria dos pecadores. ide suster. Oragio, esse desejo tantas vezes sufocado ou desviado de levar vida que seja mais que mera aparéncia. Oragio, descontentes de viver {que eles tém em comum: os dois vio a mesma igreja (0 templo), os dois quando chegam Ié e os dois sio pecadores. le contou sua histria seguinte para alguns que estavam satisfeitos consigo :esmios por causa de seu desempenho moral e olhavam com desdém e de nariz empinado para as pessoas comuns: "Dois homens foram ao templo orar, tum deles, um fariseu, 0 outro, um coletor de impostos. O fariseu, cheio de pose, orava assim: ‘O Deus, eu te agradeco que eu nfo seja como as outras pessoas — salteadores,trapaceiros adilteros, ou, valhs-me Deus, como esse publicano’ Jejuo duss vezes por semana e dow o dsimo de toda a minha renda “Nese interim, o coletor de impostos, imerso nas sombras, com 0 rosto centerrado nas mios, sem ousarolhar para cima, diss: ‘Deus, concede a tua tmisericdia, Perdoa-me a mim, um pecador Jesus comentou: “Esse coletor de impostos, ¢ no 0 outro, foi para casa ‘com as conta ajustadas com Deus. Se voc# andar com seu nari empinado, vai acabar com a cara estatelada no cho, mas, se estiver stisfeito de simplesmente ser voc# mesmo, voc# se tomar mais do que 6”. Lucas 18:9-14 situa essa hist6ria no lugar da oracio. Oragfo, essa arriscada aventura I na intimidade com Deus, tao basica e facil de comegar, mas tdo di- jente uma vida exterior de descrigio de tarefas, de cor de cabelo e tez jo, uma recusa de viver como um estranho para 0 meu Deus e para a prépria alma. Oracfo, esse “melhor” que tdo facilmente se corrompe *pior”, tendo sua rica maturidade interior deteriorada num sambaqui de falsamente piedosos. 3s personagens em contraposicdo, um fariseu e um coletor de impostos, 1 acéo da hist6ria. Mas 0 que prende minha atengio no principio pastor. Cinquenta anos atrés recebi uma posicio de responsabilidade lugar de oraclo. A congregacio local é a minha esfera primordial de 152 AUNGUAGEM DE o#US osrecapones 153 Os fe rigorosamente falando, ni i ae as rente falando, ndo fazem nada que seja inegavelmeny aa mulher que tem um bom relacionamento com Deus sem se incomodar ‘al, afinal de contas, e fazem muitas le contas, ¢ fa itas coisas boss ao protegerem os padré prestar atencio a Deus, como é facil usar o ambiente da igreja eas formas ‘morais da comunidade, Mas também nio so de modo especial propagand paereaereier pee acme was da oracdo para evitar 0 trabalho érduo de lidar com Deus, com 0 Os coletores de impostos estio 8 vontade aum mundo selvagem de ro e competigéo. E um mundo em que répido se aprende que néo tem eg ‘quem contar, e vale tudo se voc® conseguir se safar. Outros aprendem a. ar que 0 lugar e a prética da oragéo seriam o melhor lugar para evi- ‘a Deus sem que ninguém percebesse? Assim, nao surpreende que 0 wte mais propicio para o cultivo da interioridade seja muitas vezes to jto para esse cultivo, Quase ninguém vai igreja orar com a intengio lidar com Deus, pelo menos no comego. Mas, quando descobrimos jpodemos obter to sem esforgo todos os beneficios sociais de estar as- dos a Deus sem ter de tratar de Deus, quase néo espanta que a forma acautelar dos coletores de impostos. Nao se pode confiar neles, Geralmen Constantemente usam de todos os meios pera conseguir uma posigéo 0s ocupantes romanos, que s6 estdo interessados em usé-los para seus pr ‘conterido (nosse palavra costumeira pare isso 6 “hipocrisia") seja algo to inante nos lugares de oracio, finguém que eu jamais tena encontrado comegow ai igreja com a inten- de cultivar a hipocrisia, mas, quando percebemos como é cil escapar sem detectados, antes de notarmes, Ié estamos nés. Tampouco encontrei pémn que tenha conscitncia de cua hipocrisia. Como a pressio arterial elevada, m assassin silencioso”, mas nesse caso é a vida interior da fé e da oragio, 9 o sistema circulatério, que € prejudicada. Prequentar um lugar religioso parte em uma pritica religiosa podem trazer-nos muitos problemas ss nem temos consciéncia. Foi