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O ALVORECER DA LIBERDADE
Editado por:
Universidade Libertária
Email: contato@universidadelibertaria.com
https://universidadelibertaria.com.br
Autores:
John Galt
Daniel Miorim
Gustavo Kaesemodel
Gustavo Vieira
João Victor Aragão
Júlio Lopes
Leonardo Vidotto
Mateus Almeida
Matheus Viana
Rafael Vibew
Rodrigo Tavares
Valério Du Nord
Galt, John
166 f.
PRÓLOGO 9
O VILÃO 12
A INEFICIÊNCIA COMPETITIVA DO ESTADO 13
COMO O ESTADO ATRAPALHA O POVO 14
A VERGONHA DO ESTADO: A FORÇA! 17
A CAPACIDADE DA AÇÃO 19
A LEI 27
O HOMEM É 27
O HOMEM AGE SEGUNDO SUA LEI 28
O DIREITO É O ESTUDO DAS LEIS 28
A JUSTIÇA É O PROCESSO DE HERMENÊUTICA DAS LEIS PARTICULARES EM PROL DE
UMA LEI UNIVERSALMENTE COGNOSCÍVEL 29
DIREITO É CONSENSUAL E NÃO-CONSENSUAL 30
A LEI EVOLUI 31
O HOMEM JUSTO BUSCA A LEI JUSTA 31
A ECONOMIA 33
SOCIALISMO 33
CAPITALISMO 34
INTERVENCIONISMO 35
EM DEFESA DO LAISSEZ-FAIRE 36
POR QUE É IMPOSSÍVEL DIFERENCIAR LIBERDADE ECONÔMICA E LIBERDADE
SOCIAL 37
O MERCADO 40
AÇÃO 40
TEMPO 40
CONHECIMENTO 41
TROCAS 42
MOEDA 43
PROCESSOS DE MERCADO 44
JUROS 46
A ÉTICA LIBERTÁRIA 48
POR QUE ÉTICA? COMENTÁRIOS ACERCA DA FILOSOFIA PLATÔNICA 48
COMO SE DÁ A ÉTICA? COMENTÁRIOS ACERCA DE ARISTÓTELES 49
SOBRE JOHN LOCKE E CONSIDERAÇÕES SOBRE INDIVIDUALISMO 50
KANT E O IMPERATIVO CATEGÓRICO 51
QUEM É O SER? RESPOSTA DE HEIDEGGER 52
SIGNOS, SIGNIFICADOS, SEMIÓTICA E VERDADE COM PEIRCE 53
CONSCIÊNCIA SEMIÓTICA E BAKHTIN 55
REFLEXÕES RACIONAIS COMUNICATIVAS 55
O IDEAL E A FILOSOFIA HABERMASIANA 56
ROTHBARD E A AUTOPROPRIEDADE 58
ÉTICA ARGUMENTATIVA HOPPEANA 60
A JUSTIÇA 64
CONCEITOS 64
NOSSAS TESES PASSARIAM PELA MAIÊUTICA DE SÓCRATES? 64
CÉFALO E POLEMARCO 65
TRASÍMACO, O POLÍTICO 70
JUSTIÇA PRIVADA 74
TEORIA JURÍDICA 74
DEVIDO PROCESSO LEGAL 74
O ESTOPPEL 75
A NATUREZA DA MEDIAÇÃO 79
OS TRIBUNAIS PRIVADOS 80
AMBIENTES DE LEIS PRIVADAS 82
A INTERNET 83
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 84
A LIBERDADE 87
SOBRE A LIBERDADE POSITIVA 88
SOBRE A LIBERDADE NEGATIVA 89
SOBRE AS CONCEPÇÕES MAIS GERAIS DE LIBERDADE 90
APROXIMANDO A LIBERDADE DE VONTADE DA LIBERDADE NEGATIVA E
PROPRIEDADE 91
O ESTADO CONTRA A LIBERDADE 92
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O FLUIR DAS IDEIAS 98
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SEUS LIMITES, E ARBITRARIEDADES ESTATAIS 99
O ESTADO E SUA ARBITRARIEDADE PARA COM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO 101
LIBERDADE DE EXPRESSÃO NEGATIVA 103
UM MANIFESTO À FAVOR DA LIBERDADE 105
AS POLÊMICAS 114
LIBERTÁRIOS ESTÃO APENAS CONTRA O ESTADO 114
O QUE É PROPRIEDADE PRIVADA 116
ESCASSEZ VS NÃO ABUNDÂNCIA 116
LIBERTÁRIOS SÃO CONTRA TODA FORÇA E COERÇÃO 117
AUTOPROPRIEDADE 119
SISTEMAS DE PROTEÇÃO PRIVADA 122
DISTINÇÃO ENTRE ESTADO E GOVERNO 123
CRIAÇÃO DE UM ESTADO EM UMA ANARQUIA LIBERTÁRIA? 124
RESTITUIÇÃO VS RETRIBUIÇÃO 126
SOBRE A PUNITIVIDADE RETRIBUTIVA 128
RETALIAÇÃO IMEDIATA 128
RETALIAÇÃO POSTERIOR AO ATO 128
SOBRE A PUNITIVIDADE RESTITUTIVA 130
LIBERTÁRIOS SÃO APENAS CONTRA AGRESSÃO E AMEAÇAS DIRETAS 132
AMEAÇAS DIRETAS 132
CULPABILIDADE INDIRETA 134
NAS OBRIGAÇÕES POSITIVAS 137
OBRIGAÇÕES NEGATIVAS 138
OBRIGAÇÕES NEGATIVAS (SE PRODUTO DE AÇÕES DELIBERADAS) 138
O CASO DO LAGO 138
O ABORTO 139
RESPONSABILIDADES TUTELARES 142
TRANSFERÊNCIA DE GUARDA 143
OS CAMINHOS 146
DA ILEGITIMIDADE DO ESTADO 146
BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DAS ESTRATÉGIAS 147
LIBERTARIANISMO CULTURAL 148
A VIDA INTELECTUAL DO LIBERTÁRIO 150
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO ARMA CONTRA A REPRESÁLIA ESTATAL 154
UMA SOLUÇÃO DE DENTRO PARA FORA: SECESSÃO E AUTONOMIA 156
DEMAIS VERTENTES DA AÇÃO LIBERTÁRIA 158
PRINCÍPIOS: SOBRE FUSIONISMO, PURISMO, GRADUALISMO E AGORISMO 159
ESTÉTICA: HUMANITÁRIO E BRUTALISTA 161
O QUE É LIBERDADE?
HUMANIDADE E LIBERDADE
Se você está lendo esse livro, provavelmente, é uma das duas coisas a seguir: ou um
amante da liberdade ou um crítico de livros. É interessante como o capitalismo
funciona. Fortalecendo fortemente a produção, é capaz de tornar algo como criticar
livros uma função válida na sociedade, função que de outra forma, em uma sociedade
baseada totalmente na subsistência, não seria possível. O motivo para isso e para
todas as grandes perguntas que são respondidas pelo mercado é a liberdade.
A nossa liberdade poderia ser mínima. Nesse caso, nossas possibilidades seriam apenas
uma ilusão, todas as nossas grandes decisões teriam sido tomadas desde já pelo
arcabouço de elementos que fizeram parte da construção da nossa personalidade. Isso
significaria que nada decidiríamos sobre coisa alguma. Curioso, não é mesmo? Mas
afirmar isso é afirmar que todas as nossas escolhas poderiam ser previstas e então o
mundo já estaria inteiramente calculado em alguma instância. Então ler livros ou sonhar
seriam apenas mais do mesmo.
Você poderia imaginar um trem com pernas ainda que jamais tenha o visto. Por quê? A
resposta para isso está na nossa capacidade de abstrair. Então, ainda que todas as
decisões tivessem nos sido entregues, ainda poderíamos abstrair sobre elas e as mudar.
Nessa visão somos senhores dos nossos próprios destinos porque somos senhores
daquilo que não vivemos e nem podemos viver.
Em suma, a Liberdade só pode ser algo nesse meio termo, algo entre a liberdade
máxima e a liberdade mínima. Por fim, pensar nisso é pensar na liberdade como algo
que precise ser medido, definido por um conceito humano não absoluto mas fixo que
nos possibilite pensar melhor em tudo isso. A luta por entender e definir a liberdade é
uma luta eminentemente humana e o que isso significa?
Que todo e qualquer conceito que adotemos de liberdade deve ser capaz de expressar a
nossa humanidade e descrever-nos como seres completos. Para você que está aqui
porque há demanda por críticos de livros, você pode dizer desde já que o autor passa o
livro inteiro defendendo a tese de que liberdade é o poder que cada ser possui de
determinar nossos objetivos finais e que ele fará isso através de coisas como
propriedade privada, livre mercado e contratos. Mas isso seria apenas parte da verdade.
Essa forma de pensar é tão verdadeira quanto humana, capaz de mover as peças e
amadurecer pensamentos. O que faremos aqui será uma jornada de questionamentos e
ponderações acerca das coisas que consideramos que conhecíamos.
LEI, POVO E MERCADO. ESTADO E LIBERDADE.
PODER E DINHEIRO
Voltamos ao começo. Só que agora não somos mais os mesmos. Aprendemos coisas
acerca de nós mesmos, dessa realidade extremamente complexa que ronda as mais
simples escolhas e agora somos versões diferentes de nós. Versões que tomarão
decisões, que amarão, que odiarão e que inevitavelmente irão vislumbrar sucessos e
fracassos. É justamente a beleza desse processo que faz com que a liberdade seja a coisa
mais bonita que já existiu, porque ela não é nada até que se traduza em tudo.
PRÓLOGO
Escrever esse livro foi um ato de paixão pela liberdade. Como assim? Explico. Esse
projeto foi coordenado pela Universidade Libertária e escrito por uma equipe de
grandes amantes da liberdade. A Universidade Libertária é uma organização que tem
como missão divulgar as ideias da liberdade e fazê-las acontecer na prática. Ela se
beneficiaria enormemente de possuir esse material na forma de cursos pagos,
capitalizando até a mais ínfima palavra desse livro ao máximo. Ainda assim, você está
em posse desse livro nesse momento. O que nos fez criá-lo?
Bem, a primeira resposta é porque queremos lucro. Sim. Capitalistas malvados fizeram
um livro como uma aposta. Quanto mais livros sobre determinado assunto estiverem na
mão das pessoas, maior a chance deles se interessarem em comprar cursos sobre
assuntos parecidos. Genial, não é mesmo?
A terceira resposta é que fizemos porque nem lucro nem visibilidade importam tanto
quanto o ego. É isso mesmo. Queremos dizer daqui a alguns anos que nós contribuímos
para a formação de futuros líderes da liberdade para nossos amigos e parentes nos
acharem o máximo por isso.
Dito isso, o livro foi feito com a intenção de ser no fim das contas uma porta de entrada
para o processo de compreensão da liberdade. Começamos explicando o problema,
descrevendo de que forma a sua liberdade é minada, continuamos explicando a solução
para voltar a ser livre, avançamos explicando a teoria da liberdade mais a fundo, com as
implicações da solução e terminamos demonstrando os caminhos para alcançar essa
liberdade.
No fim das contas, a nossa ação egoísta irá beneficiar grandemente um número
significativo de pessoas. Não é meio irônico, tendo em vista que as pessoas vivem
falando que a liberdade é uma utopia, que a nossa ação egoísta seja no final das contas
uma ação virtuosa? Com essa contradição interessantíssima, damos a você boas-vindas.
Que encontre na liberdade um pedaço de ti.
PARTE I: DO ESTADO
O VILÃO
Dizem que a escrita é algo diferenciado porque ela é justamente o ato de formalizar
impressões, ideias, sentimentos e pensamentos em elementos que podem ser conhecidos
por qualquer um que se deparar com determinada sentença. Nesse sentido, é evidente
que existem elementos que são mais ou menos próximos da nossa compreensão e então
são abstraídos melhor pela nossa cognição. Isso significa que existem frases que gritam
mais alto do que outras e agora iremos demonstrar como é que existem frases que estão
em agonia no seio da sociedade sem serem ouvidas.
Vamos falar mais de Pedro. Digamos que Pedro tenha realmente bons motivos para
intervir, seria uma boa que ele fosse um interventor em essência ainda assim? Bem,
basta pensar que um interventor em essência sempre interferirá no curso das coisas
ainda que o curso das coisas não exija intervenção. Haverão situações onde Pedro estará
justificado em intervir, é verdade. Mas se pararmos para pensar, a maior parte das ações
precisa ser voluntária em essência para que haja coesão social o suficiente para se
organizar uma sociedade.
Sendo assim, um interventor por essência faz diversas intervenções negativas que em
muito ultrapassam suas intervenções positivas. E é exatamente isso que acontece com o
estado. O estado interfere nos aspectos econômico-sociais de diversas formas. Para
isso, vale-se de meios que ultrapassam em muito o imaginário do indivíduo. Por
enquanto, vamos nos ater apenas aos aspectos sociais e aos problemas que a própria
existência do mesmo traz, trouxe e pode vir a trazer na vida de todos que estão
caminhando nessa jornada. Espero que esteja pronto o leitor para que perceba, entenda e
sinta de uma vez por todas o quão maléfico o estado é em essência e que reveja suas
ações toda vez que cruzarem o caminho de um interventor como esse.
É plenamente concebível que aquele que nos lê acredita veementemente que o estado é
um bom interventor, um ladrão no melhor estilo Robin Hood que é capaz de mudar o
fluxo da riqueza de forma que beneficie igualmente a todos e que sem sua existência, o
mais pobre seria o maior prejudicado. É possível que acredite que sem estado não há
segurança, educação, saúde e justiça. É possível que acredite sinceramente que
diariamente é beneficiado por esse bom camarada.
Mas vamos refletir por apenas um instante; o que pensaria do estado se fosse esse um
indivíduo? Pense num indivíduo que certo dia adentrou na sua casa e que lhe cobra por
serviços que você não requereu. Pense que esse mesmo indivíduo comece a controlar
aquilo que gasta e comece a te escravizar em uma porcentagem da renda que recebe
todo mês. Como você se sentiria com isso? Isso com certeza lhe causaria muita
estranheza, não é mesmo? Então por que não é estranho quando esse mesmo indivíduo
faz alguma dessas coisas com um pedaço de papel o autorizando?
Liberdade é sobre opções, sobre aquilo que nos é possível. A força é o extremo oposto
da possibilidade porque ela fala de uma necessidade imperativa que não dialoga com os
nossos esforços de compreender o mundo. Quando o estado limita nossas ações através
de um monopólio da violência e da justiça, é evidente que mesmo nas melhores das
intenções, longe de criar segurança, a está minando. O estado não tem como ser o
protetor da propriedade privada porque é o primeiro a desrespeitá-la.
Pense num sujeito que lhe dissesse essa frase: “Ora, se eu sou a única alternativa,
porque haveria de ser melhor? Ou ainda que quisesse ser melhor, seria melhor
usando-me de que referencial?” Essa é a genuína mentalidade do estado e a indicação
de porque os serviços estatais são tão desconectados da realidade. E como não poderia
ser? Ao optar por favorecer todos os referenciais a todo o tempo, o estado acabará por
satisfazer nenhuma ou apenas uma parcela destes. Normalmente aqueles que tiverem
mais condições de exercer lobby por sobre a ação do próprio estado, os chamados
amigos do rei.
A próxima frase é a de que o estado mata. E isso é mais comum do que possa parecer.
Vamos contar uma história aqui, do tipo de história que você com certeza já ouviu em
algum lugar, com alguém próximo ou consigo mesmo.
Havia uma garota com um problema em uma de suas pernas, carregava consigo uma dor
excruciante. Quase não conseguia se locomover e seus pais tiveram que levantar a filha
que embora pesasse mais do que quando criança, parecia leve diante do fardo que
suportavam para o hospital na esperança de que lá encontrasse atendimento.
Infelizmente para a família que estamos acompanhando, este hospital fazia parte do
nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Acredito que deva existir uma crença no SUS de que se você marcar a consulta para
muito tempo depois do agendamento, a pessoa pode simplesmente superar aquele status
e não precisar mais do médico, talvez em virtude da cura, provavelmente da morte. E
digo isso porque essa me parece ser a única explicação para que uma garota tenha que
esperar 9 meses por um atendimento enquanto sente o mundo se partindo em suas
pernas. É a gestação da indiferença.
A eles, apenas restou se dirigir ao primeiro hospital que pôde e requerer que algum
daqueles seres iluminados, chamados naquela situação de médicos, lhe enxergando
como um ser padrão lhe entregasse alguma resposta padrão que ao menos ajudasse ela
com a dor. Só que o problema das respostas padrões é que elas são incapazes de se
comunicar com a realidade tal com ela é. E a realidade grita. Foi o que aconteceu
quando a garota teve uma reação medicamentosa devido à negligência médica e seu pai
que carregava o peso do mundo teve que carregar o fardo de salvar sua filha.
Sem enfermeiros, sem médicos. Ele e apenas ele teve que salvar sua filha. Um
observador atento poderia enxergar a enfermeira mais próxima com seu smartphone em
mãos ou o médico assistindo o jogo logo ali. E o que mais causa espanto sincero no
meio disso tudo é justamente o quão próximas de nós essas frases estão. Nenhuma
dessas frases causa estranheza de ler. A verossimilhança é mantida e isso poderia ter
ocorrido com qualquer um que use serviços públicos a qualquer momento. E por que
isso acontece?
Bem, a resposta pode estar mais aparente do que imaginamos. Pensemos em duas
situações onde um sujeito precise de um serviço médico. Pensamos? Ótimo. Vamos
descartar agora essas duas situações. Iremos usar a minha perspectiva de como as coisas
acontecem. A partir de agora estamos falando de um bilionário dono de centenas de
hospitais no mundo todo. “Mas, como assim? Por quê?” Pode ser a pergunta clara que
alguém faria sobre uma afirmação estapafúrdia como essa. Porque eu tenho a força.
Mas não somos também seres assim? Não somos apenas intérpretes parciais da
realidade com informações enviesadas e que tentam resolver diversos problemas através
da mensuração objetiva da realidade? O estado assim nos parece eminentemente
humano, compatível até, não? O ser humano ciente da própria incompletude olhou para
o próximo e encontrou nele a resposta para suas demandas. Eis como a sociedade
interpreta demandas:
Aliás, o estado e o mercado como instituições podem ser levados a última circunstância
quando analisamos seu caráter humano. Veja bem, um ser humano sozinho no mundo
não é capaz de vislumbrar mau ou bom. Tudo o que ele faz é uma inflexão para dentro
de si mesmo. Seus atos são. É somente com a existência de um outro ser que se
vislumbra a possibilidade de haver um parâmetro de correção das ações. É evidente que
o mal e o bem existem no mercado, mas esses pressupostos existem justamente em
função da existência dessas interações.
Isso significa que toda interação é mercadológica? Essa é uma reflexão interessante. Ela
levanta o que há de mais primordial sobre a sociedade. Tudo aquilo que fazemos no
nosso dia a dia é um processo de valoração dos sujeitos de um mundo entre os mundos
que ele poderia escolher. Sendo assim, somos então os substratos de compras diárias
dos mundos em que queremos viver. O estado é o ente de uma razão que utiliza o
mundo como instrumento das suas necessidades primordiais e o mercado é o ente de
uma razão do consenso, horizontal, voltada à satisfação dos interesses de cada um e de
cada qual.
O estado é essencialmente força. E a razão para isso é que a sua inflexão não assume
plurais, o consenso como extremo oposto da força é uma das maiores e mais sinceras
razões pelos quais o mercado jamais poderá ser garantido pelo estado, apenas
restringido. Mas como é que o estado pode fazer isso sem que percebam? O motivo está
na sua forma de atuação em relação a sua própria legitimidade.
Maquiavel em “O Príncipe” já nos afirmou que a maneira que alguém deveria governar
a população seria por meio do medo e da imposição. Esta prática foi adotada ao longo
da história por diversos países, e nos últimos tempos tem sido adotada em todas as
ditaduras da atualidade e da época contemporânea. Na Coréia do Norte, as pessoas são
obrigadas a chorar em um dia pré-determinado pela morte de um imperador, e podem
ser mortas caso se recusem.
O estado assim como um batedor de carteiras diz para os indivíduos “Ou seu dinheiro,
ou sua vida”, e por mais que o governo não saia de um arbusto ou de um beco e coloque
uma arma em sua cabeça tomando todo seu dinheiro, o roubo sistematizado que ele
produz não deixa de ser um roubo, o estado em sua vergonha é mais sutil do que um
assaltante, já que este último assume os riscos e a responsabilidade de seus crimes, e
diferentemente do governo, ele não toma seu dinheiro sobre a promessa de que o
defenderá de outros criminosos, ele não diz que pretende usar o seu dinheiro para você
melhor do que você, ele não te infantiliza desta forma.
