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PENTAGRAMA

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a ÍNDICE:


atenção dos leitores para a nova era que
2 INTRODUÇÃO
já se iniciou para o desenvolvimento da
3 A EPOPÉIA DO REI
humanidade. GILGAMESH

5 GILGAMESH, “O VELHO
SEMPRE JOVEM”
O Pentagrama sempre foi em todos os tempos,
10 CHRISTIAN ROSENKREUZ: O
o símbolo do homem renascido, do novo PROTÓTIPO DA
AUTO-REALIZAÇÃO
homem. Também é o símbolo do universo
13 A TORRE DE BABEL OU
e de seu eterno devir, por meio do qual
A TORRE DO OLIMPO?
acontece a manifestação do plano divino.
15 DE BABEL À NOVA
JERUSALÉM

Entretanto, um símbolo somente tem valor 19 A MURALHA DE URUK

quando se torna realidade. O homem que 23 BABEL, BABILÔNIA E A


ARTE DA CONSTRUÇÃO
realiza o Pentagrama em seu microcosmo,
26 A TORRE DE BABEL
em seu próprio pequeno mundo,
27 “UMA SÓ LINGUAGEM E AS
permanece no caminho da transfiguração. MESMAS PALAVRAS...”

31 CONHECIMENTO DOS
ASTROS, DE SEUS
A revista Pentagrama convida o leitor para MOVIMENTOS E

operar esta revolução espiritual em si mesmo. INFLUÊNCIAS

35 A EUFORIA PELO
PROGRESSO
E PELA TÉCNICA

38 O MAR
DA PLENITUDE

39 BABEL E O SÉCULO XX

1996
ANO 18
NÚMERO 4

© Stischting Rozekruis Pers. Reprodução proibida sem autorização prévia.


INTRODUÇÃO

Se formos procurar a cidade de Ba- mem. Quando um novo campo de vida


bilônia em um mapa atual, não con- (chamado simbolicamente de “Nova Je-
rusalém”) desce dos céus, encerra-se o
seguiremos encontrá-la. Esta cidade
circuito de milhares de anos. Neste mo-
foi destruída em 689 a.C., mas seu mento, o importante é saber se a huma-
nome continua a sobreviver por cau- nidade soube ultrapassar ou não seu
sa de sua opulência legendária, de materialismo e seu egocentrismo; se ela
seus jardins suspensos, de sua as- soube encontrar a senda que conduz da
antiga vida à nova vida; se ela descobriu
sociação com a Torre de Babel e a
a “Torre do Olimpo” dentro de si mesma
“confusão das línguas”, e sobretudo e se está subindo por ela.
por causa da epopéia do rei Gilga- A construção da Torre de Babel (cf.
mesh, de Uruk. “De Babel à Nova Jerusalém”, p. 15) está
associada a um método de construção
Realmente, milhares de placas de argi- errado, com materiais da natureza
decaída, objetivos ambiciosos, egocên-
la gravados com caracteres cuneiformes
tricos, dialéticos, e ao caos que daí de-
foram descobertos neste local, onde
corre. É assim que, muita gente está
sempre estão realizando novas escava-
construindo hoje, achando que aí está a
ções. A biblioteca do rei Assurbanípal
salvação da humanidade. Mas os tem-
trouxe ao conhecimento geral principal-
pos vão mudando e um grande número
mente uma versão quase completa da
de pessoas vai-se lembrando dos pode-
epopéia de Gilgamesh, uma narrativa
res recebidos de seu Criador e esforça-
heróica que era transmitida oralmente há
-se por colocá-los em prática de maneira
muitos e muitos séculos antes de ter si-
correta.
do gravada em placas de argila crua. Pe-
As leis da natureza perecível sempre
lo lugar e pela antigüidade destas desco-
acabam esmagando tudo o que é basea-
bertas, a narrativa apresenta grandes
do no egocentrismo; e a humanidade,
variações, mas o fio condutor mostra
assim como cada ser humano, deverá fi-
muito claramente que é uma mensagem
nalmente voltar-se para o divino, para daí
específica apresentada sob a forma de
beber das forças que irão purificar o mi-
uma lenda, que diz respeito à origem e
crocosmo danificado, e irão recuperá-lo.
ao destino do homem sobre a terra.
“Construir a partir de critérios huma-
O Antigo Testamento conta a história
nos” ou “conforme o Plano de Deus”: es-
da construção da Torre de Babel e da
te é o tema deste número da Revista
“confusão das línguas” que aconteceu
Pentagrama. Em nossa época, estas
em seguida (Gênese, capítulo 11). Em
duas diretrizes estão traçadas muito cla-
Babilônia, haviam dado o nome à torre
ramente. De um lado, uma corrente se-
do templo de “A Torre de Babel”. O Novo
gue em frente, ligando-se cada vez mais
Testamento termina com a descrição da
à matéria; de outro, vai crescendo a as-
queda de Babilônia e com a “Nova Jeru-
piração por um processo de desenvolvi-
salém”, que desce dos céus em seguida.
mento que tem como objetivo uma vida
Babel e Babilônia são, portanto, sím-
superior, para a qual toda a humanidade
bolos da humanidade decaída, e a epo-
estaria sendo chamada.
péia de Gilgamesh faz alusão à chance
de recuperação que é oferecida ao ho- A Redação

2
A EPOPÉIA DO REI GILGAMESH

A epopéia de Gilgamesh foi sendo


transmitida de pai para filho, de ge-
ração a geração, e depois foi confir-
mada em escrita cuneiforme em
doze placas de barro em 2000 a.C.
Houve pelo menos duas modifica-
ções poéticas: uma originária da
Suméria, outra da Babilônia, sendo
que as duas remontam ao terceiro
milênio antes do início da Era Cristã.
O primeiro canto trata da profecia
segundo a qual Gilgamesh haveria
de tornar-se rei de Uruk, e o último
contém um relato a respeito do dilú-
vio, que corresponde ao que é nar-
rado na Bíblia.

Placa 1. Gilgamesh grava seus feitos e


gestos em uma placa de pedra. Ele
manda cercar de muralhas a cidade de
Uruk e constrói o templo de Eanna, con-
sagrado a Ishtar, deusa do amor e da
beleza. Gilgamesh é um semideus: ele é
dois terços divino e um terço humano.
Quando o povo reclama dele, Aruru, a
deusa-mãe, suscita Enkidu, o outro eu
de Gilgamesh.
Placa 2. Enkidu é um ser selvagem,
hirsuto, que vive com os animais. É no
meio deles que ele pode ser encontra- de Shamash, o deus do sol.
do. Quando Gilgamesh ouve falar dele, Placa 3. Os anciãos de Uruk dão sua
ele envia uma das cortesãs sagradas do bênção a Gilgamesh e o aconselham
templo para seduzi-lo, unir-se a ele e para que se deixe proteger por Enkidu.
Gilgamesh. finalmente levá-lo até Uruk, onde ele Ninsun, a mãe de Gilgamesh, implora
Palácio de aprenderá os princípios da civilização. a Shamash, pois foi ele quem depositou
Sargon II, em Depois de um encontro tempestivo, esta missão perigosa no coração
Khorsabad. Gilgamesh e Enkidu tornam-se amigos. inquieto de seu filho.
(Descoberto em
Gilgamesh propõe a Enkidu que ambos Ela também pede a Enkidu que prote-
1844, medindo
quatro metros de se empenhem para combater juntos o ja Gilgamesh.
altura. Museu do gigante Humbaba, guardião do cedro Placa 4. Indo ao encontro de Humba-
Louvre, Paris). sagrado. Depois, ele implora a proteção ba, Gilgamesh tem três sonhos. Enkidu

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shtim e ela o manda de volta a Ur-Sha-
nabi, o único que pode atravessar “as á-
guas da morte”. É do outro lado destas
águas que mora Uta-Napishtim. Ele
recebe Gilgamesh e lhe pergunta —
como já tinham perguntado Siduri e o
barqueiro — por que ele parece estar
tomado de tanta melancolia e quais são
as razões de sua vinda.
Placa 11. Uta-Napishtim fala a Gil-
gamesh a respeito do arco que ele
construiu a partir de conselho dos deu-
ses, e também a respeito do dilúvio que
se abateu sobre os homens e sobre a
maneira como ele tornou-se semelhan-
te aos deuses. Gilgamesh deve conti-
nuar sem dormir seis dias e seis noites,
os explica e vê neles bons presságios a fim de encontrar a vida que ele está
para o combate que está por vir. buscando.
Placa 5. Gilgamesh e Enkidu partem Mas Gilgamesh logo cai no sono. A
para guerrear contra Humbaba. Eles mulher de Uta-Napishtim cozinha um
Placa de argila abatem o cedro e matam o gigante. pão por dia. No sétimo, Gilgamesh é
de Nínive que Placa 6. Depois da vitória, Gilgamesh despertado por Uta-Napishtim. O bar-
contém a recusa-se a unir-se com a deusa Ishtar. queiro recebe a missão de reconduzir
narrativa a
Os deuses enviam o touro celeste, mas Gilgamesh — vestido como um rei —
respeito da
história do dilúvio. os dois heróis conseguem matá-lo. até sua casa. Como presente de despe-
(nº 3375, no Placa 7. Depois da festa da vitória, dida, Gilgamesh recebe o nome de uma
British Museum, Enkidu sonha que os deuses decidiram planta que poderá torná-lo jovem de no-
em Londres). matá-lo e que ele terá de descer aos vo; ele a encontra, mas quando vai co-
infernos. lhê-la, aparece uma serpente que a de-
É então que ele desperta, cai doente vora e depois muda de pele. Gilgamesh
e morre doze dias mais tarde. chega finalmente de volta a Uruk, e a
Placa 8. Gilgamesh está inconsolável epopéia finaliza com a repetição do
e lamenta a morte de seu irmão e canto sobre a edificação das muralhas
amigo. da cidade.
Placa 9. Tomado pelo medo da mor- Placa 12. Este fragmento geralmente
te, ele decide partir em busca de seu é considerado como um texto adicional.
ancestral, Uta-Napishtim. Ele anda pela Os deuses fazem com que o espírito de
montanha escura onde o sol desapare- Enkidu fale a Gilgamesh para que ele
ce durante um dia inteiro, e na manhã descreva sua viagem através dos mun-
seguinte ele chega ao jardim das pe- dos inferiores.
dras preciosas.
Placa 10. Na praia, Gilgamesh en-
contra Siduri. Ele lhe pergunta onde fica
o caminho que conduz até Uta-Napi-

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GILGAMESH, “O VELHO SEMPRE JOVEM”

O mito de Gilgamesh, de onde foi vista estritamente científico, não é fácil


tirada a epopéia, parece ter sido sondar totalmente a epopéia de Gilga-
mesh. Há lacunas grandes demais nos
conhecido em quase todo o Oriente-
textos que estão disponíveis atualmente
Médio e ter exercido uma influência e há muitas imprecisões nas diversas
muito grande sobre os povos da interpretações dos tradutores. É assim
época. Isto pode ser explicado pelo que, para aqueles que consideram as
fato desta narrativa descrever o ciclo peripécias da narrativa de uma perspec-
tiva histórica, certas imagens continuam
evolutivo no qual todo o ser humano
obscuras e os narradores desta genial
está integrado. epopéia não conseguem lançar uma
ponte sobre o abismo do passado.
A transcrição das tradições recobre al- Nossos comentários partem do ponto
guns milhares de anos. Os lugares de de vista de que o homem é um ser du-
origem encontram-se espalhados pela plo, um estrangeiro sobre a terra; que
Mesopotâmia e pela Ásia Menor, e mui- ele é parte integrante de um microcos-
tos admitem que ainda serão encontra- mo e possui um princípio fundamental
dos muitos fragmentos e variantes ante- divino que lhe dá uma insatisfação per-
riores ou posteriores. O rei Assurbanípal manente, impulsionando-o a buscar a
(668-626 a.C.) mandou transcrever a imortalidade, assim como Gilgamesh.
epopéia em doze placas nas quais foi Para a mentalidade atual, esta tese não
encontrada a versão completa, quando é mito científico, mas ela é baseada no
sua biblioteca foi descoberta. reconhecimento interior de valores imor-
Desde o momento em que, em 1872, tais. Este reconhecimento permite tentar
a Sociedade de Arqueologia Bíblica dis- penetrar no sentido mais profundo e
pôs da primeira tradução, a epopéia de oculto que está por detrás desta epo-
Gilgamesh começou a exercer sua péia; em outras palavras, não precisa-
influência. A. Schott, um dos tradutores, mos reconstituir o personagem de
escreveu: “Compreender a epopéia de Gilgamesh, mas sim vivenciá-lo.
Gilgamesh significa compreender o
mundo”.
Todos aqueles que se interessam por URUK, SÍMBOLO DO MICROCOSMO
estes textos sentem que deles emana
uma grande força misteriosa. Esta força
não faz do leitor um conhecedor, mas Com os reis sacerdotes, surge o he-
impulsiona-o a aprofundar-se, sem dúvi- rói Gilgamesh, para lembrar à humani-
da porque esta narrativa enraíza-se em dade sem rumo qual é sua missão: a
um passado longínquo; mas também volta à vida original, imortal. É por esta
porque ela continua sempre atual, pelo razão que não se pode traçar nitidamen-
fato de evocar uma reminiscência lon- te a vida de Gilgamesh enquanto perso-
gínqua. Novas escavações e investiga- nagem. Ele se manifesta (e este fato é
ções trazem à luz do dia fatos surpreen- confirmado pelas pesquisas) sob traços
dentes e impulsionam os pesquisadores aparentemente bastante contraditórios.
a intensificar suas atividades. Entretanto, seu perfil surge vagamen-
Considerada a partir de um ponto de te através de todas as suas representa-