certamente o que aconteceu aos feriseus. no usa a palavra “hipocrisia" 20 contar esse hist6ria. Ele a emprege sitos, ¢ seus companheiros judeus. Como em geral os coletores de impost intimidam com ameagas ¢ trapaceiam a seu bel-prazer, seus concidadios odeiam. Mas nem todos sio assim. Alguns coletores de impostos so pesso surpreendentemente decentes, permitindo que a economia inquieta e1 romanos e judeus se ajuste da melhor maneira possivel. Ainda assim, preci suportar a vigilancia, sobretudo dos fariseus, muitos dos quais cies de gus autodesignados sobre o comportamento moral de seus conterrdneos jud No die da hist6ria, os dois homens foram & igreja orar. E para isso qi Jgrejasservem. As pessoas vio igreja por muita razdes erradas. A razdo oe para ir igreja é orar. Tanto o fariseu quanto o coletor de impostos entr ttros momentos e lugares para desmascarar as encenacées religiosas, joa ocorréncia mais famosa a de Mateus 23, mas nesta nossa histéria aqui is pe na igreja, entre o fariseu e 0 coletor de impostos, para vermos em uma igreja ¢, a0 fazé-lo, uniram-se a uma comunidade de homens e m Iheres que esto convencidos de que esté no préprio amago do ser hut cultivar uma relagdo atenta em que escutamos o Deus que nos escuta e fala Ses fincioaam, ipocrisia € um pecado diferente de todos os outros por no comecar tentacio de fazer algo errado: desonrar os pais, roubar dinheiro ou dade de alguém, matar, ser infiel a um cOnjuge, usar a lingua para fou enganar. Hé nos pecados mais comuns um aspecto de “fruto com o Deus que fala conosco. Embora haja formas visiveis e palavras audi em jogo na orago, a oragio € mais do que tudo um ato interior, o ato interior, por sinal, de que os seres humanos podem participar. ‘Ninguém sabe dizer apenas pela observacio se uma pessoa que usa as ‘mas ¢ as palavras da oracao esté de fato orando. A maioria de n6s néo pi de muito para perceber isso em nosso préprio caso: como é fécil “rar” do” que os toma atraentes, tentagbes por algo desejével, insinuagSes Jemocionante, de éxtase, transcendendo a monotonia da mortalidade, realmente orar, como é facil construir uma reputaci l const reputagéo de um homem ou es para sermos “como deuses”. A hipocrisia € diferente. A hipocrisia | se AUNGUAGENM DE DEUS (05 PecADORE ‘a empobrecer as pess03s- assim. Ele € membro de le ser considerado no a clast social que he fornece um papel que sents esr condo” © 10 bolo do esterestipo social de “pecadores’, sendo os candi Eom um emprego desprerivel que explora e chegs A condigéo de pecador do fariseu ndo é tao visivel nasce mum lugar de oragéo e com pessoas que oram. Mas geralmente h uum longo perfode de incubagdo pré-hipocrisia. Comega normalmente c tama atragio genuina por Deus, pela justice e pela oragio. Mas, a0 longo d caminho, descobrimos que nfo podemos fazé-lo apenas vadiando nas ho 1 impostos Sea! Sesame Gastfamos deve anbocide oc nts os ladebes, os trapacelros, os alters © 0s coin reas de oraco, com uma reputagZo de justos, mas, quando descobrimos que i [e 18:11), dos quais, todos sabem, 0 fariseu nfo faz part. HS “CT J espeitvel na comunidade, Ao mesmo tempo, talvez nfo escapes 3 co de pelo menos alguns daquel igeaofato de que avia uma gr 1 eligiosa no homer, uma ostentagfo que puns em questonsrneo9 ridade de suas oragdes. Mas pompa e oragioinsincera nfo sfo pece 1m ladrlo, um regam a mesma desaprovacéo social que acompanha wt ie acceso mesmo so designados implica mais do que ansiar como uma corga sedenta por gua fresca, 0 d se dissipa em um desvio em relagéo a intengio inicial. E necessério atengéo. E necessério escutar em siléncio. Nada heroico, para vocé saber, questionamento uma ida 20 rio nfo arrogante, porém ousada e uma espera Ié numa espécie antecipacéo receptiva, como o “que acontege comigo conforme a tua pl Ri de Maria (Le 1:38). iro, um adilero e um coletor de impostos. Nem : : im, & pecador. A hipocrisia nfo € 0 fruto de uma “mé semente”. £2 recolocasio pre . Mas 0 farise, ainda assim, € pe : ose de uma