Mais do que isso, ao se prostrar desde cedo como um fato na infância através da
educação institucional, nosso processo de socialização passa necessariamente pelos
programas que foram idealizados para a perpetuação da sua própria ideia. Cada geração
se então mais subserviente do que a outra. Em algum momento, mais do que ser a única
viável, ela se torna a única desejável. O motivo para isso é curioso.
Então quando temos apenas uma possibilidade, a preferência é indiferente. Então como
isso pode se dar? É que a noção da viabilidade é apenas uma aparência. Não deixamos
de ter personalidades, um eu interior que possui suas próprias necessidades e fins.
Mesmo ao se chocar com os fins do estado, o indivíduo mantém sua individualidade e
mistura seus próprios fins com os fins do estado conquanto única possibilidade viável.
Nesse sentido, projetamos nossas vontades e desejos de como deve ser o mundo no
próprio estado. Isso resultou na criação da democracia.
Essa é uma questão complexa. O motivo para isso é que sim, há no processo de escolha
algo que corresponde aos nossos desígnios. O problema é em si o resultado desse
consenso. Com regras pré determinadas por uma razão instrumental, as decisões que
possam ser abstraídas pela coletividade já estão postas e a liberdade não é em si uma
escolha. Além disso, o próprio processo de escolha é viciado porque tem forte viés de
confirmação, a própria democracia é lida apenas como ideal e não como um elemento
real de construção. Então será que existe algum local onde a democracia realmente se
efetue?
A CAPACIDADE DA AÇÃO
Nós somos livres ou somos escravos? Conseguimos escolher e optar por aquilo que
melhor nos satisfaça, ou alguém dita isso para nós? A frase de Spooner nunca fez tanto
sentido quanto no nosso século. A potencialidade da ação é tomada do indivíduo pelo
estado, e ele mesmo determina quais meios e fins nos são possíveis.
Em sua obra intitulada “A Revolta de Atlas” Ayn Rand postula uma frase que é em
muito digna de reflexão:
De que adiantaria existir sem agir; se a ação é a força motriz de todas as mudanças na
sociedade e do mundo que nos rodeia? Não devemos nos abalar por conta das tiranias
impostas por esta entidade maléfica, o povo tem capacidade de ação enquanto a ação no
governo está restrita à capacidade de uma parcela de homens armados, mas impotentes
em sua casca humana, para resistir, existem diversos mecanismos de mercado que
envolvem desobediência que podem efetivamente e gradualmente diminuir mais ainda a
potência do estado e estes conceitos serão elucidados posteriormente.
Algumas das contradições mais ferrenhas do estado estão justamente atrelados à sua
forma de arrecadação e tomada de decisões. Vejam bem, a questão de como as coisas
serão financiadas leva a instâncias onde a mãe de uma vítima é obrigada a ajudar a
sustentar o sistema que mantém o seu algoz vivo.
Além disso, temos a própria perspectiva de que a ação violenta do estado em geral é
desconexa com a interação voluntária dos indivíduos, sendo assim, muitas vezes aquilo
que se faz cotidianamente nada tem a ver com a lei em si. Afinal, continuamos a ter
necessidades independente do estado ser incapaz de as suprir. Então como é esse
processo de resolução das nossas necessidades? Esse processo passará por instituições,
movimentos sociais e a política em si. Iremos expor como elas funcionam e então
demonstrar de que forma o estado as prejudica.
O grande problema disso é que a própria instituição Família irá necessariamente compor
uma gama enorme de possibilidades de forma difusa, permitindo assim uma
maleabilidade social muito ampla. A forma de resolver isso em prol de um
entendimento coletivo bem organizado é a própria eficiência dessa instituição em seus
mais diversos formatos até que haja então a possibilidade de aferir uma unidade sólida.
Mas as instituições não mudam apenas de dentro para fora. Os movimentos sociais são
responsáveis por modificar os estados de coisas que moldam as instituições, servindo
como mecanismos de enfrentamento sócio-cultural que culminam num processo de
reflexão dos agentes em torno das unidades estabelecidas. Em um cenário de livre
concorrência, os movimentos sociais são bem vindos porque possui enfrentamento
equânime com a unidade e essa relação é simbiótica.
Isso resulta num viés estatista que faz com que até mesmo as mais simples questões
sejam pensadas através do estado e não através dos próprios indivíduos. É essa a
mentalidade estatista, mentalidade essencialmente fascista, relembrando as palavras de
Mussolini: “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” (atribuída
ao ditador Benito Mussolini)
Pense conosco, existe forma melhor de preservar algo do que através de um mito? As
mais diversas mitologias chegaram praticamente intactas ao longo de milhares de anos e
a razão para isso é o elemento transcendente que carregam e que se mistura ao
imaginário criando uma sensação de pertencimento a um mundo maior do que nós
mesmos. O estado cria uma narrativa onde somos todos parte de uma mesma identidade
nacional e que essa identidade nacional ajuda a nos definir. Não somos mais apenas
João, Maria, Daniel, Eduardo, somos brasileiros. E como tais, temos deveres para com
aquele que inventou esses mesmos símbolos. Curioso, não é mesmo?
Bem, vamos investigar isso. Será que a identidade nacional artificialmente criada é
válida? Bem, símbolos são importantes. Eles diminuem de fato o custo de informação e
transladam para o próximo o máximo de informações sobre nós. Nesse sentido pode
parecer que a identidade nacional é importantíssima porque nos traz informações sobre
a nossa própria formação e sobre o processo de socialização pelo qual passaremos. Mas
será que isso é verdade?
Sendo assim, identidade só faz sentido numa visão de baixo para cima. O patriotismo
nacional é uma casca vazia de sentido e acima de tudo, um instrumento de dominação
das massas tal como são, sinceras. Bem, até aqui tratamos o estado como um ente
neutro e até mesmo concebemos um governo de pessoas bem intencionadas. Mas será
que isso é possível?
Poder. Se tivéssemos que traduzir tudo o que o estado é, diríamos que ele é a mais
sincera manifestação do poder na sociedade. Ele não apenas restringe o poder que é
legitimamente devido como o realoca para aqueles que deseja apoiar através da
liberdade dos outros. E o que isso nos diz sobre que tipo de pessoa são os governantes?
Os governantes, em geral, são aqueles que vêem o poder como instrumento para atingir
seus fins. Essa categoria de pessoa ao invés de escolher a liberdade, escolheu o controle.
É sobre alguém que deseja ver seu ideal estabelecido na realidade a todo e qualquer
custo. Seria contraditório que do poder pudesse vir a liberdade, eis que um é ausência de
coerção e o outro é coerção pura.
Então o que isso significa na prática? O que foi ganhado aqui? O que diferencia esses
argumentos ácidos contra o estado de qualquer outro argumento contra o “sistema”? Se
ele é muito maior do que nós, se ele é poder puro, se é por ele e somente ele que
podemos fazer qualquer alteração no sistema, porque qualquer uma dessas coisas
importaria? Isso tudo não é apenas uma utopia? Todas essas perguntas serão
respondidas nos próximos capítulos e acreditamos que passem pela forte perspectiva de
que não importa o quão nefastas as coisas pareçam estar, elas são resultado da ação
humana e será através da ação humana que ela voltará ao seu lugar, ou nas palavras de
Rothbard:
1
ROTHBARD, 2013c.
A LEI
O HOMEM É
O. Em gramática é definido como um artigo definido. Essa simples letra é responsável
por nos indicar que estamos falando de algo individualmente referenciado e definido.
Homem. Essa palavra assume a conotação de representar uma categoria, que através de
um exercício reflexivo será concebido como classe. Homem aqui assume um caráter
fortemente atrelado às características que usamos para saber que quando nos referimos a
João, Mariana e a Pedro, estamos falando de pessoas que fazem parte da mesma classe.
É. Essa palavra expressa diretamente dois conceitos, a existência do Homem, algo que
se manifesta no tempo-espaço de forma continuamente presente e mais ainda, em seu
sentido atributivo nos dirá que é infinitamente definido ou ainda indefinido em si. Não
podemos estamentar esse ser porque ele não cabe em nossas mensurações mais simples,
passamos a reconhecer o caráter dinâmico e complexo do Homem. Essa busca é até
mesmo dicotômica, porque a definição do Homem por si só nos fará buscar
características básicas essenciais onde possamos nos apoiar para nos diferenciar.
Enquanto a afirmação do É nos dirá que todas essas afirmações são temporais e
limitadas.
Nossa saída? Se tivéssemos uma saída para as definições possíveis do ser, esse seria um
livro de fenomenologia, não apenas um livro de fenomenologia, mas O livro de
fenomenologia. O manual definitivo do homem. Ao invés disso, reconhecemos nossa
distância para com uma referência exata do ser. Trabalharemos com essa indefinição e
vamos para o mundo normativo com a próxima afirmação.
O HOMEM AGE SEGUNDO SUA LEI
Age. Essa palavra que será abordada no capítulo Mercado nos diz que o homem é
homem agente, busca os melhores meios para alcançar os fins que almeja.
Segundo. De acordo com, em conformidade para. Assume-se aqui que a ação assume
um caráter de subordinação a essa conformidade.
Sua. Aquilo que lhe pertence. É interessante porque passa a ser um dos atributos do
próprio homem, dono dos seus desígnios e por isso mesmo livre. Autores como Sartre
diriam que somos até mesmo condenados a ser livres.
Como podemos ver, a lei aqui possui um caráter extremamente subjetivo nessa primeira
etapa. Ela se dá a nível individual, bottom-top e possui forte relação com a própria
personalidade do agente. Essas características são as que definem a lei em sua essência
e ao esquecermos disso não estaremos falando da lei em si, mas de uma construção
puramente formal da mesma.
Esse capítulo é sobre a lei e sobre a forma como o estado deturpa a mesma. Mas para
entender isso, precisamos simplesmente desmoralizar a academia explicitando o óbvio:
2
REALE (1994).
Sem um elo lógico causal correspondendo a um conteúdo jurídico, temos tão somente
estamentos que são políticos em si mesmos, descrevendo a forma como o próprio
agente vê o mundo e quer que nós vejamos esse mundo e acreditar que isso poderia
substituir de alguma forma um consenso universalmente reconhecível dos agentes é um
salto lógico tremendo.
Qualquer afirmação normativa que tiver pretensões de ser válida deve ser capaz de
perceber que a própria normatividade estará em torno daquilo que é e que não é aceito
pelo indivíduo e que conquanto os elementos universais adquiridos pelos consensos
entre as leis particulares transcendam o próprio homem, qualquer tentativa de
privilegiar determinado conjunto de leis particulares em prol de outras nos assuntos
onde não for possível encontrar consenso será em si mesmo inválida.
A LEI EVOLUI
Apenas alguém que não tenha percebido as amarras do estatismo é capaz de acreditar
que existe alguma vantagem em aferirmos uma lei tão antiga quanto pudermos em prol
de segurança jurídica. A razão para isso é simples; se são as expectativas dos agentes
que são responsáveis por entregar os elementos não consensuais e essas expectativas
mudam no tempo, como é que poderíamos ter normas não universais que não mudassem
no tempo e ainda assim estarmos entregando o requerido? Mais ainda, que não
mudassem de acordo com as mudanças geográficas ou ainda que mudassem baseado em
mudanças geográficas aleatórias como nossas linhas imaginárias que chamamos de
fronteiras?
É através de uma cultura jurídica dinâmica que converse com a comunidade jurídica que
podemos falar apropriadamente em uma lei que corresponda aos nossos anseios
contemporâneos. A única instituição capaz de nos dar a dinamicidade necessária é
justamente a do mercado, justamente porque é o mercado que demanda a segurança
jurídica e qualquer segurança jurídica que advenha de um processo não mercadológico
correrá o risco de ser excedente ou ausente.
Mais ainda, dentro das possibilidades do ser, algumas são dicotômicas, ser justo é não
ser injusto e isso é tudo aquilo que podemos falar sobre a justiça, pois sem essa
perspectiva toda visão que tivermos será a mensuração de uma justiça pessoal que nada
diz sobre a coletividade, um erro tão grave quanto o de ignorar a individualidade. A
justiça assim é muito mais do que entregar a cada um o que é seu, é enxergar os sujeitos
como seres de direito e entender como as interações entre eles criam as leis e as
modificam em busca de um mundo idealmente estabelecido e através daí perceber a lei
no universo de possibilidades normativas que então se abre como já dizia o ditado
jurídico:
SOCIALISMO
De acordo com Ludwig Von Mises, principal economista de vertente austríaca, o maior
problema do socialismo é o fato de que, por conta do planejamento central, é impossível
de obter-se um meio para se calcular os custos de operação, a estimativa de
lucro-prejuízo, isto é, de forma resumida, o cálculo econômico.
CAPITALISMO
E, nesse sistema, há de ter aqueles que provêm o capital para produção e aqueles que
trabalham, os proletários, segundo Marx. Mas, essa visão, além de ter sido combatida
pelos economistas austríacos do período, como Bawerk, é um tanto quanto simplista e
acaba por esconder as benesses de tal sistema.
Nos países onde há liberdade para que os empresários empreendem de forma racional
através do cálculo econômico, há progresso social econômico. Na Inglaterra do século
XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo
padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão
de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o
padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem
3
MISES, 2009.
4
MISES, 2015.
os ingleses dissipado boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não
foram mais que “aventuras” políticas e militares evitáveis.5
INTERVENCIONISMO
Ou seja, assim como bem afirmou Bastiat, a intervenção sempre tem dois efeitos,
aqueles que se veem e os que não se veem; o governo investindo num setor e fazendo
com que ele prospere é o que se vê, mas a população tendo que arcar com tudo através
de impostos e perdendo a oportunidade de investir em outros setores é o que não se vê. 6
Além disso, diferentemente de uma empresa capitalista, que, pode cometer erros
empresariais e com isso, perdem dinheiro. Numa empresa estatizada pelo governo, os
“prejuízos” são pagos pelos cidadãos na sociedade.
5
MISES, 2009.
6
BASTIAT, 2010.
Assim como, o governo, ao cobrar impostos, está intervindo diretamente nos negócios,
pode, também, intervir diretamente através de decretos e regulações. E essas
intervenções diretas prejudicam muito o progresso de uma empresa ou setor, pois, ao
invés de investir o seu capital em bens de produção ou contratando mais funcionários
fazem com que eles têm que desviar de tal regulamento.
Os empresários marginais são o que mais sofrem com o intervencionismo, pois, tendo
pouco capital acumulado não há como pagar tais decretos governamentais, por isso, em
muitos países, como o Brasil, é muito mais vantajoso não abrir empresa alguma, devido
a enorme intervenção.
EM DEFESA DO LAISSEZ-FAIRE
Em prol do progresso social econômico, tal modelo deve ser posto em prática o quanto
antes, pois, enquanto não há a liberdade total, há a imposição em todos. Assim sendo, a
defesa do capitalismo e do livre-mercado, é uma defesa quanto a modelo econômico,
mas também pode ser feito uma defesa moral.
7
MISES, 2010b.
O capitalismo faz com que seja supremamente
recompensador e lucrativo fazermos algo completamente
diferente. Afinal, também temos dentro de nós a
capacidade de pensar, de planejar, de antever as potenciais
consequências de nossas ações, de aprender com nossos
erros e com as respostas de terceiros.
Uma postura que muitos governos defendem quando a economia não está indo bem é a
liberalização da economia mas sem alterar as políticas intervencionistas no campo das
escolhas individuais.
Entretanto, na prática, isso é impossível, uma vez que as escolhas individuais também
são ações econômicas, tendo-se uma preferência de um recurso escasso por outro.
8
WADE, 2013.
Assim, mesmo decisões que aparentemente não afetam em nada a economia, como
bolsas de estudos e leis de quotas ou a proibição do casamento de pessoas do mesmo
sexo, distorcem os sinais dados aos empresários através do sistema de preços. Isso
porque essas regras levam a pessoa a tomar decisões diferentes daquelas que tomariam
em um livre mercado, fazendo com que suas preferências não fiquem claras aos
participantes do mercado e, portanto, diminuindo a capacidade das pessoas de atingirem
seus objetivos.
9
HAYEK, 1985.
PARTE II: DA SOLUÇÃO
O MERCADO
AÇÃO
Ao agir, todo homem pretende alcançar determinados fins, que descobriu que são
importantes para si. Meio é tudo aquilo que o agente (indivíduo) acredita ser
subjetivamente adequado para conseguir o fim. Utilidade é a apreciação subjetiva que o
agente faz ao meio, em função do valor do fim que ele pensa que o meio lhe permitirá
alcançar. Neste sentido, valor e utilidade são correlatos, uma vez que o agente projeta o
valor subjetivo que dá ao fim para o meio que acredita ser útil para alcançá-lo,
precisamente através do conceito de utilidade.
Os fins e os meios nunca estão dados; pelo contrário, são o resultado da atividade
empresarial essencial que consiste precisamente em criar, descobrir ou, simplesmente,
compreender quais são os fins e meios relevantes para o agente em cada circunstância
na sua vida. E, a partir da concepção da ação, podemos, então, entender o conceito de
tempo, o qual é essencial para a prospecção de toda ação.10
TEMPO
Toda ação necessita do tempo para ser concebida. Mas, o sentido de “tempo”
comumente utilizado é o “Newtoniano”, determinista, ou seja, a ideia de que o tempo é
uma linha homogênea na qual o indivíduo apenas pode projetar novas ações a partir do
que ele passou naquela determinada linha do tempo. Mas na sua concepção subjetiva,
aquele que é adotado pela Escola Austríaca, ou seja, tal como o tempo é subjetivamente
10
SOTO, 2013.
sentido e experimentado pelo agente dentro do contexto de cada ação. De acordo com
esta concepção subjetiva do tempo, o agente sente e experimenta o seu transcorrer à
medida em que age, ou seja, à medida em que cria, descobre, ou simplesmente se dando
conta dos novos fins e meios, de acordo com a essência da já explicada função
empresarial. A ação enquanto é causada e efetuada pelos indivíduos faz com que haja
uma sequência temporal, a qual sem a mesma não haveria o sentido de passado,
presente e a ideia de futuro.
CONHECIMENTO
iii) encontra-se disperso nas mentes dos indivíduos, no sentido de que ele não é “dado”,
mas sim, disseminado por uma parcela dos indivíduos integrantes da sociedade;
TROCAS
Toda ação visa trocar uma situação presente de insatisfação, por uma situação mais
satisfatória no futuro. O valor de fim esperado alcançado na ação, menos o custo da
ação é o lucro da ação.
Quando a ação humana não envolve outros agentes, mas somente um agente e os meios
e fins da ação, podemos denominar de troca autística. Um exemplo é um caçador que
mata um animal para seu próprio consumo: ele está trocando parte do seu tempo de
prazer por um alimento.
Assim o agente A pode oferecer a B um meio que seja considerado útil por B, em troca
B entrega à A o meio R de que tanto precisa para usar na sua ação planejada.
11
HAYEK, 1945.
Os dois agentes terão atingido condições mais satisfatórias, o agente A terá adquirido o
meio que precisava para executar seu plano de ação, e atingir o fim que está buscando.
E o agente B adquiriu um outro meio que poderá ser útil para seu plano de ação, e
atingir o fim que está buscando, que é diferente do fim que A busca.
Assim a troca interpessoal resulta na coordenação entre os agentes, que atingem fins
mais satisfatórios excludentes por meio de uma ação que envolve a cooperação entre os
dois agentes. Que disponibilizam meios para os outros agentes executar seus planos de
ação, ao mesmo tempo que recebe de volta deles outros meios que são úteis para seus
próprios planos de ação.12
MOEDA
Moeda é usado como meio de troca entre indivíduos, ou seja, serve como ponte para
empreendimentos onde – antes do surgimento – era dificultado por falta de um
denominador comum. Antes da moeda, as trocas eram feitas de forma arbitrária e, por
isso era impossível se criar uma complexa “estrutura de produção” formada por fatores
de produção como bens de capital, mão-de-obra e terra. Todos estes fatores são
combinados de modo a aprimorar o processo produtivo em cada estágio da cadeia de
produção. E todos estes fatores são pagos em dinheiro.
É mais barato usar moeda do que não usar moeda, ficar no escambo, e ter que descobrir
qual meio em específico o agente B acredita ser útil.
Nesta circunstância o agente A, pode ser que não tenha o meio que B queira, terá que
encontrar outro agente C que tenha o meio que o agente B quer, e adquirir por meio de
troca interpessoal com o agente C o meio que B quer. Mas também pode acontecer que
o agente A não tenha o meio que C quer, e então terá que encontrar um agente D, que
tenha o meio que C quer.