5
ções. Nas versões mais antigas, que que nada sabem podem ser guiados e
datam de períodos diferentes, Gilga- instruídos.
mesh revela-se quase sempre mais Para o leitor, os habitantes de Uruk
concreto do que nas narrativas remane- parecem cruéis e duros, se compara-
jadas que surgem depois. Sabe-se pela dos aos homens que residem fora de
Bíblia que os homens que viviam há seus muros. Segundo algumas ver-
milhares de anos pensavam e ensina- sões, no interior desta comunidade rei-
vam por imagens e parábolas. Assim o nava amor e humanidade. Entretanto,
rei Gilgamesh tornou-se o protótipo do as leis eram severas e, se alguém ia
homem que tenta cumprir a missão con- contra elas, o rei Gilgamesh distribuía
fiada a todos os homens. duras penalidades. A gravidade da má
Levando muito a sério a manutenção ação poderia até mesmo acarretar na
das leis terrestres, ele transgride as leis expulsão da pessoa da comunidade.
divinas, pois ele ainda não tem expe- Aqui há um paralelo com o pecado ori-
riência suficiente. Ele é “dois terços divi- ginal, que acarretou a expulsão do ho-
no e um terço humano”, lembra ele, mem da região divina. Não seria possí-
revelando que vive em duas naturezas e vel entrar em Cristianópolis, a cidade
que, portanto, sempre se confronta com de Deus, sem estar preparado para
dois sistemas de leis. tanto.
A missão de guia da humanidade era
sintonizar o terrestre ao divino e criar
uma harmonia. Esta é, de fato, a base QUEM É GILGAMESH?
de todas as atividades humanas. Gilga-
mesh sabe que estas leis eternas exi-
gem não somente a magnanimidade, a O nome Gilgamesh parece realmente
coragem e a veracidade, mas também ser derivado da palavra “bilgames”, que
sabe que estas virtudes devem tam- significa “o velho é (ainda) um jovem”.
bém andar paralelamente com a perse- Isto poderia indicar que o divino dentro
verança, e muitas vezes até mesmo dele é “muito velho, mas ao mesmo tem-
com a dureza em relação aos ignoran- po, eternamente jovem”.
tes. É somente deste modo que os bus- Gilgamesh é descrito como “dois ter-
cadores — como Gilgamesh — e os ços divino e um terço humano”. O as-
pecto “dois terços divino” de Gilgamesh
pode ser assimilado ao eu superior ain-
Argila: Enkidu da inviolado, à alma não decaída, ainda
vence o touro ligada ao Espírito e que deve participar
celeste (Museu
da vida terrestre até que o aspecto “um
Real de Arte e
de História, em
terço humano” esteja submetido ao prin-
Bruxelas, na cípio divino dentro dele, os dois terços
Bélgica). de seu ser.
Mas, diz a epopéia, seu aspecto “um
terço humano” o liga também ao destino
dos homens, ao sofrimento e à fraque-
za, ao medo da morte, aos erros e à co-
biça. Estes traços de caráter completa-
mente humanos o impulsionam a medir
a magia que lhe é confiada; e seus súdi-
tos sofrem com isto. É por isso que eles
pedem o auxílio dos deuses. Então
Aruru, a deusa-mãe cria com argila o
personagem Enkidu, irmão gêmeo ou
imagem refletora de Gilgamesh, desti-

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nada a completá-lo.

QUEM É ENKIDU, O SER NATURAL?

O mito original fala somente da fideli-


dade a toda prova de Enkidu e não de
sua origem. Ele aparece simplesmente
como o “gêmeo” de Gilgamesh e parte
integrante de seu ser. É também o que
aparece nos cilindros que vieram de-
pois. Nas variantes mais tardias da epo-
péia, Enkidu é chamado especialmente surbanípal, pode-se ler que Gilgamesh Selo cilíndrico
à vida por Gilgamesh. Parece, então, lhe dá um golpe mortal e o decapita. de Ur (Museu
do Iraque, em
que ele personifica a parte terrestre de Uma versão mais tardia narra: “Ele
Bagdá).
Gilgamesh que, durante sua expedição pegou seu machado com uma mão, sa-
contra Humbaba, o aconselha graças cou da espada de sua cintura e golpeou
ao saber que ele mesmo foi conquistan- Humbaba no pescoço. Enkidu, seu a-
do por experiência. Ele é o que susten- migo, golpeou-o também ao mesmo
ta, o instrumento que cada pessoa deve tempo e, no terceiro golpe, ele foi abati-
ter um dia para fazer com que o homem do” (Theo Bauer, 1957, Chicago Orien-
imortal cresça dentro de si. tal Institute, A2207).
Segundo as escavações mais recen- As duas versões descrevem o aniqui-
tes, os poetas da epopéia utilizaram fon- lamento do aspecto terrestre. Enkidu
tes sumérias. Gilgamesh quer partir em exige que Humbaba seja morto porque
expedição contra Humbaba e adquirir a sabe interiormente que somente o ani-
glória. É dito mais adiante que ele quer quilamento total deste adversário é a
extirpar o mal, pois “hediondo e obscuro solução.
é Humbaba”. É somente abatendo “o
cedro terrível que lança faíscas” que é
possível chegar até onde Humbaba se A MORTE DE ENKIDU
encontra.
É neste lugar que o mal grassa e que
é preciso aniquilar o guardião do portal Depois da morte de Humbaba, o
no coração da árvore. Se esclarecermos auxílio de Enkidu já não é necessário e
esta passagem utilizando a simbologia ele morre. Em seu leito de morte, ele
da senda libertadora, então “o cedro ter- indica novamente a porta através da
rível que lança faíscas” pode ser consi- qual ele não pode passar enquanto for
derado como o fogo serpentino, onde a mortal, pois não foi ele quem abateu a
consciência do antigo eu ainda é domi- árvore da vida terrestre e nem foi ele
nante. quem venceu Humbaba. Enkidu lamen-
Na versão suméria há uma cena dig- ta-se pelo fato de não ter tombado em
na de nota: combate:
Gilgamesh entra na casa de Hum-
baba: “Ele vai-se aproximando como se “Eu não sou como aquele
quisesse dar-lhe um beijo e bate em sua que morre em combate
face direita; ele não o fere gravemente, e entretanto jamais temi
mas somente o arranha, entretanto o campo de batalha!”
Humbaba é tocado seriamente. Seus
dentes batem e suas mãos tremem. Nas Ninguém pode dizer que ele é covarde:
placas de argila do palácio de As- seus atos estão descritos detalhada-

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mente na epopéia. Enkidu talvez esti-
vesse fazendo alusão a um outro com-
bate que ele evitou. Ele louva aquele
que perde seu ser terrestre em um com-
bate como este porque é somente
assim que ele pode atravessar a porta
como “conhecedor”. É por isto que En-
kidu exorta Gilgamesh:

“Não temas este combate


senão um dia será muito tarde...”

O babilônico reconhecia Enkidu dentro


dele mesmo. Ele observava o quanto ele
e muitos outros encontravam-se invo-
luntariamente em erro flagrante, como
se seus atos irrefletidos tivessem provo-
cado a maldade dos deuses. Ele achava
temerário medir-se com a mesma medi-
da de Gilgamesh.
Este último pertence a uma outra es-
fera de vida. Apesar de lhe faltar a ma-
turidade plena, ele já é um mediador en-
tre a sabedoria divina e aqueles que já
entraram na fase da busca. Depois da
morte de Enkidu, Gilgamesh fica nova-
mente inquieto. Ele parte em busca de
Uta-Napishtim, pois ele tem medo de
morrer depois de ter sido confrontado
com a morte, por ocasião da partida de
Enkidu. Ele quer render-se, postando-se
junto de “seu ancestral que conquistou a
vida eterna dos deuses”, para lhe per-
guntar como conquistá-la para seu
aspecto “um terço humano”.

EM BUSCA DE UTA-NAPISHTIM

No decorrer de sua odisséia, ele, o


herói, teme os animais selvagens, seus
pesadelos e seus medos. Apesar de
tudo, ele continua sua senda, enquanto
que todos os que cruzam com ele ten-
tam desviá-lo de sua meta enumerando
todas as dificuldades que o aguardam
no caminho, mas também para fazer
observações desencorajadoras, do tipo:

“Nunca conseguirás!”
Shamash, o senhor do mundo, lhe atira
em rosto: impulsionar o barco até este lado do o-
ceano chamado de “as águas da morte”.
“Gilgamesh, aonde vais? Nenhuma gota destas águas envenena-
A vida que buscas, das deve tocar sua mão, pois de outra
nunca a encontrarás!” forma ele estaria perdido.

Nas placas de argila que ainda faltam


certamente estão inscritas muitas ou- QUEM É UTA-NAPISHTIM?
tras provas, que o buscador não conhe-
ce muito bem. A mais perigosa é aquela
que intervém sob a forma de Siduri, a- No início da epopéia é dito:
quela que verte um líquido para beber.
Na verdade, trata-se da deusa da terra, “Ele contemplou o mistério e em segui-
Ishtar. da manifestou o que estava oculto.
Gilgamesh já encontrou-se com ela Ele trouxe a notícia antes do dilúvio”.
antes. Siduri lhe faz uma descrição bas-
tante viva de todos os prazeres terres- O dilúvio surge em quase todos os mi-
tres e convida para que ele venha com tos, em todos os povos e indica o fim de
ela aproveitar de todas elas, pois: “A vi- um período. Tudo é engolido por ele e
da dos homens” é assim. Mas Gilgame- assim abre-se um novo processo de de-
sh resiste à tentação. senvolvimento.
O encontro com os escorpiões-gigan- Uta-Napishtim é um ser imortal que
tes e suas tentativas para obstruir sua atravessou inúmeros dilúvios, e também
passagem mostra que Gilgamesh pode o dilúvio babilônico. Ele conta a Gilga-
efetuar este caminho exclusivamente mesh como se faz para participar da
graças a sua perseverança e a sua ori- imortalidade:
gem. Depois de ter pedido passagem i-
númeras vezes aos escorpiões-gigan- “Desejo, ó Gilgamesh,
tes, revelar-te um segredo,
o segredo que é próprio dos deuses,
“cujo assombro é terrível, que desejo revelar-te:
cuja visão provoca a morte, se queres encontrar a vida que
cujo brilho glacial buscas, entrega-te ao repouso
encobre montanhas”, durante seis dias e sete noites!”

um homem-escorpião o deixa passar, Estas palavras dirigem-se à porção divi-


mas lhe diz: na de Gilgamesh pois, quando o aspec-
to terrestre adormece (ou seja, quando
“Durante doze horas ele se encontra totalmente em segundo
a escuridão cobrirá as montanhas. plano), o iniciado pode cumprir o ritual.
Espessas serão as trevas A esposa de Uta-Napishtim faz pães e
privadas de toda a luz”. os coloca perto da cabeça de Gil-
gamesh. O primeiro pão é murcho, o se-
Então, Gilgamesh entra na montanha da gundo mais crescido, o terceiro ainda
terra escura e, depois de caminhar está úmido, e quarto é branco, o quinto
cento e vinte milhas, chega à sebe e ao tem uma casca queimada e o sexto está
jardim dos deuses”. Aí ele encontra Ur- bem cozido. No sétimo ... Uta-Napishtim
-Shanabi, o barqueiro que deve condu- toca Gilgamesh, que desperta em so-
zi-lo para além do oceano da morte. É o bressalto.
auxílio e o companheiro enviado pelos Os pães referem-se às fases de de- Gilgamesh abate
deuses. A partir de seu conselho, Gilga- senvolvimento de Gilgamesh que, como a árvore de fogo
mesh fabrica cento e vinte varas para ainda é “um terço humano” tem de ultra- (III Pentagrama).