maquiagem religiosa e de uma tagarelice finda supostariill © coletor de impostos sabe que & pecador. O farisew relacionada com Deus no lugar de uma vida interior com Deus che energia. Mesmo af leva muito tempo para esse germe do desejo comecaray completamente sup tem @ minima ee a dria para cata~ Gerk que a histéria fornecers no fariseu a imaginacio necesséria pare cats {seu arremedo de aracio em oracdo de verdade? lo. A hipuutsia este avs poucus, Ent seus p estigios de desenvolvimento, é dificil de detectar. E € por isso que ninguém é consciente de que se tornou um hip6er A linha entre aquele impulso original de fazer parte do que Deus zendo ¢ a indoléncia procrastinadora de nao atender a Deus nas cond de Deus é cruzada sem percebermos. Desviar-nos do bem intentado em hipocrisia. co o fariseu eo ilitaia meu trabalho como pastor seria estereotipar : pistéria, A histéria de a ilustragio de impostos. sso simplificaria as coisas considerav ‘com nenhum deles como ume pessoa com wma Imuitas vezes desistoriada e achatada num estereétipo, um: " © fariseu € estereotipado “Todos os pecados mais comuns sio razoavelmente Gbvios. Aqueles q cometem sabem 0 que estéo fazendo, por mais que se enganem q motivagdes. Quando voce acorda na cama com o c6njuge de outra vvocé sabe que € adsltero. Quando voct puxa um getilho e mata um ha vvocé sabe que € um assassino. Quando voc€ roubs um carro e 0 deserto onde as flores da primavera fazem sentir sua presenca, @ exposigio doutrinéria e teolégica. n eer ¢ detestivel. © coletor de imposts € esters bli romintico “ticSo tirado do fogo”. Ao fariseu designado 0 pepe Ssentante da “religiio”, ao coletor de impostos, o de representante lidade”. écrita religioso eee eee a Be el erence de hipécrita que soubesse que era hipécrita, pelo menos nos estégiosi lancer epi eli nstciona nr Os dois homens da hist6ria de Jesus sio pecadores. Néo hé net versus a espiritualidade caer a eet ambiguidade nessa conclusio. O coletor de impostos € um pecador in Bg site covotes em cliche 156 AUNGLAGEM DE DEUS oe ] qracdes de um coletor de impostos eram um entfdoto poderoso pars Jesus versus uma espiritualidade que corre com os lobos e arrisca nos desertos, que poderiam estar se desenvolvendo na jisquer hipocrisias incipientes Mas as coisas sio mais complexas que isso. Os esterestipos sto de 0, Suas percepgdes renovadas da graca eram muito contagiantes compreensio. Opor a espiritualidade e a religido uma & outra é algo t dos, mas obscurece mais que esclarece. A vida é mais complexa que is ‘Uma congregacio € mais complexa que isso. Uma vida madura de oragig mais complexa que isso. © fato € que os dois homens esto em um lugar teligiéo formal e institucional. Os dois homens esto é para fazer a mest de, uma hippie de meia-idade, a qual gastera de quarenta anos de idac 1 da vida lidando com o vicio das drogas e do alcoolismo na vida do es- Jedos flbos, encontrow seu lugar um domingo no fundo da igre. Sempre bancos. E entfo, quando o siltimo hino estava sendo entoade, ela coisa, para orar. Fariseus e coletores de impostos raramente se most com a definigo do preto e do branco. Na vida real, ocorrem em todas matizes do sépia e cinza, te safa, preservando seu anonimato, Depois de cerca de seis meses, até a béngéo apostélice. Quando eu a cumprimentei na porta, cla sTenho muita sorte, Nunca tinha ouvido essas hist6rias. Nunca soube No final de tudo, descubro que gosto dos fariseus. Quando iniciei mew ouvesse urn lugar como este na terra, Tenho tanta sorte”. Foi a primeira nistério como pastor, minha congregagio se compunha na maior parte uvi alguém usar a palavra “sorte” para algo que ocorresse no ireja. fariseus. Néo hipécritas, que fique bem claro, mas fariseus. Queriam ac ‘meses para cla divulgar seu nome. F.entSo, bem 20s se mais tres a um lugar de adoragéo onde pudessem esclarecer 0 aspecto incon! hos, comecou a me contar sua histéra. era a dnica. A cada més mais ou menos aparecia outro coletor de muitos deles realmente se de sua identidade batismal