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O QUE É A LIBERDADE?

O ALVORECER DA LIBERDADE
Editado por:
Universidade Libertária
Email: ​contato@universidadelibertaria.com
https://universidadelibertaria.com.br

Autores:
John Galt
Daniel Miorim
Gustavo Kaesemodel
Gustavo Vieira
João Victor Aragão
Júlio Lopes
Leonardo Vidotto
Mateus Almeida
Matheus Viana
Rafael Vibew
Rodrigo Tavares
Valério Du Nord

Galt, John

O Que é a Liberdade? O Alvorecer da Liberdade / John Galt. --


São Paulo, 2019.

166 f.

1. Liberdade. 2. Libertarianismo. 3. Ética Libertária. 4. Livre


Mercado. 5. Justiça.
SUMÁRIO
O QUE É LIBERDADE? 6
HUMANIDADE E LIBERDADE 6
LEI, POVO E MERCADO. ESTADO E LIBERDADE. PODER E DINHEIRO 8

PRÓLOGO 9

O VILÃO 12
A INEFICIÊNCIA COMPETITIVA DO ESTADO 13
COMO O ESTADO ATRAPALHA O POVO 14
A VERGONHA DO ESTADO: A FORÇA! 17
A CAPACIDADE DA AÇÃO 19

A LEI 27
O HOMEM É 27
O HOMEM AGE SEGUNDO SUA LEI 28
O DIREITO É O ESTUDO DAS LEIS 28
A JUSTIÇA É O PROCESSO DE HERMENÊUTICA DAS LEIS PARTICULARES EM PROL DE
UMA LEI UNIVERSALMENTE COGNOSCÍVEL 29
DIREITO É CONSENSUAL E NÃO-CONSENSUAL 30
A LEI EVOLUI 31
O HOMEM JUSTO BUSCA A LEI JUSTA 31

A ECONOMIA 33
SOCIALISMO 33
CAPITALISMO 34
INTERVENCIONISMO 35
EM DEFESA DO LAISSEZ-FAIRE 36
POR QUE É IMPOSSÍVEL DIFERENCIAR LIBERDADE ECONÔMICA E LIBERDADE
SOCIAL 37

O MERCADO 40
AÇÃO 40
TEMPO 40
CONHECIMENTO 41
TROCAS 42
MOEDA 43
PROCESSOS DE MERCADO 44
JUROS 46

A ÉTICA LIBERTÁRIA 48
POR QUE ÉTICA? COMENTÁRIOS ACERCA DA FILOSOFIA PLATÔNICA 48
COMO SE DÁ A ÉTICA? COMENTÁRIOS ACERCA DE ARISTÓTELES 49
SOBRE JOHN LOCKE E CONSIDERAÇÕES SOBRE INDIVIDUALISMO 50
KANT E O IMPERATIVO CATEGÓRICO 51
QUEM É O SER? RESPOSTA DE HEIDEGGER 52
SIGNOS, SIGNIFICADOS, SEMIÓTICA E VERDADE COM PEIRCE 53
CONSCIÊNCIA SEMIÓTICA E BAKHTIN 55
REFLEXÕES RACIONAIS COMUNICATIVAS 55
O IDEAL E A FILOSOFIA HABERMASIANA 56
ROTHBARD E A AUTOPROPRIEDADE 58
ÉTICA ARGUMENTATIVA HOPPEANA 60

A JUSTIÇA 64
CONCEITOS 64
NOSSAS TESES PASSARIAM PELA MAIÊUTICA DE SÓCRATES? 64
CÉFALO E POLEMARCO 65
TRASÍMACO, O POLÍTICO 70
JUSTIÇA PRIVADA 74
TEORIA JURÍDICA 74
DEVIDO PROCESSO LEGAL 74
O ESTOPPEL 75
A NATUREZA DA MEDIAÇÃO 79
OS TRIBUNAIS PRIVADOS 80
AMBIENTES DE LEIS PRIVADAS 82
A INTERNET 83
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 84

A LIBERDADE 87
SOBRE A LIBERDADE POSITIVA 88
SOBRE A LIBERDADE NEGATIVA 89
SOBRE AS CONCEPÇÕES MAIS GERAIS DE LIBERDADE 90
APROXIMANDO A LIBERDADE DE VONTADE DA LIBERDADE NEGATIVA E
PROPRIEDADE 91
O ESTADO CONTRA A LIBERDADE 92
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O FLUIR DAS IDEIAS 98
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SEUS LIMITES, E ARBITRARIEDADES ESTATAIS 99
O ESTADO E SUA ARBITRARIEDADE PARA COM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO 101
LIBERDADE DE EXPRESSÃO NEGATIVA 103
UM MANIFESTO À FAVOR DA LIBERDADE 105

A PROPRIEDADE INTELECTUAL 106


DIREITOS E ESCASSEZ 106
ACERCA DA PI 108
UTILITARISMO E PI 112

AS POLÊMICAS 114
LIBERTÁRIOS ESTÃO APENAS CONTRA O ESTADO 114
O QUE É PROPRIEDADE PRIVADA 116
ESCASSEZ VS NÃO ABUNDÂNCIA 116
LIBERTÁRIOS SÃO CONTRA TODA FORÇA E COERÇÃO 117
AUTOPROPRIEDADE 119
SISTEMAS DE PROTEÇÃO PRIVADA 122
DISTINÇÃO ENTRE ESTADO E GOVERNO 123
CRIAÇÃO DE UM ESTADO EM UMA ANARQUIA LIBERTÁRIA? 124
RESTITUIÇÃO VS RETRIBUIÇÃO 126
SOBRE A PUNITIVIDADE RETRIBUTIVA 128
RETALIAÇÃO IMEDIATA 128
RETALIAÇÃO POSTERIOR AO ATO 128
SOBRE A PUNITIVIDADE RESTITUTIVA 130
LIBERTÁRIOS SÃO APENAS CONTRA AGRESSÃO E AMEAÇAS DIRETAS 132
AMEAÇAS DIRETAS 132
CULPABILIDADE INDIRETA 134
NAS OBRIGAÇÕES POSITIVAS 137
OBRIGAÇÕES NEGATIVAS 138
OBRIGAÇÕES NEGATIVAS (SE PRODUTO DE AÇÕES DELIBERADAS) 138
O CASO DO LAGO 138
O ABORTO 139
RESPONSABILIDADES TUTELARES 142
TRANSFERÊNCIA DE GUARDA 143

OS CAMINHOS 146
DA ILEGITIMIDADE DO ESTADO 146
BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DAS ESTRATÉGIAS 147
LIBERTARIANISMO CULTURAL 148
A VIDA INTELECTUAL DO LIBERTÁRIO 150
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO ARMA CONTRA A REPRESÁLIA ESTATAL 154
UMA SOLUÇÃO DE DENTRO PARA FORA: SECESSÃO E AUTONOMIA 156
DEMAIS VERTENTES DA AÇÃO LIBERTÁRIA 158
PRINCÍPIOS: SOBRE FUSIONISMO, PURISMO, GRADUALISMO E AGORISMO 159
ESTÉTICA: HUMANITÁRIO E BRUTALISTA 161
O QUE É LIBERDADE?

HUMANIDADE E LIBERDADE

Se você está lendo esse livro, provavelmente, é uma das duas coisas a seguir: ou um
amante da liberdade ou um crítico de livros. É interessante como o capitalismo
funciona. Fortalecendo fortemente a produção, é capaz de tornar algo como criticar
livros uma função válida na sociedade, função que de outra forma, em uma sociedade
baseada totalmente na subsistência, não seria possível. ​O motivo para isso e para
todas as grandes perguntas que são respondidas pelo mercado é a liberdade.

Liberdade, um termo usado comumente - e que por demasiado uso e má aplicação do


termo, gastou-se e tornou-se um tanto quanto ​clichê​. A partir deste gancho, indago: é
possível ser totalmente livre? Para ser totalmente livre, no sentido literal, precisamos ser
infinitamente livres. Para isso ser possível, todas as possibilidades deveriam ser
acessíveis a nós. Liberdade seria então a possibilidade infinita. Só que vivemos no
mundo do finito, de recursos escassos e nesse mundo, a infinitude é apenas um conceito
abstrato em si mesmo. Resta-nos, então, buscar qual o tamanho da nossa liberdade?

A nossa liberdade poderia ser mínima. Nesse caso, nossas possibilidades seriam apenas
uma ilusão, todas as nossas grandes decisões teriam sido tomadas desde já pelo
arcabouço de elementos que fizeram parte da construção da nossa personalidade. Isso
significaria que nada decidiríamos sobre coisa alguma. Curioso, não é mesmo? Mas
afirmar isso é afirmar que todas as nossas escolhas poderiam ser previstas e então o
mundo já estaria inteiramente calculado em alguma instância. Então ler livros ou sonhar
seriam apenas mais do mesmo.

Recuso; recuso (reafirmo!) veementemente a afirmação de que sonhar e viver sejam em


si as mesmas coisas. Apenas alguém que não sonhou ou que não viveu aceitaria uma
tese dessas. E o motivo para isso é simples, o extraordinário é um elemento vívido mas
é um elemento que se retira da imaginação. Aquilo que imaginamos é aquilo que
concebemos como possível ainda que não tenha sido jamais nos dado.

Você poderia imaginar um trem com pernas ainda que jamais tenha o visto. Por quê? A
resposta para isso está na nossa capacidade de abstrair. Então, ainda que todas as
decisões tivessem nos sido entregues, ainda poderíamos abstrair sobre elas e as mudar.
Nessa visão somos senhores dos nossos próprios destinos porque somos senhores
daquilo que não vivemos e nem podemos viver.

Em suma, a Liberdade só pode ser algo nesse meio termo, algo entre a liberdade
máxima e a liberdade mínima. Por fim, pensar nisso é pensar na liberdade como algo
que precise ser medido, definido por um conceito humano não absoluto mas fixo que
nos possibilite pensar melhor em tudo isso. A luta por entender e definir a liberdade é
uma luta eminentemente humana e o que isso significa?

Que todo e qualquer conceito que adotemos de liberdade deve ser capaz de expressar a
nossa humanidade e descrever-nos como seres completos. Para você que está aqui
porque há demanda por críticos de livros, você pode dizer desde já que o autor passa o
livro inteiro defendendo a tese de que liberdade é o poder que cada ser possui de
determinar nossos objetivos finais e que ele fará isso através de coisas como
propriedade privada, livre mercado e contratos. Mas isso seria apenas parte da verdade.

O que se intenciona aqui é demonstrar uma forma de pensar nova e reveladora, um


conjunto de reflexões acerca do eu, do próximo e da liberdade que transcendem o
sentido e são responsáveis por ressignificar o mundo.

Essa forma de pensar é tão verdadeira quanto humana, capaz de mover as peças e
amadurecer pensamentos. O que faremos aqui será uma jornada de questionamentos e
ponderações acerca das coisas que consideramos que conhecíamos.
LEI, POVO E MERCADO. ESTADO E LIBERDADE.
PODER E DINHEIRO

Revisto isto, assumindo nova roupagem e modificando as percepções até mesmo do


mais cético dos homens. E é com esse projeto que começamos essa obra e ao final,
espera-se que tenhamos descoberto o âmago do que é ser humano e do que isso significa
para a liberdade.

Voltamos ao começo. Só que agora não somos mais os mesmos. Aprendemos coisas
acerca de nós mesmos, dessa realidade extremamente complexa que ronda as mais
simples escolhas e agora somos versões diferentes de nós. Versões que tomarão
decisões, que amarão, que odiarão e que inevitavelmente irão vislumbrar sucessos e
fracassos. É justamente a beleza desse processo que faz com que a liberdade seja a coisa
mais bonita que já existiu, porque ela não é nada até que se traduza em tudo.
PRÓLOGO
Escrever esse livro foi um ato de paixão pela liberdade. Como assim? Explico. Esse
projeto foi coordenado pela Universidade Libertária e escrito por uma equipe de
grandes amantes da liberdade. A Universidade Libertária é uma organização que tem
como missão divulgar as ideias da liberdade e fazê-las acontecer na prática. Ela se
beneficiaria enormemente de possuir esse material na forma de cursos pagos,
capitalizando até a mais ínfima palavra desse livro ao máximo. Ainda assim, você está
em posse desse livro nesse momento. O que nos fez criá-lo?