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CHRISTIAN ROSENKREUZ:
O PROTÓTIPO DA AUTO-REALIZAÇÃO

Christian Rosenkreuz, em sua viagem,


chega a um dado momento “no ponto em
que a alma-espírito se manifesta, quando a
transfiguração se realiza, quando a nova
consciência onipresente faz com que C.R.C.
entre no campo de vida da alma-vivente, ou
seja, nos campos de consciência que se ele-
vam muito além da consciência tridimensio-
nal, onde esta consciência não pode seguir
C.R.C..
Este fato nos impede, por enquanto, de
esclarecer muita coisa sobre o que se segue.
Falaríamos de estados que não são acessí-
veis à consciência comum e para os quais
não saberíamos encontrar nenhum tipo de
comparação em nosso mundo tridimensional.
Cairíamos em considerações puramente
intelectuais e técnicas, que não vos diriam
nada, que não serviriam para nada quanto a
vosso processo de desenvolvimento interior,
que rebaixariam o caráter sublime das coisas
sobre as quais estamos tratando e as viola-
riam ainda mais.
É por isso que vos dizemos:
Assim como os últimos véus foram pouco
a pouco sendo retirados diante de C.R.C.,
assim eles se erguerão diante daqueles que
seguirem o mesmo caminho que ele seguiu,
a única e verdadeira Senda de Iniciação de
Jesus Cristo, com a mesma fidelidade, a
mesma perseverança e a mesma abnegação.
Para estes, todos os mistérios serão esclare-
cidos e eles terão acesso a todos os maravi-
lhosos esplendores da inesgotável Câmara
do Tesouro, que Deus guarda como herança
no coração de cada homem.
Se não perderdes de vista este rico exem-
plo, o impulso puro e vivificante e a imagem
de um bom fim que Christian Rosenkreuz
nos oferece, então começareis e continuareis
efetivamente vossa viagem rumo ao salão
nupcial, com alegria e perseverança, enquan-
to que a certeza de uma sabedoria interior
vos fará pronunciar, ao longo deste poderoso
e bendito caminho de experiência: “Estou na
senda! A viagem já começou e ... já conheço
seu fim, que é certo: a volta à Casa de meu
Deus!”
pele imediatamente? Por que
A história de Gilgamesh é aqui Gilgamesh deixou que a sacola que
considerada do ponto de vista dos continha a planta da vida caísse, des-
vários processos de desenvolvimento cuidadamente? Por que ele não comeu
que acontecem no microcosmo. imediatamente esta planta? Por que ele
Mas, em um plano mais vasto, a queria levá-la até Uruk?
narrativa explica claramente Aí estão algumas indagações que po-
inúmeros processos do cosmo dem ser respondidas do ponto de vista
e do macrocosmo. esotérico. A serpente refere-se ao fogo
serpentino. Esta coluna da consciência
passá-las para tornar-se um servidor de deve ser nutrida pela planta da vida e a
seu destino divino. antiga pele deve cair, o que significa que
Como homem, ele busca a imortali- é preciso que nos desvencilhemos do
dade e como homem ele adormece. O mortal para atingir o imortal. O candida-
que se eleva acima do sexto grau (aqui to deve pôr fim às últimas experiências
simbolizado pelo sexto pão) é o mundo terrestres, a sua animação terrestre,
superior, fechado ao estado humano. para dar lugar à nova animação, orienta-
Esta fronteira não pode ser ultrapassa- da pela vida imortal.
da. É por esta razão que o sétimo pão Então Gilgamesh e Ur-Shanabi vol-
não pode e não deve ser assado e Uta- tam a Uruk para que Gilgamesh possa
-Napishtim deve despertá-lo. transmitir sua sabedoria, seu conheci-
Durante a iniciação, o divino desperta mento e oferecer seu auxílio a todos os
em Gilgamesh. É por isso que Uta- habitantes de Uruk. A cidade de Uruk é
-Napishtim revela um segredo: o microcosmo que agora já está recupe-
rado e tornou-se apto a desenvolver sua
“Desejo, ó Gilgamesh, missão no plano divino.
revelar-te um segredo:
sim, a “planta da vida”
esta é a planta que desejo revelar-te!
A raiz desta planta
parece uma planta espinhosa
e, como a roseira,
seu espinho pica tua mão.
Se te apossares desta planta,
reconquistarás tua juventude!”

A SERPENTE E A “PLANTA DA VIDA”

Gilgamesh ainda tem de passar por


uma outra prova. Ele deve mergulhar “...e eu descobri
que nesta mesma
profundamente na água para apossar-
noite haveria uma
-se da planta da vida. Mas isto somente conjunção de
é possível se ele passar por todas as planetas como
provas precedentes. Mesmo que seja não se observava
por um curto instante, ele deve conti- há tempos.” (Jan
nuar no reino da Vida original para aí van Rijckenborgh,
As Núpcias
encontrar a Vida e poder apanhá-la. Alquímicas
Quem é esta serpente que encontra de Christian
a planta da vida enquanto Gilgamesh Rosenkreuz,
está dormindo, e a devora, mudando de tomo II).

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A TORRE DE BABEL OU A TORRE DO OLIMPO?

Costumamos falar sobre a Torre de não nos assusta o fato de que esta torre
Babel e a confusão de línguas pro- jamais tenha sido terminada.
É fácil de compreender por que ela
vocada por sua construção, mas
causou uma confusão de línguas. Real-
não devemos esquecer-nos da Torre mente, no terreno da matéria, nenhum
do Olimpo, onde foi restabelecida a especialista está de acordo com outro.
unidade da linguagem. Dois arquitetos da mesma escola não
têm as mesmas idéias.
As Núpcias Alquímicas de Christian Dois artistas podem representar a
Rosenkreuz descrevem como o candi- mesma idéia de modo totalmente opos-
dato no caminho da nova vida chega à to e sair criticando um ao outro. Dois
Torre do Olimpo depois de um longo espiritualistas, a partir das mesmas ba-
périplo. Esta torre é o símbolo da senda ses, podem combater-se e perseguir-se
interior que cada um terá o dever e a utilizando golpes teológicos. Dois médi-
possibilidade de seguir um dia para que cos que tenham a mesma formação po-
o princípio divino de seu ser volte para o dem prescrever a seus doentes trata-
Reino de Deus. mentos absolutamente contrários. As-
Diz-se que a Babilônia estava total- sim, o mundo de hoje está cheio de con-
mente voltada para os prazeres da vida tradições pelo fato de ter obtido tantos
terrestre. A Bíblia dá a entender que os conhecimentos.
homens quiseram construir uma torre Esta falta de unidade às vezes é defi-
que chegasse até o céu, o que faria com nida como uma característica “única” do
que se tornassem célebres. Portanto, a homem. Se o resultado deste desenvol-
Torre de Babel é o símbolo da ânsia de vimento egocêntrico contribuísse para a
poder sobre a matéria, e a confusão de evolução positiva da humanidade, esta
línguas que se seguiu foi-se tornando característica “única” do homem seria
pouco a pouco perceptível a cada pes- aceitável e ninguém protestaria. Mas os
soa, através dos meios de comunica- protestos vão aumentando cada vez
ção. mais e mais fortes. Agora que as técni-
O homem moderno, formado por uma cas modernas da comunicação podem
educação materialista, vangloria-se de tornar “sábios” todos os que assim o de-
basear-se exclusivamente em fatos. E, sejarem, um número cada vez maior de
quando um acontecimento provoca pessoas começa a pensar e descobre
emoção, os políticos esforçam-se para que o empenho materialista e sem ré-
mostrar como a oposição não pode con- deas dos habitantes de Babel não é
trolar a situação! Claro, eles são racio- nem melhor nem pior do que o compor-
nalistas! O argumento de que eles se tamento “bem pensado” daqueles que
utilizam é o de que a humanidade ele- pensam. Os dois mostram a pobreza e a
vou-se ao nível da “razão divina”! nudez do homem, esta criatura que se
Aparentemente, foi este orgulho lou- esqueceu de seu criador e que agora
co que se apoderou dos habitantes de fica girando em círculos dentro de suas
A Torre do próprias trevas, para tentar sair delas.
Babel, quando eles decidiram construir
Olimpo se eleva
sobre o antigo
sua torre de tijolos. A questão é que ele busca a saída
campo de vida Quando tomamos conhecimento a fora de si mesmo, construindo torres de
(III. Pentagrama) respeito do motivo de sua construção, Babel, em uma “evolução” sem fim que,

13
ao invés de conduzir até as portas da um ser único, quer dominar-se a si mes-
vida imortal, o faz “recair” muitas e mui- mo e ao mundo. Daí segue-se a queda
tas vezes. de Babel. A Torre do Olimpo representa
Os antigos gnósticos e os rosa-cru- a história do homem que, para servir a
zes da Idade Média escolheram um ou- Deus e a seu próximo, abandona tudo o
tro caminho. A história de Christian Ro- que ele acredita possuir e, por este pro-
senkreuz mostra, por exemplo (apesar cesso, é regenerado até em cada célula
de estar escrita em uma espécie de lin- de seu ser. Ele sobe a Torre do Olimpo
guagem secreta, por causa da falta de para libertar-se e libertar os demais.
liberdade da época) que este caminho Vereis claramente que é somente
que leva à elevação está presente den- dentro desta Torre que é possível en-
tro do próprio homem. Christian Rosen- contrar os valores eternos.
kreuz sobe os andares da Torre do Quem constata o jogo fútil da cons-
Olimpo e triunfa sobre todos os obstácu- trução da Torre de Babel e já está farto
los e limitações de sua personalidade da confusão das línguas, parte em bus-
terrestre. Ele se eleva por meio de um ca da verdadeira vida e da linguagem
processo de renovação que põe fim à única que dá testemunho dela, e um dia
grande confusão que existe dentro de si chegará à ilha em que se alteia a Torre
mesmo e nos outros, e lhe ensina nova- do Olimpo. Então, ele será recebido com
mente a falar a linguagem que dá aces- júbilo, como “alguém que voltou à Casa
so a todos os corações. de seu Pai”.

A história da Torre de Babel mostra o


homem como um indivíduo que, como

14
DE BABEL À NOVA JERUSALÉM

Mesmo se considerarmos que a Bí- da vida original e rejeitam tudo o que


blia é constituída por numerosas poderia lembrá-la. Deste ponto de vista,
a Babilônia simboliza a força que man-
narrativas simbólicas, não consegui-
tém o homem prisioneiro da matéria. No
remos fazer uma aproximação ade- Apocalipse, 18:2, é dito: “Ela caiu,
quada entre a antiga cidade de Ba- Babilônia, a grande! Ela tornou-se
bilônia, no Iraque, a Torre de Babel, morada de demônios, um covil de toda
a antiga Jerusalém, em Israel, e a espécie de espíritos impuros...”
“Nova Jerusalém”. Nem tampouco
conseguiremos fazer saltar a nossos A NOVA JERUSALÉM
olhos que o Apocalipse opõe a “que-
da da Babilônia” à “descida do céu
da Nova Jerusalém”. Por outro lado, a Nova Jerusalém é a
“cidade santa que desceu do céu, do
lado de Deus, preparada como uma
Aqui, trata-se sobretudo da oposição esposa que ornamentou-se para seu
da antiga vida terrestre materialista e a esposo” (Apocalipse, 21:2).
nova vida, celeste e espiritual. O cami- Estas cidades dão a imagem da fina-
nho da primeira é simbolizado pela lidade da vida humana. Babel e Babi-
Torre de Babel e a cidade de Babilônia; lônia simbolizam a ânsia pelo poder ter-
o caminho da segunda é claramente restre, mas também o aprisionamento
representado pela Nova Jerusalém, na matéria, enquanto que a nova Jeru-
assim como a Torre do Olimpo é repre- salém é o símbolo do novo campo de vi-
sentada nas Núpcias Alquímicas de da, onde a alma pode reconquistar sua
Christian Rosenkreuz. liberdade e elevar-se até seu Criador.
Estas duas Torres são os símbolos de Babilônia é qualificada como prostituí-
um estado de consciência e do estado da, pois desviou-se de seu primeiro
de vida que dele decorre. Elas indicam amor, seu esposo celeste, e deu-se ao
uma certa evolução e um certo estado “príncipe deste mundo”, enfeitiçada por
de ser do homem. sua beleza e entregue ao jogo capricho-
so dos desejos e prazeres. Estas cobi-
ças perpétuas são a conseqüência do
BABILÔNIA E JERUSALÉM pecado original e a separação dos se-
xos obriga cada um a buscar a metade
que lhe falta. Impulsionados por sua na-
Há três ou quatro mil anos antes de tureza terrestre, os seres humanos bus-
Cristo, a Babilônia era uma cidade flo- cam esta metade que lhes falta fora
rescente e o centro da cultura suméria. deles, e tudo o que o mundo produz tor-
A Bíblia freqüentemente a cita como na-se objeto de seu desejo. Assim, eles
exemplo e sua queda é evocada no buscam satisfazer-se pelo amor e pelo
Apocalipse. Os habitantes desta cidade ódio, pela posse dos bens terrestres,
ligada a uma diretriz exclusivamente ter- pelo luxo e pela abundância, sem es-
restre, levam uma boa vida. quecer sua busca pelo poder e a mani-
Eles perderam de vista a finalidade pulação de seu próximo. Eles se abra-