A criação do dinheiro traz outro grande benefício. Uma vez que todas as trocas são
feitas em dinheiro, todas as ‘taxas de câmbio’ ou ‘razões de troca’ são expressas em
12
MISES, 2010.
valores monetários, de modo que as pessoas agora podem comparar o valor de mercado
de cada bem em relação aos demais. Se um aparelho de televisão é trocável por três
onças de ouro, e um automóvel é trocável por 60 onças de ouro, então nota-se que um
automóvel “vale”, no mercado, vinte aparelhos de televisão. Tais ‘taxas de câmbio’ ou
‘razões de troca’ são os preços, e o dinheiro-mercadoria serve como um denominador
comum para todos os preços. É o estabelecimento de preços monetários no mercado o
que permite o desenvolvimento de uma economia civilizada, pois somente os preços
permitem ao empreendedor fazer o cálculo econômico. 13
PROCESSOS DE MERCADO
13
ROTHBARD, 2013b.
ou produto, para atender essa maior procura dos compradores, sendo o incentivo o
incremento no lucro.
Por meio das escolhas compradoras, um vendedor obtém prejuízo ou maior lucro pela
venda de seus serviços e produtos, e o processo empresarial de lucro e prejuízo, guia os
vendedores a melhor alocar os recursos escassos de maneira a produzir e vender os
serviços e produtos que melhor atenda as demandas compradoras.
Perdendo clientes o vendedor por consequência terá menos lucro, e até poderá entrar em
prejuízo, o que por consequência poderá levar ele a falência, ganhando mais clientes o
vendedor terá mais lucro, receberá mais unidades monetárias das trocas interpessoais
feitas com os compradores, e por consequência enriquecerá mais do que o vendedor que
não conseguir satisfazer as demandas compradoras.
No mercado os recursos são direcionados pelos compradores para os vendedores que
melhor satisfazem suas vontades, desejos e demandas. Os vendedores eficientes
enriquecem e os ineficientes empobrecem. Assim o processo empresarial de prejuízo e
lucro tem uma função muito importante, de coordenação da sociedade, em que
possibilita os recursos escassos ser mais bem alocados para satisfazer as demandas
compradoras.
JUROS
Os juros, para Böhm-Bawerk, não podem ser explicados pela produtividade física do
capital. Imagine que um casal de patos gere seis patinhos daqui a vinte e oito dias (que é
o tempo médio de incubação da espécie) e que cada pato - filhote ou adulto - custe R$
50,00. Então, os seis patinhos excedentes não explicam os juros, pois, em caso
contrário, seria interessante para qualquer um comprar hoje o casal de patos por
qualquer preço menor do que R$ 400,00 para vendê-lo daqui a vinte e oito dias -
quando, então, já seria de oito o total de animais - pelos R$ 400,00. Porém, acontece
que as forças de mercado (entre elas a competição e as expectativas) fariam com que o
preço presente dos oito patos subisse para os R$ 400,00.
Quanto maior a preferência temporal menos disposta estará a pessoa de fazer ações que
demoram mais tempo, e quanto menor a preferência temporal mais disposta estará a
14
IORIO, 2010.
pessoas de renunciar ao fim das ações mais curtas e executar ações que demoram mais
tempo.
Quanto maior a preferência temporal das pessoas na sociedade, menos pouparam, por
consequência a oferta de poupança será menor, em contrapartida o consumo presente
maior, o que causará um aumento da demanda compradora por poupança, ao mesmo
tempo uma oferta vendedora menor de poupança, o que causará um aumento dos juros.
Tendo a preferência temporal da maioria das pessoas diminuído por consequência terá
um consumo presente menor, tendo então por consequência uma demanda compradora
por poupança menor, e um aumento da poupança, resultando em juros mais baixos.
A ÉTICA LIBERTÁRIA
Esse talvez seja o capítulo mais difícil desse livro para nós. O motivo disso é a
importância da compreensão do que será exposto aqui. E para isso, nós iremos percorrer
um longo caminho na história da filosofia.
A percepção de que existe algo em comum em todos os agentes, qual seja a própria
racionalidade, nos dá a perspectiva de que haveriam fins universalmente valorados
através da própria razão. O alcance desses fins então seria um alcance universalmente
valorado e dos quais os agentes não poderiam se furtar de conhecerem. A esse estado
universalmente valorado damos o status de Dever.
Platão iria mais longe ainda e diria enfim que esse status de dever, de busca de um bem
universalmente valorado seria também a busca por uma medida em cada ação, sendo
assim, haveria em todo o agir uma justa medida, uma forma correta de agir em
detrimento de outras tantas erradas e que o buscar disso seria o buscar da ordem em si.
A percepção de que haveria uma medida justa para tudo, fará Aristóteles então
questionar-se das implicações disso e ainda mais, a pensar na questão acerca da
identidade. Se há uma medida justa para tudo, é porque há uma singularidade em cada
coisa que dirá e definirá qual é essa medida a ser alcançada, através da indicação dos
fins. Assim, o ser é percebido por si mesmo e a sua comparação será apenas o encontrar
dos elementos da singularidade semelhantes e diferentes entre os seres mas que nada
dirá acerca do ser em si.
Ele ousará ir até mais além e dirá que aquilo que irá nos igualar será justamente o
alcance desse fim bom em si mesmo, chamando a isso de eudaimonia. Sendo assim,
todos temos uma possibilidade para o alcance das nossas próprias medidas e é nessa
possibilidade que a ética faz morada. Essa determinação individual seria de tal
magnitude que infinitamente valiosa auxiliaria o encontrar de uma ordem
universalmente valorada e para o qual valeria a pena viver, vida boa. Com isso, temos
15
MARCONDES, 2010.
16
MARCONDES, 2007.
que o agir ético é o agir que nos conecta à sociedade como instrumentos de nós mesmos
e que indo mais longe ainda é o que é capaz de nos situar como indivíduos completos
para com nós mesmos.
Somos donos de nós mesmos, donos daquilo que pudermos misturar nosso trabalho
através do primeiro uso e principalmente, os próprios juízos do que é justo e injusto.
Longe do papel teleológico de um arcabouço político, são os indivíduos através de uma
17
MARCONDES, 2007.
18
LOCKE, 2008.
teia de sentido que são responsáveis por mensurar a possibilidade de direito e de almejar
e buscar uma ordem justa. Nessa ética, não há quem se estabeleça por cima do outro,
são todos igualmente valorosos como agentes éticos, eis que partilham da mesma
natureza. A ética aqui é uma ética com fortes valorização do indivíduo que é o juiz e
garantidor de uma ordem que é estabelecida através da observância das consequências
das ações, mais do que buscarmos nossos fins, agora buscamos não impedir que a
própria ordem se estabeleça pela ação justa do próximo.
Kant, de certo, um homem intrigante. O homem que reformulou a metafísica, pondo ela
sob bases diversas. Seu projeto ético está em torno de uma parte da razão que seja
inteiramente voltada ao que há desde antes da experiência em si, uma razão apriorística.
Kant chamará essa parte da razão de razão pura. Kant possui a concepção da razão
prática também que lidará com as questões morais da realidade. Kant dirá que a razão
prática pura será aquela que poderá lidar com os elementos éticos de forma que
qualquer sujeito poderá chegar naquelas mesmas conclusões por si mesmo. Então, ele
nos propõe um exercício, maximizamos as nossas ações e então vemos se essa ação vem
de fato da razão prática pura. A esse exercício, Kant chamou de imperativo categórico.
O que tornou-se o diferencial, o grande insight de Kant então é tentar excluir aquilo que
diferencia a qualquer dois sujeitos para lidar apenas com os aspectos onde encontramos
semelhanças, dessa forma chegando a conclusões universais. Conclusões interessantes e
que afastariam totalmente um empirista (que acredita que as conclusões acerca da
verdade natural/moral será baseada na experiência) como Locke e que se baseiam
19
KANT, 2007.
fortemente nos apontamentos de David Hume e Francis Bacon (ironicamente um
empirista).
Apesar da descoberta interessante como a de Kant, havia homens que estavam prontos a
criticar certas afirmações estabelecidas como a de que não seria possível conhecer o ser
em si. E um desses homens, talvez o mais significativo foi justamente Martin
Heidegger. O que Heidegger quer afirmar essencialmente falando é qual a verdade do
ser, seu sentido. E a sua percepção passará pela separação necessária entre ente e o ser.
20
idem.
ponderações acerca de como diferenciar um elemento que exista por si só e o que é
através da coletividade serão extremamente úteis para a nossa exposição.
É interessante pensar em Peirce porque ele foi um homem curioso. Sua vida no mínimo
excêntrica o diferencia de muitos dos outros filósofos na mesma medida que a
complexidade de seu trabalho. Peirce diria que vemos o mundo através de signos. Esses
signos representam uma primeira instância da interação do mundo, na medida em que
são representações das coisas. Uma espécie de imagem mental que faz correlação com o
objeto na medida que através da razão encontramos significado para essa imagem.
21
DAZZANI, 2008.
nada existe independentemente de ser interpretado por uma
mente humana.22
A saída de Pierce para o problema foi perceber 4 coisas que são extremamente
importantes para a construção do conhecimento. São elas:
“Não há nenhuma distinção conceitual que não consista de nada que seja uma
diferença prática.”23 Procurar citação: The Cambridge Companion to Peirce (Mizak
2004). Isso significa que toda vez que distinguimos um algo de outro algo é em função
do fato que eles possuem diferenças práticas que possam ser percebidas para possibilitar
a distinção conceitual. Pense em uma tesoura e em uma tesoura sem ponta e a verdade
dessa afirmação fica deveras simples de ser percebida.
22
idem.
23
MIZAK, 2004.
24
MIZAK, 2004.
Mas como saber que chegamos nessa verdade? Peirce dirá que a verdade é aquilo que
não é disputável, aquilo que por um tempo razoável se demonstra sólido ao ponto
de representar a verdade para aquela comunidade. Isso situa a verdade como algo
dinâmico, como algo que está mudando em função do contexto, capacidade de
verificação da realidade e principalmente do choque com outras verdades.
Bakhtin. É na sociedade que aprendemos a ser quem somos e a consequência disso será
que a nossa consciência é e só poderia ser semiótica, onde a própria matéria prima da
nossa consciência são os signos que usamos para expressar a nossa compreensão do
mundo. (Marx e a Filosofia da Linguagem)
Bakhtin está nos dizendo para percebermos que a nossa própria capacidade de pensar os
signos advém do fato que nós fomos ensinados por alguém, dizendo que a comunidade
comunicativa foi responsável até mesmo pelas nossas mais singelas ponderações sobre a
realidade e até pelo fato que pudemos ponderar em primeiro lugar. Isso faz com que não
consigamos mais pensar o homem fora da sociedade em que nasceu.
25
APEL, 1993, p. 312-313
de comunicação que serve ao entendimento. Porém, os
atores, ao se entenderem entre si para coordenar suas
ações, perseguem, cada um, uma determinada meta, de
modo que não se trata primariamente de atos de
comunicação, mas de um tipo de interação coordenada
mediante atos de fala.
Princípio D: Habermas percebe que a única forma de possuir uma verdade pragmática é
por uma verdade onde todos os sujeitos podem vir a interferir na construção da verdade,
adicionando suas próprias construções individuais ao plano geral:
26
HABERMAS, 2003
Lebenswelt é corresponder a um acervo de concordâncias, ao que constituem os
mecanismos aos quais os agentes sociais podem recorrer quando encontrarem em
desacordo sobre aspectos internos da sociedade, funcionando como um ponto-pacífico
entre interlocutores, onde estes reconhecem determinados consensos sobre a utilização
da comunicação linguística para determinarem as resoluções de suas práticas sociais.
Discurso Ideal: É a situação ideal de fala onde todas as regras necessárias para o chegar
de conclusões morais universalizáveis são atingidas e é possível então falar de
instâncias do dever, normas éticas.
ROTHBARD E A AUTOPROPRIEDADE
Autopropriedade: direito de empregar seus recursos como lhe convém até o ponto que
isto afete a integridade física da propriedade de outro ou delimite o controle da
propriedade de outro sem seu consentimento.
Homestead: Resgatando o primeiro uso, Rothbard percebe que o único sistema em que
a apropriação de recursos escassos não nos gerará conflitos é o sistema de primeiro uso.
E isso acontece porque só existem 3 possibilidades lógicas que satisfaçam esse
problema:
Rothbard irá argumentar que a única forma que não irá gerar mais conflitos será
justamente a alternativa onde há direitos de propriedade bem definidos.
Princípio da Não Agressão: É um princípio que orienta a nossa ação em torno de ações
voluntárias e de coordenação entre os sujeitos. Rothbard o define da seguinte forma:
Vimos que a única forma de uma proposição ser universalmente verdadeira ou ainda
verdadeira no sentido pragmático como pensado por Peirce é que ela leve em
consideração a comunidade comunicativa por meio do princípio do discurso, onde os
sujeitos participam como sujeitos ativos da ponderação moral.
27
ROTHBARD, 2013b.
Argumentação não são sons flutuantes, mas uma ação
humana, isto é, uma atividade humana propositada
empregando meios físicos – o corpo de uma pessoa e várias
coisas externas – a fim de alcançar um fim ou objetivo
específico: a obtenção do acordo sobre o valor verdade de
uma dada proposição ou argumento.
A argumentação lida aqui como uma ação humana, numa visão misesiana, indica que a
própria escolha de argumentar está carregada de uma valoração, qual seja da escolha de
um agir comunicativo como em Habermas em detrimento de um agir estratégico.
Hoppe aqui está nos afirmando que muito embora possa ter havido um momento de não
concordância, o momento da argumentação é concordância, ainda que seja a
concordância de dois sujeitos quanto ao fato que eles não concordam.
Aqui Hoppe quer afirmar que os pressupostos praxeológicos da argumentação, que ele
vai expor a seguir, são parte do a priori da argumentação e não podem ser como tais
contestados, igualando essas condições ao nível da transcendentalidade e mais
importante, ao mundo da vida.
Aqui Hoppe faz sua grande sacada, Ele estabelece aqui algo como o seguinte: “Estou
vendo que existem essas condições, essas chamadas regras de ação que determinam
quais são as normas legítimas a serem seguidas na comunidade, mas eu reparei que
essas regras de ação para a universalização são exatamente tal como como a autonomia
que é descrita pela autopropriedade rothbardiana.”
Essa correspondência não é puro acaso, que as regras da ação envolvendo a autonomia
sejam a própria autopropriedade, na verdade é que a própria autopropriedade ao ser lida
como direito de autonomia (direito de decisão dos próprios fins) é a expressão mais
sincera do que significa ser dono de si.
CONCEITOS
Por tal, proponho analisar nesses pontos tão antigos e basilares, a fim de evidenciar não
só a atemporalidade de discurso, da relativamente recente tese libertária, mas também a
flexibilidade de se realizá-lo, seja em um contexto moderno ou não.
CÉFALO E POLEMARCO
Primeiro, a Céfalo:
A resposta libertária a esse problema, vem, primeiro, de uma teoria jurídica totalmente
justificada no direito natural, visando unicamente a prevalência da mesma, e segundo, a
interesse dos indivíduos que serão agora tratados como clientes, não mais subordinados.
Mais singelamente, esclareço nesse contexto, uma propensão de alguns libertários a
preferir a common law28 como regime melhor que a civil law29, uma vez que essa última
leva menos em conta os fatores particulares. Deixando claro que, no anarcocapitalismo,
cada um poderia escolher um sistema que melhor lhe atendesse.
Sócrates aqui avisa o quão perigoso é seguir por essa definição, ao que nos lembra da
nossa própria falibilidade, fica claro o risco de, em erro, acabar por tratar da forma que
cremos ser devida ao amigo, alguém que, em acerto, entenderíamos como inimigo,
assim vice-versa.
28
Civil Law, sistema jurídico baseado no direito romano a qual sua essência se dá pela codificação e
fornecimento de leis escritas que devem ser seguidas pelos juízes dentro da legislação.
29
Common Law, sistema jurídico baseado no aperfeiçoamento do direito através da jurisprudência,
que nada mais é que o histórico de julgamentos anteriores em determinado local.
indignos de estar dentro dela. Ele ignora que a virtude é passível aos humanos em geral,
assim como a justiça é devida igualmente a todos.
Pode surgir ao leitor a dúvida, “mas e o libertário, ele também acusa o governista,
não?”, veja, é o estadista, seja rei ou político, legislador ou executor, que nos obriga a
distingui-lo, pois é aquele que almeja o poder ou que já o detém, que precisa reafirmar
para si e para os outros, sua posição acima dos demais. Tudo o que fazemos é apontar a
agressividade e ilegitimidade dessa postura, tanto quanto, a imoralidade de se mantê-la
ou advogá-la. Em outras palavras, não dividimos a sociedade, como meio ou fim, nós
apontamos aqueles que o fazem, deixando bem claro que não concordamos com isso.
Sócrates também nos explica que, mesmo que convictos do nosso julgamento, isso não
importaria, pois o justo jamais faria o mal, mas sim, sempre o bem, pois é nele que a
própria justiça se dá.
Ora, não é esse comportamento o exato oposto do pregado por doutrinas que insistem na
luta de classes, pureza racial, fanatismo religioso, xenofobia , e afins? Como podem
essas serem justas ao se retro alimentarem da vingança e do ódio? Não é clara a
maldade daquele que clama por violência e opressão contra grupos inteiros, sejam estes
de fato comuns, ou classificados assim a dedo de quem os condena? Novamente, talvez
o leitor se pergunte, “mas o libertário não prega o mesmo para os membros do governo
ou para bandidos?”
Para responder a isso, é preciso esclarecer que a ética libertária se limita a descrever o
que é legítimo e ilegítimo dentro do que cabe a propriedade privada, ao passo que a
teoria jurídica, nos dá os parâmetros para qual as ações sempre se realizarão no
exercício do direito, e nunca em sua violação. Dito isso, cabe ao indivíduo refinar seus
próprios valores morais e pessoais, culturais e religiosos, para se adequar a uma vida
justa. Dessa forma, qualquer um que em seus discursos ignora o que é cabível
eticamente, o que está nos limites da proporcionalidade, propondo o que já não pode ser
justificado, não está falando sobre libertarianismo, ou respeitando suas bases
fundamentais. Indo mais além, afirmo que, fazer a justiça nos parâmetros que a define, é
fazer o bem, inclusive para a parte criminosa.
Antes de mais nada, fazer o bem não é meramente cumprir a vontade de alguém, ou
prover bem estar material, mas sim, alcançar o que lhe é próprio. Não podendo ser justo
a um e injusto ao outro, é próprio ao homem virtuoso então, por meio da razão, se
civilizar, refinando o agir de maneira a se afastar cada vez mais da barbárie.
Isso significa que ainda teríamos simpatia por aqueles que nos agradam, neutralidade
perante os neutros, e rancor perante aqueles que acreditamos estar nos prejudicando. Se
já não ficou claro aonde quero chegar, veja o segundo bem que uma sociedade que se
faz cumprir a lei entrega ao bandido, a garantia, não só de que nada mais será feito a ele,
se não a cobrança do que se deve restituir, mediante a um processo que lhe permita
argumentar em defesa própria, como também, forneça salvaguarda caso alguém resolva
passar desse limite, sendo assim, punido por fazê-lo.
TRASÍMACO, O POLÍTICO
Trasímaco dá aquela que é a definição que todo estadista oculta dentro de si, diz ele: “O
que está no interesse do mais forte”. É claro o absurdo de se afirmar isso nos dias de
hoje, afinal, dentro de nossa própria modernidade, buscamos sair do famoso estado de
natureza30 e viver no domínio do direito, justamente para que não se impere a “lei do
mais forte”, que em suma, nada mais é que a pura violência. Agora, engana-se o leitor
se concluiu até aqui que Trasímaco simplesmente acredita na simples selvageria. Na
realidade, embora o grego seja conhecido por seus sofismas, o mesmo descreveu
magistralmente a maneira que se dá um governo e a imposição de uma “sociedade civil
31
”:
30
Estado de natureza é, segunda Thomas Hobbes em O Leviatã, a condição segundo o qual os
homens podem todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las;
31
Estado Civil, passagem do estado de natureza à sociedade civil, onde os indivíduos renunciam à
liberdade natural e à posse natural, concordando em transferir a um terceiro – o soberano – o poder
da criação e aplicação de leis, tornando-se autoridade política.
justo, para os governados, o seu próprio interesse, e
castigam quem o transgride como violador da lei,
culpando-o de injustiça. Aqui tens, homem excelente, o que
afirmo: em todas as cidades o justo é a mesma coisa, isto é,
o que é vantajoso para o governo constituído; ora, este é o
mais forte, de onde se segue, para um homem de bom
raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma
coisa: o interesse do mais forte.32
Ou seja, para Trasímaco, o mais forte impõe a sua conveniência o que chama de justiça,
e o mais forte dentro de uma sociedade é o governo, logo é ele quem tem a palavra final
sobre o que é justo ou injusto, a preservar seus próprios interesses. É curioso como isso
soa parecido com a visão hobbesiana do estado de natureza não é? “O homem é o lobo
do homem”, bom, ao que parece, tudo o que o Estado conseguiu fazer na prática desde
sempre é designar um líder para a matilha. Em verdade, se ele não deve ser assim, então
por que é? E se ele existe para nos tirar da selva, porque age como a pior das feras? Mas
das várias respostas possíveis que Sócrates poderia ter dado, a qual podem incluir
apontar falácias, exceções ou descrições mais coerentes, etc… Apenas usando de seu
impecável método, a maiêutica33, forçou seu oponente a aceitar a refutação, sem
precisar atacar a definição dada:
Sócrates — Pois bem! Poderiam os olhos desempenhar bem a sua função se não
possuíssem a virtude que lhes é própria ou se, em lugar dessa virtude, possuíssem o
vício contrário?