Bem, a primeira resposta é porque queremos lucro. Sim. Capitalistas malvados fizeram
um livro como uma aposta. Quanto mais livros sobre determinado assunto estiverem na
mão das pessoas, maior a chance deles se interessarem em comprar cursos sobre
assuntos parecidos. Genial, não é mesmo?

A segunda resposta é que fazemos porque queremos aparecer. Sim. Capitalistas


malvados fizeram um livro para serem vistos. Queremos demonstrar à sociedade o que
aprendemos sobre a liberdade e queremos ser vistos como referência do estudo da
liberdade no Brasil e quem sabe, no mundo.

A terceira resposta é que fizemos porque nem lucro nem visibilidade importam tanto
quanto o ego. É isso mesmo. Queremos dizer daqui a alguns anos que nós contribuímos
para a formação de futuros líderes da liberdade para nossos amigos e parentes nos
acharem o máximo por isso.

Dito isso, o livro foi feito com a intenção de ser no fim das contas uma porta de entrada
para o processo de compreensão da liberdade. Começamos explicando o problema,
descrevendo de que forma a sua liberdade é minada, continuamos explicando a solução
para voltar a ser livre, avançamos explicando a teoria da liberdade mais a fundo, com as
implicações da solução e terminamos demonstrando os caminhos para alcançar essa
liberdade.
No fim das contas, a nossa ação egoísta irá beneficiar grandemente um número
significativo de pessoas. Não é meio irônico, tendo em vista que as pessoas vivem
falando que a liberdade é uma utopia, que a nossa ação egoísta seja no final das contas
uma ação virtuosa? Com essa contradição interessantíssima, damos a você boas-vindas.
Que encontre na liberdade um pedaço de ti.
PARTE I: DO ESTADO
O VILÃO
Dizem que a escrita é algo diferenciado porque ela é justamente o ato de formalizar
impressões, ideias, sentimentos e pensamentos em elementos que podem ser conhecidos
por qualquer um que se deparar com determinada sentença. Nesse sentido, é evidente
que existem elementos que são mais ou menos próximos da nossa compreensão e então
são abstraídos melhor pela nossa cognição. Isso significa que existem frases que gritam
mais alto do que outras e agora iremos demonstrar como é que existem frases que estão
em agonia no seio da sociedade sem serem ouvidas.

A primeira das frases é a de que o estado é essencialmente um interventor. Essa frase


por si só para qualquer particular seria o suficiente para fazer com que um indivíduo
fosse considerado um grande mal. Pense comigo, diga assim “Pedro é essencialmente
um interventor”. O que você pensa sobre Pedro? Bom sujeito não pode ser.

Vamos falar mais de Pedro. Digamos que Pedro tenha realmente bons motivos para
intervir, seria uma boa que ele fosse um interventor em essência ainda assim? Bem,
basta pensar que um interventor em essência sempre interferirá no curso das coisas
ainda que o curso das coisas não exija intervenção. Haverão situações onde Pedro estará
justificado em intervir, é verdade. Mas se pararmos para pensar, a maior parte das ações
precisa ser voluntária em essência para que haja coesão social o suficiente para se
organizar uma sociedade.

Sendo assim, um interventor por essência faz diversas intervenções negativas que em
muito ultrapassam suas intervenções positivas. E é exatamente isso que acontece com o
estado. O estado interfere nos aspectos econômico-sociais de diversas formas. Para
isso, vale-se de meios que ultrapassam em muito o imaginário do indivíduo. Por
enquanto, vamos nos ater apenas aos aspectos sociais e aos problemas que a própria
existência do mesmo traz, trouxe e pode vir a trazer na vida de todos que estão
caminhando nessa jornada. Espero que esteja pronto o leitor para que perceba, entenda e
sinta de uma vez por todas o quão maléfico o estado é em essência e que reveja suas
ações toda vez que cruzarem o caminho de um interventor como esse.

A INEFICIÊNCIA COMPETITIVA DO ESTADO

É plenamente concebível que aquele que nos lê acredita veementemente que o estado é
um bom interventor, um ladrão no melhor estilo Robin Hood que é capaz de mudar o
fluxo da riqueza de forma que beneficie igualmente a todos e que sem sua existência, o
mais pobre seria o maior prejudicado. É possível que acredite que sem estado não há
segurança, educação, saúde e justiça. É possível que acredite sinceramente que
diariamente é beneficiado por esse bom camarada.

Mas vamos refletir por apenas um instante; o que pensaria do estado se fosse esse um
indivíduo? Pense num indivíduo que certo dia adentrou na sua casa e que lhe cobra por
serviços que você não requereu. Pense que esse mesmo indivíduo comece a controlar
aquilo que gasta e comece a te escravizar em uma porcentagem da renda que recebe
todo mês. Como você se sentiria com isso? Isso com certeza lhe causaria muita
estranheza, não é mesmo? Então por que não é estranho quando esse mesmo indivíduo
faz alguma dessas coisas com um pedaço de papel o autorizando?

Liberdade é sobre opções, sobre aquilo que nos é possível. A força é o extremo oposto
da possibilidade porque ela fala de uma necessidade imperativa que não dialoga com os
nossos esforços de compreender o mundo. Quando o estado limita nossas ações através
de um monopólio da violência e da justiça, é evidente que mesmo nas melhores das
intenções, longe de criar segurança, a está minando. O estado não tem como ser o
protetor da propriedade privada porque é o primeiro a desrespeitá-la.

Pense num sujeito que lhe dissesse essa frase: “Ora, se eu sou a única alternativa,
porque haveria de ser melhor? Ou ainda que quisesse ser melhor, seria melhor
usando-me de que referencial?” Essa é a genuína mentalidade do estado e a indicação
de porque os serviços estatais são tão desconectados da realidade. E como não poderia
ser? Ao optar por favorecer todos os referenciais a todo o tempo, o estado acabará por
satisfazer nenhuma ou apenas uma parcela destes. Normalmente aqueles que tiverem
mais condições de exercer lobby por sobre a ação do próprio estado, os chamados
amigos do rei.

COMO O ESTADO ATRAPALHA O POVO

A próxima frase é a de que o estado mata. E isso é mais comum do que possa parecer.
Vamos contar uma história aqui, do tipo de história que você com certeza já ouviu em
algum lugar, com alguém próximo ou consigo mesmo.

Havia uma garota com um problema em uma de suas pernas, carregava consigo uma dor
excruciante. Quase não conseguia se locomover e seus pais tiveram que levantar a filha
que embora pesasse mais do que quando criança, parecia leve diante do fardo que
suportavam para o hospital na esperança de que lá encontrasse atendimento.
Infelizmente para a família que estamos acompanhando, este hospital fazia parte do
nosso Sistema Único de Saúde (SUS).

Acredito que deva existir uma crença no SUS de que se você marcar a consulta para
muito tempo depois do agendamento, a pessoa pode simplesmente superar aquele status
e não precisar mais do médico, talvez em virtude da cura, provavelmente da morte. E
digo isso porque essa me parece ser a única explicação para que uma garota tenha que
esperar 9 meses por um atendimento enquanto sente o mundo se partindo em suas
pernas. É a gestação da indiferença.

A eles, apenas restou se dirigir ao primeiro hospital que pôde e requerer que algum
daqueles seres iluminados, chamados naquela situação de médicos, lhe enxergando
como um ser padrão lhe entregasse alguma resposta padrão que ao menos ajudasse ela
com a dor. Só que o problema das respostas padrões é que elas são incapazes de se
comunicar com a realidade tal com ela é. E a realidade grita. Foi o que aconteceu
quando a garota teve uma reação medicamentosa devido à negligência médica e seu pai
que carregava o peso do mundo teve que carregar o fardo de salvar sua filha.
Sem enfermeiros, sem médicos. Ele e apenas ele teve que salvar sua filha. Um
observador atento poderia enxergar a enfermeira mais próxima com seu smartphone em
mãos ou o médico assistindo o jogo logo ali. E o que mais causa espanto sincero no
meio disso tudo é justamente o quão próximas de nós essas frases estão. Nenhuma
dessas frases causa estranheza de ler. A verossimilhança é mantida e isso poderia ter
ocorrido com qualquer um que use serviços públicos a qualquer momento. E por que
isso acontece?

Bem, a resposta pode estar mais aparente do que imaginamos. Pensemos em duas
situações onde um sujeito precise de um serviço médico. Pensamos? Ótimo. Vamos
descartar agora essas duas situações. Iremos usar a minha perspectiva de como as coisas
acontecem. A partir de agora estamos falando de um bilionário dono de centenas de
hospitais no mundo todo. “Mas, como assim? Por quê?” Pode ser a pergunta clara que
alguém faria sobre uma afirmação estapafúrdia como essa. Porque eu tenho a força.

É literalmente isso que o estado é. Um intérprete centralizado da realidade tentando


resolver problemas universalmente complexos com uma sequência de informações
naturalmente enviesadas. Eis como o estado interpreta nossas demandas:

Mas não somos também seres assim? Não somos apenas intérpretes parciais da
realidade com informações enviesadas e que tentam resolver diversos problemas através
da mensuração objetiva da realidade? O estado assim nos parece eminentemente
humano, compatível até, não? O ser humano ciente da própria incompletude olhou para
o próximo e encontrou nele a resposta para suas demandas. Eis como a sociedade
interpreta demandas:

Nós olhamos para o mercado, com nossas necessidades e nossas habilidades e


refletimos acerca da possibilidade de satisfazermos algumas das nossas demandas e
termos algumas das habilidades usadas em troca. Isso significa que o mercado não erra?
Bem, o mercado é em si eminentemente humano porque é justamente fruto das
interações humanas em seu estado mais primitivo então é claro que embora seja a soma
das perspectivas humanas, nossas próprias perspectivas são incompletas acerca da
realidade, sendo essa soma mais precisa mas não exaustiva.

Aliás, o estado e o mercado como instituições podem ser levados a última circunstância
quando analisamos seu caráter humano. Veja bem, um ser humano sozinho no mundo
não é capaz de vislumbrar mau ou bom. Tudo o que ele faz é uma inflexão para dentro
de si mesmo. Seus atos são. É somente com a existência de um outro ser que se
vislumbra a possibilidade de haver um parâmetro de correção das ações. É evidente que
o mal e o bem existem no mercado, mas esses pressupostos existem justamente em
função da existência dessas interações.

Isso significa que toda interação é mercadológica? Essa é uma reflexão interessante. Ela
levanta o que há de mais primordial sobre a sociedade. Tudo aquilo que fazemos no
nosso dia a dia é um processo de valoração dos sujeitos de um mundo entre os mundos
que ele poderia escolher. Sendo assim, somos então os substratos de compras diárias
dos mundos em que queremos viver. O estado é o ente de uma razão que utiliza o
mundo como instrumento das suas necessidades primordiais e o mercado é o ente de
uma razão do consenso, horizontal, voltada à satisfação dos interesses de cada um e de
cada qual.

E um dos principais instrumentos para isso é justamente a burocracia. Ao criar a


burocracia, o estado está dizendo que você deve fazer o que ele quer nas condições em
que ele quer. Veja bem, já sabemos que o estado não é capaz de perceber o que
precisamos, mas é importante lembrar que ele também não é capaz de perceber a melhor
forma de fazer até mesmo aquilo que ele acredita que precisamos. O estado assim é o
não absoluto, negação dos meios e também dos fins.

A VERGONHA DO ESTADO: A FORÇA!

O estado é essencialmente força. E a razão para isso é que a sua inflexão não assume
plurais, o consenso como extremo oposto da força é uma das maiores e mais sinceras
razões pelos quais o mercado jamais poderá ser garantido pelo estado, apenas
restringido. Mas como é que o estado pode fazer isso sem que percebam? O motivo está
na sua forma de atuação em relação a sua própria legitimidade.

O caminho direto da força é um caminho difícil de seguir porque ele representa a


evidenciação da soberania irracional do estado por sobre o indivíduo, sendo assim, o
estado se apresenta primeiro como uma ameaça intermitente onde a própria força é um
fato dado como presente em todas as ações mas que não se conclui, para então restringir
as outras formas de agir que não o envolvam. Dessa forma, ele se apresenta no
imaginário como a única opção viável e apara as arestas daqueles que não
corresponderem a esse ideal.