15
çam no amor e no ódio, caem na arma- ga Jerusalém, a humanidade não pode
dilha do destino, da qual eles já não se sair do estado que lhe é próprio. Todos
podem desembaraçar por causa de seu os homens são prisioneiros de seus
karma (a conseqüência de seus atos), desejos e de seus pensamentos, dois
que liga uns aos outros. Todos os dese- princípios que pertencem ao “príncipe
jos de valores elevados são abafados e, deste mundo”.
quando ele se julga suficientemente A Bíblia evoca em seguida “a Nova
forte, logo vira objeto de zombaria. Jerusalém” como a cidade em que “Deus
Quanto a isto, a antiga Jerusalém sim- enxugará dos olhos (dos homens) toda a
boliza quase sempre a estrutura oposta, lágrima, e a morte já não existirá, já não
em que tudo está submetido a regras haverá luto, nem pranto, nem dor, por-
muito estritas. que as primeiras coisas passaram” (A-
pocalipse, 21:4).
Desta cidade vem o chamado inces-
O APRISIONAMENTO ENTRE A BABILÔNIA sante para a “volta”, mas o homem aba-
E A ANTIGA JERUSALÉM fa este chamado dentro dele, até o dia
em que, depois de várias encarnações
de seu microcosmo, e depois de passar
A Babilônia e a antiga Jerusalém sim- por inúmeras experiências em períodos
bolizam os dois pólos entre os quais vai inimaginavelmente longos (tanto dentro
e vem a vida terrestre. Estas duas cida- quanto entre Babilônia e Jerusalém)
des estão presentes ao mesmo tempo e descobre que o mundo é ilusório e sem
se influenciam mutuamente. Às vezes é saída. Neste momento, surge uma nova
Babilônia que dá o tom e tudo é possí- compreensão, e ele toma a decisão de
vel; às vezes é a antiga Jerusalém, com se empenhar, tomando um outro cami-
seus princípios rigorosos. A vida de de- nho, para nunca mais se deixar guiar ou
sejos não-amestrados, assim como as deter-se pelas condições que a existên-
idéias formalistas, são aspectos do cia terrestre lhe impõe.
“mundo da cólera”, diz Jacob Boehme,
ao descrever a natureza mortal.
Cada um, de acordo com certos as- O CAMINHO DA LIBERTAÇÃO
pectos de sua personalidade, pode per- INTERIOR É INDIVIDUAL
tencer à Babilônia (estar ligado a outras
pessoas em quem o aspecto babilônico
é dominante), ou a Jerusalém (e obser- Quando chegou a este ponto em seu
va as leis). processo de desenvolvimento, este ho-
Assim, é certo que existe um determi- mem encontra-se no começo do cami-
nado processo de desenvolvimento que nho que leva a sua Belém pessoal, a
pode levar a Babilônia ou a Jerusalém, sua Patmos pessoal. Belém simboliza o
no decorrer do qual os desejos vão sen- nascimento da nova vida, o momento
do pouco a pouco amestrados. Esta rea- em que se manifestam os primeiros si-
lização passa como se fosse sucesso nais do despertar da alma imortal.
aos olhos do mundo, mas também liga à Quando esta centelha de luz espiritual
terra, apesar da aparência de um pro- começa a brilhar no coração, todo o sis-
gresso natural. Entre Babilônia e a anti- tema é polarizado pela nova força vital,

16
a força crística universal. A entrada nes- tempo o caminho para aqueles que o
te processo de renovação faz nascer um seguem. Assim, todos os homens estão
interesse pela vida totalmente diferente. na senda para libertar-se das tentações
A personalidade vai abandonando pro- de Babel e de Babilônia, e para sair da
gressivamente seu gosto pelas coisas cegueira da antiga Jerusalém, para
terrestres, pelas regras e pelo poder. Ela finalmente poderem entrar na cidade
vai dando cada vez mais espaço para o santa que “não tem necessidade do sol
desenvolvimento da nova alma e a colo- nem da lua para iluminá-la, pois a glória
ca no ponto de atingir a Nova Jerusa- de Deus a ilumina ...”(Apocalipse, 21-
lém, seu novo campo de vida. 23).
Ela rompe seus laços com os antigos
e novos modelos culturais, sua maneira
de falar, pensar e sentir habituais; ela
ultrapassa e deixa para trás os limites
simbolizados pela “confusão das lín-
guas” que se deu logo depois da cons-
trução da Torre de Babel. Nesta senda,
o peregrino encontra muitos seres que
conquistaram sua liberdade interior ou
que a estão conquistando, e todos se
sustentam no caminho de Belém a Pat-
mos.
Patmos representa um estado em
que já não é necessário explorar os ou-
tros para compensar o que lhe faz falta.
Todos os obstáculos terrestres são
abolidos. A metade perdida — o compa-
nheiro espiritual — é reencontrada. Este
é o estado em que surge a Nova Jeru-
salém, que nos toca: o novo céu-terra
abre suas portas e mostra à alma imor-
tal o caminho que se descortina diante
dela.
Esta nova vida está sempre a nosso
alcance, assim como as diversas fases
da libertação da alma, chamadas de
Babel, Babilônia, a antiga e a nova Jeru-
salém, Belém e Patmos.
A Nova Jerusalém é o novo campo de
vida para toda a humanidade, mas cada
um deve, em primeiro lugar, encontrar
pessoalmente o caminho de Belém a
Patmos antes de poder entrar neste
campo de vida. Todos os grupos que
atingem esta meta liberam ao mesmo

17
19
A MURALHA DE URUK

A cidade de Uruk situava-se no Sul Uruk) tenham sido escolhidos como


da Babilônia, na margem esquerda símbolos a fim de tornar mais próxima a
história de Gilgamesh. Uruk pode ser
do rio Eufrates, em uma região que
considerada como símbolo do homem
hoje faz parte do Iraque. Ela era con- divino original, mas gravemente danifi-
siderada um dos centros da civiliza- cada. A narrativa conta a respeito do
ção suméria entre 3500 e 2900 a.C. estado de riqueza de Uruk e do sinal
Na epopéia de Gilgamesh, é dito sob o qual ela havia sido estabelecida: o
templo de Ishtar, a deusa do amor e da
que a cidade-templo de Uruk era
bondade. Gilgamesh, o rei desta cidade,
totalmente separada do mundo exte- é “dois terços divino e um terço huma-
rior “obscuro e perigoso” por uma no”.
muralha; e que aí passava um cami- Na doutrina esotérica, sabemos que,
nho que o rei Gilgamesh deveria em sua origem, o homem era vivificado
por três núcleos divinos de vida. Em sua
percorrer.
queda, um destes núcleos desapareceu
e foi substituído por um novo núcleo
A epopéia começa relatando as cir- temporário formado de matéria, tendo
cunstâncias nas quais um novo dia de em vista a recuperação do microcosmo.
manifestação começa para a humanida- Na narrativa, este elemento de substitui-
de, depois da destruição de todos os ção é simbolizado por Enkidu, persona-
seus bens pelo dilúvio. Os homens de- gem que habita Uruk em total unidade
vem, então, recuperar “o tempo de an- com Gilgamesh.
tes do dilúvio” e restabelecer a vida que Uma “cidade” como a de Uruk repre-
fora aniquilada. Assim, ainda é traçado senta um microcosmo danificado, ape-
mais uma vez, diante dos olhos dos sar de ser formado pela luz divina e,
homens, o plano divino de salvação pa- portanto, ser imortal. O poder libertador
ra o mundo e para a humanidade, e são de uma estrutura como esta também é,
claramente definidas as novas possibili- portanto, imperecível, apesar do fato de
dades de realização deste plano. A fim ela renovar-se e adaptar-se às circuns-
de libertar os microcosmos da natureza tâncias nas quais o caminho da liberta-
da morte, a luz divina original oferece- ção interior deve ser percorrido. Neste
-se novamente à humanidade errante, sentido, a epopéia de Gilgamesh e de
no início de um novo período de civiliza- Uruk sempre é atual, mesmo se em
ção. nossa época a humanidade precise dar
um passo a mais.
O mundo que vemos a nossa volta é
DOIS CAMPOS DE VIDA
uma parte separada da criação. Em
IRRECONCILIÁVEIS
esoterismo, esta parte é qualificada de
“dialética”, pois é um mundo onde rei-
A epopéia de Gilgamesh é, sem dúvi- nam as forças contrárias. Quando a hu-
A alma recupera
da, infinitamente mais antiga do que as manidade deixou o Paraíso e entrou na
a liberdade
que lhe foi cidades da antiga Babilônia. Não é região onde reina “o espaço e o tempo”
prometida ... impossível, portanto, que elementos co- manifestaram-se forças contrárias “do
(III. Pentagrama) nhecidos (como a famosa cidade de bem e do mal” e a morte surgiu, a fim de

19
preservar o homem da cristalização. sete portas a todos os que estão prepa-
Nesta região, também chamada de rados da forma exigida. Quem busca
“ordem de socorro”, o homem mortal esta “nova vida” deve entrar na cidade,
vive separado de seu Criador. Em ou- desde que deixe falar em si “a mensa-
tras palavras, ele já não conhece sua gem eterna de antes do dilúvio” e se
origem. esforce para descobrir e colocar em prá-
É por esta razão que é errado acredi- tica as leis sagradas. Como personali-
tar que o Criador criou uma “muralha” dade — produto da natureza terrestre
em torno de Uruk para expulsar o ho- — ninguém pode entrar em uma cidade
mem, ou mesmo que seria para proibi-lo como Uruk, pois a muralha de seu pró-
de entrar “no campo de vida da força prio ser ergue-se diante dele como um
pura divina”. obstáculo intransponível.
Quem desejar seguir o caminho da
nova vida, observará de tempos em
tempos que os obstáculos estão dentro O TEMPLO DO JULGAMENTO
de si mesmo: ele é expulso pela mura-
lha que ele próprio construiu.
Esta muralha existe apenas onde a Todos os que buscam através dos sé-
separação entre o mortal e o imortal culos testemunham que o homem mor-
não foi anulada. Na realidade, ela mos- tal deve fazer interiormente sua auto-
tra simbolicamente a ilusão da “imortali- -entrega ao homem imortal. As Núpcias
dade terrestre”. Alquímicas de Christian Rosenkreuz
Portanto, a muralha de Uruk protege dão um bom exemplo disto. No terceiro
tanto a cidade quanto aquele que dela dia de sua viagem, Christian Rosen-
se aproxima. A luz protetora da Gnosis kreuz passa pelo Templo do Julgamen-
irradia da cidade-templo e toca o busca- to, antes de dirigir-se ao salão nupcial.
dor para guiá-lo até ela e fazer com que É a parte da cidade-templo em que o
aí entre, desde que ele abandone tudo o candidato é julgado apto para atraves-
que pertence a seu ser mortal. sar a fronteira entre a vida e a morte.
Quem chegou até aí é colocado à
prova e deve mostrar suas verdadeiras
PROTEÇÃO CONTRA intenções. Aí, pesa-se tudo o que possa
A NATUREZA TERRESTRE assemelhar-se à cultura da personalida-
de, a exercícios e experiências ocultis-
tas e parece que estes bens são impró-
Johann Valentin Andreæ descreve prios para estabelecer uma ligação du-
uma cidade de luz semelhante em radoura com a Gnosis.
Christianopolis e dá as medidas simbó- O que se oculta por detrás da aparên-
licas que devem ser seguidas durante cia na vida cotidiana é desmascarado
sua construção. No Apocalipse, capítulo no Templo do Julgamento. Sete forças,
21, João dá a mesma imagem da Nova simbolizadas pelos sete pesos da ba-
Jerusalém, o novo campo de vida no lança, protegem o trabalho divino de
qual a alma que busca a imortalidade é salvação contra quem quer que seja
admitida depois de ter deixado para trás que tenha escolhido o caminho por e-
todos os seus aspectos terrestres. goísmo e não impulsionado pelo anelo
Assim, entre o mundo que desviou-se do núcleo imortal dentro de seu cora-
do plano divino (aqui chamado de Babel ção.
ou Babilônia) e o próprio plano divino
ergue-se uma “ponte” representada pela
“Nova Jerusalém” ou “Christianopolis”.
Esta “cidade nova” afasta tudo o que é
ímpio ou falsamente santo e abre suas

20
O PODER DO MAL Na introdução da Epopéia de Gilga-
mesh a narrativa conta que o herói, no
fim de sua viagem, fala do poder e da
A muralha que cerca Uruk não serve beleza de Uruk a seu companheiro, o
somente de proteção contra os desejos barqueiro Ur-Shanabi:
impuros da personalidade.
“Sobe, Ur-Shanabi,
Cada um constrói muralhas a sua e passeia sobre a muralha de Uruk,
volta a fim de se proteger contra as examina seus alicerces,
ameaças do mundo mortal que o olha que tijolos!
rodeia. Desde o momento em que a Vê se não são de argila cozida,
humanidade começou a afastar-se da e se os alicerces não foram dispostos
natureza divina, ela colocou-se sob o pelos sete sábios!”
domínio do fogo não-divino que a man-
tém distanciada do campo de vida divi- No momento em que, na natureza mor-
no. O “príncipe deste mundo” deve obri- tal, constrói-se um novo campo de vida
gatoriamente voltar-se contra o plano imortal, a fim de auxiliar aqueles que
divino e colocar tudo em prática para buscam a verdade divina fazendo nas-
impedir a salvação das almas humanas. cer sua alma imortal, um grupo humano
Ele coloca-se como adversário do cria- arbitrário não está apto a construir, cer- Ruínas da
dor e como não está nele o poder cria- tamente, um templo como este, e a res- cidade de Uruk
dor, ele é completamente dependente
da sobrevida do campo de vida mortal.
Na Epopéia de Gilgamesh este mal é
representado por Humbaba: “Seu rugido
parece o troar do dilúvio”. Durante um
certo período, seu poder vai crescendo
e todas as possibilidades de libertação
são aniquiladas, até que o limite seja
atingido e que somente um novo perío-
do de manifestação possa trazer novas
possibilidades.
“Sua boca escarra fogo e seu sopro é
mortal!” Sua força mantém a humanida-
de ligada à roda do nascimento e da
morte.
Inúmeras narrativas descrevem a
possibilidade de atacar um campo de
vida gnóstico, mas não de vencê-lo. Em
Parsifal, o mal é simbolizado por Kling-
sor, que tenta entrar na região do caste-
lo do Graal, mas logo é enviado de volta
para o “Vale do Além”, de onde ele veio.
Em A Flauta Mágica, a Rainha da Noite
e suas amas tentam entrar no Templo,
mas como esta última tentativa para
opor-se à vitória da luz fracassa, e como
elas não conseguem retomar Pamina,
elas têm que desaparecer.