Trasímaco — Como poderiam? Queres, por acaso, dizer a cegueira, em vez da vista?
Sócrates — Qual é a sua virtude, pouco importa; ainda não te pergunto, mas apenas se
cada coisa desempenha bem a sua função por virtude própria e mal pelo vício
contrário.
Trasímaco — É como dizes.
Sócrates — Posto isto, os ouvidos, sendo privados da sua virtude própria,
32
PLATÃO, 2001.
33
Maiêutica ou método socrático consiste numa técnica desenvolvida por Sócrates onde, através de
perguntas, o interlocutor é levado a descobrir a verdade sobre algo;
desempenharam mal a sua função?
Trasímaco — Sem dúvida.
Sócrates — Este princípio pode ser aplicado a todas as outras coisas?
Trasímaco — Julgo que sim.
Sócrates — Então, analisa agora isto: a alma não possui uma função que nada, a não
ser ela, poderia desempenhar, como vigiar, comandar, deliberar e o resto? Podemos
atribuir estas funções a outra coisa que não à alma e não temos o direito de dizer que
elas lhe são peculiares?
Trasímaco — Não podemos atribuí-las a nenhuma outra coisa.
Sócrates — E a vida? Não afirmamos que é uma função da alma?
Trasímaco — Com certeza.
Sócrates — Portanto, afirmamos que a alma também possui a sua virtude própria?
Trasímaco — Afirmamos.
Sócrates — Então, Trasímaco, a alma executará bem essas funções se for privada da
sua virtude própria? Ou será impossível?
Trasímaco — Será impossível.
Sócrates — Em decorrência disso, é obrigatório que uma alma má comande e vigie
mal e que uma alma boa faça bem tudo isso.
Trasímaco — É obrigatório.
Sócrates — Ora, não concluímos que a justiça é uma virtude e a injustiça, um vício da
alma?
Trasímaco — Concluímos.
Sócrates — Por conseguinte, a alma justa e o homem justo viverão bem e o injusto,
mal?
Trasímaco — Assim parece, de acordo com o teu raciocínio.
Sócrates — Então, aquele que vive bem é feliz e afortunado e o que vive mal, o
contrário.
Trasímaco — Não há dúvida.
Sócrates — Portanto, o justo é feliz e o injusto, infeliz.
Trasímaco — Que seja!
Sócrates — E não é vantajoso ser infeliz, mas ser feliz.
Trasímaco — Sem dúvida.
Sócrates — Por conseguinte, divino Trasímaco, jamais a injustiça é mais vantajosa do
que a justiça.
Trasímaco — Que seja esse, Sócrates, o teu festim das festas de Bendis34!
Talvez seja essa a verdadeira saída para o estado de natureza, que o libertário propõe, ao
buscar nas palavras e não nas garras, um mundo melhor. Se o homem é o lobo do
homem, então deixemos de ser lobos, para de fato, sermos homens.
34
Bendis, Deusa Grega, equivalente a Ártemis, deusa da lua.
JUSTIÇA PRIVADA
TEORIA JURÍDICA
No que tange a justiça em uma sociedade livre, esta seria tratada como qualquer outro
serviço, fornecida pelo mercado, estando sempre submetida à lei de propriedade
privada, tendo como função manutenção dos contratos e resguardar a propriedade
privada.
O devido processo legal trata de uma série de normas a serem seguidas, punir qualquer
indivíduo sem seguir todos os critérios é uma ação ilegítima. Em um sistema de estado,
o devido processo legal prevê que ninguém pode ser punido antes de seu julgamento,
em alguns casos indo além, como por exemplo somente depois de dois ou três
julgamentos… Obviamente ele exige que não se pode privar nenhuma das partes do seu
direito de fala, e que sempre que uma parte apresentar um argumento, a outra deve
poder retrucá-lo.
Outro critério apresentado é de que a decisão nunca pode ser monopolizada somente por
um juiz, sendo assim, o indivíduo julgado sempre deve poder recorrer a 2° instância,
além de nenhuma das partes poderem escolher o juiz que fará qualquer um dos
julgamentos. O leitor atento deve notar que, excluindo o último ponto, que garante que
nenhuma das partes possam escolher o juiz, o sistema de justiça privada pode atender
todos os requisitos, isso mostra mais uma vez como o estado sequer é necessário para
executar as questões mais basilares de uma sociedade.
Escrito por Stephan Kinsella, e que pode ser considerado uma complementação da Ética
Argumentativa escrita por Hans Hermann-Hoppe, ambas derivadas jusracionalmente,
tem como base a common law, e é semelhante a Lei de Talião, mas verdadeiramente
fundamentada. A Lei de Talião consiste basicamente na reciprocidade da relação com
crime e pena, a lei diz que o criminoso deveria ser punido em mesma ou semelhante
medida ao dano causado pelo mesmo, e que o executor da punição deveria ser a vítima,
a parte lesada. A lei é popularmente conhecida pela famosa expressão popular: “olho
por olho, dente por dente”, o objetivo da lei era balancear juridicamente as ações dentro
de uma sociedade.
Imagine que uma mulher pouco dotada de beleza quebre uma garrafa de vidro, e então
ataque uma jovem modelo a início de carreira. Veja, a modelo depende de sua boa
aparência para seguir sua profissão, já a agressora, se meramente tiver seu rosto cortado,
sofrerá muito menos prejuízo, logo não seria justo simplesmente “dar o troco na mesma
moeda”, pois além de não representar qualquer “equidade”, de nada beneficiaria, senão
momentaneamente a satisfação um sentimento de vingança a vítima, que continuaria
tendo que lidar com todos os problemas causados pela injusta agressão.
Abordamos agora de forma mais precisa a teoria jurídica propriamente dita, o estoppel.
Como afirma Kinsella no início de seu artigo formulando sua tese:
O autor, de início, explica o propósito da pena, abordando logo depois sobre o que seria
uma punição, além do próprio conceito da aplicação da mesma, como descreve a seguir:
Após isso, Kinsella demonstra outro argumento, também falho que um agressor poderia
utilizar em sua defesa:
35
Princípio da universalidade, dever de universalizar o acesso aos direitos.
a agressão é inadequada; que ele mudou de ideia desde
que matara B. Então não há inconsistência, nem
contradição, porque ele não sustenta simultaneamente
ambas as ideias contraditórias, e não é impedido de
contestar seu aprisionamento.
A NATUREZA DA MEDIAÇÃO
Sendo os conflitos entre indivíduos algo inevitável em uma sociedade que precisa lidar
com a escassez de recursos, resolvê-los é essencial para que a boa convivência se
mantenha pacífica e produtiva.
De fato, a teoria legal libertária, dirá qual o direito básico de cada um, como
racionalmente pensar a proporcionalidade e as punições, que se deve seguir o devido
processo legal para se minimizar os erros de um julgamento. Mas acaba aí, não existe
perícia libertária, não existe método investigativo libertário, ou qualquer coisa do tipo,
os fatores materiais e “práticos” por assim dizer, já não estão mais nos limites teóricos e
cabíveis a deduções puramente lógicas. Para servir de ponte entre o que deve ser e como
faremos, estamos acostumados a recorrer a um intermediário, que será isento e
imparcial, mas veja, uma sociedade pode ser composta por apenas dois indivíduos, e se
for o caso, não existe a possibilidade de um terceiro ser o árbitro. Então isso significa
que o conflito não pode ser resolvido? Lógico que não.
É plenamente possível duas pessoas entrarem em acordo, e usando da inteligência,
chegar a uma resolução ética nos direitos de cada um. O inconveniente aqui, é que isso
é extremamente complicado de se fazer, pois em uma disputa entre partes, ambos
acreditam estar certos, e mais do que isso, QUEREM estar certos, o que dificulta ainda
mais permanecer comprometido com a razão, já que é do interesse de ambos, atingirem
seus fins, o que leva a outro incômodo plausível entre as partes... Por que confiar na
palavra do outro? Ele pode mentir, fraudar ou agir de má-fé, não há garantias do
contrário, e talvez ele teria motivos para isso.
OS TRIBUNAIS PRIVADOS
O cenário anarcocapitalista é tão mais promissor que, caso você não se sinta confortável
com as avaliações fornecidas pode sem intermédio, realizar as próprias investigações, e
se a empresa responsável pelo tribunal ou pela auditoria, não quiser liberar as
informações que satisfaçam as tuas preocupações, ou que cumpram os teus critérios
escolhidos, basta buscar uma que o faça, ou até mesmo começar seu próprio negócio,
atendendo a quem tiver as mesmas demandas que você, afinal de contas, empreender é
uma escolha válida e louvável.
Talvez uma das últimas preocupações do leitor até aqui, sejam os custos financeiros da
justiça privada, afinal, a estatal é sustentada por impostos, e no anarcocapitalismo, cada
um teria que bancar a si mesmo. Então como um mendigo, ou alguém muito pobre teria
acesso?
O mercado não pode esperar a burocracia do estado, tempo é dinheiro, boas e más
decisões podem arruinar um negócio, e ninguém quer depender de fatores assim. Não é
atoa que é relativamente comum a existência de serviços de arbitragem privada no meio
empresarial. Alguns exemplos de associações com fins de mediação bem sucedidas, que
atuam inclusive a nível internacional são, a Associação Americana de Arbitragem —
AAA (American Arbitration Association) fundada em 1926, e Câmara Internacional do
Comércio — CCI (International Chamber of Commerce) fundada em 1919.
Entretanto alguém pode pensar, “mas essas instituições, como tudo, estão submetidas ao
governo não é? O que garante que sem ele as mesmas não deixariam de funcionar”.
Bom, para tornar as coisas mais interessantes, demonstrarei a seguir, ambientes que
funcionam “livres” de uma autoridade central.
A INTERNET
Outra coisa, é que não são as leis do governo que mantém a internet um local
“amigável” a quem usa. É bem verdade que existem regulamentações, e até serviços
policiais especificamente designados a punir crimes virtuais, mas veja, o real fator de
civilização virtual é o próprio interesse dos criadores de conteúdo em ter seu material
visualizado e divulgado.
Pense comigo, o que motiva o Google a não permitir certos conteúdos em suas
plataformas? Será que sem o estado para proibir pornografia infantil, vídeos de estupro,
sites mal intencionados e criminosos entre outros, a empresa simplesmente iria os
ignorar? É evidente que não, uma empresa precisa zelar por boa reputação para atrair
mercado, assim como, na maioria do tempo, não é o governo que faz o Facebook e
Twitter deletarem postagens, até porque, muito do que é excluído sequer é ilegal, mas
vai contra os interesses do que os donos entendem ser a vontade dos clientes para qual a
plataforma é direcionada.
É a nossa própria evolução de decência que dita os padrões sociais aceitáveis, tanto para
empresas, quanto para o estado, que ao contrário do que se pensa, não é assegurador da
moral, mas assim como qualquer instituição que preze pela própria sobrevivência,
precisa se adequar a tal, para não ser massivamente rejeitada. Prova disso, é que os
maiores responsáveis por combater materiais sórdidos e criminosos, nas partes mais
descentralizadas e anônimas da internet, são especialistas i ndependentes ou de alguma
célula ativista. Não há porque pensar que em um ambiente de livre mercado, estes, não
continuariam a ser incentivados a prestar o mesmo serviço, talvez até recebendo
pagamento para expandi-lo, já que é da própria sociedade, a vontade de se preservar.
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
É até bem estranho, mas você já parou pra pensar que não existe um “estado mundial”?
A ONU é só uma de várias associações, qualquer país pode entrar e sair dela a hora que
quiser, e nem mesmo precisa acatar a todas as suas resoluções. Pois é, uma nação se
relaciona com as outras na exata mesma condição a qual os anarcocapitalistas entendem
que os indivíduos de uma sociedade livre o farão, ou seja, através de acordos
voluntários e reciprocidade.
O Sr. Brasil a algum tempo, que mora no bairro América Latina, teve um
desentendimento com a Sra. Inglaterra em decorrência de certo prejuízo que a mesma
acabou tendo ao transitar pela calçada do sujeito. O Sr. Brasil, por sua vez, não
acreditava ser responsável e não estava disposto a pagar qualquer indenização solicitada
pela Sra. Inglaterra, que ficou extremamente furiosa, chegando a ameaçar do uso da
força contra o Sr. Brasil, o Sr. Brasil, também levantou a voz e disse que se ela quiser
partir pra violência, ele também vai. A situação ficou tensa, até que o Sr. Brasil resolveu
pedir ao Sr. Belga, que morava no mesmo bairro que a Sra. Inglaterra, Europa, para
mediar a situação. O Sr. Belga avaliou a situação e disse:
- Bom, Sr. Brasil, era sua responsabilidade cuidar da situação da calçada da sua casa,
então você precisa pagar os danos a Sra. Inglaterra, mas de fato ela foi muito
deselegante e não deveria ter te ameaçado, então o mínimo que ela precisa fazer é te
pedir desculpas.
E como toda boa história, o final é feliz, Sr. Brasil pagou para a Sra, Inglaterra o que
devia e ela pediu desculpas por ter se excedido, voltando a se relacionar normalmente.
Claramente, isso só é só uma analogia, tentando se aproximar, para fins didáticos em
um episódio real, conhecido na história diplomática brasileira, como questão Christie36.
Mas vamos pensar em alguns cenários possíveis que poderiam ter acontecido. Veja, na
época, a marinha real chegou a enviar um navio de guerra para a costa brasileira, e o
nosso Imperador na época, Dom Pedro II estava disposto a responder a mesma altura,
não seria muito difícil essa situação escalonar para um conflito armado, só que, que bem
isso faria para ambos? Nenhum, o Brasil perderia um importante parceiro comercial,
assim como a Inglaterra, um bom cliente e fornecedor, sem falar nos prejuízos com o
conflito.
Mais do que isso, a Bélgica não tinha meios para obrigar militarmente qualquer um a
seguir a decisão tomada, e se essa fosse de alguma forma absurda, não só seria rejeitada
pelas partes, como sua execução seria vista como ilegítima pelo resto da comunidade
internacional, comprometendo seriamente a reputação do Rei Belga, o juiz e de quem a
aceitasse. Da mesma forma, como a deliberação foi nitidamente razoável, mesmo
qualquer lado podendo simplesmente se recusar a fazer o que lhe foi solicitado, seria de
quem agisse desse modo, o prejuízo à reputação, que acumularia aos próprios
infortúnios de se manter o conflito sem resolução.
36
Questão Christie, crise diplomática entre os governos do Império do Brasil e do Império Britânico
ocorreu entre 1862 e 1865.
PARTE III: LIBERDADES
A LIBERDADE
Muito embora o leitor já tenha sido agraciado com uma básica narrativa sobre a
liberdade, faremos um pedido de que, por hora, se esqueça das informações
anteriormente apresentadas e, com suspensão de descrença, se concentre no que virá a
seguir para que possa entender o que está sendo apresentado. Imagine um quebra
cabeças. É certo que as peças iniciais sobre a liberdade o foram apresentadas, mas,
agora, lhes serão dados alguns motivos e algumas peças complementares para que possa
terminar de montá-lo, assim como serão apresentadas algumas teorias sobre a liberdade.
Então, preparado? Esperamos que sim, pois, por agora, a liberdade começará a ser
dissecada, parte por parte, pedaço por pedaço.
O que é a liberdade? Como ela nasce e se finda nos homens? Como conciliar
propriedade e liberdade? E, por fim, o que o estado faz com a liberdade dos homens?
Questões como essas são essenciais para descrever uma sociedade libertária, afinal, não
somos nós aqueles que pregam a liberdade, mesmo que negativa? Somos e é nesse
ponto que iremos nos concentrar por agora; o conceito de liberdade. Esse conceito não
assume aqui a mesma conotação de livre-arbítrio, liberdade de vontade, ou
simplesmente livre deliberação, pois não existe tal coisa como liberdade irrestrita, e,
como defendemos uma sociedade ética, não poderia ser um termo, tal que englobasse
violações dessa ética, e ainda assim fosse tido como aceitável.
Mas então, o que significa liberdade para um libertário? Qual a melhor concepção de
liberdade e quais limitações são estas que são inerentes a todo homem? Primeiramente,
as tais limitações de liberdades, naturais a todo homem, são as limitações que habitam o
campo das limitações físicas, biológicas, ou até mesmo limitações mentais, cognitivas.
Por exemplo, e apenas para ilustrar a questão, não podemos pensar, ao menos
atualmente, em um homem que por sua livre deliberação de vontade possa dar um salto
e alcançar a lua.
Agora, falemos sobre a concepção comumente aceita de liberdade, o modelo que mais
frequentemente é idealizado.
Comecemos então falando sobre a liberdade positiva, a liberdade que, pelo menos neste
37
livro, trataremos como sendo algo como o oposto da concepção de liberdade negativa .
Essa concepção se trata de uma liberdade de agir fora de quaisquer limites, uma
liberdade que se dá pela capacidade de se auto direcionar, sem restrição alguma, que se
amplia ou se diminui de acordo com as vontades do indivíduo, nas palavras de Isaiah
Berlim:
Nesse caso, evidentemente X exerceu sua plena liberdade positiva, ao, sem quaisquer
restrições, alienar a liberdade positiva de Y, que agora se encontra limitado, por conta
da liberdade positiva de X. Claro que esse é apenas um caso de exemplo, mas não é
37
Utilizaremos um conceito relativamente bem definido sobre liberdade positiva e negativa, muito
embora, filósofos como John N. Gray tenham defendido uma posição mais parcialista em relação ao
uso dos termos.
38
BERLIM, 2002.
difícil encontrar vários outros possíveis exemplos do que uma liberdade ilimitada e
irrestrita causaria (tomando aqui ainda limitações físicas).
E essa liberdade, claro, é também um possível atentado contra as concepções éticas para
um libertário, pois se todos podem fazer tudo a qualquer momento, não há sequer como
pensar em um direito de propriedade privada, o qual é essencialmente fruto de
liberdades negativas. Mas então, como é essa liberdade defendida pelos libertários, e
por que ela é a mais adequada?
Primeiramente, cabe a nós entender que a liberdade, agora tomada como uma
concepção mais geral, de liberdade de vontade, não é algo a ser dado, ou algo a ser
construído, a liberdade de decidir existe em cada momento da vida do ser humano, é
algo fundamental e basicamente elemento intrínseco a qualquer ser humano racional,
principalmente numa racionalidade essencialmente prática.
Aqui vemos a necessidade de uso de nossa racionalidade prática para escolhermos entre
diferentes possibilidades, as tornando verdadeiras. Mesmo que o determinismo fosse
verdadeiro, não é possível conceber um modo de tornar esse aspecto da experiência
menos verdadeiro. Nas palavras de Searle:
39
BERLIM, 2002.
simplesmente apontar o subsequente fato de que é sempre
nossa responsabilidade falsear quaisquer previsões que
alguém disponha a fazer sobre nosso comportamento. Se
alguém prevê fazer algo, eu posso muito bem é fazer outra
coisa. Agora, esse tipo de opção não está aberto a geleiras
descerem encostas de montanhas ou bolas rolando abaixo
um plano reclinado ou os planetas se movendo em suas
órbitas elípticas.40
E então podemos, por fim, entender como a concepção de liberdade apresentada agora e
a concepção de liberdade negativa diferem em definição, mas, não são de nenhuma
maneira, excludentes.