Maquiavel em “O Príncipe” já nos afirmou que a maneira que alguém deveria governar
a população seria por meio do medo e da imposição. Esta prática foi adotada ao longo
da história por diversos países, e nos últimos tempos tem sido adotada em todas as
ditaduras da atualidade e da época contemporânea. Na Coréia do Norte, as pessoas são
obrigadas a chorar em um dia pré-determinado pela morte de um imperador, e podem
ser mortas caso se recusem.

O estado assim como um batedor de carteiras diz para os indivíduos “Ou seu dinheiro,
ou sua vida”, e por mais que o governo não saia de um arbusto ou de um beco e coloque
uma arma em sua cabeça tomando todo seu dinheiro, o roubo sistematizado que ele
produz não deixa de ser um roubo, o estado em sua vergonha é mais sutil do que um
assaltante, já que este último assume os riscos e a responsabilidade de seus crimes, e
diferentemente do governo, ele não toma seu dinheiro sobre a promessa de que o
defenderá de outros criminosos, ele não diz que pretende usar o seu dinheiro para você
melhor do que você, ele não te infantiliza desta forma.

Mais do que isso, ao se prostrar desde cedo como um fato na infância através da
educação institucional, nosso processo de socialização passa necessariamente pelos
programas que foram idealizados para a perpetuação da sua própria ideia. Cada geração
se então mais subserviente do que a outra. Em algum momento, mais do que ser a única
viável, ela se torna a única desejável. O motivo para isso é curioso.

O ramo da viabilidade é o ramo do que é razoável e o ramo do desejável é o ramo do


que é preferido. O que é viável é sobre aquilo que tomamos para nós como sendo
caminhos razoável que a ação poderia transcorrer a fim de alcançarmos os nossos fins e
o que é desejável é sobre aquilo que mais valoramos para alcançar determinado fim.
Sendo assim, temos que é evidente que um jatinho é a opção desejável para ir do ponto
X ao ponto Y, mas se ela não for uma opção viável, nós iremos escolher entre as que
são e preservam maior identidade com o que identificamos como desejável.

Então quando temos apenas uma possibilidade, a preferência é indiferente. Então como
isso pode se dar? É que a noção da viabilidade é apenas uma aparência. Não deixamos
de ter personalidades, um eu interior que possui suas próprias necessidades e fins.
Mesmo ao se chocar com os fins do estado, o indivíduo mantém sua individualidade e
mistura seus próprios fins com os fins do estado conquanto única possibilidade viável.
Nesse sentido, projetamos nossas vontades e desejos de como deve ser o mundo no
próprio estado. Isso resultou na criação da democracia.

Vou lhe apresentar uma brilhante frase de um grande anarco-individualista, Lysander


Spooner, e gostaria que você, caro leitor, refletisse sobre ela. “​Um homem não deixa de
ser escravo por estar autorizado a escolher um novo mestre de vez em quando​.”. A
perspectiva da democracia é a de que tendo em vista que há algo nosso no que compõe a
perspectiva do estado em si, haveria então uma suposta legitimidade dada por nós
mesmos no todo. Essa legitimidade existe?

Essa é uma questão complexa. O motivo para isso é que sim, há no processo de escolha
algo que corresponde aos nossos desígnios. O problema é em si o resultado desse
consenso. Com regras pré determinadas por uma razão instrumental, as decisões que
possam ser abstraídas pela coletividade já estão postas e a liberdade não é em si uma
escolha. Além disso, o próprio processo de escolha é viciado porque tem forte viés de
confirmação, a própria democracia é lida apenas como ideal e não como um elemento
real de construção. Então será que existe algum local onde a democracia realmente se
efetue?

O mercado é imparcial, sem leis que não as mercadológicas, universalmente humano e


acima de tudo reativo. Isso será demonstrado minuciosamente nos capítulos seguintes,
mas essencialmente, pode se dizer que o mercado possui todas as características
necessárias de uma verdadeira democracia.

A CAPACIDADE DA AÇÃO

Nós somos livres ou somos escravos? Conseguimos escolher e optar por aquilo que
melhor nos satisfaça, ou alguém dita isso para nós? A frase de Spooner nunca fez tanto
sentido quanto no nosso século. A potencialidade da ação é tomada do indivíduo pelo
estado, e ele mesmo determina quais meios e fins nos são possíveis.
Em sua obra intitulada “A Revolta de Atlas” Ayn Rand postula uma frase que é em
muito digna de reflexão:

- Olhe ao seu redor - disse ele. - Uma cidade é a forma


concretizada da coragem humana - a coragem dos homens
que pensaram pela primeira vez em cada parafuso, cada
rebite, cada gerador necessário para construí-la. A
coragem de dizer não 'a meu ver', mas 'o fato é o seguinte',
e apostar sua própria vida no seu julgamento. Você não
está sozinha. Esses homens existem.

De que adiantaria existir sem agir; se a ação é a força motriz de todas as mudanças na
sociedade e do mundo que nos rodeia? Não devemos nos abalar por conta das tiranias
impostas por esta entidade maléfica, o povo tem capacidade de ação enquanto a ação no
governo está restrita à capacidade de uma parcela de homens armados, mas impotentes
em sua casca humana, para resistir, existem diversos mecanismos de mercado que
envolvem desobediência que podem efetivamente e gradualmente diminuir mais ainda a
potência do estado e estes conceitos serão elucidados posteriormente.

Algumas das contradições mais ferrenhas do estado estão justamente atrelados à sua
forma de arrecadação e tomada de decisões. Vejam bem, a questão de como as coisas
serão financiadas leva a instâncias onde a mãe de uma vítima é obrigada a ajudar a
sustentar o sistema que mantém o seu algoz vivo.

Ao mesmo tempo, perdemos de vista a necessidade de sermos virtuosos em nossas


próprias vidas quando temos essa caridade forçada. Com a sensação de que alguém
resolverá o problema, sua responsabilidade moral sobre o fato é reduzida
consideravelmente, diminuindo a própria importância de cada indivíduo no processo.

Além disso, temos a própria perspectiva de que a ação violenta do estado em geral é
desconexa com a interação voluntária dos indivíduos, sendo assim, muitas vezes aquilo
que se faz cotidianamente nada tem a ver com a lei em si. Afinal, continuamos a ter
necessidades independente do estado ser incapaz de as suprir. Então como é esse
processo de resolução das nossas necessidades? Esse processo passará por instituições,
movimentos sociais e a política em si. Iremos expor como elas funcionam e então
demonstrar de que forma o estado as prejudica.

Instituições. É interessante refletir nesse conceito. Uma instituição é o resultado


material de um conjunto de vontades de mesma direção e sentido. Quando um indivíduo
decide manifestar uma preferência por compor uma família, o que está acontecendo é
que ali ele interage com o conceito criado abstratamente por todos aqueles que
manifestaram a mesma preferência. O significado de Família é a junção de todos esses
significados e a instituição família passa a estar fortemente atrelado ao que fizermos
dela.

O grande problema disso é que a própria instituição Família irá necessariamente compor
uma gama enorme de possibilidades de forma difusa, permitindo assim uma
maleabilidade social muito ampla. A forma de resolver isso em prol de um
entendimento coletivo bem organizado é a própria eficiência dessa instituição em seus
mais diversos formatos até que haja então a possibilidade de aferir uma unidade sólida.

O estado ao enxergar essas instituições, independentes em si mesmas, decide por


formalizar seus conceitos, prendendo-as às esferas que ele mesmo através de seus
agentes de poder prefira, trazendo assim um prejuízo incomensurável para a
concorrência interna desses institutos e deturpando os significados das mais diversas
instituições.

Mas as instituições não mudam apenas de dentro para fora. Os movimentos sociais são
responsáveis por modificar os estados de coisas que moldam as instituições, servindo
como mecanismos de enfrentamento sócio-cultural que culminam num processo de
reflexão dos agentes em torno das unidades estabelecidas. Em um cenário de livre
concorrência, os movimentos sociais são bem vindos porque possui enfrentamento
equânime com a unidade e essa relação é simbiótica.

Mas o estado também deturpou os movimentos sociais. Ao fortalecer os mesmos


artificialmente, eles criam um ambiente em que os movimentos agem de forma
predatória para com as instituições e sintetizam a influência de uma parcela das pessoas
beneficiada artificialmente em detrimento de outras. A solução para isso poderia ser
uma resistência política dos cidadãos restantes através de contra-movimentos que
adequam a unidade para onde estava originalmente, minimizando a influência desses
movimentos.

Mas o estado também se apropriou da política, ao tornar um fenômeno da vida em


sociedade como um elemento que acontece apenas dentro de seus limites, ele restringe a
própria concepção da política, sendo manifestamente a representação fidedigna das
maiores forças envolvidas com o próprio estado e não uma manifestação espontânea dos
próprios conflitos de vontade inerentes à própria organização social.

Segue-se então algo como isso:

Que é transformado nisso:


As relações que deveriam ser intersubjetivas passam a ser interinstitucionais. A ordem
deixa de ser espontânea e passa a ser carregada da intenção daqueles que estão no
poder. Até mesmo as revisões acerca da própria instituição estado passam pelo crivo do
estado, algo que pode ser lido assim:

Isso resulta num viés estatista que faz com que até mesmo as mais simples questões
sejam pensadas através do estado e não através dos próprios indivíduos. É essa a
mentalidade estatista, mentalidade essencialmente fascista, relembrando as palavras de
Mussolini: “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” (atribuída
ao ditador Benito Mussolini)

Com o passar do tempo, as outras instituições perdem identidade e isso se aplica à


família, ao mercado, ao casamento, à linguagem e outras. O leitor com certeza pode se
lembrar de um par de leis direcionadas a essas instituições. Esse é o ​modus operandi do
estado e aquele que tentar se opor a isso será tido como um tolo de pouca importância,
alguém que “não entendeu” e ainda pior, um traidor da sua pátria. O que nos leva a
pensar, até que ponto o pensamento patriótico não é em si mesmo um viés de
confirmação do estado?

Pense conosco, existe forma melhor de preservar algo do que através de um mito? As
mais diversas mitologias chegaram praticamente intactas ao longo de milhares de anos e
a razão para isso é o elemento transcendente que carregam e que se mistura ao
imaginário criando uma sensação de pertencimento a um mundo maior do que nós
mesmos. O estado cria uma narrativa onde somos todos parte de uma mesma identidade
nacional e que essa identidade nacional ajuda a nos definir. Não somos mais apenas
João, Maria, Daniel, Eduardo, somos brasileiros. E como tais, temos deveres para com
aquele que inventou esses mesmos símbolos. Curioso, não é mesmo?

Bem, vamos investigar isso. Será que a identidade nacional artificialmente criada é
válida? Bem, símbolos são importantes. Eles diminuem de fato o custo de informação e
transladam para o próximo o máximo de informações sobre nós. Nesse sentido pode
parecer que a identidade nacional é importantíssima porque nos traz informações sobre
a nossa própria formação e sobre o processo de socialização pelo qual passaremos. Mas
será que isso é verdade?

Identidade tem a ver com encontrar correspondência ou no próximo ou no símbolo para


com algo que há dentro de nós. Isso significa que a mera declaração formal de que algo
faz parte da identidade nacional não significa que faça, assim como dizer que a sua
identidade patriótica corresponde à identidade nacional é uma correspondência
apressada. Na verdade, a própria questão formal é incapaz de traçar uma linha material
eficiente e são os elementos materiais que podem tentar ser traduzidos pela forma.

Sendo assim, identidade só faz sentido numa visão de baixo para cima. O patriotismo
nacional é uma casca vazia de sentido e acima de tudo, um instrumento de dominação
das massas tal como são, sinceras. Bem, até aqui tratamos o estado como um ente
neutro e até mesmo concebemos um governo de pessoas bem intencionadas. Mas será
que isso é possível?