A CIDADE CONSTRUÍDA POR SETE SÁBIOS

21
ponder à doutrina em toda a sua pure- os seres humanos querem impedir, a to-
za. Para isto, é preciso que, desde o iní- do o preço, uma só coisa: o desapareci-
cio, seja estabelecida uma ligação com mento da vida centrada no eu! Para isto,
os que os precederam no caminho. cada um coloca em prática todas as for-
Afinal, é juntos que eles podem evo- ças e todos os meios disponíveis e
car a nova força libertadora e oferecê-la constrói muralhas de angústia, sem
a todos aqueles que querem trabalhar saber que são justamente eles que tor-
com ela. Gilgamesh, o rei de Uruk, é o nam impossível a execução do plano di-
precursor do caminho. Ele é chamado a vino. Desde o momento em que o amor
esta tarefa e encontra a senda que leva divino abre uma brecha em seu coração
até o sábio Uta-Napishtim com o qual assim tão cheio de barricadas, o proces-
ele estabelece a ligação com os prede- so da verdadeira franco-maçonaria po-
cessores. Por esta razão, ele não per- de começar e as muralhas tornam-se
corre sozinho o caminho de volta, mas ruínas, abrindo o caminho que conduz à
ele é acompanhado por Ur-Shanabi, o cidade-templo e dando a possibilidade
barqueiro. de explorá-la.

A ABERTURA DO CAMINHO
PELA FRANCO-MAÇONARIA

Cada peregrino a caminho de Uruk


era experimentado quanto a sua motiva-
ção antes de poder ultrapassar a mura-
lha — assim como o buscador sério, em
nossos dias, pois aquele que quer
entrar na cidade da luz também deve
estar preparado para tornar-se uma
pedra de construção e um guardião da
luz. Ele somente poderá proteger a cida-
de se sua motivação for pura e se ele
não estiver seguindo nenhum objetivo
pessoal. É com esta disposição que ele
torna possível entrar e contribuir para
sua libertação e de seu próximo. Isto
exige uma reviravolta total do ser, uma
mudança de comportamento que inclui
todos os aspectos da personalidade.
Compreensão e desejo são insuficien-
tes, se não forem acompanhados por
uma vida pura baseada em um direcio-
namento totalmente novo.
De acordo com sua natureza, a maior
parte dos homens é constituída por Para esta recons-
construtores ativos. Eles constróem mu- tituição, o pintor
ralhas em todos os aspectos da matéria Ferguson baseou-
grosseira ou sutil: muralhas terrestres, -se em descober-
fronteiras, muralhas mentais coletivas tas arqueológicas
de seu tempo
que os separam, em clãs inimigas e mu- (século XIX,
ralhas individuais para se protegerem British Museum,
das influências destruidoras, pois todos Londres).

22
BABEL, BABILÔNIA E A ARTE DA CONSTRUÇÃO

A história de Babel é a história de mais elevados Mistérios. Na criação, a


um projeto ambicioso: a construção vontade do Pai é transmitida pelo Filho
e realizada por uma construção concre-
de uma torre que vai até o céu. O
ta graças ao Espírito Santo. É assim que
resultado foi um caos indescritível. A foi estabelecido o campo de vida origi-
torre jamais foi terminada, pois os nal da humanidade pelos construtores
construtores acabaram presos em inspirados por Deus, como uma expres-
uma armadilha da “confusão de lín- são perfeita da unidade do Espírito
Santo e suas criaturas. A humanidade
guas”, confusão que espalhou-se
que havia participado desta unidade
rapidamente por toda a população e pertencia, portanto, ao mesmo tempo
por fim por toda a humanidade. ao batalhão de construtores que fala-
vam todos a mesma linguagem, a lin-
Na antigüidade, entretanto, muitas guagem do Espírito Santo. Nesta lingua-
construções tiveram um outro efeito gem, todos os pensamentos criam vida,
completamente diferente sobre o meio cada palavra faz surgir criaturas sintoni-
ambiente, e este efeito ainda perdura. zadas com o plano divino, cada som
As pirâmides do Egito, por exemplo, emitido combina os átomos da substân-
têm uma irradiação que ainda não foi cia primordial para criar novos mundos.
explicada completamente e não deixam Em nossa natureza perdida ainda é
de atrair pesquisadores e sábios. Qual possível perceber muito desta sabedo-
seria a diferença entre as pirâmides e a ria e desta força incompreensíveis do
Torre de Babel? plano de criação divino. São os cons-
A construção dos monumentos mun- trutores divinos que edificaram a or-
danos é o fruto do pensamento humano, dem de socorro em que vivemos e que
mas os monumentos sagrados — no lhe deram esta beleza indescritível que
melhor dos casos — estão ligados aos inspira ao homem o anelo por Deus.
do, nem aos outros. E por quê?

CONSTRUIR PELO ESPÍRITO

Uma construção pura no sentindo do


plano divino apenas se realiza quando o
Espírito pode manifestar-se pela alma
na matéria.
O Espírito liga-se à matéria e a
transforma a fim de lhe dar a possibili-
dade de atingir uma outra finalidade.
Hermes Trismegisto diz que a “razão”
transforma o que é “desprovido de
razão”. Certas pirâmides egípcias são
realizações materiais desta arte da
construção. Seu alicerce está solida-
mente ancorado na terra e seu cume
atinge os mundos “imateriais, espiri-
tuais”, de onde descem as forças divi-
nas libertadoras até a base. Na Euro-
pa, na Idade Média, certas catedrais
Muralha da Em contrapartida, em segundo plano góticas foram a expressão desta arte
cidade de grassam, tanto hoje como no passado, espiritual de construção.
Babilônia antes uma confusão, uma crueldade e um
da restauração.
instinto de destruição incompreensí-
veis. Esta ordem de socorro constitui, A EVOLUÇÃO SERIA UMA IDÉIA ILUSÓRIA?
por um lado, uma ponte entre as trevas
e a luz, uma escola de aprendizagem
misericordiosa para a humanidade; por Os homens quiseram “dar-se um no-
outro lado, é um inferno de sofrimento me”, segundo a expressão da Bíblia, e
criado e mantido pelo homem. Afinal, a utilizar a matéria a fim de elevar-se até
humanidade dialética perdeu sua quali- seu Deus e tornarem-se eles próprios
dade divina quando rebelou-se contra deuses; mas eles omitiram o fato de
seu Criador e recusou sua missão. que aqueles que podem voltar à fonte
Entretanto, ela era dotada de um poder original na realidade estão sem rumo.
criador capaz de ensinar-lhe as lições Aqueles que já não possuem o Espírito
Reconstituição da vida. Submetidos a este poder, os não podem tornar-se Espírito. Babel,
de uma casa na homens são forçados a construir, mas Babilônia foram construídas por ho-
Babilônia. eles já não falam a linguagem dos mens terrestres, constituídas de maté-
construtores originais que cumpriam ria terrestre. Ora, como diz Lao-Tsé, o
uma missão divina. Eles se deixam homem é quando muito a lâmpada que
guiar por idéias confusas e constróem guarda em si a luz mas não a própria
mundos ilusórios onde sua fala conti- luz. É por esta razão que ele deve
nua aprisionada, impotente na inces- esvaziar-se de tudo o que acumulou
sante batalha entre teses e antíteses. em si para que o fogo, a luz, possa
Eles são, e nós somos juntos com eles, manifestar-se dentro dele. Enquanto
os filhos de Babel e Babilônia, os cons- ele negligenciar este princípio, ele
trutores caídos de suas imensas torres somente poderá construir “vento”. Sim,
terrestres e que não compreendem ele é obrigado a continuar dentro dos
mais nem a si mesmos, nem ao mun- limites da cultura que define a expres-

24
são : “Tudo é passageiro”! Os constru- A CONSTRUÇÃO DA
tores de Babel, de Babilônia e os resul- MORADA SANCTI SPIRITUS
tados de suas aspirações deram corpo
à grande ilusão de que a matéria tem a
capacidade de evoluir até tornar-se Os autênticos rosa-cruzes aspiram
Espírito. Prisioneiros desta ilusão, eles ao restabelecimento da verdadeira arte
não abandonam jamais o que decidi- da construção. No meio da Babilônia
ram; então eles devem seguir o cami- moderna, eles se esforçam — com mui-
nho das experiências amargas, o cami- tos outros buscadores sérios de Deus
nho do extravio e da destruição, até o — em manter bem aberta a porta de
dia em que o fogo que os habita seja acesso à morada espiritual da humani-
liberado da ilusão. dade. Eles também exploram as novas
Babilônia e Babel estão por toda a sendas para prestar seu auxílio lá onde
parte. Toda a cultura constrói sua pró- é possível e oferecer a todos os que o
pria Babilônia e suas torres de Babel se desejam seus tesouros espirituais. Gra-
erguem tão logo tome forma a grande tuitamente!
ilusão de que o homem mortal tem a
possibilidade de alcançar a eternidade
divina mediante suas capacidades e
métodos perecíveis: torres de pedra, de

prata e de ouro; torres religiosas e filo-


sóficas; torres de poder, de humanitaris-
mo e de ilusão. Elas se tornarão ruína
pedra por pedra, seus construtores
serão lançados por terra, e sua queda
será tão dolorosa e profunda quanto
sua grande altura.

25
A TORRE DE BABEL (GÊNESE, CAPÍTULO 11)

1. Em toda a terra havia apenas uma dos dignos o bastante para receber tal
linguagem e uma só maneira de falar. conhecimento, e este foi reservado a um
2. Sucedeu que, partindo eles do pequeno número, ao invés de ser geral.
Oriente, deram com uma planície na Como as gerações seguintes foram
terra de Sinear; e habitaram ali. pouco a pouco privadas da “linguagem
3. E disseram uns aos outros: Vinde, dos Mistérios”, todos os povos sem
façamos tijolos, e queimemo-los bem. exceção foram limitadas à linguagem de
Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o sua sabedoria particular; eles esquece-
betume, de argamassa. ram-se da linguagem da sabedoria origi-
4. Disseram: Vinde, edifiquemos para nal e acharam que o Senhor, um dos
nós uma cidade e uma torre cujo topo mais importantes senhores ou hierofan-
chegue até os céus, e tornemos céle- tes dos Mistérios de Javeh Elohim,
bre o nosso nome, para que não seja- havia confundido a linguagem de toda a
mos espalhados por toda a terra. terra a fim de que os homens que ha-
5. Então desceu o Senhor para ver a viam pecado já não pudessem ser com-
cidade e a torre que os filhos dos preendidos uns pelos outros. Entretanto,
homens edificavam; sempre houve iniciados em todos os
6. e disse: Eis que o povo é um, países.”
e todos têm uma mesma linguagem.
(A Doutrina Secreta,
Isto é o começo; agora não haverá
Helena Petrovna Blavatsky)
restrição para tudo que intentam fazer.
7. Vinde, desçamos e confundamos ali
a sua linguagem, para que um não
entenda a linguagem de outro.
8. Destarte o Senhor os dispersou dali
pela superfície da terra; e
cessaram de edificar a cidade.
9. Chamou-se-lhe, por isso,
o nome de Babel, porque ali confundiu
o Senhor a linguagem de toda a terra,
e dali os dispersou o Senhor por toda
a superfície dela.