Mas essa concepção geral não é basicamente o mesmo que a liberdade positiva? Não
necessariamente. Essa concepção geral é apenas uma abstração existente na própria
racionalidade e quando falamos de liberdade positiva, geralmente o fazemos pensando a
nível social, ou ao menos, a nível individual dentro de uma sociedade, embora isso não
pareça fazer muita diferença, é crucial para que possamos enxergar a liberdade
(positiva/negativa) como essencialmente um modo de agir dentro da sociedade, e não
apenas como a fundamentação da liberdade (que é a concepção geral de liberdade de
vontade).
40
SEARLE, 2003
Qual outra forma melhor de sociedade senão a que visa valorizar e conciliar a liberdade
de vontade de um indivíduo com o produto de seu trabalho livre e deliberado, sua
apropriação, seu homesteading, e tudo que ele pode fazer dentro dos limites objetivos
deste produto, desde que não interfira na também valorizada apropriação de outros seres
humanos? A liberdade negativa para libertários, portanto, não é apenas um fato, é
também um ver social que busca conciliar a deliberação de vontade de um, aqui
expresso como o produto de seu trabalho e suas relações sociais, para com todos.
Como pode uma instituição que se diz defensora da propriedade e do mercado, depredar
e alienar as propriedades dos indivíduos? Seja com cobrança de impostos, seja com
expropriações coercitivas de propriedades legítimas, seja com ameaças de violência
para aqueles que o desobedecem (em alguns casos com o efetivo uso da violência), seja
com intervenções econômicas na propriedade de indivíduos e seu direito livre de
escolher o que fazer com ela, tal como excessivas regulações e muros burocráticos
sobre o mercado, o estado continuamente possui formas (e encontra novas formas) de
espoliar indivíduos pacíficos, alienar sua vontade e infringir danos profundos na sua
liberdade negativa, demonstrando-se incompatível com a liberdade negativa.
41
ROTHBARD, 2012
2. O ser humano é um ser racional, um ser que é constantemente posto em
situações de escolha e possibilidade, é pressuposto da própria razão e raciocínio prático
que exista alguma deliberação livre de vontade para com essas situações.
Concluímos, portanto que, como defensores da liberdade, uma liberdade que pende
tanto a nós mesmos, quanto ao próximo, libertários são naturalmente incompatíveis com
a existência do estado. Bom, agora que chegamos aqui, para que possamos continuar,
irei voltar na questão da liberdade positiva, e apresentaremos, dessa vez, algumas
críticas mais concisas a mesma, de modo a demonstrar a fraqueza de uma concepção de
liberdade assim.
Liberdade negativa é agir conforme sua própria vontade, mas dentro de certos limites,
estes que podem variar, desde a integridade de alguém, até, no caso de uma sociedade
libertária, a propriedade privada de outrem.
Agora que temos essas duas concepções de forma resumida; podemos nos concentrar
em pensar sobre a questão que foi apresentada com um exemplo. Tomemos que, em
certa sociedade anárquica, seja aceita a liberdade positiva e agora todos podem fazer o
que quiserem. Bom, é evidente que, nessa sociedade, no exato momento em que alguém
resolvesse danificar a vida de outras pessoas, ou as suas posses, essa atitude seria um
ato completamente legítimo. Porém, reflete-se, dentro de algum tempo, e começa-se a
perceber que, estão ocorrendo certos assassinatos, sequestros e agressões com as
pessoas pacíficas dessa sociedade de forma exagerada, e decidem que agora, todos os
que quiserem violentar ou ferir outras pessoas, terão de ser expulsos dessa sociedade
(seja por métodos igualmente bárbaros, seja por meio de ostracismo) Dentro de algum
tempo após esse novo acordo, as pessoas agora podem viver em paz. Bom, mas então, o
que podemos tirar do exemplo acima? Primeiramente, vamos analisar o que ocorre
como primeiro caso, com a liberdade positiva dessa sociedade. Os indivíduos, estavam
sendo alienados de suas vontades, ou seja, indivíduo X, estava alienando a vontade do
indivíduo Y, coagindo, restringindo, ou até mesmo cessando sua liberdade positiva.
O que isso nos diz? Simples, indivíduo Y agora não poderia exercer mais sua liberdade
positiva, em detrimento do exercício da liberdade positiva de X, está criada uma
situação onde prevaleceu o mais forte, e para o mais fraco lhe sobrou apenas uma
liberdade negativa, fruto de limites colocados coercitivamente por X. Algo como isso:
Agora que vimos que a liberdade negativa, existiu mesmo com a idealização de uma
liberdade positiva, ao menos para o lado mais fraco do conflito, começamos a ver o
problema de uma liberdade positiva. Mas, não somente isso, agora veremos também o
que ocorreu, como instância de ação da sociedade, a reação a essa liberdade positiva. Os
indivíduos dessa sociedade, prezando pela ordem acima do caos, resolveram adotar suas
próprias medidas para conter tais casos de violação de pessoas inocentes (como
mencionado, a solução poderia envolver ostracismo ou remoção por meio de coerção),
e, portanto, agora os indivíduos contém uma limitação socialmente incentivada para que
não pratiquem atos desse porte.
Agora também pudemos ver que, em essência, após as mudanças dessa sociedade, com
as novas normas morais implementadas, instaura-se também um limite à liberdade
positiva, e então, como podemos dizer que uma liberdade que se propõe a ser irrestrita,
que esta seja restrita socialmente? Não podemos, a liberdade, que uma vez foi
concebida como positiva, agora se demonstra, em alguma instância, negativa. Creio que
agora que dissecamos a questão das falhas gerais da liberdade positiva, temos o
suficiente para descartá-la como caótica e socialmente insustentável, e portanto,
podemos prosseguir com nossa análise da liberdade.
Pois bem, temos que a liberdade positiva é falha, e agora, esmiuçaremos também alguns
modos de como o estado controla sua vida, e interfere na sua liberdade, não precisamos
ir longe para refletir sobre isso, veremos coisas do próprio Brasil.
42
A liberdade de expressão, embora possa ser concebida de formas positivas, não será tratada neste
capítulo como tal, pois existe em uma instância totalmente alheia a quaisquer limites físicos que a
liberdade positiva e negativa poderiam se instaurar.
43
Ainda no campo da ofensa a liberdade de expressão, existe algo que pode ser claramente descartado
como arbitrário, mas ainda assim é mantido como crime capaz de ser punido, falaremos sobre a
arbitrariedade de ofensas e discriminações após o ponto sobre a liberdade de expressão.
Impostos e seus custos jurídicos positivados: No ramo empresarial, existe outro fator
sério que é a limitação da liberdade sobre a propriedade, uma violação clara sobre o
44
indivíduo, na forma do imposto, nesse caso específico, o imposto sobre as empresas ,
onde as consequências de se rebelar (sonegar) a esse ato tirano de cobrar tributos sobre
empresas são variadas, indo desde a cobranças de multas com juros altíssimos (que
acarretam também em outros problemas, caso sejam ignorados), até confiscos de
propriedade e bloqueio de fundo monetário.
Agora, o leitor pode também pensar; “mas é liberdade negativa da mesma forma,
apenas está sendo imposta pelo estado” . E é justamente por isso que não se pode ser
aceito, a liberdade negativa para um libertário, é fruto de uma organização voluntarista
de sociedade, baseada na ética de propriedade privada e o estado, por sua vez, é uma
instituição criminosa e impositiva, que demarca arbitrariamente seus territórios, e trata
como gado seus prisioneiros. Qualquer limite imposto por uma instituição assim deve
ser veementemente combatido e repudiado.
Agora, falaremos um pouco sobre a liberdade de expressão, qual a diferença para com
as liberdades positiva e negativa, por que deveria ser categorizada de maneira aparte, e
quais são seus limites e suas arbitrariedades.
Agora, tratemos de falar sobre a liberdade de expressão. Ela aqui se define, não como
uma ação comum, como se mover ou comer, mas como uma ação comunicativa ou
monológica, ações que expressam idéias, pensamentos e opiniões. E então, tomemos
que, embora a liberdade de expressão seja uma das possíveis instâncias das liberdades
gerais, positivas, e negativas, ela está em uma categoria especialmente diferente, pois,
44
Note que, pela defesa verdadeira dos direitos de propriedade, apenas considero aqui as empresas
legítimas, que não possuem ligações corporativistas com o estado, empresas que foram fundadas e
são mantidas de formas legítimas.
mesmo com tais correlações, ela possui propriedades únicas que a tornam
essencialmente diferente das ações causais não comunicativas.
Um exemplo é quando se conversa com alguém. Neste ato existe uma inerente
exposição de opiniões entre os sujeitos do discurso, exposição essa que pode ser
realizada até mesmo através de ofensas, mas, ainda assim, nenhum deles está violando a
propriedade privada do outro, e sim partilhando locuções verbais carregadas de
intencionalidade. Agora, quando temos dois indivíduos brigando em um bar, a situação
começa a se demonstrar diferente, pois, agora, ambos estão desferindo golpes uns nos
outros, violando suas propriedades. Essa distinção, parece ser apenas uma questão
superficial, mas é essencial para que possamos compreender os limites da liberdade de
expressão, em relação a liberdade negativa advinda da propriedade privada.
Tomemos então alguns exemplos, bem como uma explicação da forma como eles
efetivamente interagem de formas causais e objetivas nas pessoas, e suas propriedades.
Marcelo tinha uma rixa com Diego, e então Marcelo mandou que duas pessoas, pagas
por ele (vamos os chamar de X e Y), matassem toda a família de Diego.
45
Como pudemos perceber, Marcelo, diretamente , não causou dano algum a Diego ou
sua família, apenas X e Y, porém, ainda assim Marcelo foi o responsável causal pelo
estado da família de Diego, pois dos atos dele, causaram se os efeitos que levaram a
família de Diego a ser assassinada (por X e Y), ambos, Marcelo, X, e Y, são os
responsáveis por esse crime, ambos são violadores de propriedade, e precisam ser
punidos.
‘Carlos quer extorquir Maxwell, e então Carlos ameaça sequestrar e ferir a irmã de
Maxwell, Maxwell, por sua vez, ignora os “pedidos” de Carlos, e segue em frente. Por
conta disso, Carlos sequestra a irmã de Maxwell, e pede um resgate.
Nesse caso, o que temos que perceber é que, ainda que Carlos, pelo menos no início,
46
embora não houvesse feito mal algum a ninguém, apenas incitado que cometeria algo,
e houvesse realmente o feito, ainda poder-se-ia incorrer em punições. Os crimes nesse
caso, foram tanto a ameaça, quanto a ação posta em prática, o fato dele ter realmente
feito algo, e o de considerar atos como aquele legítimos durante a ameaça per se,
vemos que esse é mais uma das instâncias que se classifica como caso de borda.
1. Toda expressão não diretamente causal, no sentido que exista uma interferência
direta de 1 ou mais agentes alheios a quem profere, ou do resultado de suas ações (de
proferir), mas que causa ainda assim uma violação ética, é um caso de borda.
45
Em um sentido bem estrito, diretamente aqui denota uma ação direta do ator, sem nenhuma
interferência externa.
46
Esse caso, configura um caso de borda, pois as conclusões a serem tiradas dele estão sustentadas
em cima de um curso de ação que Carlos julgou como legítimo, dentre todas as possibilidades de
deliberação prática, o sequestro e a tortura foram considerados por ele válidos, e, embora não se
possa saber se Carlos vai ou não fazer o que disse, pois Carlos, até o momento, não havia realmente
ferido ninguém, por conta de tais ameaças, é possível se valer da força para impedi-lo.
de ação considerados legítimos pelo agente, que o levou em conta ao proferir isso a
Taranthela.), incorre em um caso de borda.
Agora que vimos um pouco sobre os casos de borda, vamos falar das arbitrariedades
que o estado faz com a liberdade de expressão, constituindo seus próprios casos de
borda, porém sem relações de causalidade objetivamente analisáveis, ou mesmo
defensáveis.
O estado, porém, não respeita a questão da causalidade que pode ser obtida de modo
objetivo, ele impõe os próprios limites, cujos quais acha necessários às situações que
julga. Ao fazer isso, ele reduz a liberdade de expressão, não de modo justo ou ético, mas
de modo a obter poder de julgamento arbitrário sobre os casos que ele julga
excepcionais, seja por interesses como instituição, seja por interesses que julgam-se de
interesse coletivo.
Poder-se-á falar sobre alguns casos que o estado julga como excepcionais, para que
possamos traçar algum paralelo sobre sua arbitragem.
Gretzel era um homem facilmente irritável e se vestia de forma vulgar, certo dia, ele
encontra uma moça de cor escura em um bar, Jéssica, e após algum tempo de conversa,
ela diz algo que o deixa ofendido, sobre a vulgaridade com que ele se vestia, insinuando
que pessoas como ele não deveriam frequentar aquele tipo de bar (Gretzel não era um
homem dotado de muitas riquezas de fato, mas ainda tinha sua dignidade), e então, ele
desfere uma ofensa a raça de Jéssica, uma ofensa relativamente leve, mas resultado de
um ato que tentava restaurar um pouco de sua dignidade.
Após ser ofendida, Jéssica vai até uma delegacia e faz uma denúncia contra Gretzel,
47
que, por sua vez, é encarcerado pelo estado, respondendo por racismo .
Nesse exemplo, Gretzel se defende das acusações de Jéssica, porém, ao mesmo tempo,
desferiu afirmações contra a raça (conjunto arbitrário de pessoas definido pela cor de
sua pele) de Jéssica, que o levou a ser preso, acusado de cometer um crime inafiançável.
Andrei xinga Fernandino, que por sua vez, o leva a ser preso por cometer um crime de
Ofensa Contra a Honra.
Nesse caso, Andrei apenas xingou Fernandino, mas existe um limiar objetivo que pode
ser extraído em xingar alguém? Veja, digamos que André tenha xingado Gordinez, que
por sua vez era seu amigo, e tomou a ofensa como algo bobo, e até divertido, digamos,
Gordinez também trocou alguns insultos com Andrei, ambos são velhos amigos. Qual a
diferença qualitativamente objetiva entre Andrei ter xingado Fernandino e Gordinez?
Simples, a subjetividade emocional de Fernandino, algo que não poderia de forma
47
Para melhor tipificação, Gretzel ofendeu a raça de Jéssica em um ato de fúria, ao invés de ofender
apenas a cor de Jéssica. Racismo se tipifica pelo estado como crime inafiançável.
48
A ética libertária busca apenas lidar com crimes materiais, o que não se encaixa de forma alguma
em meras ofensas sem efeito causal que incorre em violação de propriedade. Muito embora isso não
signifique que Gretzel, caso tivesse ofendido ela de forma realmente discriminatória e não defensiva,
devesse sair disso impune, uma sociedade voluntarista libertária tende a ser discriminatória com os
que assim merecem (no julgamento moral das pessoas é claro), ou seja, Gretzel, e quem mais fosse,
digamos assim, “babaca”, seria ostracizado da sociedade (como Hans-Hermann Hoppe costuma
dizer, ‘fisicamente removidos’).
alguma servir de parâmetro objetivo para um julgamento não arbitrário, pois veja, se
Gordinez relevou a ofensa, por que motivos Andrei poderia ter pensado que Fernandino
não o faria também? Ou mesmo que o leitor argumentasse sobre a amizade, também
poderia-se dizer que Gordinez e Andrei se conheceram justamente por conta de uma
troca de ofensas, talvez, num jogo de sinuca ou algo assim.
Os casos de borda, como assim foram chamadas as instâncias de ação que ultrapassam
os limites considerados eticamente aceitáveis para determinadas comunicações,
constituem um legítimo limite sobre a liberdade de expressão, e com tais limitações
sociais sobre esse modo de agir, ela se situa, portanto, compatível com concepções
negativas de liberdade.
Agora, cabe também sobre algumas instâncias de quebra desses casos de borda, falar
sobre como elas devem ser tratadas, quando ocorrem. Primeiramente, falemos sobre as
ameaças, como anteriormente dito, casos em que o ator profere afirmações, que contém
em si mesmas determinadas legitimações de possíveis cursos de ação, que são anti
éticos ao ver libertário. Tomemos como exemplo uma ameaça de morte, indivíduo X,
sobre determinadas circunstâncias, digamos assim, com uma corda, ameaça individuo Y
de morte, esse individuo Y, então, pode se defender de X por meio do mínimo possível
de violência.
Digamos assim, que nesse caso, esse limite venha a ser simplesmente tomar a corda das
mãos de X, utilizando-se de uma arma, por exemplo (uma situação de forças claramente
desproporcionais, porém ainda assim possível). Porém, Y resolve, ao invés de apenas
ameaçar X para que largue a corda, atirar e matá-lo. Y foi claramente desproporcional, a
diferença de forças era notável, e a situação poderia ter se resolvido de forma diferente,
nesse caso, Y se torna um agressor, e deve ser punido.
Como acabamos de ver, nesses casos onde a liberdade de expressão ultrapassa seus
limites, ela deve ser punida, pois se comporta em âmbito social como uma liberdade
negativa (uma extensão da mesma, que se comporta de forma diferente em várias
instâncias), porém, tal como falado no tópico sobre a liberdade negativa, não devemos
aceitar todas as formas de limitação a essa liberdade, pois, como libertários, apenas nos
valemos de limites racionalmente justificáveis, de modo ético, e não meramente
arbitrário, e, como antes exposto no tópico sobre arbitrariedades estatais, reforço que o
estado, com suas leis positivadas, não possui legitimidade para julgar quais formas de
liberdade de expressão deveriam ou não serem limitadas em uma sociedade.
Como pudemos ver neste capítulo, a liberdade assume várias formas, sejam elas
positivas, sejam negativas, ou sejam instâncias especiais da liberdade que se valem
através da comunicação ou monólogo. Todas essas formas de ser da liberdade, fazem
parte do que somos como humanos, do que somos como seres livres e racionais, e do
que somos como seres sociais, a liberdade que temos, é um aspecto intrínseco a nossa
racionalidade, um fato prático de ser humano.
De modo que, por fim, resta algumas indagações: O indivíduo tem direito exclusivo
sobre tal propriedade imaterial? Ou teria a lei que amparar esses direitos? A partir de
questionamentos comuns a estes, discorreremos sobre.
Para facilitar nossa comunicação, doravante, Propriedade Intelectual será referido como
PI.
DIREITOS E ESCASSEZ
Antes de tudo, faço uma atividade recursiva e questiono: O que torna o tangível passível
de apropriação? A resposta é escassez. Um ponto de inflexão mostrará que é a escassez
desses bens – isso porque a finitude dos elementos nos leva ao fato de que podem haver
conflitos; visto que duas ações sob o mesmo recursos escasso com propósitos diferente
são excludentes. Assim, a função social e ética fundamental dos direitos de propriedade
é prevenir conflito interpessoal quanto a recursos escassos. Acerca da ética, Hoppe diz:
49
Apropriação original, ou no inglês homesteading, é a forma pela qual um pioneiro ganha direitos de
propriedade sobre um recurso previamente sem dono, ao ocupar e misturar seu trabalho com tal
recurso. Isso se dá pela indissociabilidade do trabalho da pessoa.
ao uso dos bens é possível e nenhuma coordenação de ação
é necessária. Consequentemente, disso segue que qualquer
ética, corretamente concebida, deve ser formulada como
uma teoria da propriedade, ou seja, uma teoria da
atribuição de direitos de controle exclusivo sobre meios
escassos. Só assim se torna possível evitar conflitos até
então inevitáveis e sem solução.50
50
HOPPE, 1989, p. 239
51
KINSELLA, 2017, p. 26
Para que possamos ilustrar a questão, no que tange a definição padrão do que é tangível,
de ser algo fisicamente palpável, temos que é possível pensar, apenas por questões de
ilustração, em um exemplo de bem escasso não tangível.
Suponha que exista um servidor, esse servidor contém dados, que não necessariamente
podem ser considerados tangíveis, num sentido que denote exclusivamente
palpabilidade, mas ainda assim, os dados presentes nesse servidor, prima facie são
dados escassos, pois, ainda que possam ser copiados, existem apenas em um lugar,
objetivamente falando, se um indivíduo os modificasse, esses dados simplesmente não
seriam mais os mesmos, e se ambos o indivíduo e o dono do servidor tentassem, o
indivíduo a modificar e o dono do servidor a copiar, eles não poderiam, pois existe um
caráter exclusivo entre suas ações, que acaba por ser refletido nos limites do hardware
(por possuir implementação física) em executar as duas operações.
Outros exemplos de bens escassos e intangíveis são aqueles definidos via contratual,
como por exemplo uma ação ou quota de uma empresa, uma opção de compra e outros
bens do tipo.
Agora que esclarecemos essa questão crucial, exemplificando uma situação de não
tangibilidade evidente, podemos então continuar.