Poder. Se tivéssemos que traduzir tudo o que o estado é, diríamos que ele é a mais
sincera manifestação do poder na sociedade. Ele não apenas restringe o poder que é
legitimamente devido como o realoca para aqueles que deseja apoiar através da
liberdade dos outros. E o que isso nos diz sobre que tipo de pessoa são os governantes?
Os governantes, em geral, são aqueles que vêem o poder como instrumento para atingir
seus fins. Essa categoria de pessoa ao invés de escolher a liberdade, escolheu o controle.
É sobre alguém que deseja ver seu ideal estabelecido na realidade a todo e qualquer
custo. Seria contraditório que do poder pudesse vir a liberdade, eis que um é ausência de
coerção e o outro é coerção pura.

Então o que isso significa na prática? O que foi ganhado aqui? O que diferencia esses
argumentos ácidos contra o estado de qualquer outro argumento contra o “sistema”? Se
ele é muito maior do que nós, se ele é poder puro, se é por ele e somente ele que
podemos fazer qualquer alteração no sistema, porque qualquer uma dessas coisas
importaria? Isso tudo não é apenas uma utopia? Todas essas perguntas serão
respondidas nos próximos capítulos e acreditamos que passem pela forte perspectiva de
que não importa o quão nefastas as coisas pareçam estar, elas são resultado da ação
humana e será através da ação humana que ela voltará ao seu lugar, ou nas palavras de
Rothbard:

O caso a favor do otimismo libertário pode ser feito numa


série do que podem ser chamados de círculos concêntricos,
começando com as considerações mais abrangentes e um
prazo mais longo e avançando para as de um foco mais
específico em tendências de menor prazo. No sentido mais
amplo e de longo prazo, o libertarianismo acabará por
vencer porque ele e apenas ele é compatível com a
natureza do homem e do mundo. Apenas a liberdade pode
conquistar a prosperidade, a satisfação e a felicidade do
homem. Em suma, o libertarianismo será bem-sucedido
porque ele é verdadeiro, porque ele é a política correta
para a humanidade, e por que a verdade eventualmente
vencerá. 1

1
ROTHBARD, 2013c.
A LEI
O HOMEM É

O​. Em gramática é definido como um artigo definido. Essa simples letra é responsável
por nos indicar que estamos falando de algo individualmente referenciado e definido.

Homem​. Essa palavra assume a conotação de representar uma categoria, que através de
um exercício reflexivo será concebido como classe. Homem aqui assume um caráter
fortemente atrelado às características que usamos para saber que quando nos referimos a
João, Mariana e a Pedro, estamos falando de pessoas que fazem parte da mesma classe.

É​. Essa palavra expressa diretamente dois conceitos, a existência do Homem, algo que
se manifesta no tempo-espaço de forma continuamente presente e mais ainda, em seu
sentido atributivo nos dirá que é infinitamente definido ou ainda indefinido em si. Não
podemos estamentar esse ser porque ele não cabe em nossas mensurações mais simples,
passamos a reconhecer o caráter dinâmico e complexo do Homem. Essa busca é até
mesmo dicotômica, porque a definição do Homem por si só nos fará buscar
características básicas essenciais onde possamos nos apoiar para nos diferenciar.
Enquanto a afirmação do É nos dirá que todas essas afirmações são temporais e
limitadas.

Nossa saída? Se tivéssemos uma saída para as definições possíveis do ser, esse seria um
livro de fenomenologia, não apenas um livro de fenomenologia, mas O livro de
fenomenologia. O manual definitivo do homem. Ao invés disso, reconhecemos nossa
distância para com uma referência exata do ser. Trabalharemos com essa indefinição e
vamos para o mundo normativo com a próxima afirmação.
O HOMEM AGE SEGUNDO SUA LEI

Age​. Essa palavra que será abordada no capítulo Mercado nos diz que o homem é
homem agente, busca os melhores meios para alcançar os fins que almeja.

Segundo​. De acordo com, em conformidade para. Assume-se aqui que a ação assume
um caráter de subordinação a essa conformidade.

Sua​. Aquilo que lhe pertence. É interessante porque passa a ser um dos atributos do
próprio homem, dono dos seus desígnios e por isso mesmo livre. Autores como Sartre
diriam que somos até mesmo condenados a ser livres.

Lei. ​Lei é o parâmetro de correção da própria ação. É um estado de coisas almejado,


algo que vai até mesmo para além da valoração do bem e do mal, abarcando aquilo que
é justo e injusto, desejável e indesejável. A lei aqui é o que irá restringir a ação e é onde
se manifesta a individualidade do agente, pois, sem isso teríamos que todo agente nas
mesmas circunstâncias agiria da mesma forma, o que é uma inverdade, eis que
possuímos em nós mesmos uma descrição de personalidade que aceita determinados
estados de coisas e recusa outros.

Como podemos ver, a lei aqui possui um caráter extremamente subjetivo nessa primeira
etapa. Ela se dá a nível individual, ​bottom-top e possui forte relação com a própria
personalidade do agente. Essas características são as que definem a lei em sua essência
e ao esquecermos disso não estaremos falando da lei em si, mas de uma construção
puramente formal da mesma.

Esse capítulo é sobre a lei e sobre a forma como o estado deturpa a mesma. Mas para
entender isso, precisamos simplesmente desmoralizar a academia explicitando o óbvio:

O DIREITO É O ESTUDO DAS LEIS

As leis se dão a nível individual através de uma análise metafísica, ontológica e


principalmente valorativa da realidade e isso não tem e nem poderia ter relação direta
com o processo de codificação em si. A codificação é única e exclusivamente a
ferramenta de formalização da lei e confundir o estudo da codificação com o estudo das
leis, chamando ao primeiro de direito e ao segundo de sonho jusnaturalista é deveras um
sacrilégio jurídico de tal forma que a disciplina de Ética deveria ser obrigatória em
todos os centros de estudo do direito no Brasil, sob pena de não estarem fazendo mais
do que balbuciando valorações que determinados deputados e senadores fizeram em
relação a como deve ser o mundo.

A JUSTIÇA É O PROCESSO DE HERMENÊUTICA


DAS LEIS PARTICULARES EM PROL DE UMA
LEI UNIVERSALMENTE COGNOSCÍVEL

Existimos, valoramos e normatizamos. Fato, Valor e Norma. Essa afirmação de Reale2


sobre a realidade do direito teve muito menos valor do que merecia assim como uma
análise em muito mais superficial. Afirmar que o corpo da lei é dotado dessas
características sem entender que elas advém justamente da percepção dos agentes acerca
da realidade é olhar um processo acabado e acreditar que ele surge daquela forma. Mas
beira à insanidade acreditar que esse processo seja de alguma forma passível de ser
atribuído à existência do estado como ficção jurídica ou que tenha sua legitimidade
determinada pelo mesmo.

Tudo o que o estado é capaz de fazer é atribuir a um determinado conjunto de


indivíduos, indivíduos esses que agiram justamente em busca desse controle, o processo
hermenêutico de busca da justiça. Esse processo precisa ser universalmente
participativo para com aqueles que for alcançar e a razão para isso é simples, qualquer
coisa menor do que isso apenas fará menção a uma expectativa moral das leis e não para
a moralidade das leis em si. O processo de representação é então um processo de
expectativas e que como tal é incapaz de descrever mais do que uma possibilidade.

2
REALE (1994).
Sem um elo lógico causal correspondendo a um conteúdo jurídico, temos tão somente
estamentos que são políticos em si mesmos, descrevendo a forma como o próprio
agente vê o mundo e quer que nós vejamos esse mundo e acreditar que isso poderia
substituir de alguma forma um consenso universalmente reconhecível dos agentes é um
salto lógico tremendo.

DIREITO É CONSENSUAL E NÃO-CONSENSUAL

Qualquer afirmação normativa que tiver pretensões de ser válida deve ser capaz de
perceber que a própria normatividade estará em torno daquilo que é e que não é aceito
pelo indivíduo e que conquanto os elementos universais adquiridos pelos consensos
entre as leis particulares transcendam o próprio homem, qualquer tentativa de
privilegiar determinado conjunto de leis particulares em prol de outras nos assuntos
onde não for possível encontrar consenso será em si mesmo inválida.

A busca da justiça, o objetivo excelente do direito, é em último grau também a busca


pelo consenso e da valorização da ausência do consenso, essa mesmo sendo responsável
pela transcendência do indivíduo numa comunidade jurídica, como ente que analisa a
comunidade e participa de seu desenvolvimento, refinando-a em busca do consenso
ativo. Lido dessa forma, todo curso de direito que tratou o direito tão somente como
elemento representativo da força do estado baseado nas intervenções legislativas e
análises de princípios jurisdicionais, cometeu a maior fraude que já poderia ter sido
denunciada; não tendo ensinado direito algum, mas uma quimera juspositivista que
fortalecida por um falso consenso de intelectuais prepotentes é tão somente uma casca
vazia e rasa sem qualquer conexão com a realidade.

Isso, senhoras e senhores, é a causa do maior dilema do intelectual em ciência do


direito que se depara com a realidade da própria filosofia do direito. Se resolve se calar
sobre a fraude será apenas mais um instrumento do viés de confirmação, onde as suas
próprias teorias serão lidas exclusivamente através do arcabouço formal da codificação,
sem possuir os elementos materiais que o precede obrigatoriamente. Mas, se resolve ao
contrário disso falar, será tido como um louco tal como tomaram Sócrates, condenado
ao exílio político e à morte como reconhecido intelectual. Que isso cesse tão logo seja
possível e que o direito do século 21 seja também o direito da razão, eis que único
manifesto possível da humanidade tal como ela é e única fiadora das representações
culturais e políticas postas na realidade.

A LEI EVOLUI

Apenas alguém que não tenha percebido as amarras do estatismo é capaz de acreditar
que existe alguma vantagem em aferirmos uma lei tão antiga quanto pudermos em prol
de segurança jurídica. A razão para isso é simples; se são as expectativas dos agentes
que são responsáveis por entregar os elementos não consensuais e essas expectativas
mudam no tempo, como é que poderíamos ter normas não universais que não mudassem
no tempo e ainda assim estarmos entregando o requerido? Mais ainda, que não
mudassem de acordo com as mudanças geográficas ou ainda que mudassem baseado em
mudanças geográficas aleatórias como nossas linhas imaginárias que chamamos de
fronteiras?

É através de uma cultura jurídica dinâmica que converse com a comunidade jurídica que
podemos falar apropriadamente em uma lei que corresponda aos nossos anseios
contemporâneos. A única instituição capaz de nos dar a dinamicidade necessária é
justamente a do mercado, justamente porque é o mercado que demanda a segurança
jurídica e qualquer segurança jurídica que advenha de um processo não mercadológico
correrá o risco de ser excedente ou ausente.

O HOMEM JUSTO BUSCA A LEI JUSTA

Um argumento muito utilizado por estatistas contra o libertarianismo consiste em


afirmar que haja uma suposta impossibilidade de aferirmos justiça real, então
deveríamos ficar com um modelo imperfeito mas que se mostrou ao menos sustentável.
Nosso ponto não é que determinado sistema será naturalmente perfeito ou que haja
alguma característica inerente ao mercado que garanta a moralidade perfeita e
circunscrita da lei. Nosso ponto é que a busca pela justiça é essencialmente aquilo que
diferencia bons sistemas e maus sistemas jurídicos e se o sistema estatal se conforma
com suas injustiças, não conseguirá competir com um sistema de leis privadas quanto
mais numerosos forem esses.

Mais ainda, dentro das possibilidades do ser, algumas são dicotômicas, ser justo é não
ser injusto e isso é tudo aquilo que podemos falar sobre a justiça, pois sem essa
perspectiva toda visão que tivermos será a mensuração de uma justiça pessoal que nada
diz sobre a coletividade, um erro tão grave quanto o de ignorar a individualidade. A
justiça assim é muito mais do que entregar a cada um o que é seu, é enxergar os sujeitos
como seres de direito e entender como as interações entre eles criam as leis e as
modificam em busca de um mundo idealmente estabelecido e através daí perceber a lei
no universo de possibilidades normativas que então se abre como já dizia o ditado
jurídico:

Diga-me os fatos e lhe direi o direito.


A ECONOMIA

SOCIALISMO

Socialismo foi um modelo de sistema socioeconômico desenvolvido pelo alemão Karl


Marx, no qual, no socialismo, o objetivo seria, teoricamente, acabar com a eterna luta de
classes que promovia a desigualdade, sendo o culpado disso o capitalismo.