“Quanto à opinião de alguns cabalistas


segundo a qual existia na antigüidade
uma só ciência e uma só linguagem, ela
também é a nossa e é completamente
verídica. Mas é evidente que é preciso
acrescentar que, depois da submersão
da Atlântida, esta ciência e esta lingua-
gem sempre foram esotéricas. O mito da
Torre de Babel está relacionado a este
segredo que era obrigatoriamente bem
guardado. Os homens decaídos pelo
pecado original já não foram considera-

26
“UMA SÓ LINGUAGEM E AS MESMAS PALAVRAS...”

“No princípio era o Verbo e o Verbo lhando cada vez mais profundamente;
estava com Deus, e o Verbo era depois da confusão das linguagens de
Deus. Ele estava no princípio com Babel, a maioria dos humanos não con-
seguiu guardar mais do que uma lem-
Deus. Todas as coisas foram feitas
brança deformada da linguagem origi-
por ele, e nada do que foi feito foi nal. De acordo com as condições de vi-
feito sem ele” (João, 1: 1-3). da de uma parcela da humanidade, os
meios de expressão foram-se desenvol-
vendo com o auxílio de ruídos, sons e
A criação começa com o Verbo divino vibrações emitidos pela laringe.
todo-poderoso.
Pelo Verbo, a palavra falada, Deus
transforma suas idéia em manifestação. COMUNICAÇÃO SEM COMPREENSÃO
Esta força original fundamental mági-
ca faz nascer as criações divinas. O ato
original criador da vida que está na No mundo de hoje muitos povos e
base de toda e qualquer manifestação é raças têm sua própria linguagem. De
a emissão do Verbo: “Pois ele falou, e tu- acordo com um estudo científico, exis-
do se fez; ele mandou, e logo tudo apa- tem cerca de 4.000 linguagens: uma
receu” (Salmos, 33:9). profusa confusão que realmente não fa-
vorece a compreensão entre os povos.
Além disso, o crescente individualismo
A “CONFUSÃO DAS LINGUAGENS” torna a compreensão mútua mais difícil
ainda.
Portanto, não é de se espantar que a
Quando o homem ainda estava liga- “comunicação” seja a palavra-chave do
do à “causa primeira”, e portanto era mundo moderno.
uno com seu Criador, ele também parti- Um dilúvio de palavras derrama-se
cipava desta força. É dito na Bíblia: diariamente sobre a humanidade pelo
“Toda a terra tinha uma só linguagem e rádio, pela televisão e pela imprensa.
um só idioma” (Gênese, 11:1). Mas, pe- Telefonamos e passamos fax, trocamos
lo egocentrismo e pela presunção, os informações através das redes bancá-
homens quiseram “tornar célebre o nos- rias de dados, e cada um pode partici-
so nome” e eles disseram entre si: “Vin- par de grupos de estudos e debates.
de, edifiquemos para nós uma cidade e Mas parece que todos estes esforços de
uma torre cujo topo chegue até os cé- comunicação só fazem com que nos
us...” A Bíblia conta então como a huma- isolemos mais ainda uns dos outros.
nidade, que estava cega, foi separada Apesar de muitos de nós conseguir falar
do campo de vida divino e perdeu sua diferentes linguagens, há cada vez me-
linguagem única, a Palavra viva de nos compreensão e nunca falamos no
Deus. mesmo nível. A comunicação moderna
Não houve mais unidade de cons- não consegue lançar uma ponte entre
ciência porque a humanidade foi sintoni- os corações, esta ponte que é o alicer-
zando progressivamente com as leis do ce da verdadeira compreensão. A alma
mundo dialético, no qual ela foi mergu- consciente, que recebe a compreensão

27
da Gnosis, a força divina, está perdida. um papel importante, assim como o
Se a consciência da alma “congela- pensamento e sua expressão por meio
da” já não sente nada da linguagem ori- da voz.
ginal divina que une, e portanto dá O efeito da “palavra mágica” finalmen-
segurança, e se ela somente pode utili- te é determinado pela motivação do
zar a linguagem dialética, fria e limitada, mágico e pelas forças de seu campo de
nós apenas falamos por falar. respiração e do campo de respiração do
Então, estamo-nos atordoando uns “receptor”. Portanto, não é apenas o tom
aos outros com chavões, e debaixo de que determina o efeito desejado.
uma avalanche de sons ensurdecedores A vontade do homem é mágica. Ela
nos esforçamos para urrar, expressando atrai as forças do ambiente e as mani-
nosso doloroso sentimento de solidão e pula antes de enviá-las novamente. É
para não escutar as reprimendas de um contínuo processo de criação, no
nosso coração. Esta linguagem já não é qual o homem constrói sem descanso
durável e jamais poderá expressar a ver- com seus pensamentos, seus senti-
dade. Hoje reina a confusão, assim co- mentos e suas palavras, geralmente
mo as discussões sem fim, cada vez apenas para dar provas de si mesmo.
mais tentativas de ultrapassar a separa- Se ele vive em interação com as leis da
ção básica, e, para completar, resta ape- natureza mortal, sua “construção” tam-
nas um desejo de reaproximação total. bém é mortal.
Presumimos a existência da Unidade Porém, se ele vive e age de acordo
e isto sempre estimulou a busca da lin- com as exigências do plano divino, ele
guagem original. É assim que quase pode fazer surgir a alma imortal. Mesmo
todos os homens buscam a possibilida- mantendo-se afastado de toda e qual-
de de sair da prisão na qual vivem sepa- quer magia exercida conscientemente,
rados uns dos outros, para conseguir ele sempre estará agindo magicamen-
realmente comunicar-se entre si. te.
Jan van Rijckenborgh, autor da Gno-
sis Chinesa (Rozekruis Pers, Haarlem,
A LINGUAGEM É UM PODER CRIADOR 1992, p. 243), escreve: “Quando inspi-
rais, a matéria astral penetra em vossa
cabeça através de vosso campo de res-
A linguagem não serve somente para piração e vos impulsiona a uma determi-
comunicar, mas também para expressar nada atividade mental. Quando expirais,
a vontade. Afinal, por mais que o poder vossa voz ressoa e, pela palavra, con-
da palavra tenha perdido suas raízes, a cretizais a imagem, a força, a vibração
palavra falada e escrita continua carre- trazidas pela substância da respiração,
gada de força. A Doutrina Universal diz e deste modo transmutais os valores
que, em um passado remoto, uma parte astrais em realidade vivente, ativa e
da força criadora dirigida para baixo foi mágica. Falar é, portanto, uma atividade
orientada para o alto para desenvolver o criadora e isto acontece graças à expira-
cérebro e a laringe. Os órgãos genitais e ção.
a laringe têm a mesma fonte. Neste sen- O mental, e portanto o astral, tornam-
tido, a palavra é uma expressão do -se perceptíveis graças à expiracão,
poder de reprodução, e portanto ela é quando a laringe expulsa o prana em
altamente criadora. todos os níveis sutis de seus diversos
Geralmente a magia é considerada estados vibratórios que correspondem
uma arte secreta que utiliza as forças às representações mentais que ele vei-
supra-sensoriais. A magia baseia-se cula.
principalmente na palavra. O chakra da Assim o prana transforma-se em sons.
garganta emite uma certa vibração em Vogais e consoantes compõem imagens
que os estados de alma desempenham sonoras em caracteres mágicos.

28
Todas estas imagens sonoras têm “O Verbo vivente” não pode ser pro-
como região de origem o astral. Esta nunciado por alguém que ainda está
região, por meio da magia da fala é evo- profundamente enraizado no mundo
cada, vivificada, liberada, dinamizada. das forças contrárias. O nome do
Esta atividade, esta magia, naturalmen- Criador não pode ser pronunciado e es-
te tem efeitos, conseqüências diretas, capa ao poder de expressão do homem
conseqüências muitas vezes salvadoras dialético. Lao-Tsé diz, no capítulo I do
e libertadoras, mas muitas vezes apri- Tao Te King: “Se Tao pudesse ser defini-
sionadoras e muito perigosas, tanto do, ele não seria Tao eterno. O nome
para aquele que fala como para aquele que pode ser expressado não é o nome
que ouve”. eterno”. O Verbo vivente é a vibração
Assim, fica claramente demonstrado divina que, atravessando o cosmo intei-
que é importante deixar de falar descon- ro, dá vida a tudo. “Esta Palavra é cha-
troladamente, pois uma palavra pincela- mada na Doutrina Universal de “o nome
da com crítica, inveja, ciúme, ódio ou misterioso de Deus”, composto por seis
egoísmo é sempre um veneno mortal, ou sete letras. É a designação da santa
tanto para quem a pronuncia como para força sétupla, das sete forças gnósticas
aquele que a escuta. Mas, ao mesmo por meio das quais pode ser realizada a
tempo, as possibilidades oferecidas pela santificação do homem que volta para
fala manifestam-se quando ela é anima- Deus. O nome de Deus é a própria
da pelo princípio central imortal do ser Gnosis, é o próprio Deus. Com estes se-
humano. Assim, a palavra pronunciada te raios, tudo pode ser realizado” (Jan
é capaz de transmitir alguma coisa da van Rijckenborgh em A Gnosis em sua
força imortal de um homem a outro. atual manifestação, Lectorium Rosicru-
cianum, 1984, 1º edição).
Quem aprende novamente a com-
A Nova Era mostra
O NOME QUE NÃO PODE preender o nome de Deus e começa a
a moderna Torre
SER PRONUNCIADO pronunciá-lo com a intenção original, faz de Babel sob seu
com que dentro de si termine a “confu- verdadeiro aspecto
são das linguagens”. “E há de ser que (III Pentagrama).

29
todo aquele que invocar o nome do guas de fogo e para receber sua sabe-
Senhor será salvo” (Joel, 2: 32). Esta doria e seu amor. Quem abandona tudo
invocação não tem nada a ver com a ati- o que o liga à terra está pronto para a
vidade da laringe, mas é uma redesco- nova vida.
berta de nosso nome, que está inscrito
no Livro da Vida.

A CHAVE DA IMORTALIDADE

Quem consegue restabelecer a uni-


dade com a centelha divina dentro de
seu ser e quer, portanto, aprender a agir
de acordo com a vontade divina; quem
pode fazer crescer esta nova consciên-
cia, haverá de transformar-se e transfi-
gurar-se, célula por célula.
E este processo de regeneração libe-
rará um novo som, vibrante e em perfei-
ta harmonia com os sete sons cósmicos.
Assim haverá de crescer o poder, per-
mitindo que a alma pronuncie novamen-
te o Verbo divino. Os Atos dos Após-
tolos, capítulo 2, versículos de 1 a 4, fa-
zem uma descrição deste estado subli-
me de ser: “No Dia de Pentecostes,
estavam todos reunidos no mesmo lu-
gar. De repente, veio do céu um ruído
como que de um vento impetuoso e en-
cheu toda a casa em que estavam sen-
tados. E lhes apareceram umas línguas
como que de fogo, que se distribuíam, e
sobre cada um deles pousou uma. E
todos ficaram cheios do Santo Espírito,
e começaram a falar em outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia que
falassem”.
As “línguas” simbolizam a força de fo-
go da Gnosis. Quem está preenchido
com este fogo fala uma linguagem inspi-
rada pelo Espírito.
Quem quiser receber novamente esta
linguagem perfeita deve preparar todo o
seu ser para poder suportar estas lín-