ACERCA DA PI
52
KINSELLA, 2017, p.9
Nos sistemas atuais a PI é aplicada à direitos autorais, marcas registradas e patentes. Os
direitos autorais são concedidos a autores e criadores de obras como livros, filmes,
programas de computador, jogos, artigos e qualquer outra coisa que você possa pensar
que encaixe neste contexto. Trata-se de um direito de uso exclusivo sobre determinada
obra. As patentes são destinadas a produtores de invenções, como máquinas, carros,
entre outras coisas.
Como dito anteriormente, o direito à propriedade sendo definido como direito ao uso
exclusivo sobre determinado objeto, é aplicável a objetos tangíveis, mas e na questão de
idéias, patentes, e marcas registradas? Como poderia e se deveria ser aplicável um
conceito tão material à objetos tão imateriais?
Façamos um exercício imaginativo: Este livro - que lê agora - está dentro da definição
estatal do direito à propriedade intelectual; mesmo com você o tendo em suas mãos
neste momento, ou o tendo como arquivo em seu computador, dentro de seu disco
rígido que é capaz de ligar e coordenar todos os arquivos armazenados por conta da sua
ligação à rede elétrica. Mesmo que você o tenha comprado ou ganhado, ainda assim, de
acordo com os direitos autorais (caso este livro estivesse sobre o campo de jurisdição
estatal), o caro leitor não teria o direito para poder copiar, transcrever, imprimi-lo ou
que assim seja, mesmo que a tinta seja sua, que o papel seja seu, que todos os meios
imagináveis capazes de copiar uma obra sejam seus, ainda assim neste caso o direito a
cópia estaria em nossas mãos. É por esse e outros motivos, que criou-se termo em inglês
copyright que determina quem possui o direito a cópia sobre determinada obra criativa.
Toda a construção de palavras, as idéias expressadas neste livro, os conceitos
formulados, todos pertenceriam única e exclusivamente ao autor (isto na definição de
direito autoral).
É de estarrecer-se ao pensar que num mundo onde existem tantas pessoas com
pensamentos criativos, caso duas pessoas pensem na mesma coisa, na mesma
construção e colocação de palavras, na mesma idéia de uma nova máquina ou invenção,
de acordo com a lógica da PI, haveria um conflito entre estes indivíduos.
Mais uma vez, façamos uma atividade imaginária. Imaginemos que existem duas
pessoas: Mateus e Henrique. Logicamente, é possível que Mateus e Henrique pensarem
no conceito de uma nova invenção ao mesmo tempo, sem que eles entrem em um
conflito. Todavia, no momento em que se tangibiliza tal conceito, é impossível que
Mateus e Henrique aloquem, sob uma motivação subjetiva, essa nova invenção para
usos excludentes sem que se gere um conflito. É clara a diferença entre algo tangível ao
nosso mundo e algo puramente conceitual, imaterial, que está apenas presente em nossa
consciência.
Para a lógica dos direitos autorais, ao redigirmos este livro que você está lendo, o direito
ao uso destes conceitos postulados é apenas nosso, dos autores. Mas da óptica libertária,
onde a lei de propriedade é a única racionalmente defensável e capaz de resolver
conflitos, toda essa idéia sobre posse de produtos imateriais cai completamente por
terra.
O fato de eu descobrir a cura para alguma doença, e você a usá-la também, não me priva
da minha capacidade de continuar a usufruir desta idéia. É completamente diferente de
alguém possuidor de uma vacina ter ela tomada de suas mãos por outro indivíduo, o
conflito entre os agentes é claramente notado aqui, diferentemente do primeiro exemplo.
Agora demonstrando a não escassez das idéias, vamos mostrar algo que Kinsella
maravilhosamente escreveu:
UTILITARISMO E PI
Discute-se muito sobre o fato de direitos autorais e patentes são causal e factualmente
agentes da fomentação da produção de trabalhos criativos e invenções, ou se os lucros
vindos de inovações ultrapassam os custos de um sistema que impõe a PI. Estudos
econométricos não mostram conclusivamente ganhos líquidos em riqueza54.
Possivelmente existiria ainda mais geração de produtos e renda se não houvessem leis
que obrigam a existência da PI; talvez mais dinheiro para pesquisa e desenvolvimento
estivesse disponível se não estivesse sendo gasto em patentes e tribunais. É possível que
companhias tivessem um incentivo ainda maior para inovar se elas não pudessem contar
com um monopólio de quase vinte anos dessas invenções. Afirma-se isto, porque,
indiscutivelmente, existem custos do sistema de patentes.
É evidente que as patentes são obtidas apenas após a tangibilização de uma ideia, após
sua aplicação; mas o mesmo não contempla ideias mais abstratas ou teóricas. O que
completado em:
53
KINSELLA, 2013, p.35
54
KINSELLA, 2017, p.19
desnecessárias se não existissem patentes. Na ausência de
leis de patente, por exemplo, as companhias não gastariam
dinheiro obtendo ou se defendendo contra patentes
ridículas como as do Apêndice. Simplesmente não foi
mostrado que a PI leva a ganhos líquidos na riqueza. Mas
não deveriam aqueles que defendem o uso da força contra
a propriedade de terceiros satisfazer o ônus da prova.55
Mas de certo que, um ponto utilitário não serve como parâmetro de justiça. E mesmo
que PI proporcionasse maiores lucros ou riquezas a sociedade (o que não é,
necessariamente, de fato), ora, a lei deve buscar a justiça, evidentemente; e não fatores
financeiros.
55
KINSELLA, 2017, p. 19-20
AS POLÊMICAS
Muito se fala sobre libertarianismo, muito se fala sobre o estado, muitas coisas são ditas
por agentes do estado, muitas coisas são ditas pelos próprios libertários, e muitas dessas
coisas, particularmente, não são bem esclarecidas, existem por todos os lados defesas e
ataques feitos de maneira errônea ao libertarianismo, detalhes que, embora possam
parecer danosos ou tão graves, impactam na forma sobre como as pessoas enxergam o
libertarianismo per se, falamos sobre muitas dessas coisas nesse capítulo, e buscamos
esclarecer algumas delas, em prol de uma melhor visão sobre o que é realmente o
libertarianismo.
Avançando mais, falaremos também sobre as polêmicas que existem no meio libertário,
digamos assim, conflitos internos do movimento libertário, objetos de problematização,
que carecem de consenso, coisas como o aborto, a causalidade, a questão do voto, etc.
Tentarei falar sobre esses itens também, bem como também exporei de modo parcial
minha visão sobre alguns desses assuntos.
Bom, anunciado nosso tema, vamos iniciar nosso tour sobre as polêmicas mais famosas
envolvendo o libertarianismo.
Essa é uma questão definitivamente muito expressada, que libertários apenas se opõe ao
estado, sendo assim todas as outras formas de espoliação, grandes latifundiários de
terras ilegitimamente apropriadas, e mesmo empresas mancomunadas ao estado,
estariam perdoadas.
Alguns argumentos que já tive a oportunidade de ouvir, durante um bom tempo que
passei debatendo com pessoas, vindo também inclusive de libertários, e que reforçam
essas ideias incorretas, são:
“Sem o estado empresas gigantes (insira o nome de alguma aqui, rs) poderiam fornecer
serviços de forma mais barata!”
“Sem o estado a concorrência acabaria com as imensas empresas, abrindo assim um
caminho ao livre mercado!”
Mas isso de forma alguma poderia ser verdade! Anarco-Capitalistas não defendem
apenas o fim do estado, defendem o fim de todas as formas de hierarquias injustificadas,
hierarquias meramente impostas a base da força! Bem como defendem também o fim de
todas aquelas instituições, empresas ou pessoas que estão mancomunadas com o estado!
Isso obviamente inclui, e não exclusivamente, corporações com suas ligações com o
estado, que perdem quaisquer direitos de proclamar propriedade sobre si mesmas,
propriedade essa que possui como constituinte atos e meios antiéticos. Também inclui
aqueles que, com o grande estado protetor, mantém imensos latifúndios de terra,
propriedades ilegítimas mantidas pela força da imposição do estado! Não melhores do
que ele próprio, muitas essas propriedades não foram sequer apropriadas pelo princípio
56
de homesteading , sendo supostamente fruto de pedaços de papel com a adesão de
suposta “legitimidade” advindos da instituição de coerção em massa chamada estado. E
por último nessa listagem, mas não menos importante, empresas que se prestam a
aceitar com todo ânimo fundos do estado, produtos da espoliação feita a indivíduos
pacíficos, simplesmente por que não conseguem ser capazes o bastante de suprir as
necessidades do mercado, sim, falo deles, os chamados “incentivos” do estado sobre
56
Para recursos escassos externos ao corpo, utiliza-se o princípio de apropriação original lockeano,
onde o primeiro e efetivo usuário de um meio inapropriado, toma para si os direitos de propriedade
sobre esse meio (a propriedade privada é de quem possuir o melhor vínculo objetivo para com o meio
em questão). Para mais detalhes, ver ‘Journal of Libertarian Studies Volume 17, no. 2 (Spring 2003),
pp. 11–37 ‘ Por Stephan Kinsella.
57
determinados mercados . Não cabendo a esse momento falar ou não da suposta
efetividade de tais serviços (que tende a ser negativa), apenas da questão ética, se não
devolvidos (de modo legítimo, obviamente), esses “incentivos” podem ser transferidos
das empresas que os receberam, de forma a punir o ato.
Propriedade privada, na concepção que melhor expressa seu conceito, pode ser descrita
como o direito socialmente reconhecido de controle sobre determinado meio escasso.
Portanto, poder-se-á dizer que a propriedade privada não é o meio em si, mas a relação
entre ator e meio.
O que é escassez? Qual a diferença entre escassez e não abundância? Simples, quanto
que a abundância é uma propriedade quantitativa dos recursos, a escassez é um atributo
qualitativo de meios de ação, poderiam existir infinitas quantidades de maça pelo
universo ou pelo planeta, mas ainda assim maçãs seriam escassas, não por conta de sua
quantidade, mas porque, vez que se tornem meios de ação, sempre estarão sujeitas a
conflitos de fins.
Um conflito nada mais é do que o emprego de fins contrapostos para determinado meio
por 1 ou mais atores. Um fim nada mais é do que aquilo que determinado ator intenta
em tornar factual.
57
Não necessariamente poder-se-ia enquadrar o chamado “incentivo” de isenção de impostos nessa
categoria como anti éticos, visto que são casos excepcionais (instância de não conformidade com o
padrão) de não agressão. Em todo caso, são apenas exceções, e não serão tratadas nesse texto, sendo
consideradas apenas as instâncias de ação de “incentivo” governamental pautadas em distribuição ou
expropriação de recursos ilegitimamente obtidos pelo estado (todos).
“Robert está comendo uma maçã”
Nessa situação, Robert possui um fim (comer a maçã totalmente), e está empregando
meios (seu corpo, a maçã) para atingir esse fim.
Isso não poderia ser mais inexato, libertários não se opõe ao uso da força ou coerção, o
uso da força e coerção é essencial para que uma sociedade voluntariamente organizada
em torno de uma ética objetiva e racional possam resolver seus conflitos internos, o
item a qual os libertários são veementemente contra, e que os define em essência, é a
59
agressão, o uso/iniciação de força injustificada (agressão) .
Podemos pensar em alguns casos de ação, para que possamos compreender essa questão
de uma forma mais clara.
58
Não necessariamente todos os fins são exclusivos, um fim é exclusivo apenas quando em uma
situação em que múltiplos fins são atribuídos ao meio (sendo do próprio ator ou também de outros),
sendo esse um deles, esse fim conflita com outros fins deste escopo de ações.
59
A natureza da agressão não se perfaz apenas sobre o uso de força física, pois, no geral, a agressão se
dá em cursos de ação, a agressão é uma ação que possui conexão causal entre o uso de um meio e um
fim que inicia um ato ilícito. A força física, portanto, é apenas uma das formas de agressão, falaremos
mais sobre isso a frente.
“Sales e Trogel entram no armazém, mas Sales estava armando algo contra Trogel, ele
fecha a porta do armazém por dentro e guarda a chave em seu bolso, em seguida, pega
um martelo e bate com ele na perna esquerda de Trogel”
Agora, de forma totalmente defensiva, Trogel se viu em uma situação na qual deveria
retirar o martelo das mãos de Sales, e nocauteá-lo com ele, para que pudesse fugir deste
local com vida, nesse caso, Trogel usou o mínimo de força possível para que pudesse
60
resolver o problema .
Agora vejamos a situação novamente, dessa vez por outro ângulo, voltando ao momento
em que Trogel foi atingido:
60
O mínimo de força necessário é o modelo utilizado por libertários para que sejam resolvidos
conflitos diretos/indiretos como esse, que necessitam do uso de força física. Tome como exemplo um
soco e um assassinato, entre esses dois eventos existe uma clara diferença de força, pois de um lado o
soco apenas machucou o alvo, porém o assassinato é caracterizado pelo cessar da ação, e entre esses
dois graus de força existe um abismo quase intransponível.
Essa situação difere substancialmente da anterior, ao passo que, entre o ato de matar e
de acertar a perna de alguém com um martelo, existe um abismo de
61
desproporcionalidade praticamente impossível de ser transpassado .
1. Agressão pode ser descrita como a iniciação do uso de força injustificado (e.g.
Forçar alguém a te beijar), mas também, de forma mais precisa, como a conexão causal
entre utilizar um meio para se alcançar um fim ilícito (que viole a propriedade privada),
[e.g. Mandar alguém matar uma pessoa], para tornar a explicação mais simples, apenas
casos de iniciação de força física direta foram inseridos neste tópico.
3. Toda retaliação por meio do uso da força que seja maior do que a força utilizada
na agressão iniciada, possui a pena de se tornar ela mesma uma agressão.
Agora que falamos um pouco sobre a agressão, uso da força, e coerção, falaremos
também sobre a questão da autopropriedade, uma grande fonte de controvérsias e
confusões no meio libertário.
AUTOPROPRIEDADE
61
Muito embora seja possível pensar em casos onde essa situação seja justificada, por exemplo, se
Sales tivesse cúmplices no armazém, de modo que a única solução possível para que Trogel pudesse
fugir fosse matar Sales, um modo interessante de dizer isso é, cada caso é um caso.
62
Um modo mais, por assim dizer, civilizado, e com maiores chances de ressocialização criminal, de
realizar punições em uma sociedade libertária, como Kinsella uma vez disse, é com um sistema de
restituições materiais monetárias, desde que a parte agredida concorde, é claro. Outra vantagem do
sistema de restituições é a segurança jurídica, uma vez que, por exemplo, se você matar um assassino
que na verdade era inocente, você também seria punido com a morte, mas se você tivesse apenas
exigido uma restituição, poderia apenas devolvê-la.
A autopropriedade, ao contrário do que se pode pensar, não vem do primeiro uso sobre
o corpo, mas sim de sua relação especial para com ele. Para que essa situação se torne
mais clara, vamos pensar de forma a fazer uma análise sobre a questão.
O proprietário de uma propriedade privada é aquele cujo qual possui o melhor vínculo
objetivo para com o meio.
O melhor modo de definirmos qual aquele que possui o melhor vínculo com um meio
não apropriado, é por meio da primeira apropriação, do homesteading, realizar a mistura
de seu trabalho para com esse meio.
Um outro modo de obter tal vínculo, é com uma transferência de propriedade, que pode
ocorrer tanto por meios contratuais, quanto por meios restitutivos.
De certo modo, o primeiro a misturar seus recursos com seu corpo são seus pais, ao
alimentá-lo, vesti-lo, e cuidá-lo.
Porém, isso não significa que eles tenham o melhor vínculo objetivo para com você,
pois existe um vínculo, vínculo esse que existe de forma especial, que é sua identidade,
você é um ser de direito, que em alguma instância, é expresso também pelo seu corpo,
você é representado diretamente por ele, mas também o controla, seu corpo é tanto uma
referência sua quanto seu meio de ação primário, e essa ligação especial é o motivo de
você, e não seus pais ou qualquer outra pessoa que interaja com você, ser seu
autoproprietário.
Uma forma de se pensar sobre a distinção entre corpo como meio de ação primário, ao
mesmo tempo que lhe representa, pode ser expressa, para um materialista, por exemplo,
ao se pensar sobre a distinção conceitual necessária a ser feita entre um corpo e um ser
de direito. Quando alguém morre, por exemplo, e pensamos nesse alguém, não
pensamos apenas nele como um cadáver em decomposição, mas também como um
conceito, uma representação, uma ideia.
Essa explicação demonstra, de modo efetivo, a distinção clara a ser feita entre o corpo
de ação, e o indivíduo de direito, pois, não se trata de afirmar ou não que existe um
dualismo entre consciência e matéria, e a consciência seria algo místico ou de outro
mundo, mas sim que existe uma diferença clara entre o modo como se analisa o
indivíduo de direitos, e o corpo desse indivíduo.
Tome como exemplo o seguinte:
“Michael cortou Davidson com uma faca de manteiga, Michael foi condenado a pagar
uma restituição à Davidson”
Não foi apenas a mão de Michael que cortou Davidson, de fato ela foi o meio de ação,
mas a ação tem que se dar com uma intenção, um fim a ser almejado, esse fim reside no
indivíduo, e não no meio, quando Michael feriu Davidson, portanto, Michael feriu
Davidson, Michael é um agressor, e não sua mão.
Essa distinção, embora possa não parecer à primeira vista, é grandemente necessária, de
modo que só é possível imputar um crime sobre um indivíduo, e não sobre meios, sendo
o corpo um meio de ação, esse corpo não pode ser o culpado de um crime, mas sim o
indivíduo ligado a ele, de forma que essa situação de perfaz sobre uma distinção de
63
categorias , a distinção entre meio e ator.
E nessa relação prima facie entre meio de ação primário e indivíduo, que surge a
questão da autopropriedade, um reconhecimento intersubjetivo necessário a um discurso
sobre normas, cujo qual é um meio de ação primário, por que é o único meio que o
indivíduo pode usar de forma direta, e que todos os meios usados de forma indireta
dependem, em alguma instância, do uso desse meio.
63
Muito embora, como anteriormente dito, essa distinção de categorias não implique em uma
distinção de natureza física ou mística, apenas implica em uma necessidade de categorização por
sobre diferentes componentes de um indivíduo (seu corpo, representação, e meio de ação, e sua
natureza conceitual geral).
Na imagem acima, podemos perceber a distinção feita para a análise do indivíduo,
categorizando o corpo de ação física separadamente de sua intencionalidade, não como
se estivessem em mundos diferentes, mas sim como se fossem objetos de estudo
diferentes (e são).
[Apenas por diversão, pode ser interessante empregar a questão “Armas não matam
pessoas, pessoas matam pessoas” nessa questão, pois a culpa de um assassinato não é da
arma per se (embora envolva relação de causalidade com ela), mas do indivíduo que a
empunha, culpa advém como resultado de ações humanas. Uma arma, em
circunstâncias normais, não se levaria a atirar.]
Essa é uma questão que criou algumas controvérsias no meio libertário, como por
exemplo, algumas pessoas pensam que não se pode os utilizar contra agressores que não
concordaram com a empresa, um problema gerado em boa parte pela concepção
Rothbardiana de contratos.
64
A razão pela qual podemos utilizar de força contra um agressor , não é por que houve
uma quebra de contrato, mas sim por que, ele mesmo, ao iniciar o uso de força contra
64
Refere-se a tanto o indivíduo agredido, quanto sua agência de segurança privada, quanto um
possível terceiro em algumas instâncias específicas.
você, concordou, mesmo que implicitamente, com a jurisdição na qual você está
submetido, de forma que retaliar contra ele não é uma violação do direito do agressor,
mas sim uma forma de fazer valer a justiça. A força de retaliação, é, como o próprio
nome indica, uma retribuição de força a nível proporcional, como já explicitado em
explicações anteriores.
Um outro tópico que gera certa confusão, é a questão sobre se nos opomos ou não a
todos os tipos de governo.
O estado é uma instituição que pode ser descrita de diversas formas, mas podemos, ao
menos para fins de explicação, relacioná-lo a ao menos uma das seguintes
características (muito embora a esmagadora maioria dos estados, se não todos, possuam
ambas as características):
Falarei agora sobre um tópico, por assim dizer, controverso, diversas instâncias desse
argumento foram formadas ao longo do tempo, como o argumento de Holcombe sobre
agências de segurança privadas, mas não falarei sobre esses em específico no momento,
apenas sobre um, resumidamente, o argumento de que em uma sociedade libertária, com
o acúmulo de propriedades por uma pessoa, acabaríamos com algum tipo de
autoproclamado novo estado, com esse proprietário sendo o administrador.
1. Um meio, uma vez apropriado (ou trocado), permanece com seu proprietário até
o fim dos tempos (seu horizonte de vida, para ser mais exato)
As falhas desse argumento, no entanto, devem ser delicadamente expostas, para que se
desfaçam em cinzas.