Diferentemente do capitalismo onde aquele que detém os meios de produção contrata o


proletário para trabalhar para ele em sua fábrica em troca do lucro, no socialismo há a
completa estatização dos meios de produção, ou seja, tudo aquilo que tem a capacidade
de produzir bens de consumo para serem vendidos no mercado. Inclusive, os bens de
consumo também são de propriedade do governo vigente até o momento em que eles
são distribuídos.

De acordo com Ludwig Von Mises, principal economista de vertente austríaca, o maior
problema do socialismo é o fato de que, por conta do planejamento central, é impossível
de obter-se um meio para se calcular os custos de operação, a estimativa de
lucro-prejuízo, isto é, de forma resumida, o ​cálculo econômico​.

E, o cálculo econômico, para Mises, é a única forma de se obter o êxito no âmbito


econômico na sociedade, pois, a partir dele, os empresários podem saber onde e como
investir o seu capital para tal empreendimento e, além disso, podem saber também se o
setor onde investem há lucro ou não, sabendo assim, se devem ou não progredir.

No socialismo não há isso, pois, o governo ao reprimir as liberdades individuais, faz


com que os empresários percam a capacidade inata criativa que, sem ela, o cálculo
econômico não é possível.

Mas, além do cálculo econômico, o socialismo, no momento que tenta abolir a


propriedade privada, elimina a liberdade dos indivíduos da sociedade. E, sem liberdade,
por exemplo, ​o destino de Van Gogh poderia ter sido diverso. Algum funcionário do
governo teria perguntado a alguns pintores famosos (a quem Van Gogh seguramente
nem sequer teria considerado artistas) se aquele jovem, um tanto louco, ou
completamente louco, era de fato um pintor que valesse a pena subsidiar.3

CAPITALISMO

Em 1948, Marx e Friedrich Engels, no livro mundialmente famoso ​O manifesto


Comunista,​ definiram o termo capitalismo, que seria o sistema econômico onde o
burguês, capitalista, detém o capital, ou seja, os meios de produção.

E, nesse sistema, há de ter aqueles que provêm o capital para produção e aqueles que
trabalham, os proletários, segundo Marx. Mas, essa visão, além de ter sido combatida
pelos economistas austríacos do período, como Bawerk, é um tanto quanto simplista e
acaba por esconder as benesses de tal sistema.

No capitalismo, o empresário, diferentemente de um Rei, ele serve produtos para os


seus clientes no objetivo de lucrar. Um rei, pode simplesmente negligenciar as vontades
de seus súditos e continuar no poder após isso, mas quando o empresário faz o mesmo,
ele perde clientes e, consequentemente, sofre prejuízo.

Segundo Mises, os capitalistas e empreendedores são essenciais a questões econômicas.


O leme lhes está nas mãos e são eles que guiam o navio. Guiam-no, sim, mas não têm a
liberdade de criar a rota. Não têm o poder absoluto; são apenas timoneiros, obrigados a
obedecer incondicionalmente às ordens do capitão. O capitão é o consumidor.4

Nos países onde há liberdade para que os empresários empreendem de forma racional
através do cálculo econômico, há progresso social econômico. Na Inglaterra do século
XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo
padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão
de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o
padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem

3
MISES, 2009.
4
MISES, 2015.
os ingleses dissipado boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não
foram mais que “aventuras” políticas e militares evitáveis.5

Portanto, pode-se afirmar que o capitalismo, ao promover a liberdade e propriedade


privada dos indivíduos na sociedade, faz com que todos busquem os seus objetivos de
forma harmoniosa.

INTERVENCIONISMO

Diferentemente de um estado totalitário, como num sistema socialista ou num sistema


de livre-mercado ou melhor dizendo, capitalismo, no intervencionismo pode-se dizer
que seria o mix de ambos os sistemas, pois, há empresários agindo de acordo com os
cálculos econômicos que fazem com o intuito de lucrar e, assim como, há também o
governo interferindo em algum setor do mercado.

Um dos problemas do intervencionismo é o fato de que o governo ao investir em setores


ou ao fazer obras públicas, faz com que o dinheiro que seria investido numa indústria
seja investido noutra onde esse dinheiro não seria empregado. Isso faz com que,
necessariamente, setores e indústrias que lucram, quando não lucrariam, na medida que
setores e indústrias têm prejuízo.

Ou seja, assim como bem afirmou Bastiat, a intervenção sempre tem dois efeitos,
aqueles ​que se veem e os que não se veem​; o governo investindo num setor e fazendo
com que ele prospere é o ​que se vê,​ mas a população tendo que arcar com tudo através
de impostos e perdendo a oportunidade de investir em outros setores é o ​que não se vê.​ 6

Além disso, diferentemente de uma empresa capitalista, que, pode cometer erros
empresariais e com isso, perdem dinheiro. Numa empresa estatizada pelo governo, os
“prejuízos” são pagos pelos cidadãos na sociedade.

5
MISES, 2009.
6
BASTIAT, 2010.
Assim como, o governo, ao cobrar impostos, está intervindo diretamente nos negócios,
pode, também, intervir diretamente através de decretos e regulações. E essas
intervenções diretas prejudicam muito o progresso de uma empresa ou setor, pois, ao
invés de investir o seu capital em bens de produção ou contratando mais funcionários
fazem com que eles têm que desviar de tal regulamento.

Os empresários marginais são o que mais sofrem com o intervencionismo, pois, tendo
pouco capital acumulado não há como pagar tais decretos governamentais, por isso, em
muitos países, como o Brasil, é muito mais vantajoso não abrir empresa alguma, devido
a enorme intervenção.

EM DEFESA DO LAISSEZ-FAIRE

O ​Laissez-Faire ou apenas capitalismo, como já supracitado anteriormente, é o único


modelo no qual o indivíduo tem a liberdade de, com a sua propriedade privada, através
do cálculo econômico avaliar as melhores alternativas de satisfazer os seus clientes e
assim, consequentemente, ganha-se o benefício de tal empreendimento, o lucro.

O capitalismo, de acordo com Mises, enfatiza a liberdade econômica e política, e


consequentemente coloca o consumidor, no âmbito do livre mercado, num status de
soberano. Tendo tais premissas, o capitalismo é o modelo de organização social que
privilegia o aperfeiçoamento econômico: “Existe apenas uma maneira exequível de
melhorar as condições materiais da humanidade: acelerar o crescimento do capital
acumulado em oposição ao crescimento da população”.7

Em prol do progresso social econômico, tal modelo deve ser posto em prática o quanto
antes, pois, enquanto não há a liberdade total, há a imposição em todos. Assim sendo, a
defesa do capitalismo e do livre-mercado, é uma defesa quanto a modelo econômico,
mas também pode ser feito uma defesa moral.

De acordo com Joel F. Wade:

7
MISES, 2010b.
O capitalismo faz com que seja supremamente
recompensador e lucrativo fazermos algo completamente
diferente. Afinal, também temos dentro de nós a
capacidade de pensar, de planejar, de antever as potenciais
consequências de nossas ações, de aprender com nossos
erros e com as respostas de terceiros.

Quanto mais utilizamos essa capacidade, mais


desenvolvemos uma apreciação pela grande felicidade e
satisfação pessoal que pode advir do fato de sermos muito
atentos ao que fazemos; e aprendemos, com uma
profundidade continuamente maior, como aquilo que nós
fazemos afeta a nós mesmos e aos outros.

O capitalismo cria as circunstâncias externas que faz com


que utilizar essa capacidade seja um benefício. São essas
qualidades empáticas, recíprocas, de longo prazo e
voltadas para o nosso exterior que tornam possível uma
grande diversidade de virtudes — gratidão, coragem,
empatia, produtividade, criatividade, perdão, bondade,
integridade, compaixão e perseverança, para citar apenas
algumas.8

POR QUE É IMPOSSÍVEL DIFERENCIAR


LIBERDADE ECONÔMICA E LIBERDADE
SOCIAL

Uma postura que muitos governos defendem quando a economia não está indo bem é a
liberalização da economia mas sem alterar as políticas intervencionistas no campo das
escolhas individuais.

Entretanto, na prática, isso é impossível, uma vez que as escolhas individuais também
são ações econômicas, tendo-se uma preferência de um recurso escasso por outro.

8
WADE, 2013.
Assim, mesmo decisões que aparentemente não afetam em nada a economia, como
bolsas de estudos e leis de quotas ou a proibição do casamento de pessoas do mesmo
sexo, distorcem os sinais dados aos empresários através do sistema de preços. Isso
porque essas regras levam a pessoa a tomar decisões diferentes daquelas que tomariam
em um livre mercado, fazendo com que suas preferências não fiquem claras aos
participantes do mercado e, portanto, diminuindo a capacidade das pessoas de atingirem
seus objetivos.

Hayek, um dos mais famosos autores da Escola Austríaca de Economia, demonstrou


como acontece esse processo de distribuição do conhecimento de forma brilhante,
provando que as intervenções governamentais impedem o fluxo de informação entre as
pessoas no mercado. Assim, também acaba fazendo com que a melhor solução para
aqueles participantes seja deixado de lado em favor de atender as soluções de terceiros
que, não fossem as intervenções, não participariam dessa troca. E é fácil perceber que
esses terceiros beneficiados em detrimento dos outros em quase todos os casos são os
governantes que criaram a legislação e os seus apoiadores.9

9
HAYEK, 1985.
PARTE II: DA SOLUÇÃO
O MERCADO

AÇÃO

A ação é uma característica presente em todos os indivíduos. Podemos definir ação


como toda conduta deliberada. Os indivíduos agem, segundo Mises, no intuito de obter
um fim que, na sua visão subjetiva, seja mais harmonioso e confortável. Se o humano se
sente satisfeito com o seu estado atual, ele não age.

Ao agir, todo homem pretende alcançar determinados fins, que descobriu que são
importantes para si. ​Meio é​ tudo aquilo que o agente (indivíduo) acredita ser
subjetivamente adequado para conseguir o fim. ​Utilidade é​ a apreciação subjetiva que o
agente faz ao meio, em função do valor do fim que ele pensa que o meio lhe permitirá
alcançar. Neste sentido, valor e utilidade são correlatos, uma vez que o agente projeta o
valor subjetivo que dá ao fim para o meio que acredita ser útil para alcançá-lo,
precisamente através do conceito de utilidade.

Os fins e os meios nunca estão dados; pelo contrário, são o resultado da ​atividade
empresarial essencial que consiste precisamente em criar, descobrir ou, simplesmente,
compreender quais são os fins e meios relevantes para o agente em cada circunstância
na sua vida. E, a partir da concepção da ação, podemos, então, entender o conceito de
tempo, o qual é essencial para a prospecção de toda ação.10

TEMPO

Toda ação necessita do tempo para ser concebida. Mas, o sentido de ​“tempo”
comumente utilizado é o ​“Newtoniano”, determinista,​ ou seja, a ideia de que o tempo é
uma linha homogênea na qual ​o indivíduo apenas pode projetar novas ações a partir do
que ele passou naquela determinada linha do tempo. Mas na sua concepção subjetiva,
aquele que é adotado pela Escola Austríaca, ou seja, tal como o tempo é subjetivamente

10
SOTO, 2013.
sentido e experimentado pelo agente dentro do contexto de cada ação. De acordo com
esta concepção subjetiva do tempo, o agente sente e experimenta o seu transcorrer à
medida em que age, ou seja, à medida em que cria, descobre, ou simplesmente se dando
conta dos novos fins e meios, de acordo com a essência da já explicada função
empresarial. A ação enquanto é causada e efetuada pelos indivíduos faz com que haja
uma sequência temporal, a qual sem a mesma não haveria o sentido de passado,
presente e a ideia de futuro.

CONHECIMENTO

Há dois tipos de conhecimento, segundo Hayek, o técnico-científico, ou seja, o do tipo


articulável, presente em materiais como: jornais, artigos e livros. E o que não é
articulável e encontra-se disperso nas mentes dos indivíduos, para Hayek esse é o
conhecimento mais relevante para a ciência econômica e, portanto, para a coordenação
da sociedade.