30
CONHECIMENTO DOS ASTROS, DE SEUS
MOVIMENTOS E INFLUÊNCIAS

A ciência que trata da atividade dos nhação astrológica florescia entre o po-
astros é muito antiga. A divisão do vo, exatamente como hoje.
céu em doze forças que governam o
universo já era conhecida dos sumé- A IMPORTÂNCIA DA HORA E DO
rios, dos assírios e dos caldeus. Esta LUGAR DE NASCIMENTO
ciência servia, entre outras coisas,
para magos e sacerdotes aconse-
Admite-se que é na Grécia que foi es-
lharem seus reis. Os doze signos do
tabelecido o primeiro horóscopo de nas-
zodíaco talhados na pedra e todo o cimento. Um horóscopo é a imagem do
tipo de representações e ornamen- céu na hora do nascimento. Graças a
tos testemunham a necessidade de ele, o astrólogo esforça-se por determi-
observar o céu e de aí ler a vontade nar e explicar o destino ou o caráter de
um ser humano como se ele fosse uma
dos deuses e o destino dos povos.
projeção de forças ativas do universo. A
personalidade é, então, encarada como
No tempo da Babilônia, os planetas a imagem reflexa do firmamento: é a
eram considerados as moradas dos representação exata da situação dos as-
deuses. O deus supremo, Marduk, mo- tros no momento em que a vida começa.
rava em Júpiter; a deusa Ishtar, em Vê- Um sistema como este, que se apoia-
nus; Nergal vinha de Marte e Ninurta va somente nos astros mortais — ou
está ligado a Saturno. Os deuses que, seja, os astros que pertencem à esfera
de acordo com suas ações sobre os ho- dialética — somente interessa à matéria
mens, eram amados ou temidos por e- mortal. Somente as influências do cos-
les, exerciam sua influência a partir dos mo dialético são, portanto, registradas: e
corpos celestes onde moravam. Por é sobre esta base que o futuro é previs-
meio da astrologia, os sacerdotes esfor- to. Como estas considerações sobre o
çavam-se para impedir estas influên- homem não levam em conta nenhuma
cias, ou fazê-las crescer. Eles estuda- das forças ou irradiações que emanam
vam os movimentos dos corpos celestes da vida imortal, este tipo de previsão é
e suas mútuas relações, interpretavam sempre especulativo e muito parcial.
suas ações e daí tiravam suas profecias.
A arte da profecia constituiu, desde o
início, um aspecto essencial da astrolo- SERIA UM MODO DE CHEGAR
gia. AO AUTOCONHECIMENTO?
Inúmeras figuras do zodíaco ocidental
provêm das mitologias mesopotâmica,
grega e egípcia. A ciência astrológica Claro que é possível obter, desta ma-
dos babilônicos espalhou-se sobre neira, alguns esclarecimentos que di-
quase todo o Oriente Médio, a Índia, o zem respeito à estrutura da personalida-
Egito e a Grécia. de. Mas, se compararmos este método
Reservada inicialmente aos sacerdo- a um iceberg, ele daria apenas o conhe-
tes e magos, ela logo ficou acessível cimento da parte que está na superfície.
aos profanos. Na antiga Roma, a adivi- O verdadeiro autoconhecimento não se

31
ensina, mas vai sendo adquirido pouco uma ruptura tão profunda que a couraça
a pouco, graças a um processo no qual acaba por romper-se, e a consciência já
a vida é o mestre e a consciência, o não pode dissimular-se, constrangida a
aluno. As experiências que daí resultam realizar a escolha definitiva. Se esta es-
levam até os recantos mais obscuros do colha for direcionada para um restabele-
ser e levam mais longe ainda que o co- cimento da ligação rompida com o Cria-
nhecimento obtido pelo tema astrológico dor, o desejo dá acesso à vida ilimitada,
de um só momento. Todos os homens imortal, eterna.
têm regularmente a ocasião de receber Neste sentido, a astrologia pode fazer
golpes do destino — confrontações, do- com que a pessoa dê um pequeno pas-
enças e problemas interiores — assim so rumo ao bem superior. Mas o busca-
como lições que a vida vai-lhe dando. dor ignorante geralmente considera o
Assim, cada um recebe oportunidades tão limitado conhecimento da astrologia
Marco da fronteira de adquirir compreensão: oportunidades como a “única e grande verdade”! É por
de Babilônica, que são dadas a todos os homens. A isso que se segue a advertência, bem
1120 a.C., com
personalidade começa reagindo e refor- oportuna: o conhecimento astrológico
uma figura do
zodíaco. çando a couraça por detrás da qual ela colocado em prática com ignorância po-
(British Museum, busca proteger-se. Seguir e experimen- de reforçar a tendência materialista da
Londres) tar este processo eqüivale a vivenciar qual a pessoa gostaria de livrar-se.
A astrologia tem exercido, desde a
antigüidade, uma grande atração sobre
aqueles que buscam sua origem. Entre-
tanto, esta atração também pode blo-
quear a porta da libertação interior. No
que diz respeito à verdadeira vida imor-
tal, esta antiga ciência é incapaz de aju-
dar verdadeiramente os homens de nos-
so tempo a seguir em frente, pois ela uti-
liza exatamente as forças que eles de-
vem abandonar para tornar-se verdadei-
ramente livres interiormente.

ONDE ESTÁ A PORTA DO


NOVO MUNDO?

A existência perecível é um reflexo


deformado da vida imutável. Nos escri-
tos antigos, a astrologia também é cha-
mada de “o conhecimento da luz e da
origem da vida”, referindo-se a uma
ciência que tratava das irradiações e
das influências que não se limitam à
natureza mortal. Esta sabedoria divina
oculta em todos os seres humanos torna
a todos capazes de resolver a “confusão
das línguas” que aconteceu em Babel.
Por esta razão, não é necessário deci-
frar os signos astrológicos e suas com-
binações, pois a Palavra divina é a mes-
ma para todos.

32
Jan van Rijckenborgh descreve em
Dei Gloria Intacta como o sol espiritual
central serve-se das atividades planetá-
rias para salvar a humanidade decaída
no “sistema solar exterior”.
O Criador fala a sua criatura na “lín-
gua dos astros”, que não são astros
perecíveis que podemos contemplar,
mas focos de irradiação do universo
inviolado que despertam e provocam a
atividade do princípio fundamental do
homem: a rosa-do-coração. Esta sabe-
doria original faz com que o buscador
possa entrever a atividade espiritual de
cada planeta do sistema solar original.

A FORÇA TRÍPLICE DOS PLANETAS


DOS MISTÉRIOS

Em nossa época, o impulso divino é nam cada pessoa capaz de adotar um


diretamente transmitido pela atividade comportamento totalmente novo, capaz
espiritual dos Planetas dos Mistérios: de fazer nascer interiormente a força
Urano, Netuno e Plutão. No início da Era crística e fazer crescer a nova alma
de Aquário, estes planetas provocam imortal.
mudanças essenciais nos seres huma- Graças a Plutão, a força do Espírito
nos; se eles não estivessem preparados Santo pode desenvolver-se em um ser
para a nova era, seus sistemas estariam de tal modo que ele consiga renovar o
arriscados a serem atacados e grave- corpo, a alma e o Espírito, pois é um
mente danificados. A ação destes plane- estado de ser totalmente novo que dá
tas deve torná-los capazes de com- acesso à natureza original. Entretanto,
preender o chamado da alma divina ori- esta tríplice irradiação espiritual não é
ginal. compreendida nem utilizada para atingir
Urano age sobre o coração, lançan- a meta à qual ela é destinada, e age em
do-o na inquietude e liberando-o das sentido inverso.
antigas normas e tradições que foram A Era de Aquário põe fim a um antigo
perdendo a força. A atividade espiritual processo de desenvolvimento, e para a Astrolábio assírio
de Netuno toca o poder mental e o dis- maioria a cultura da personalidade atin- do século VII a.C.
põe a compreender o toque divino no ge seu ponto final. Com a ajuda da força (British Museum
coração. Um coração renovado e purifi- Londres).
crística, o homem pode agora acabar
cado pode liberar a alma prisioneira e com a prisão que ele mesmo construiu
prepará-la para receber a sabedoria ou então prender-se mais fortemente
divina. Ela vê como pode ser salva e ainda à matéria.
como esta salvação irá influenciar a
libertação de muitas outras almas hu-
NEUTRALIZAÇÃO DO PODER
manas escravizadas.
DO HORÓSCOPO
O campo de irradiação de Plutão dá a
força necessária para percorrer o cami-
nho da libertação interior através de A base da renovação fundamental
todos os obstáculos. Plutão é a força da para o qual todos os seres humanos são
realização. Suas energias espirituais tor- chamados é a “rosa-do-coração”, o sol

33
divino que está no centro do microcos- Aquele que abre sua cabeça e seu cora-
mo. Este sol é o eixo oculto da roda da ção e aspira à força cósmica libertadora
verdadeira vida na correnteza do tempo; de Cristo, esta nova força tão antiga,
é o Décimo-Terceiro Eão que transcen- terá o poder de vencer a lei de seu kar-
de os doze eões da natureza, o princí- ma astrológico.
pio de eternidade que está no coração
de todos os seres humanos. Este Dé-
cimo-Terceiro Eão não somente escapa
a toda e qualquer influência e a todo e
qualquer cálculo astrológico como tam-
bém tem o poder de aniquilar as forças
dialéticas fundamentais, os deuses do
sétimo domínio cósmico. Os horóscopos
que tratam da existência que está em
constante transformação já não funcio-
nam e o morador do microcosmo é liber-
tado desta prisão. A teia de aranha das
forças que vêm do passado pode assim
ser rasgada e o homem empenha-se no
processo de renovação e consegue
contemplar o Reino de Deus. Um
momento como este não poderia ser
atingido por práticas astrológicas.

Problema de mate-
mática em uma placa
de argila (Museu de
Bagdá, no Iraque).
A EUFORIA PELO PROGRESSO E PELA TÉCNICA

A história da construção da Torre de desempenha um papel importante, pois


Babel, que dá um exemplo caracte- ele é capaz de estabelecer contatos
rístico de uma ação tomada pela com o mundo inteiro em poucos segun-
dos e também fornece uma quantidade
humanidade fora do plano divino, o
incalculável de informações.
que provocou sua queda, é tão atual
hoje em dia como já foi antigamen-
te. “PROGRESSO” AINDA É UMA
PALAVRA MÁGICA

Quem é que nunca pensou na Torre de


Babel, mesmo involuntariamente, ao ver A palavra “progresso”, que geralmen-
os arranha-céus de Nova Iorque ou as te tem uma conotação positiva, expres-
torres vertiginosas das grandes cidades sa o desejo de igualar-se a Deus ou de
modernas? Assim como nos séculos pelo menos fundar um reino paradisíaco
passados, o homem sempre deseja ele- na terra. Na primavera, quem sai para
var-se, cada vez mais alto. As paredes passear sente prazer em constatar a re-
de vidro dos prédios altíssimos dos ban- novação da natureza e o camponês fica
cos reluzem no céu das grandes cida- feliz em ver a nova vitalidade que lhe
des. Estas construções fazem pensar, promete uma rica colheita. Os pais
às vezes, naquela torres que os patrí- ficam orgulhosos em ver seus filhos
cios da Idade Média fizeram construir crescerem e desenvolverem-se bem, e
em San Gimignano, na Toscana, para os políticos sentem-se livres de muitas
mostrar seu poder e sua soberania. preocupações quando a economia está
Mas não são somente estas constru- florescente. Mas, onde o crescimento
ções que evocam a Torre de Babel. Os material é a base de todas as atividades
engenheiros enviaram sondas a Marte e e é considerado como um princípio no-
a Vênus e tiraram fotos ampliadas do bre, o orgulho entra em cena. O atual de-
planeta Júpiter e de Saturno. Há outras senvolvimento econômico mostra clara-
razões além das científicas para estas mente que um crescimento estimulado e
explorações. A descoberta das duas mantido artificialmente custa bem caro.
Américas, por exemplo, foi, entre outras, O progresso econômico depende es-
o resultado de novas rotas para as tritamente das fontes de energia natural.
Índias; assim como a vontade de fazer Mas também neste caso há limites,
do cristianismo um poder político! A ci- quando a técnica não é sempre suficien-
ência aeroespacial moderna mostra que te e quando a exploração exige pesados
a humanidade prepara-se não somente investimentos. Com a energia nuclear, a
para descobrir os segredos do “céu”, relação entre custo e benefício parece
mas também para submeter-se este do- ser satisfatória, mas a eliminação do lixo
mínio. atômico e dos produtos secundários
O tema Torre de Babel sempre será ainda é um problema não resolvido.
muito atual. A vida na sociedade moder- Quando o homem intervém na natureza
na industrializada mostra que a humani- em seu próprio proveito, ele perturba o
dade procura sempre progredir cada equilíbrio frágil que deve existir entre
vez mais. Neste sentido, o computador crescimento, florescimento e morte.