Primeiramente, apropriar-se de um meio não o torna sua propriedade para toda vida,
mas sim até que o meio em questão seja visivelmente não trabalhado, ou seja, que o
trabalho inserido por sobre o terreno seja impossível de se distinguir de um terreno em
estado de natureza.
Ou seja, um grande latifundiário, eventualmente se depararia com o problema de manter
suas terras consistentemente apropriadas, de forma que isso se tornaria potencialmente
65
insustentável em vastos territórios .
Como se pode notar, vez que o primeiro ponto é resolvido, os dois subsequentes
acabariam se tornando inúteis. Porém, para fins recreativos, desmantelaremos também o
terceiro ponto, uma propriedade dá lhe o poder de um estado por sobre seus moradores?
A resposta curta é, depende, essa é uma situação que deve ser analisada sobre diferentes
perspectivas. Podemos pensar nesse poder como sendo o poder de violentar os
moradores em questão, nesse caso, poder-se-á de objetar sobre a natureza dessa
violência, desde que não exista um contrato entre o dono da propriedade em questão e
seus moradores, especificando que ambos consentem sobre esse ato, não existe motivo
para que esse proprietário não houvesse de restituir seus moradores.
Outro modo de analisar essa situação, é pela questão contratual, vez que é possível
perceber a ligação entre consentimento contratual e ausência de agressão, se pode
objetar que o ato não seria uma agressão a propriedade propriamente dito, se antes
houvesse algum consentimento contratual por sobre essa relação. O que não implica,
obviamente, que aqueles que não consentiram com esse contrato estejam sob suas regras
66
.
65
Poder-se-á contestar essa informação, utilizando-se de argumentos sobre mão de obra, como uma
pessoa contratada que manteria esses locais. Porém, como deveria ser evidente, em uma situação na
qual a propriedade se torna vasta o bastante para fazer com que as pessoas fiquem sem territórios o
bastante para se apropriar, os custos de manter tais empregados seriam elevados às alturas. Outra
possibilidade seria se as pessoas em questão não aceitassem o trabalho, e, ao invés disso,
simplesmente resolvessem também se apropriar da terra, de forma que eventualmente a propriedade
desse latifundiário acabaria sendo fragmentada.
66
Dada a natureza das relações sociais humanas, não é de se surpreender que as pessoas sob esse
vínculo contratual obtivessem filhos (ou mesmo que já tivessem, mas que os mesmos fossem
demasiadamente pequenos para sequer saberem das decisões de seus pais), esses filhos, por não
Anunciados esses dois argumentos interessantes sobre essa questão (que é basicamente
irrelevante, visto que são apenas conjecturas sobre a ação humana), passemos ao
próximo tópico.
Uma outra área que causa bastante confusão em muitos libertários, é a área das posições
a serem tomadas em relação a violações éticas, e sobre isso falaremos agora.
Antes de mais nada, quando tratamos de violações da ética libertária, temos de separar
as medidas a serem tomadas em duas categorias, são elas:
possuírem vínculo contratual com o dono da propriedade, estariam fora dessa relação contratual (o
que não implica que ele não poderia expulsar as crianças do local, desde que com o mínimo de
violência necessário).
67
É importante notar que aqui a retribuição e restituição são ambas formas de punição, apenas
possuem propriedades distintas, de forma de categorizá-las diferentemente se mostra adequado.
68
Situações gerais de crimes comuns, e que podem ser objetivamente mensuradas punições, e.g.
Roubo de um chiclete não seria, em casos normais, compatível com uma execução, porém uma
execução ou tentativa de execução da vítima sim.
69
uma maior dificuldade de mensurar proporcionalidade , porém, sendo elas causadas
pelo agressor e não pela vítima, recai sobre o agressor demonstrar que a punição
advinda da vítima é desproporcional e injusta e não a vítima.
69
Situações que não possuem mensuração demasiadamente objetiva em relação a suas punições,
podem acarretar nessa situação, estas que podem variar de diferenças de habilidades corporais, até a
sentimentos psicológicos subjetivos da vítima em relação a situação imposta a ela pelo agressor.
(Nessas situações onde o agressor acaba por ter de provar a desproporcionalidade de sua punição,
cabe a contratação de algum filósofo e jurista, por exemplo), Para mais informações consulte o artigo
de Stephan Kinsella: Punishment and Proportionality: The Estoppel Approach
SOBRE A PUNITIVIDADE RETRIBUTIVA
RETALIAÇÃO IMEDIATA
A retaliação imediata (relembrando que se prostra aqui como sinônimo de uma possível
autodefesa sobre situações de risco/agressão), possui como característica ser, na
maioria dos casos de ameaça de agressão / ocorrência contínua de agressão (ambas
formas de agressão), subjetiva, tanto estados mentais psicológicos causados pelo
agressor quanto características físicas dos indivíduos envolvidos na situação de conflito
podem interferir na determinação do que pode ou não ser considerado proporcional
durante uma retaliação, sendo assim a vítima possui a maior reivindicação sobre seus
atos durante a situação do que o agressor, de forma que a responsabilidade do ato per se
70
não é da vítima, mas dele .
A retaliação posterior ao ato (nesse ponto se torna uma forma de punição do crime que
já ocorreu, e não apenas uma forma de autodefesa) ocorre quando a vítima de um crime
exige certa punição para com o agressor, de forma que, por exemplo, alguém que teve
70
Isso pode ser melhor ilustrado ao se pensar em uma situação de risco, como alguém apontando uma
arma para você, uma ameaça de morte, normalmente não seria possível, por exemplo, dizer que
absolutamente todas as pessoas estariam apontando a arma com a intenção de matar seu alvo
(considere, por exemplo, uma situação onde alguém lhe pregaria uma peça, por algum motivo
bizarro, rs), porém, devido à periculosidade da situação, agregado a possível alteração do estado
psicológico do indivíduo agredido, poder-se-á defender uma resposta a nível por sobre a agressão, de
modo que o indivíduo agredido possa sobreviver.
71
as mãos cortadas, pode vir a exigir que seu agressor também as tenha , e alguém que
72
teve o celular destruído, pode vir a exigir que o celular de seu agressor também o seja .
Quando pensamos em uma situação de punição, cabe-se (como explicitado nas notas da
página anterior) que seja possível descrever uma punição que nos leve a certa
73
proporcionalidade, porém nem sempre isso é algo possível , e algum nível de alegação
pode vir a ser exigido, considerem o seguinte exemplo:
71
Muito embora, no caso de quem teve as mãos cortadas, poder-se-á objetar por uma punição mais
rigorosa, no caso de um pintor por exemplo, que precisa de suas mãos para que possa se sustentar, de
forma que seja ideal cortar ambas as mãos do agressor, ou mesmo todos os seus membros.
72
No caso de uma destruição de propriedades externas ao corpo, pode vir a ser preferível pelo
proprietário em questão que ele tenha uma restituição, muito embora a restituição apenas seja a forma
de se reaver o que foi perdido, e não uma punição per se, portanto é possível que a vítima também
exija uma recompensa adicional como punição para o criminoso.
73
Muito embora seja interessante citar, ao menos de forma branda, que existem certos tipos de crimes
com determinadas linhas de proporcionalidade objetivamente definíveis, embora não sobre todos
esses casos essa determinação de proporção seja precisa, devendo-se então levar a análise os casos
como ocorrências individuais. Tome como exemplo de eventos com punições retributivas claramente
demarcáveis o assassinato e o roubo de uma caixa de fósforos, nos fica claro que o assassinato possui
como punição possível o assassinato, o que não cabe ao roubo da caixa de fósforos (as possibilidades
de exceção de casos assim ainda serão tratadas).
assassino, e agora novas formas de punição tomam ares de possibilidade, como por
74
exemplo, a morte de X .
Agora sobre a questão da restituição, temos que é interessante considerá-la uma forma,
como diria Kinsella, mais civilizada de fazer as coisas. A restituição, como
anteriormente explicitado, é a forma de punição que envolve o retorno de determinado
recurso a vítima de um crime, de forma a amenizar (ou quitar) seu crime, tomemos o
seguinte exemplo como norte:
74
Um grande problema com a ideia de punição retributiva, e mesmo a restitutiva, é que a punição
pode nunca vir a ser proporcional, e que a vítima não realmente se satisfaça de alguma forma com a
punição (retributiva), de modo que alguém com a mão cortada não realmente ganharia sua mão de
volta ao cortar a mão de seu agressor (isso não implica que a punição não tenha um motivo, ou seja,
efetiva). E nos casos de restituição, uma proporcionalidade pode também nunca vir a ser efetivada,
pois quantidades de valor material podem não repor um dano psicológico ou corporal, apenas
confortar a vítima.
75
Como na questão do pintor que teve suas mãos cortadas, ou do homem que teve a caixa de leite que
era vital para seu filho furtada, poder-se-ão essas vítimas requererem a punições decididas por si
mesmos, cabendo ao agressor e não a vítima a questão de tratar se a sentença é ou não proporcional.
Ao contrário do simples ato de devolver o recurso roubado a vítima, que deveria apenas
ser classificado como restituição da vítima, a punição restitutiva pode ocorrer de formas
diferentes, como a vítima obtendo mais 10.000,00$, ou até mais, cabendo, como dito
anteriormente, ao agressor se defender dessa condenação.
Agora, tomemos um outro exemplo, dessa vez um exemplo um pouco mais grave (eu
pessoalmente diria extremamente mais grave, rs):
X estupra Y
Porém, esse valor não necessariamente reflete uma punição proporcional ao ato, e de
fato, as variáveis contam mesmo aqui, desde os sentimentos subjetivos e estados
76
psicológicos da mulher estuprada, até questões sobre o estado financeiro do estuprador
Supondo-se, por exemplo, que o estuprador fosse bilionário, 1M$ não seria uma grande
perda para ele se fosse apenas uma questão de pagar, porém, talvez, fosse negociável
que arrancassem suas pernas e braços, ou que o torturassem lentamente, ou
simplesmente que ele entregasse metade de seu dinheiro (ou mesmo todo ele), de forma
à ao menos tentar convencer a vítima.
E no caso de um agressor sem muitos recursos, poder-se-á fazê-lo de escravo até que
pague suas dívidas, ou mesmo fazer as agressões físicas que citei acima, como antes
dito, é dever do agressor e não da vítima determinar que uma punição é
desproporcional.
76
Os argumentos apresentados no tópico sobre retribuição punitiva podem ser aplicados mesmo em
estupro, principalmente a questão sobre a proporcionalidade inalcançável, vez que o estuprador não
necessariamente poderia obter uma punição que fosse equivalente ao causado na vítima (mesmo um
estupro para esse estuprador não equivaleria ao ocorrido com a mulher, visto que seus corpos são
diferentes, bem como seus estados psicológicos).
LIBERTÁRIOS SÃO APENAS CONTRA AGRESSÃO E AMEAÇAS DIRETAS
Essa é uma outra questão que permeia o pensamento libertário a um bom tempo, algo só
pode ser punido se puder ser classificado como violação física iminente ou violação per
se, incluindo que apenas aqueles que estiveram diretamente envolvidos com a agressão,
possam ser considerados culpados.
A grande questão sobre isso, é que atos de agressão/violação podem ocorrer mesmo
77
quando indiretamente causados, bem como quando ameaças não diretas são firmadas .
Para que possa ser feita uma melhor relação, vamos tratar de ambos os casos
separadamente.
AMEAÇAS DIRETAS
Como anteriormente dito neste capítulo durante uma nota de rodapé, ameaças diretas e
imediatistas são um ponto de retaliação válido da vítima por serem uma alteração de
estados psicológicos causais, onde as ações do agressor tomam as possibilidades de
ação da vítima, até que somente sobre uma possível reação.
Porém, não apenas a ameaças diretas se vale uma reação de retaliação retributiva,
poder-se-á também retaliar contra ameaças indiretas, de forma que estas são também
78
formas de agressão, embora menos físicas , para exemplificar, tomemos a seguinte
questão:
77
Ameaça direta assume aqui uma conotação de iminência e materialidade, tome como exemplo
alguém apontando uma arma para sua cabeça.
Já uma ameaça indireta poderia aqui ser definida como atos de fala com intencionalidade aberta a
possibilidade de ação por sobre o alvo, tome como exemplo uma ameaça de morte.
78
Ameaças se tornam formas de agressão na medida em que são também formas de planejamento de
ação, poder-se-á dizer que durante uma ameaça de morte por exemplo, o agressor em questão está
legitimando, dentro de todos os cursos de ação possíveis para esse indivíduo, uma violação à vítima,
e, portanto, restringindo o número de possibilidades de ação da vítima, de forma que a retaliação se
torna uma das formas de autodefesa evidentes como curso de ação.
Para mais detalhes sobre ameaças verbais desse nível, consulte o capítulo sobre direito, no tópico
acerca da liberdade de expressão.
“Um chefe mafioso chamado Charlattone ameaça o indivíduo Jefferson de morte em
uma semana, caso o mesmo não saia da cidade.”
A. Sair da cidade
B. Eliminar a ameaça que Charlattone de algum modo (considere que exista alguma
forma possível de o fazer)
Desse modo, Charlattone é um agressor de Jefferson, que agora está coagido a escolher
entre apenas duas opções (limitadas ao escopo do exemplo) para que possa sobreviver,
para que não tenha sua autopropriedade violada. Poder-se-á, portanto, dizer que
Jefferson pode legitimar o curso de ação em que ele “cuida” da ameaça que Charlattone
representa, e Charlattone não poderia objetar contra esse curso de ação, visto que ele
79
mesmo já havia o legitimado, ele é estopped de fazer isso.
79
Estopped é um termo utilizado na teoria punitiva libertária Estoppel, que advoga por uma
incapacidade do agressor de negar seus próprios fatos, venire contra factum proprium (ninguém pode
negar seus próprios atos). Para mais informações sobre o Estoppel, leia o capítulo Justiça, tópico O
Estoppel.
Na imagem acima, podemos observar mais claramente os cursos de ação que Jefferson
poderia tomar, por conta das ações agressivas de Charlattone.
CULPABILIDADE INDIRETA
“Um terrorista (atribua-o a X) envia uma bomba em uma caixa para alguém, sendo
transportado e entregue por um carteiro (este será Y), ela chega ao alvo, em seguida,
após recebê-la e entrar em casa, o alvo (chamaremos no de Z) abre a caixa, e, como
resultado, ela explode, matando Z.”
O responsável do exemplo acima claramente é o terrorista, muito embora posso pensar
que algum libertário que diga que não existe causalidade quando intervenientes
interagem no evento, sendo assim eu poderia dizer que o carteiro é o criminoso? Ou
quem sabe, a vítima, afinal foi de livre deliberação dela abrir a caixa com o explosivo,
foi um suicídio!
Não creio que preciso dizer o absurdo do que acabo de dizer, mesmo que a caixa tenha
sido entregue pelo carteiro, e mesmo que a vítima seja quem tenha aberto a caixa com o
explosivo, a culpa dessa relação de eventos causais é do terrorista, que à enviou, que
utilizou o carteiro de meio para atingir seu fim.
Poder-se-á dizer que pessoas não podem ser utilizadas como meios, porém, como acabo
de explicitar, e darei outro exemplo a seguir, isso não é verdade, muito embora não
possamos (a menos que isso envolva coerção, mas não estamos tratando desses casos
ainda) controlar as ações de indivíduos, pois estes possuem livre deliberação, ainda
assim podemos utilizar deles como meios para nossas ações, para que atinjamos nossos
80
fins, o que, obviamente, não remove a culpa ou responsabilidade desses indivíduos ,
vejamos agora outro exemplo:
Como pudemos perceber no exemplo anterior, muito embora tenha sido um ato de livre
deliberação de Y matar Z, não exclui-se o fato de que X empregou-o como meio de
ação, e que Y empregou também meios para concluir sua ação de matar Z, o fato de
ambos terem livre-arbítrio, ou de que as ações do líder da seita não tenha direta ligação
com o ato ocorrido (direta no sentido de ser aquele que matou) não muda esses fatos,
portanto, poder-se-á, nesse caso, atribuir a culpa criminal do fato a ambos, líder e
seguidor.
Agora que terminamos essa questão, devemos ressaltar que, embora existam casos onde
a aplicação da culpa e relacionamento de causalidade seja relativamente simples de
traçar, não em todos os casos assim o seria, todos os casos são diferentes, ocorrem em
circunstâncias diferentes, e portanto, devem ser analisados de maneiras diferentes,
individualmente, a cada um com sua própria análise.
80
Muito embora dever-se-á notar que o carteiro em questão, embora parcialmente responsável, não é
realmente um agressor, tendo em vista que a estrutura da agressão seja o emprego de meios (que
podem ser meros objetos, mas também outros atores, com ou sem seu conhecimento) calculados para
causar uma violação das fronteiras físicas de uma pessoa não agressora ou sua propriedade.
Passemos então para a próxima questão, que inclui a substancial análise de casos
polêmicos e controversos entre os libertários, relacionados com a questão de
causalidade, culpabilidade e punibilidade em algumas relações.
Agora, um de nossos assuntos que mais controversos, variando sobre inúmeros pontos
de vista, a questão das obrigações, deveres positivos, bem como existem libertários que
dirão que isso não pode existir, também existem os que dirão que podem (como o
próprio Kinsella), e, como demonstrado durante boa parte desse capítulo, estou
seguindo esta linha, e, como esses argumentos ainda não foram respondidos
devidamente, creio serem uma posição sólida o bastante para que continuemos.
Bom, para começar, obrigações negativas são obrigações que lhe compelem a não fazer
81
algo, a se abster de algo, ao passo que obrigações positivas , ao contrário desta última,
nos compelem a agir de forma positiva, fazer algo.
81
Muito embora, dever-se-á ressaltar que obrigações positivas, ao contrário do que dão a parecer,
funcionam basicamente do mesmo modo que obrigações negativas para um libertário. Estando no
mesmo campo da propriedade privada, as obrigações positivas são formalidades abstratas para o que
seria um impedimento de violação de propriedade, vez que não cumpri-las acarreta em violações,
como a pessoa jogada no lago, que pode acabar vindo a morrer, aumentando sua punibilidade
criminal.
Alguns exemplos de ambos os casos:
OBRIGAÇÕES NEGATIVAS
Não invada
Por causalidade direta (empurrar alguém em um lago, por exemplo, o que não
ocorre se a pessoa em questão tiver caído sozinha, ou outra pessoa a tiver
empurrado)
O CASO DO LAGO
De longe uma das melhores maneiras que posso pensar para ilustrar essa questão, o caso
do lago é uma das melhores exemplificações de obrigatoriedade positiva (e também é
um dos exemplos muito usados por Kinsella), mas, como esse caso funciona? Veja o
exemplo:
“Rothgerald e Bricks estavam no na borda um lago com uma cachoeira, fazendo uma
expedição, quando de repente, Rothgerald resolve, em um ato maléfico, empurrar
Bricks (que não sabe nadar) diretamente ao fundo do lago em que a cachoeira deságua.”
Nesse exemplo, Rothgerald acaba de contrair uma obrigação positiva para com Bricks,
por conta de seus atos deliberados, agora Bricks se encontra em uma situação de
dependência e, se vir a morrer, agora Rothgerald não apenas seria culpado pelo estado
82
de dependência de Bricks, mas também por sua morte (aumentando absurdamente sua
pena, pois é um crime capital).
Portanto, a solução para que Rothgerald possa se livrar dessa pena capital, é salvar
Bricks de seu destino (criado por Rothgerald), resgatando-o do lago.
O ABORTO
82
Ao contrário do que se possa pensar, violações de propriedade não estão restritas ao exato momento
do ocorrido de uma ação causal (veja os exemplos dados em outras situações pelo capítulo), ao
contrário, podem se develar durante diversos outros momentos, entre diversas outras ações
intermediárias (como no caso do terrorista e a bomba, ou do líder da seita religiosa e, nesse caso
específico, das ações de Rothgerald que acarretaram a situação de Bricks).
intencionais e deliberados de dois indivíduos causaram eficientemente uma vida no
mundo, não importando se foi ou não um acaso ou uma exceção a regra (no caso de uso
de anticoncepcionais), a responsabilidade causal que o ato carrega, ato voluntário, e
absolutamente distinguível de um ato não deliberado (estupro), é a da criação de um ser
de direito, ser esse que fora lançado no mundo, em uma situação de dependência,
83
dependência para com seus geradores. Poderá se dizer que o ato de aborto
Agora, qual a situação onde não podemos imputar essa obrigatoriedade? Simples, o
estupro, um ato deliberado apenas por uma pessoa, que ainda assim gera uma criança,
porém que não contém relações causais com a mãe. Para explicar melhor a diferença
das duas situações (deliberação e estupro), siga os dois exemplos:
1. X pessoa sequestra Y pessoa e a leva para uma cabana em uma situação com
uma forte e letal nevasca.