O conhecimento relevante para as ciências econômicas possui algumas características


que se distinguem do conhecimento técnico-científico, são elas:

i) subjetivo do tipo prático, no sentido de que cada agente interpreta frações da


informação, através da ação, de maneira pessoal e, portanto, subjetiva;

ii) conhecimento exclusivo, no sentido que ele se encontra fragmentado em pequenas


porções de toda a informação gerada transmitida a nível social e apenas ele o possui,
conhece e o interpreta, de maneira privada;

iii) encontra-se disperso nas mentes dos indivíduos, no sentido de que ele não é “dado”,
mas sim, disseminado por uma parcela dos indivíduos integrantes da sociedade;

iv) conhecimento do tipo tácito não articulável, no sentido de que, diferentemente do


conhecimento técnico-científico, é dificílimo de ser explicado e articulado devido a seu
alto teor de subjetividade, abstração e especificidade.
v) conhecimento gerado ​ex nihilo​, a partir do nada, no sentido de que é formado
mediante o exercício da função empresarial;

vi) conhecimento transmissível, no sentido de que ele é transportado através dos


processos sociais.11

TROCAS

Toda ação visa trocar uma situação presente de insatisfação, por uma situação mais
satisfatória no futuro. O valor de fim esperado alcançado na ação, menos o custo da
ação é o lucro da ação.

Quando a ação humana não envolve outros agentes, mas somente um agente e os meios
e fins da ação, podemos denominar de troca autística. Um exemplo é um caçador que
mata um animal para seu próprio consumo: ele está trocando parte do seu tempo de
prazer por um alimento.

Existem situações em que um agente A precisa de um meio R para executar a ação


planejada, que não está a sua disposição, mas outro agente B, tem este meio R em
grande quantidade, mas os fins buscados pelo agente B são diferentes dos planos de A.
Essa situação é chamada de descoordenação.

Os agentes A e B podem fazer uma troca interpessoal. Onde um agente transfere um


meio que considera menos útil, e pega da outra parte um meio que considera mais útil
para seu plano de ação. A ação de troca interpessoal somente acontece se as duas partes
da ação considerar que o meio que vão receber é mais útil do que o meio que vão
entregar. Caso o meio que fosse entregue ser considerado mais útil, do que o recebido
pelo agente, a ação de troca interpessoal não se realizará.

Assim o agente A pode oferecer a B um meio que seja considerado útil por B, em troca
B entrega à A o meio R de que tanto precisa para usar na sua ação planejada.

11
HAYEK, 1945.
Os dois agentes terão atingido condições mais satisfatórias, o agente A terá adquirido o
meio que precisava para executar seu plano de ação, e atingir o fim que está buscando.
E o agente B adquiriu um outro meio que poderá ser útil para seu plano de ação, e
atingir o fim que está buscando, que é diferente do fim que A busca.

Assim a troca interpessoal resulta na coordenação entre os agentes, que atingem fins
mais satisfatórios excludentes por meio de uma ação que envolve a cooperação entre os
dois agentes. Que disponibilizam meios para os outros agentes executar seus planos de
ação, ao mesmo tempo que recebe de volta deles outros meios que são úteis para seus
próprios planos de ação.12

MOEDA

Moeda é usado como meio de troca entre indivíduos, ou seja, serve como ponte para
empreendimentos onde – antes do surgimento – era dificultado por falta de um
denominador comum. Antes da moeda, as trocas eram feitas de forma arbitrária e, por
isso era impossível se criar uma complexa “estrutura de produção” formada por fatores
de produção como bens de capital, mão-de-obra e terra. Todos estes fatores são
combinados de modo a aprimorar o processo produtivo em cada estágio da cadeia de
produção. E todos estes fatores são pagos em dinheiro.

É mais barato usar moeda do que não usar moeda, ficar no escambo, e ter que descobrir
qual meio em específico o agente B acredita ser útil.

Nesta circunstância o agente A, pode ser que não tenha o meio que B queira, terá que
encontrar outro agente C que tenha o meio que o agente B quer, e adquirir por meio de
troca interpessoal com o agente C o meio que B quer. Mas também pode acontecer que
o agente A não tenha o meio que C quer, e então terá que encontrar um agente D, que
tenha o meio que C quer.

A criação do dinheiro traz outro grande benefício. Uma vez que todas as trocas são
feitas em dinheiro, todas as ‘taxas de câmbio’ ou ‘razões de troca’ são expressas em

12
MISES, 2010.
valores monetários, de modo que as pessoas agora podem comparar o valor de mercado
de cada bem em relação aos demais. Se um aparelho de televisão é trocável por três
onças de ouro, e um automóvel é trocável por 60 onças de ouro, então nota-se que um
automóvel “vale”, no mercado, vinte aparelhos de televisão. Tais ‘taxas de câmbio’ ou
‘razões de troca’ são os preços, e o dinheiro-mercadoria serve como um denominador
comum para todos os preços. É o estabelecimento de preços monetários no mercado o
que permite o desenvolvimento de uma economia civilizada, pois somente os preços
permitem ao empreendedor fazer o ​cálculo econômico.​ 13

PROCESSOS DE MERCADO

São os milhões de agentes exercendo ações de troca interpessoal. E a partir dessas


trocas interpessoais, geram os preços e os preços demonstram a preferência subjetiva
dos agentes que compõe a sociedade. Além disso, transmitem o conhecimento aos
agentes de que outros agentes executaram ações de troca interpessoal no passado, e que
tais trocas ocorreram por um preço X. E baseado no preço presente os agentes fazem
ações visando no futuro obter algum lucro.

Quanto mais os compradores estiverem dispostos a comprar o serviço ou produto X,


menos disponibilidade ou mais escassez de X terá, e por consequência o preço
aumentará. E quanto menos dispostos estiverem os compradores a comprar X serviço ou
produto, mais disponibilidade ou menos escassez de X haverá, e por consequência o
preço diminuirá.

Tendo o preço de X serviço ou produto aumentando, a margem de lucro dos vendedores


de X aumenta, isso cria incentivos e transmite conhecimento tácito ao vendedor para ser
criado novas empresas e fábricas que produzam esse X serviço ou produto, sendo
colocado à disposição dos compradores mais do produto ou serviço X. Estarão sendo
desprendidos investimentos na produção de serviços e produtos menos lucrativos, onde
os compradores estão menos dispostos a comprar, e alocados na produção de X serviço

13
ROTHBARD, 2013b.
ou produto, para atender essa maior procura dos compradores, sendo o incentivo o
incremento no lucro.

Tendo o preço de X serviço ou produto diminuído, a margem de lucro dos vendedores


de X diminui, podendo até entrar em prejuízo, haverá incentivos e transmitirá ao
vendedor o conhecimento tácito para alocar os investimentos da produção de X, em que
os compradores estão menos dispostos a comprar, para a produção de outros serviços e
produtos que estejam mais lucrativos. Ou seja, que esteja sendo mais procurado pelos
compradores, de maneira que a disponibilidade de X diminui, enquanto a de outros
produtos e serviços mais procurados pelos compradores aumenta.

Por meio das escolhas compradoras, um vendedor obtém prejuízo ou maior lucro pela
venda de seus serviços e produtos, e o processo empresarial de lucro e prejuízo, guia os
vendedores a melhor alocar os recursos escassos de maneira a produzir e vender os
serviços e produtos que melhor atenda as demandas compradoras.

Se um vendedor não conseguir deixar os compradores em condições mais satisfatórias,


ou seja, não conseguir atender as demandas compradoras, com os produtos e serviços
que vende, menos compradores estarão dispostos a comprar serviços e produtos deste
vendedor, e por consequência o vendedor perderá clientes.

As empresas concorrentes que tiverem entregando serviços e produtos que deixe os


clientes em condições mais satisfatórias ganharão clientes. Os clientes preferem
serviços e produtos que os deixem em condições mais satisfatórias. Sendo que são eles
que subjetivamente determinam se X ou Y serviço e produto os deixam em condição
mais satisfatória.

Perdendo clientes o vendedor por consequência terá menos lucro, e até poderá entrar em
prejuízo, o que por consequência poderá levar ele a falência, ganhando mais clientes o
vendedor terá mais lucro, receberá mais unidades monetárias das trocas interpessoais
feitas com os compradores, e por consequência enriquecerá mais do que o vendedor que
não conseguir satisfazer as demandas compradoras.
No mercado os recursos são direcionados pelos compradores para os vendedores que
melhor satisfazem suas vontades, desejos e demandas. Os vendedores eficientes
enriquecem e os ineficientes empobrecem. Assim o processo empresarial de prejuízo e
lucro tem uma função muito importante, de coordenação da sociedade, em que
possibilita os recursos escassos ser mais bem alocados para satisfazer as demandas
compradoras.

JUROS

Os juros, para Böhm-Bawerk, não podem ser explicados pela produtividade física do
capital. Imagine que um casal de patos gere seis patinhos daqui a vinte e oito dias (que é
o tempo médio de incubação da espécie) e que cada pato - filhote ou adulto - custe R$
50,00. Então, os seis patinhos excedentes não explicam os juros, pois, em caso
contrário, seria interessante para qualquer um comprar hoje o casal de patos por
qualquer preço menor do que R$ 400,00 para vendê-lo daqui a vinte e oito dias -
quando, então, já seria de oito o total de animais - pelos R$ 400,00. Porém, acontece
que as forças de mercado (entre elas a competição e as expectativas) fariam com que o
preço presente dos oito patos subisse para os R$ 400,00.

Três motivos levaram o economista austríaco a explicar os juros pelas preferências


intertemporais: primeiro, as necessidades presentes são mais urgentes do que as futuras;
segundo, os agentes econômicos preferem o presente porque o futuro, além de incerto e
desconhecido, é subjetivamente imaginado com imperfeição; e terceiro, os bens
presentes podem valer mais, já que podem ser investidos agora em processos produtivos
mais longos, que resultam em maior produtividade. Este último motivo - a maior
produtividade dos processos produtivos de longo prazo - é fundamental na teoria
bawerkiana do capital.14

Quanto maior a preferência temporal menos disposta estará a pessoa de fazer ações que
demoram mais tempo, e quanto menor a preferência temporal mais disposta estará a

14
IORIO, 2010.
pessoas de renunciar ao fim das ações mais curtas e executar ações que demoram mais
tempo.

Quanto maior a preferência temporal das pessoas na sociedade, menos pouparam, por
consequência a oferta de poupança será menor, em contrapartida o consumo presente
maior, o que causará um aumento da demanda compradora por poupança, ao mesmo
tempo uma oferta vendedora menor de poupança, o que causará um aumento dos juros.

Tendo a preferência temporal da maioria das pessoas diminuído por consequência terá
um consumo presente menor, tendo então por consequência uma demanda compradora
por poupança menor, e um aumento da poupança, resultando em juros mais baixos.
A ÉTICA LIBERTÁRIA
Esse talvez seja o capítulo mais difícil desse livro para nós. O motivo disso é a
importância da compreensão do que será exposto aqui. E para isso, nós iremos percorrer
um longo caminho na história da filosofia.

POR QUE ÉTICA? COMENTÁRIOS ACERCA DA


FILOSOFIA PLATÔNICA

Platão. Vivemos. Entre o morrer e o nascer, vivemos. Fundamentalmente é essa a


história do homem. Ainda assim há coisas que são melhores do que outras, vidas que
valem mais a pena ser vividas, caminhos melhores a serem tomados. A escolha desses
caminhos é, geralmente, realizada a nível individual. Assim, a vida que vale a pena ser
vivida é em si a vida que você escolhe viver dentre as opções que se manifestam a sua
frente. Mas, nem todo caminho que se pode seguir é um caminho que se deve seguir. A
razão para isso é clara, o processo de valoração das ações é em última escala justamente
o processo de corte de determinados caminhos em detrimento de outros superiores.
Sendo assim, concebemos um parâmetro de correção individual baseado
intrinsecamente nos fins que decidimos tomar para nós.

A percepção de que existe algo em comum em todos os agentes, qual seja a própria
racionalidade, nos dá a perspectiva de que haveriam fins universalmente valorados
através da própria razão. O alcance desses fins então seria um alcance universalmente
valorado e dos quais os agentes não poderiam se furtar de conhecerem. A esse estado
universalmente valorado damos o status de Dever.