contra as superficialidades confusas da E depois outro. E depois outro. na congregacéo, jamais se “encaixaram" de fato em nossa cultura americana. Queriam fazer parte de uma congregacio onde pudessem fi ‘essa identidade, Eu gostava disso. Gostei de estar na companhia de hom ¢ mulheres que tinham um apetite pela justica e se sentiam & vontad - Mas jé no comeco percebi como eram importantes pars a sade egacio. Nio consigo lembrar-me de jamais ter pregado um serméo hhipocrisia. Eu ndo precisava. Os coletores de impostos, sentadlos no igteja, permanecendo tio escondidos quanto possivel, acabavam nutrir esse apetite em sensibilidade e profundidade dentro das £6 religifo estabelecida. Mas, sabendo quo facilmente a hipocrisia viceja ambientes, também me dediquei com afinco ao trabalho de estimular a jpoderosos anticorpos contra as hipocrisias de qualquer natureza. forma ou de outra transmitiam equilo que Abigail denominow gs coletores de impostos salgavam # congregagéo com sorte, fle, Logo muitos do restante de nés estavam se sentindo também ea receptividade, alertando para qualquer sinal de ativismo intimidadar ‘ao rapidamente destréi a contemplacéo, a mania evangélica de ficar ¢ assim reduzir a oragéo a uma forms ¢ a uma férmul. De tempos em tempos, um coletor de impostos, geralmente sespero, aparecia no meu local de trabalho, minha congregecao, A ‘sorte, Fariseus sortudos. Afortunados por ter esses coletores de aumentou com os anos. Acabaram se mostrando a mais forte defesa “como testemunhas (geralmente no verbais) do frescor da gra- hipocrisia que se podia imaginar. A sinceridade eo frescor e, sim, ai implicidades da oracdo. Afortunados por ter desmascaradas as 158 AUNGUAGEM DE DEUS osmecanones 159 autossatisfagdes pré-hipécritas em nés mesmos antes de se endurecere scomum, da oracio que nio esteja encravada nos relacionamentos ¢ na lingua no pecado mortal da hipocrisia. fiatos e pessoais da vida disri, Cumulativamente, as trés hist6rias asseguram-nos de que a oragio, a 1m usada em relagéo a Deus, linguagem usada para cultivar 08 vas- interiores que compéem a maior parte de nosse vida, € tio natural em Essa € a terceira hist6rie da estrade de Samaria em que Jesus nos convic yuer estrada samaritana quanto em qualquer templo ou igreja em que uma vida de oracéo. A histéria do amigo (Le 11:5-13) usou 0 ato rotineiro de bater na do vizinho a meia-noite para pedir pao pare um convidado inesperado c um ato anflogo da oracEo. A oraco nfo é uma parte mistica ou esotérica; espiritualidade. Ela comum, da vida comum. A oragéo no é uma t ‘que voc® pode aprender com um perito motivacional sobre como fazer ¢ influenciar pessoas. £ téo simples quanto um ato de amizade. A oragéo € algo para ser usado nas emergéncias e nas crises, como ressuscitagées a boca. £ tio comum quanto pedir e receber pio em atos de hospitali digria. O que ocorre em nossas oragées a Deus nio € to diferente do cocorre todo o tempo nas vizinhangas e nas familias. A hist6ria da vive (Le 18:1-8) ajuda-nos a reimaginar que tantas designamos “oracies no respondidas” como algo bem diferente. Se per que o silencio de Deus diante de nossas oragées € uma questéo de inse indiferenga, reconsideremos. Deus € 0 exato oposto do juz perverso da t6ria, oposto em cada detalhe. A oragio nio é implorar a Deus que faga ‘por nés que ele desconhesa, ou implorar a Deus que faca algo por nés qt +eluta em fazer, ou implorar a Deus que faga algo pare o que nio tem t Na oragéo, persistentemente, fielmente, confiantemente nos aprese diante de Deus, submetendo-nos a sua soberania, confiantes de que ele! agindo, agora mesmo, em nosso interesse. Somos seus “escolhidos", €j nos esquecamos disso. Deus esté, agora mesmo — a palavra é “ (v. 8) — operando sua vontade em sua vida e em suas circunstncias. continue orando. Nao desista. E essa hist6ria do fariseu e do coletor de impostos € uma vivida da tolice pretensiosa de qualquer orago, assim chamada, que nfo seja

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