2. Z pessoa joga Y pessoa na cabana de pessoa X durante uma forte e letal nevasca.
Da mesma forma funciona a gravidez fruto de atos deliberados de ambos os pais com
reais consequências, e a gravidez fruto de atos deliberados de apenas um dos pais (o
83
Vale lembrarmos que, quando o termo sendo usado é aborto, estamos apenas descrevendo a
situação de interrupção da gravidez que acarreta / causada pela morte da criança. É perfeitamente
possível justificar um ato de aborto, se esse for concebido como apenas a interrupção da gravidez
sem a morte da criança, como no caso de, em algum futuro próximo talvez, existir uma tecnologia
que permita esse ato sem acarretar em danos para a criança.
estuprador), sendo que suas subsequentes consequências apenas recairiam sobre este, se
a mãe resolvesse abortar nesse caso, não se poderia objetar sobre suas ações, apenas
responsabilizar o “pai” pelo destino de seu filho.
Vale mencionarmos uma outra visão pela perspectiva libertária da questão do aborto, do
autor Walter Block, chamada de expulsionismo84. Não vamos entrar em detalhes aqui
por ser um assunto muito extenso, mas o argumento consiste, resumidamente, em:
A questão do aborto seria, portanto, uma questão que surge do conflito entre o direito de
autopropriedade da mãe e o da ‘criança’ (tomemos esse termo, para facilitar a
explicação). Sendo assim, segundo Block, Rothbard e alguns outros autores, direito da
mãe autoproprietária decidir se o indivíduo pode ou não permanecer em seu corpo.
O expulsionismo conclui que a mãe não tem a obrigação positiva de manter o bebê até o
final da gestação, mas também não pode simplesmente assassinar o bebê. Ela deve,
portanto, se estiver certa que não deseja o feto em seu ventre, retirá-lo da forma mais
gentil possível.
Ela deve recorrer aos meios que ela possui para retirar o bebê com vida de seu ventre.
Se não for possível tecnicamente, e apenas se não for possível, ela poderá realizar a
retirada do bebê, mesmo que isso cause a morte dele. Entretanto, mesmo neste caso,
deve ser feito de tudo para se tentar manter a vida do filho.
84
Defesas do expulsionismo tiradas de:
https://www.universidadelibertaria.com.br/2019/08/05/uma-alternativa-no-debate-so
bre-o-aborto-o-expulsionismo/
outra mãe que deseje receber o feto, o aborto seria proibido em praticamente todos os
casos.
RESPONSABILIDADES TUTELARES
Outro ponto que causa demasiada intriga entre os libertários, é a questão das
responsabilidades de tutela, as responsabilidades existentes na efetiva criação de um
filho, e sobre isso, seguindo novamente a mesma linha de quase todo capítulo, de
responsabilidades causais, discorrerei a seguir.
Colocar uma criança no mundo traz responsabilidades, responsabilidades essas que são
frutos de seus atos causais, atos que vieram a colocar essa criança como efetiva
dependente de seus pais, que existem naquele momento do espaço e do tempo. Vejamos
um exemplo, para esclarecer essa explicação:
“Thoreau acaba, como resultado de seus atos deliberados, fraturando as mãos de seu
amigo Oichi, que é um programador, e depende delas para sobreviver, como resultado, e
85
pelo fato deles serem amigos , Thoreau fica a cargo de cuidar de Oichi até que o
mesmo possa se recuperar dessa fratura, sendo responsabilidade legal de Thoreau que
alimente e ajude Oichi até o momento de sua ‘alta’”.
Em uma situação em que Thoreau não cumprisse com essa responsabilidade, e deixasse
Oichi morrer de fome ou qualquer outra necessidade de dependência, dependência
causada exclusivamente em alguma instância pelas ações de Thoreau, o mesmo poderia
ser responsabilizado com uma pena capital, ou equivalente a tal.
85
Não implicando que apenas exista essa relação em casos de amizade, apenas ressaltando que, por
eles terem essa amizade, Oichi resolve não pedir uma restituição monetária gigantesca ou punições
retributivas violentas para Thoreau, mas apenas essa ajuda. (Esse exemplo é apenas análogo a
situação da criança, pois, Oichi tem a opção de acabar por pedir uma restituição financeira, ou uma
punição retributiva para Thoreau, o que não existe no caso da criança, tendo em vista que a mesma se
encontra em uma situação de dependência exclusiva de tutoria).
capacidade legal de se autodeterminar, de se desprenderem dessa necessidade de
86
dependência .
Agora que falamos da tutoria, das responsabilidades legais de pais para com seus filhos
(desde que responsáveis causais pelo estado dos mesmos), falaremos de uma subquestão
deste tópico.
TRANSFERÊNCIA DE GUARDA
Para que essa questão se torne mais clara, veja uma ramificação do exemplo anterior:
“Thoreau, ao invés de cuidar de seu amigo, pediu para que outra pessoa, chamada
Febrette o fizesse, pois precisaria de sua casa completamente durante aquele tempo (por
quaisquer motivos que sejam). Porém, essa pessoa acabou deixando que seu amigo
Oichi morresse.”
86
Tendo em vista que essa independência é um caso de análise, e não exatamente fora delimitado em
que momento a criança estaria em uma situação de independência (Hans-Hermann Hoppe por
exemplo, afirmaria que essa situação se dá quando a criança possui a capacidade de fugir e dizer não
a possíveis tentativas de recaptura), poder-se-á dizer que não é uma questão fechada no meio
libertário. Porém, assim como com as demais questões, a visão que me parece mais qualificada para
gerar essa delimitação, vem da teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg.
Nesse caso, Thoreau agora é responsável pela morte de Oichi, ao passo que Fabrette não
poderia ser assim responsabilizado, pois não possuía essa cadeia de responsabilidade
87
que Thoreau possuía .
87
Dever-se-á notar que Fabrette não possui a mesma responsabilidade causal de Thoreau, que causou
o estado de dependência de Oichi, porém, isso não exclui quaisquer violações que Fabrette cometa,
como no caso específico em que ele resolve matar Oichi, ainda existe uma violação, e ambos,
Fabrette e Thoreau, acabariam por serem responsabilizados pela situação final de Oichi.
PARTE IV: DA ESTRATÉGIA
OS CAMINHOS
DA ILEGITIMIDADE DO ESTADO
Pois bem, o que então mantém o estado como detentor do monopólio jurídico, sendo ele
o maior agressor da justiça e da liberdade? As pessoas apoiam decisões se elas virem
que elas forem justas e morais. Ou seja, se as pessoas enxergarem que as ações
praticadas pelo estado forem justas e morais, elas dão legitimidade ao grande leviatã. O
estado, ao deter legitimidade aos olhos de seus subordinados, não corre o risco de uma
revolta e de ser aniquilado enquanto ele pratica suas várias agressões. Até mesmo que o
estado fosse aniquilado por uma revolução armada, se as pessoas continuarem vendo a
necessidade e legitimidade de um estado, logo outro, provavelmente mais agressor,
seria posto em prática.
Dessa forma, podemos constatar que a batalha contra o estado não é uma batalha de
armas. O campo de batalha é intelectual, ele existe na mente de cada uma das pessoas.
Não surpreendentemente, o estado alicia os meios intelectuais para propagar sua falsa
legitimidade. Desde criança, somos expostos à doutrinação estatal por educação
obrigatória, intelectuais comprados, mídia tendenciosa e dependência de programas
governamentais.
Os ataques mais contundentes ao estado são aqueles que deterioram sua falsa
legitimidade. O humor tem a capacidade de transformar as maiores atrocidades e
agressões em riso, por um momento conseguimos olhar além do nefasto e rir da
absurdidade. Hans-Hermann Hoppe pontua de forma precisa:
Jordan Peterson uma vez disse em uma palestra que os humoristas são os canários na
mina de carvão da liberdade de expressão. Quantos humoristas já receberam processos
por engravatados que se sentiram ofendidos por serem expostos pela luz do humor? O
bobo da corte é o único que pode falar a verdade para o rei. Quando o bobo da corte é
morto por falar a verdade, sabemos que estamos vivendo na pior das tiranias89.
88
HOPPE, 2010
89
PETERSON, 2018
LIBERTARIANISMO CULTURAL
90
HIMMELFARB, 1962, p. 209
91
ROTHBARD, 2010
92
ALMEIDA; PAGLIARIN, 2019
93
MISES, 2010
chamarei de cultura estatal. E a cultura estatal, como Huerta de Soto fez muito bem a
analogia, como um vírus do ebola94; o qual só tende a crescimento intermitente.
De certo que a transição para uma sociedade libertária não iria ocorrer da noite para o
dia, visto o vírus da cultura estatal presente na sociedade atual. Esta é a natureza da
realidade temporal em que vivemos. Todavia, o objetivo da liberdade imediata não deve
ser considerada algo utópico, porque a sua realização é dependente da vontade do
homem, sem demais restrições. Se, por exemplo, todo mundo repentina e imediatamente
concordasse com as vantagens predominantes da liberdade, então a liberdade total seria
alcançada imediatamente. Em suma, apesar de ser necessária uma conquista cultural, o
libertarianismo não é utopia.
Ora, pois, não há uma única explicação que justifique a atividade monopolística de tal
tarefa. O que, por fim, Hoppe completa:
94
SOTO, 2014
95
HOPPE, 2013, p. 25
Na verdade, o que ocorre é precisamente que tão logo se
tenha um monopolista se encarregando dessa tarefa, ele irá
necessariamente destruir a justiça.96
96
HOPPE, 2013, p.25
97
A história nos relata que houve muitas invasões horizontais de bárbaros; hoje, porém, vivemos uma
invasão vertical de bárbaros, que é a que penetra pela cultura – como se vê entre intelectuais que
atualidade do sistema educacional: uma invasão vertical (essa, além do tangível,
cultural) na cultura, animalesca e fruto de (pseudo)intelectuais que disseminam a
desinformação, acabando com o real sentido do conhecimento; estes acadêmicos são os
bárbaros neste cenário. O que torna o método da academia um tanto quanto vicioso e
tendencioso. Acerca disto, Hoppe disse:
E isto fez com que o sistema educacional se torna-se compulsivo e encarecido. Ao invés
de gastarem milhões sobre temas frívolos e vazios, estariam gastando esse dinheiro de
forma muito mais otimizada com resultados muito mais produtivos à sociedade, de
insistem em justificar o terrorismo, músicos que defendem uma vida desregrada ou artistas que
zombam da beleza
98
HOPPE, 2013, p. 39
99
KOHN, 1946, p. 304
forma geral. Entretanto, todo esse sistema educacional compulsório agrada muito o ego
dos professores e demais profissionais da área; pois, de certo que o estado gera diversos
empregos nesta área. Caso essa engenharia social sumisse, conjectura-se que diversos
profissionais estariam desempregados, e outros com salários à uma pequena fração
comparado ao atual. Por fim, isto gera em torno do estado, devido aos interesses
econômicos, um muro de legitimação intelectual, por assim dizer. Criando um
desequilíbrio político-ideológico, uma invasão bárbara na educação.
100
Caos (em grego antigo χάος, khaos) refere-se a sem forma ou vazio que precede a criação do
universo ou cosmo no mito da criação na tradição grega, ou ao "hiato" inicial citado para a separação
original do céu e da terra da tradição abraâmica (KIRK, 1984).
O trabalho criador exige ainda outras virtudes. Reúno aqui
três das suas exigências que mutuamente se corroboram,
para que uma obra não seja curta nem indigente.
Precisamos de trabalhar com constância, com paciência,
com perseverança. A constância mantém-se a pé firme, a
paciência suporta as dificuldades, a perseverança [...]
Durante as horas de trabalho intenso, assalta-nos a
tentação de interromper o esforço, desde que o menor
incidente traz a languidez e provoca o tédio [...] Nos
momentos de inspiração, estas armadilhas não oferecem
grande perigo, porque a alegria da descoberta ou da
produção opera como freio; mas as horas ingratas não se
fazem esperar e, enquanto dura, é poderosa a tentação.101
101
SERTILLANGES, 2010, p. 167-169
102
ROTHBARD, 2013, p. 9
indivíduos são submetidos aos mesmos testes e julgados por meio disso. E como diz o
ditado: "um peixe jamais deve ser avaliado por sua habilidade de subir em árvores".
Acerca disto, ainda foi dito:
A liberdade de expressão deve ser protegida, pois ela é a ferramenta usada no campo de
batalha intelectual. Todo tipo de tentativa a cercear a expressão deve ser identificada e
contida. O estado vai ser sorrateiro, criando leis de discurso de ódio ou uso obrigatório
de pronomes. Tudo isso não passa de uma maneira de controlar o que você pode ou não
falar, e ao controlar o que você pode ou não falar, ele está ultimamente alterando a
própria pessoa que você é. Devemos lembrar que a liberdade está nunca a mais de uma
geração a ser extinta104, se não defendermos a liberdade de expressão hoje, a próxima
geração ao crescer sem liberdade não terá armas para lutar contra o leviatã, é só ver
103
ALMEIDA, 2019.
104
REAGAN, 1961.
regimes totalitários ainda existentes como a Coréia do Norte. A China pós-Mao ainda
vive sem saber o que é liberdade, salvo uma região chamada Hong Kong. Uma pequena
dose de liberdade já foi suficiente para gerar uma revolta popular contra a tirania105.
Nossas crianças são sequestradas pelo estado para centros de doutrinação e lavagem
cerebral. O estado chama isso de escola, mas nós sabemos muito bem o que é isso. As
crianças são a nova geração, as herdeiras desse mundo que herdamos de nossos
antepassados, elas devem ser vacinadas contra a tirania e controle mental do estado. Por
mais que a doutrinação estatal seja obrigatória, a família como instituição tem o dever
moral de educar os filhos, pois o futuro deles depende deles não serem mais uma cabeça
de gado. O arcabouço ético libertário é uma vacina contra os absurdos pregados por
estatistas, a defesa da propriedade privada e a liberdade de expressão permitem que uma
criança questione falsas autoridades presentes na escola. O homeschooling ainda é
proibido no Brasil, mas isso não significa em jogar a toalha ainda, a maioria de nós
estudamos em escolas cujo conteúdo é administrado pelo MEC, ainda assim você está
lendo esse livro.
A Internet é vital para a liberdade de expressão. Nunca foi tão fácil, barato e
descentralizado o acesso à informação. Não nos surpreende o fato de estados ao redor
do mundo anseiam a regulamentação e monitoramento da Internet. Fomos alertados há
muito tempo, antes mesmo da Internet existir, sobre o perigo do monitoramento em
105
Hong Kong, após mais de um século como colônia britânica, teve sua soberania regredida à China
em 1997 sob o plano de um país, dois sistemas. Diferentemente do regime socialista chinês, Hong
Kong manteve seu sistema econômico e social que previa direitos de propriedade, liberdade de
imprensa e ocupação (CMAB, 2007). Em 2019, o governo chinês propôs uma emenda de lei sobre
extradição, o que causou preocupação no povo de Hong Kong por temerem ficarem sujeitos ao
sistema legal chinês. Uma grande onda de protestos em massa ocorreram a favor da soberania de
Hong Kong. Um deles, em Victoria Park, 16 de junho de 2019, estima-se ser o maior protesto até
então da história de Hong Kong, com quase dois milhões de pessoas (REUTERS, 2019).
massa por George Orwell em seu livro “1984”. A Internet nos permite comunicar e
procurarmos informações de maneira livre e anárquica. Se soubermos que estamos
sendo monitorados, nós já agiremos de maneira diferente. O estado vai utilizar as
mesmas desculpas de sempre, dizendo que eles monitoram pela nossa segurança, mas
de novo isso foi provado mentiroso recentemente com Edward Snowden expondo o
programa de vigilância interno da NSA.
Após elucidação sobre a estratégia cultural, resta-nos dois insights a respeito: (i) de que
tentar alterar a estrutura educacional atual se torna pragmaticamente insustentável, com
o passar do tempo. Porque seria necessário bater de frente com toda a estrutura estatal já
existente (abro este parêntese para dizer que: devemos sim lutar contra o aparato estatal;
como devemos, também, ser realistas, a ponto de reconhecer a falibilidade de um
plano/estratégia). Além do mais que ao utilizar a via intelectual, de certa forma,
afirmarmo-a. (ii) Nem toda a população, nem educadores e intelectuais, são
completamente homogêneos ideologicamente.
Em contramão à abordagens mais macro, surge uma solução que visa os grupos
pequenos. Seccionando, então, a sociedade.
O estado quer te tornar dependente dele (seja para que você pense sobre ele como algo
justo, ou que torne impossível imaginar como seria a vida sem um ditador; sempre para
perpetuar a cultura estatal. Torna-se, então, difícil pensar como funcionam coisas
básicas como estradas, praças, segurança pública, etc), o estado te torna dependente de
um serviço o qual ele monopoliza, e te faz acreditar que sem ele não o teria. Os
burocratas te quebram as pernas, para depois te darem muletas e dizerem que sem o
estado você não andaria. Dê um peixe a um homem e ele votará em você nas próximas
eleições, ensine-o a pescar e ele nunca mais precisará das migalhas de um burocrata.
106
HOPPE, 2013. p. 49.
compartilhada com pessoas que não são como nós, sob o pretexto de pertencer a uma
“nação”. Baboseiras estatistas, seu livre arbítrio o permite se associar e desassociar de
quem queira. A cultura local, comum entre pessoas, cria o sentimento de pertencer, esse
sim legítimo e voluntário, não forçado por uma lealdade obrigatória à bandeira e o hino.
O livre mercado local, a moeda local, a cooperação local, além de não reforçarem a
legitimidade do estado, ainda a minam.
O libertário é um devoto da justiça. A lei natural é sua filosofia e seu arcabouço, todas
as suas ações são norteadas pela ética. O objetivo da sua penosa luta é o fim da injustiça
e a alvorada da liberdade.
107
HOPPE, 2013, p. 48
108
ROTHBARD, 2013, p. 340
Talvez pelo próprio fato do libertarianismo estar relacionado com descentralização e
competição em livre mercado, as estratégias libertárias também são muitas e por vezes
antagônicas em alguns sentidos. E quem saberá ao certo qual é a melhor estratégia, e se
quer só devemos usar uma única estratégia?
A pergunta central aqui é: É ético usar a máquina estatal contra ele mesmo? Pode
parecer uma pergunta simples, mas a resposta tem repercussões extensas sobre o ponto
de vista estratégico.
Se considerarmos que sim, podemos concluir que existam políticos libertários? Veja, o
político é um funcionário do estado, que não está sujeito à competição de mercado e que
não gera riqueza, ele recebe dinheiro por roubo (o leitor já sabe do que estamos
falando). Não seria isso incompatível com a ética libertária? Por outro lado, se o suposto
político libertário revogar leis e diminuir impostos, não estaria criando um saldo
positivo contra o dinheiro que ele se apropria? Essa é a vertente dos Gradualistas. Não é
de se surpreender que seja uma vertente extremamente controversa dentre libertários.
No momento em que este livro foi escrito, estamos em um mundo estatizado. Nesse
momento, o Purista apertaria um botão que acabasse com toda a forma de estado se
existisse tal botão. Mas esse botão não existindo, que opções nos restam? O estado por
maior que seja, não consegue abranger e prever toda a ação humana. É possível agir por
baixo dos panos, enganando o estado e diminuindo o alcance de suas agressões.
109
ROTHBARD, 2010, p. 338.
ESTÉTICA: HUMANITÁRIO E BRUTALISTA
Além da estratégia que o libertário adota, as maneiras dele agir podem ser apresentadas
de maneiras diferentes. O libertário pode decorrer de sua ética diariamente, em
conversas, debates, textos. A apresentação do conteúdo pode ter várias formas estéticas,
ele pode ser contundente, persuasivo, hilário, motivacional. Essa é outra dimensão em
que os discursos libertários podem se diferenciar. Mais especificamente, temos duas
estéticas prevalecentes, o Humanitarismo e o Brutalismo.
O libertarianismo permite que ambos façam sua defesa do libertarianismo, pois eles não
agridem a propriedade de ninguém ao fazê-la. Qual será a maneira mais eficaz de
apresentar a ética libertária? Da mesma maneira que há grande discussão sobre Purismo
e Gradualismo, há uma grande discussão sobre as vantagens de um discurso sedutor
humanitário e um discurso não-diluído rigoroso brutalista. Nas palavras de Rothbard,
“libertarianismo não oferece um modo de vida; ele oferece liberdade, para que cada
pessoa seja livre para adotar e agir sob seus próprios valores e princípios morais.”
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