A filosofia corresponderia a um método para se atingir o


ideal em todas as áreas pela superação do senso comum,
estabelecendo o que deve ser aceito por todos,
independente de origem, classe ou função. É isso que
significa a universalidade da razão.15

Platão iria mais longe ainda e diria enfim que esse status de dever, de busca de um bem
universalmente valorado seria também a busca por uma medida em cada ação, sendo
assim, haveria em todo o agir uma justa medida, uma forma correta de agir em
detrimento de outras tantas erradas e que o buscar disso seria o buscar da ordem em si.

Desta forma se introduz uma das noções mais


fundamentais da ética: a do dever. Os seres humanos são
livres. Em princípio, podem agir como bem entenderem,
dando vazão a seus instintos, impulsos e desejos; porém, o
dever restringe essa liberdade, fazendo com que seja
limitada por normas que têm por base os valores éticos.16

COMO SE DÁ A ÉTICA? COMENTÁRIOS


ACERCA DE ARISTÓTELES

A percepção de que haveria uma medida justa para tudo, fará Aristóteles então
questionar-se das implicações disso e ainda mais, a pensar na questão acerca da
identidade. Se há uma medida justa para tudo, é porque há uma singularidade em cada
coisa que dirá e definirá qual é essa medida a ser alcançada, através da indicação dos
fins. Assim, o ser é percebido por si mesmo e a sua comparação será apenas o encontrar
dos elementos da singularidade semelhantes e diferentes entre os seres mas que nada
dirá acerca do ser em si.

Ele ousará ir até mais além e dirá que aquilo que irá nos igualar será justamente o
alcance desse fim bom em si mesmo, chamando a isso de eudaimonia. Sendo assim,
todos temos uma possibilidade para o alcance das nossas próprias medidas e é nessa
possibilidade que a ética faz morada. Essa determinação individual seria de tal
magnitude que infinitamente valiosa auxiliaria o encontrar de uma ordem
universalmente valorada e para o qual valeria a pena viver, vida boa. Com isso, temos

15
MARCONDES, 2010.
16
MARCONDES, 2007.
que o agir ético é o agir que nos conecta à sociedade como instrumentos de nós mesmos
e que indo mais longe ainda é o que é capaz de nos situar como indivíduos completos
para com nós mesmos.

[...] mas o bem supremo é evidentemente final. Portanto, se


há somente um bem final, este será o que estamos
procurando, e se há mais de um, o mais final dos bens será
o que estamos procurando.17

SOBRE JOHN LOCKE E CONSIDERAÇÕES


SOBRE INDIVIDUALISMO

A descoberta de que ao percebermos uma natureza semelhante para os seres humanos


percebemos também uma base de ações legítimas comum e que dessa base se extraiu o
permitido e o proibido de tal forma que possamos falar de obrigações mutuamente
estabelecidas e que dessas obrigações resulte uma relação de reciprocidade que é
conhecida de todos os membros dessa sociedade através das nossas alterações no
mundo, principalmente através do trabalho, será aquilo que definirá a ética lockeana.

Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam


em comum a todos os homens, cada um guarda a
propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém
tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o
trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos
são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do
estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso
o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence,
por isso o tornando sua propriedade.18

Somos donos de nós mesmos, donos daquilo que pudermos misturar nosso trabalho
através do primeiro uso e principalmente, os próprios juízos do que é justo e injusto.
Longe do papel teleológico de um arcabouço político, são os indivíduos através de uma

17
MARCONDES, 2007.
18
​LOCKE, 2008.
teia de sentido que são responsáveis por mensurar a possibilidade de direito e de almejar
e buscar uma ordem justa. Nessa ética, não há quem se estabeleça por cima do outro,
são todos igualmente valorosos como agentes éticos, eis que partilham da mesma
natureza. A ética aqui é uma ética com fortes valorização do indivíduo que é o juiz e
garantidor de uma ordem que é estabelecida através da observância das consequências
das ações, mais do que buscarmos nossos fins, agora buscamos não impedir que a
própria ordem se estabeleça pela ação justa do próximo.

KANT E O IMPERATIVO CATEGÓRICO

Kant, de certo, um homem intrigante. O homem que reformulou a metafísica, pondo ela
sob bases diversas. Seu projeto ético está em torno de uma parte da razão que seja
inteiramente voltada ao que há desde antes da experiência em si, uma razão apriorística.
Kant chamará essa parte da razão de razão pura. Kant possui a concepção da razão
prática também que lidará com as questões morais da realidade. Kant dirá que a razão
prática pura será aquela que poderá lidar com os elementos éticos de forma que
qualquer sujeito poderá chegar naquelas mesmas conclusões por si mesmo. Então, ele
nos propõe um exercício, maximizamos as nossas ações e então vemos se essa ação vem
de fato da razão prática pura. A esse exercício, Kant chamou de imperativo categórico.

Mas aqui não se deve, como a filosofia especulativa o


permite e por vezes mesmo o acha necessário, tornar os
princípios dependentes da natureza particular da razão
humana; mas, porque as leis morais devem valer para todo
o ser racional em geral, é do conceito universal de um ser
racional em geral que se devem deduzir.19

O que tornou-se o diferencial, o grande ​insight de Kant então é tentar excluir aquilo que
diferencia a qualquer dois sujeitos para lidar apenas com os aspectos onde encontramos
semelhanças, dessa forma chegando a conclusões universais. Conclusões interessantes e
que afastariam totalmente um empirista (que acredita que as conclusões acerca da
verdade natural/moral será baseada na experiência) como Locke e que se baseiam

19
KANT, 2007.
fortemente nos apontamentos de David Hume e Francis Bacon (ironicamente um
empirista).

Uma vez que a universalidade da lei, segundo a qual certos


efeitos se produzem, constitui aquilo a que se chama
propriamente natureza no sentido mais lato da palavra
(quanto à forma), quer dizer a realidade das coisas,
enquanto é determinada por leis universais, o imperativo
universal do dever poderia também exprimir-se assim: Age
como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza.20

QUEM É O SER? RESPOSTA DE HEIDEGGER

Apesar da descoberta interessante como a de Kant, havia homens que estavam prontos a
criticar certas afirmações estabelecidas como a de que não seria possível conhecer o ser
em si. E um desses homens, talvez o mais significativo foi justamente Martin
Heidegger. O que Heidegger quer afirmar essencialmente falando é qual a verdade do
ser, seu sentido. E a sua percepção passará pela separação necessária entre ente e o ser.

O inicio da verdade do Ser é a própria constatação da existência. Como assim?


Heidegger irá pontuar que o ente é a parte de nós que interpreta e vive no mundo. Sendo
assim, investiga o mundo e é influenciado por ele, sem necessariamente refletir acerca
do próprio ser. Em algum momento, carecendo de referenciais, nós somos jogados para
um mundo de angústia e é nesse mundo, anterior às constatações empíricas do mundo
que nós conseguimos conceber o ser.

A partir desse momento, em que percebemos que existimos no mundo, em um lugar aí


desse tal mundo, percebemos que analisar o ser só é possível como ser-em-um-mundo
porque esse local de existência e esse contexto é indissociável da análise do ser. Sendo
assim, concebemos o nosso ser e podemos questionar esse ser acerca de suas
características e cogitar o que é realmente individual e o que só existiu com o contato da
coletividade através dos nossos próprios atos, como característica do ente. Essas

20
idem.
ponderações acerca de como diferenciar um elemento que exista por si só e o que é
através da coletividade serão extremamente úteis para a nossa exposição.

SIGNOS, SIGNIFICADOS, SEMIÓTICA E


VERDADE COM PEIRCE

É interessante pensar em Peirce porque ele foi um homem curioso. Sua vida no mínimo
excêntrica o diferencia de muitos dos outros filósofos na mesma medida que a
complexidade de seu trabalho. Peirce diria que vemos o mundo através de signos. Esses
signos representam uma primeira instância da interação do mundo, na medida em que
são representações das coisas. Uma espécie de imagem mental que faz correlação com o
objeto na medida que através da razão encontramos significado para essa imagem.

Peirce, ao modo kantiano, esteve desde o início convencido


que o conhecimento não é intuitivo e imediato e que é apenas
através de signos ou símbolos ou esquemas de pensamento
(crenças e hábitos) que todo o conhecimento do mundo se dá.21

Peirce diria que essa compreensão da realidade passará por 3 possibilidades, a


possibilidade sintática, de relação com outros signos, a possibilidade semântica, de
construção de sentido e a possibilidade contextual que diz respeito ao arcabouço de
experiência do agente que ele utiliza para compreender aquele signo. Nesse sentido, isso
leva-nos a perceber que a verdade mudaria de acordo com o agente que a está
enunciando.

O anticartesianismo de Peirce sugere que quando falamos de


mundo e de conhecimento, estamos tratando, na verdade, de
interpretação, de significação e crença. Mesmo a percepção
imediata ou consciência imediata é ela mesma uma inferência
ou hipótese [...]; tais inferências ou hipóteses só podem ser
checadas por outras inferências ou hipóteses ad infinitum e

21
DAZZANI, 2008.
nada existe independentemente de ser interpretado por uma
mente humana.22

A saída de Pierce para o problema foi perceber 4 coisas que são extremamente
importantes para a construção do conhecimento. São elas:

“Não há nenhuma distinção conceitual que não consista de nada que seja uma
diferença prática.”23 Procurar citação: The Cambridge Companion to Peirce (Mizak
2004). Isso significa que toda vez que distinguimos um algo de outro algo é em função
do fato que eles possuem diferenças práticas que possam ser percebidas para possibilitar
a distinção conceitual. Pense em uma tesoura e em uma tesoura sem ponta e a verdade
dessa afirmação fica deveras simples de ser percebida.

Como um exemplo de como opera a máxima pragmática,


Peirce examina o significado de “esse diamante é duro”. Ele
diz que se você tentar arranhá-lo, você vai descobrir que ‘ele
não vai ser arranhado por muitas outras substâncias’.24

O conjunto de coisas que sabemos acerca do mundo são conjuntos de significações e


abstrações da verdade em si, já que só podemos conhecer aquilo que há para ser
conhecido, que é cognoscível. Nesse sentido, aquilo que eu sei sobre o mundo ainda que
através do “senso comum” será essencialmente conectado à própria verdade real. É
claro que em muitas vezes falhamos em perceber coisas simples acerca da realidade que
estão no senso comum e são falhas, mas é o processo crítico desse senso comum que irá
resultar na verdade e o motivo para isso é que não podemos originar a verdade,
apenas transformar nossa experiência em verdade.

Nesse sentido, a verdade é o aperfeiçoamento daquilo que é percebido acerca do


conteúdo que há no mundo. E quem será responsável por alcançar a mesma será
justamente a comunidade científica através de métodos de verificação das teses. A
Verdade é a verdade da comunidade.

22
idem.
23
MIZAK, 2004.
24
MIZAK, 2004.
Mas como saber que chegamos nessa verdade? Peirce dirá que a ​verdade é aquilo que
não é disputável, aquilo que por um tempo razoável se demonstra sólido ao ponto
de representar a verdade para aquela comunidade. ​Isso situa a verdade como algo
dinâmico, como algo que está mudando em função do contexto, capacidade de
verificação da realidade e principalmente do choque com outras verdades.

CONSCIÊNCIA SEMIÓTICA E BAKHTIN

Bakhtin. ​É na sociedade que aprendemos a ser quem somos e a consequência disso será
que a nossa consciência é e só poderia ser semiótica, onde a própria matéria prima da
nossa consciência são os signos que usamos para expressar a nossa compreensão do
mundo. ​(Marx e a Filosofia da Linguagem)

Bakhtin está nos dizendo para percebermos que a nossa própria capacidade de pensar os
signos advém do fato que nós fomos ensinados por alguém, dizendo que a comunidade
comunicativa foi responsável até mesmo pelas nossas mais singelas ponderações sobre a
realidade e até pelo fato que pudemos ponderar em primeiro lugar. Isso faz com que não
consigamos mais pensar o homem fora da sociedade em que nasceu.