35
PERTURBAÇÃO DO futuro esgotamento da energia vital da
EQUILÍBRIO NATURAL terra. É por esta razão que é bom adqui-
rir uma boa compreensão das leis que o
Criador nos legou para conservar a
Por equilíbrio natural, entende-se que natureza mortal a fim de que ela possa
tudo o que evolui e desaparece, tudo o cumprir sua tarefa.
que cresce, floresce e morre sobre a Nesta natureza mortal encontram-se
terra, mantém-se em equilíbrio. Se o ho- correntes de uma outra natureza, que
mem intervém deliberadamente na eco- se opõem à presente evolução. Elas de-
nomia da natureza sem se dar conta de nunciam a tendência atual de querer ir
suas leis, ele provoca catástrofes para si sempre mais longe e esforçam-se para
mesmo e para os da sua espécie. Os estimular a vida terrestre e conservá-la.
lixos das grandes e pequenas empresas Do ponto de vista esotérico, isto é muito
— principalmente aquelas que exploram importante, pois a terra é a escola de
a energia nuclear — mudam este equilí- aprendizagem da humanidade; ela deve
brio. E a natureza somente consegue ser mantida pelo maior tempo possível,
restabelecê-lo com um esforço cada vez pois é por ela que os microcosmos dani-
maior e perdendo cada vez mais sua ficados podem receber a possibilidade
força vital. Além disso, há o aumento da de encontrar o caminho de volta para a
poluição (tanto por matérias radioativas ordem divina durante este dia de mani-
como por produtos químicos não-degra- festação.
dáveis), que é nociva para todos os se- O impulso gnóstico que toca a huma-
res vivos. nidade tem, nesta época, um objetivo
Desde que a humanidade saiu da or- muito mais vasto. Não se trata tanto de
dem divina e quis igualar-se a Deus restabelecer as antigas possibilidades
sem viver nem agir para Ele e por Ele, quanto de utilizar as novas possibilida-
desde que ela começou a agir delibera- des de um modo justo e consciente. A
damente com segurança e egocentris- Gnosis constrói uma arca para todos os
mo, ela tornou-se vítima de sua própria que não querem prolongar a qualquer
sede de destruição. Esta evolução diz preço a vida terrestre, mas descobrir
respeito, em primeiro lugar, aos filhos de novas possibilidades e colocá-las em
Deus. Eles “caíram” e como resultado prática. Ela procura fazer com que os
deu-se uma situação tal que a humani- humanos compreendam que eles estão
dade terrestre viu-se perdida. Mas, o fazendo um grande mal para suas al-
Criador não abandona sua criatura, co- mas imortais entregando-se desenfrea-
mo diz a epopéia de Gilgamesh, epo- damente à vida temporária na matéria.
péia que esboça uma fase do plano de
salvação para transmiti-la à humanida-
de desta época. Nesta epopéia também GNOSIS: FONTE DE ENERGIA
é descrito como o homem terrestre po-
de executar uma tarefa importante no
processo do “devir divino”, com a condi- Do ponto de vista esotérico, o mundo
ção de conhecer esta tarefa e cumpri-la. mortal é uma ordem de emergência cuja
As atividades consideravelmente e- tarefa é mostrar ao ser humano que sua
gocêntricas e a ânsia pelo poder do verdadeira pátria encontra-se em outro
homem puramente centrado em si mes- lugar; que ele tem a missão de voltar
mo acarretam o esgotamento e a des- para a ordem divina despertando em si
truição das forças vitais. Vestígios de o filho original de Deus, pois é ele que
civilizações profundamente desenvolvi- terá acesso ao campo de vida divino.
das que não respeitavam nem as leis di- A Escola Espiritual da Rosacruz Áu-
vinas nem as leis humanas são um tes- rea baseia-se neste plano de salvação:
temunho disto, e são o presságio do deste modo, ela coloca-se no centro da

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vida e do ensinamento da Gnosis, a mo o oposto da Torre de Babel. Se a A moderna rede de
força divina que revela tudo. Torre de Babel é o símbolo do desejo comunicação reina
sobre o mundo
A Gnosis pode manifestar-se se o ávido de atingir o poder divino, a Torre
(foto Pentagrama).
ego não ocupar mais o lugar central e do Olimpo é a torre da preparação per-
deixar crescer a alma imortal, em um feita a serviço do Criador. A primeira
processo de renovação total. Quando Torre representa a difícil ascensão,
um ser humano desperta a reminiscên- pelas diversas fases do desenvolvimen-
cia do reino de onde seu microcosmo to da consciência terrestre, até ousar
“caiu” e quando nasce dentro dele o querer fazer o salto na eternidade por
desejo sincero de encontrar a nova vida, meio de um caminho profundamente
então ele com certeza e consciente- egocêntrico. O caminho percorrido por
mente questiona seu plano de existên- Christian Rosenkreuz é o da submissão
cia terrestre. Ele sente cada vez mais de seus próprios desejos ao plano divi-
nitidamente que já não é possível no, a fim de concretizar a realização do
encontrar a força divina no mundo mor- novo homem. Ao ego que luta contra a
tal, e então sua necessidade de expres- morte, apesar de saber de antemão que
sar-se neste mundo desaparece. Para vai perder, ele opõe o novo homem-
ligar-se novamente com a fonte celeste -alma, que sabe de antemão que sairá
que corre eternamente, não há nenhu- vitorioso porque nasceu de Deus. Esta é
ma necessidade de fazer uma “torre ter- evolução que representa um verdadeiro
restre”, pois uma “torre interior” se le- progresso.
vanta dentro de cada um de nós. Nós a
descobrimos quando abandonamos
toda e qualquer preocupação a respeito
de manter nosso eu e quando nos de-
sinteressamos completamente da vida
perecível.
Por outro lado, manifesta-se uma
energia inesgotável e a taça na qual
esta força se derrama — o corpo da
nova alma — é formada de materiais
incorruptíveis. No escrito dos rosa-cru-
zes do século XVII, intitulado As
Núpcias Alquímicas de Christian Rosen-
kreuz, a “Torre do Olimpo” aparece co-

37
O MAR DA PLENITUDE

Algumas horas mais tarde, após


percorrermos bom trecho do caminho
em agradável conversação, divisamos
a Torre do Olimpo. Por este motivo,
a virgem ordenou que se desse sinal
de nossa chegada com alguns tiros,
e assim aconteceu. Logo depois, vimos
que uma grande bandeira branca foi
içada, e um pequeno navio dourado
foi enviado a nosso encontro. Quando
ele aproximou-se de nós, nele vimos,
sentados, um ancião, o guardião da
torre, com alguns servos vestidos de
branco. Fomos recebidos amigavelmen-
te por ele, que nos conduziu à torre.
Esta torre situava-se em uma ilha perfei-
tamente quadrada, cercada por uma
muralha tão sólida e espessa que contei
260 passos para atravessá-la. No lado
interior, encontrava-se maravilhoso
prado com muitos jardins, em que cres-
ciam frutos estranhos e desconhecidos
para mim; depois dos jardins, havia um
muro que cercava a torre, a qual parecia
haver sido construída pela justaposição
de sete torres redondas, das quais a do
centro era um pouco maior do que as
outras. Interiormente elas se interpene-
A torre parecia
travam, e havia sete pisos superpostos.
haver sido construi-
da pela justaposi-
ção de sete torres “... Sobre esta base, no Mar da
redondas, das Plenitude de Vida, é alcançada a ilha
quais a do centro onde brilha a Torre do Olimpo. Isso
era um pouco maior
significa: agora se realiza o grande
do que as outras.
Interiormente elas
encontro com a força nuclear da nova
se interpenetravam, manifestação de vida, e isso não como
e havia sete pisos toque abstrato, porém no sentido de um
superpostos. encontro consciente... Esta mesma
atividade poderosa, essa grande e única
tarefa de vida também é a origem do
símbolo da jovem Gnosis: círculo,
triângulo e quadrado, o símbolo que é
colocado na luz dos sete candelabros.
Em suma, o mar, a ilha e o Ancião
Santo com seus auxiliares.”

Jan van Rijckenborgh, As Núpcias Alquími-


cas de Christian Rosenkreuz, tomo II, p. 177
e 180-181.

38
BABEL E O SÉCULO XX

A construção da Torre de Babel oca- tre. E muitos santuários antigos foram


sionou muitos comentários, todos recuperados por homens que deseja-
com as características de cada cul- vam exercer seu poder sobre a humani-
dade. Em conseqüência disso, eles fize-
tura e de cada época. Ao longo dos
ram com que estes locais, que em sua
séculos, o instinto de conservação origem eram santos, passassem a ser
da humanidade expressou-se pela simplesmente lugares onde praticavam
edificação de imensos monumentos. magia negra, comércio e as mais diver-
sas atividades. Assim, podemos consi-
derar a construção da Torre de Babel
A partir do momento em que o homem uma imitação do “caminho que sobe”,
ligou-se à matéria, ele procurou domá- uma réplica da Torre do Olimpo onde
la e ignorou seu Criador. Mas, ao seguimos a senda que permite escapar
mesmo tempo, muitos impulsos espiri- da evolução na matéria.
tuais eram enviados, incessantemente,
para tentar deter a queda da humanida-
de. Os monumentos disseminados atra- A TORRE DE BABEL DO HOMEM MODERNO
vés do mundo são o testemunho destas
tentativas. Estas construções — muitos
templos, alguns que eram cidades intei- No século vinte também é oferecida à
ras — tinham como objetivo trazer o humanidade uma nova possibilidade de
homem até o ponto de partida de sua chegar à libertação interior, e ao mesmo
existência: o tempo de antes da queda, tempo há uma caricatura desta senda.
que o arrastou para a imersão na maté- O conceito de “templo” como “casa de
ria. Deus” degenerou-se, e foi nivelado pelo
Desde o início, foi oferecida toda a nível mais baixo.
assistência e orientação para a humani- Hoje, esta palavra está quase sempre
dade e, para tornar este auxílio mais efi- associada a dinheiro, poder, ciência,
caz, foram construídos santuários e arte e cultura, e até mesmo à alta gas-
estabeleceu-se onde os guias espiri- tronomia! A ciência nuclear, a eletrôni-
tuais da época haveriam de transmitir ca, as telecomunicações e os meios de
sua mensagem aos fiéis. Estes locais comunicação modernos têm seus pró-
santos eram quase sempre o símbolo prios “templos”. Todos os que querem
da construção espiritual que o grupo em manifestar-se neste setor constróem
questão deveria edificar em comum. seu “templo”, os templos da atual Babel!
Aqueles que, por alguma razão, qui- Com os computadores e os bancos de
sessem seguir seu próprio caminho de dados, tenta-se adquirir a onisciência
desenvolvimento, afastavam-se cada divina e realizar a grande fraternidade
vez mais do auxílio que lhes era ofereci- humana. Inúmeras bibliotecas, editoras
do. Eles reagiam, talvez, à reminiscên- e centros de informação já estão ligados
cia da vida antes da queda, mas busca- uns aos outros pela “memória mundial”
vam a solução na matéria. Também da Internet. Com o computador, qual-
construíam seus templos “de tijolos”, de quer pessoa pode ir atrás de informa-
acordo com a expressão bíblica, para ções e conseguirá obtê-las em qualquer
expressar sua busca pelo poder terres- parte do mundo, a partir do banco de

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dados, os principais atores deste jogo Ah, se por este meio a ignorância pu-
— e eles mesmos dizem isto — procu- desse desaparecer e os homens pudes-
ram unir-se a todos os homens graças a sem reunir-se em uma grande fraterni-
esta rede, de tal forma que todos pos- dade!... Goethe não disse: “Todos os
sam trocar toda e qualquer informação. homens são irmãos”?
Isto já está acarretando problemas A moderna torre da comunicação
enormes. O que é habitual em um país total devora o tempo e volta a sede de
pode parecer um crime em outro. O que conhecimento dos homens para o lado
um diz, o outro pode achar melhor guar- exterior da existência. Quem verá incon-
dar para si mesmo. veniente no fato de um estudante fe-
O que é admissível e o que não é? char-se em uma imensa biblioteca es-
Quem joga bem este jogo e quem não trangeira para encontrar documentos re-
joga? lacionados com seus estudos científi-
A rede mundial que se está desenvol- cos? E quem haverá de se opor ao fato
vendo atualmente depende de campos de um médico, diante de um diagnóstico
de informação eletromagnéticos. Por difícil, pedir informações a uma rede
meio desta rede de transmissão rápida, médica americana ou a um banco de
não é difícil para os técnicos modernos dados japonês a respeito de tipos de
fazer chegar às casas de cada um algu- doença descritos em revistas especiali-
mas forças que operam, por assim zadas? É preciso viver a vida de seu
dizer, logo acima da matéria mais gros- tempo!
seira: assim, uma imitação da consciên- Sim, é claro! Na correria da vida mo-
cia onipresente realmente é uma brinca- derna, o conhecimento é uma necessi-
deira de criança. Esta Torre de Babel dade. Entretanto, na prática, parece que
eletromagnética não está erguida em os conhecimentos adquiridos conse-
um centro da antiga civilização do guem resolver apenas parte dos proble-
Oriente Médio, mas em todos os países mas. Para conseguir isto, seria preciso
modernos industrializados. explorar uma outra “Internet”, baseada
O conhecimento do que é simples e no conhecimento interior. A busca desta
único se perde na multiplicidade. A infor- sabedoria universal não precisa de
mação depende da cultura e a cultura é nenhum computador; mas ela exige o
a expressão do pensamento, do senti- desejo interior de escapar aos limites
mento e da comunicação. Quando inú- dos conhecimentos terrestres.
meros países são obrigados por neces-
sidade a colaborar política e economica-
mente, parece que as idéias próprias
fazem nascer uma confusão de lingua-
gem cada vez maior; diríamos que, por
causa dos modernos meios de comuni-
cação, está cada vez mais difícil com-
preender por que os homens descon-
fiam das intenções uns dos outros e não
querem abandonar seus bens. O sim-
ples conhecimento fundamental da pura
vida original parece estar completamen-
te perdido, principalmente porque todos
os conhecimentos terrestres tornaram-
-se disponíveis em massa. Uma visão
exterior da criação é assim transmitida
em cada casa, e daí decorrem as im-
pressões exageradas e visionárias de
sabedoria e de verdadeira fraternidade.

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