REFLEXÕES RACIONAIS COMUNICATIVAS

Karl Otto Apel. A percepção de que só nos individualizamos através da linguagem, de


que não é possível conceber verdade que não seja uma verdade da comunidade, de que
tudo tem e precisa de contexto fará Apel perceber que todas as nossas ponderações
normativas só serão possíveis em torno desse mesmo arcabouço. Ele dirá mais ainda:
que existem determinados pressupostos que são parte necessária desse arcabouço e
chamará esses pressupostos do ​a priori da argumentação e na medida em que são
disputáveis, configuram-se como verdade até que sejam aprimorados:

A existência de algo como verdade, diferente da falsidade;


a existência de proposições que podem ser tidas por
verdadeiras; a existência de proposições a respeito das
quais pode haver concordância intersubjetiva; a existência
de uma comunidade de comunicação, na qual tal
concordância pode ou não se dar; e, por fim, certas regras
que funcionam como condição normativa da possibilidade
de discussão: o reconhecimento do outro como um igual
falante e a não violência no uso do argumento.25

Qualquer tentativa de contrariar esses argumentos cairá em contradição com o contexto


que o indivíduo está inserido ao fazer os próprios argumentos; o que ele chama de ​auto
contradição pragmática (uma modalidade de contradição performativa, tipo de
contradição onde a performance do indivíduo contradiz o que está sendo dito). Algo
como afirmar “​Eu, aqui e agora, não estou lendo essa frase​”. A intenção derradeira de
Apel foi a pensar em quais são as condições transcendentais que o mundo pragmático
exige para ponderações da verdade, chegando assim no que ficou conhecido como sua
Pragmática Transcendental.

O IDEAL E A FILOSOFIA HABERMASIANA

Jurgen Habermas. Foi orientador do doutorado de Hans Hermann Hoppe e responsável


por muito das bases discursivas da Ética Argumentativa Hoppeana. Habermas tem
alguns insights interessantes que serão abordados aqui:

Razão Comunicativa vs Razão Instrumental​: a razão instrumental é a razão que está


presa no sujeito, ela é voltada unicamente à atender os objetivos individuais dos agentes
e não leva em consideração mais do que o aspecto sintático-semântico das afirmações,
carecendo de contexto. A razão comunicativa é a que busca o entendimento através da
coordenação de contextos subjetivos em uma comunidade comunicativa intersubjetiva.

Agir Comunicativo vs Agir Estratégico​: o agir comunicativo é aquele que, carregado


de considerações acerca da comunidade, busca o consenso enquanto o agir estratégico
busca a sobreposição dos interesses individuais de qualquer natureza sobre o meio.

O conceito da ação comunicativa alude a um tipo de ação


(social) mediada pela comunicação. A linguagem é o meio

25
APEL, 1993, p. 312-313
de comunicação que serve ao entendimento. Porém, os
atores, ao se entenderem entre si para coordenar suas
ações, perseguem, cada um, uma determinada meta, de
modo que não se trata primariamente de atos de
comunicação, mas de um tipo de interação coordenada
mediante atos de fala.

Princípio D​: Habermas percebe que a única forma de possuir uma verdade pragmática é
por uma verdade onde todos os sujeitos podem vir a interferir na construção da verdade,
adicionando suas próprias construções individuais ao plano geral:

Mas, se as argumentações morais devem produzir um


acordo desse gênero, não basta que um indivíduo reflita se
poderia dar seu assentimento a uma norma. Não basta nem
mesmo que todos os indivíduos, cada um por si, levem a
cabo essa reflexão, para então registrar os seus votos. O
que é preciso é, antes, uma argumentação “real”, da qual
participem cooperativamente os concernidos. Só um
processo de entendimento mútuo intersubjetivo pode levar
a um acordo que é de natureza reflexiva; só então os
participantes podem saber que eles chegaram a uma
convicção comum.

Princípio de Universalização​: É o instrumento que torna possível os acordos na


medida em que serve como ponte entre os sujeitos.

[...] uma norma de ação só é válida se todos os que podem


se ver afetados por ela (e pelos efeitos de sua aplicação)
chegarem, como participantes de um discurso prático, a
um acordo (racionalmente motivado) acerca de se a norma
há de entrar (ou seguir) em vigor​.26

Lebenswelt​: um conjunto de parâmetros (sejam eles crenças, critérios, valores,


definições, etc.) compartilhados entre falantes que serve de pano de fundo para sua
comunicação. Esses “parâmetros” devem, segundo ele, ser destituídos de controvérsia,
possuindo como característica não serem passíveis de problematização. A ideia do

26
​HABERMAS, 2003
Lebenswelt é corresponder a um acervo de concordâncias, ao que constituem os
mecanismos aos quais os agentes sociais podem recorrer quando encontrarem em
desacordo sobre aspectos internos da sociedade, funcionando como um ponto-pacífico
entre interlocutores, onde estes reconhecem determinados consensos sobre a utilização
da comunicação linguística para determinarem as resoluções de suas práticas sociais.

Discurso Ideal​: É a situação ideal de fala onde todas as regras necessárias para o chegar
de conclusões morais universalizáveis são atingidas e é possível então falar de
instâncias do dever, normas éticas.

ROTHBARD E A AUTOPROPRIEDADE

Rothbard, o pai do austro libertarianismo; o maior inimigo do estado que já viveu.


Aquele que ficou marcado para história com um sistema baseado em um mínimo
normativo, qual seja o de que:

Toda pessoa é a proprietária de seu próprio corpo físico


assim como todos os recursos naturais que ela coloca em
uso através de seu corpo antes que qualquer um o faça;
esta propriedade implica no seu direito de empregar estes
recursos como lhe convém até o ponto que isto afete a
integridade física da propriedade de outro ou delimite o
controle da propriedade de outro sem seu consentimento.
Mais especificamente, uma vez que um bem foi apropriado
pela primeira vez ou "homesteaded" através da "mistura do
trabalho de alguém" com ele (frase de Locke), então a
propriedade deste bem só pode ser adquirida por meios de
transferência voluntária (contratual) do título desta
propriedade do anterior para o próximo proprietário.
Estes direitos são absolutos. Qualquer violação deles
estará sujeita a um processo legal movido pela vítima desta
violação ou por seu representante, e é litigável de acordo
com os princípios de responsabilidade estrita e da
proporcionalidade da punição.
Essa citação de Hoppe na introdução do livro A Ética da Liberdade nos dá uma boa
noção dos conceitos principais de Rothbard, quais sejam:

Autopropriedade: direito de empregar seus recursos como lhe convém até o ponto que
isto afete a integridade física da propriedade de outro ou delimite o controle da
propriedade de outro sem seu consentimento.

Homestead​: Resgatando o primeiro uso, Rothbard percebe que o único sistema em que
a apropriação de recursos escassos não nos gerará conflitos é o sistema de primeiro uso.
E isso acontece porque só existem 3 possibilidades lógicas que satisfaçam esse
problema:

A pessoa tem 100% de propriedade sobre ela, e aqui não


ficam dúvidas sobre o controle e a propriedade;

A pessoa não tem 100% de propriedade sobre ela e


aplica-se o conceito comunista de que todos têm direitos
iguais. Assim, todos teriam direitos a uma minúscula parte
de cada pessoa no mundo. Rothbard explica que esta
solução gera uma série de problemas operacionais, como
por exemplo a necessidade de aprovação de toda a
humanidade para uma simples decisão. Sem falar no
problema de todas as pessoas não estarem no controle da
pessoa em questão.

A pessoa não tem 100% de propriedade sobre ela e um


grupo tem propriedade sobre parte desta pessoa. O
problema apresentado por Rothbard nesta possibilidade é
a impossibilidade de uma ética universal e igual para todos
os seres humanos, uma vez que sempre terá um grupo
superior ao outro, com regras arbitrárias de que grupo
terá direito sobre outro grupo ou indivíduo.

Rothbard irá argumentar que a única forma que não irá gerar mais conflitos será
justamente a alternativa onde há direitos de propriedade bem definidos.
Princípio da Não Agressão​: É um princípio que orienta a nossa ação em torno de ações
voluntárias e de coordenação entre os sujeitos. Rothbard o define da seguinte forma:

Ninguém deve ameaçar ou cometer violência (agressão)


contra outro homem ou sua propriedade. A violência só
pode ser aplicada contra aquele que inicia cometendo-a;
ou seja, apenas no ato de defesa da agressão do outro. Em
resumo, nenhuma violência deve ser empregada contra um
não-agressor. Esta é a regra fundamental da qual pode ser
deduzido todo o corpo da teoria libertária.27

ÉTICA ARGUMENTATIVA HOPPEANA

O argumento de Hoppe é atualmente o que há de mais sólido dentro da perspectiva


libertária e foi resumido da seguinte forma pelo mesmo em palestra para o PFS 2016:

Todas as afirmações de verdade – todas as afirmações de


que uma dada proposição é verdadeira, falsa,
indeterminada ou indecidível ou que um argumento é válido
e completo ou não – são afirmadas, justificadas e decididas
no curso de uma argumentação.

Vimos que a única forma de uma proposição ser universalmente verdadeira ou ainda
verdadeira no sentido pragmático como pensado por Peirce é que ela leve em
consideração a comunidade comunicativa por meio do princípio do discurso, onde os
sujeitos participam como sujeitos ativos da ponderação moral.

A verdade desta proposição não pode ser negada sem cair


em contradição, dado que qualquer tentativa de fazê-lo teria
que ser feita na forma de um argumento. Daí o “a priori”
da argumentação.

Apel fundamentou a necessidade do discurso ao demonstrar que o ato de contrariar as


considerações pragmáticas essenciais acerca da própria argumentação seria
contraditório.

27
ROTHBARD, 2013b.
Argumentação não são sons flutuantes, mas uma ação
humana, isto é, uma atividade humana propositada
empregando meios físicos – o corpo de uma pessoa e várias
coisas externas – a fim de alcançar um fim ou objetivo
específico: a obtenção do acordo sobre o valor verdade de
uma dada proposição ou argumento.

A argumentação lida aqui como uma ação humana, numa visão misesiana, indica que a
própria escolha de argumentar está carregada de uma valoração, qual seja da escolha de
um agir comunicativo como em Habermas em detrimento de um agir estratégico.

Embora motivado por algum desacordo inicial, disputa ou


conflito sobre a validade de alguma afirmação de verdade,
toda argumentação entre um proponente e um oponente é
em si uma forma de interação pacífica – mutuamente
acordada, pacífica – destinada a resolver o desacordo
inicial e chegar a uma resposta mutuamente acordada
quanto ao valor verdade de uma dada proposição ou
argumento

Hoppe aqui está nos afirmando que muito embora possa ter havido um momento de não
concordância, o momento da argumentação é concordância, ainda que seja a
concordância de dois sujeitos quanto ao fato que eles não concordam.

A verdade ou validade das normas ou regras de ação que


tornam a argumentação entre um proponente e um oponente
possível – os pressupostos praxeológicos da argumentação –
não pode ser argumentativamente contestada sem cair em
uma contradição pragmática ou performativa.

Aqui Hoppe quer afirmar que os pressupostos praxeológicos da argumentação, que ele
vai expor a seguir, são parte do a priori da argumentação e não podem ser como tais
contestados, igualando essas condições ao nível da transcendentalidade e mais
importante, ao mundo da vida.

As pressuposições praxeológicas da argumentação, então,


isto é, o que torna a argumentação uma forma específica de
atividade de busca da verdade, são duas: a) cada pessoa
deve ter o direito de controle exclusivo ou propriedade de
seu corpo físico (significa que ele e somente ele pode
controlar diretamente, através da vontade) de modo a poder
agir independentemente um do outro e chegar a uma
conclusão por conta própria, ou seja, de forma autônoma; e
b), pelo mesmo motivo de autonomia e por serem
mutuamente independentes, tanto o proponente quanto o
oponente devem ter direito às suas respectivas posses
prévias, ou seja, o controle exclusivo de todos os outros
meios de ação externos apropriados indiretamente por eles
anterior e independentemente de um do outro e antes do
início da argumentação.

Aqui Hoppe faz sua grande sacada, Ele estabelece aqui algo como o seguinte: “Estou
vendo que existem essas condições, essas chamadas regras de ação que determinam
quais são as normas legítimas a serem seguidas na comunidade, mas eu reparei que
essas regras de ação para a universalização são exatamente tal como como a autonomia
que é descrita pela autopropriedade rothbardiana.”

Essa correspondência não é puro acaso, que as regras da ação envolvendo a autonomia
sejam a própria autopropriedade, na verdade é que a própria autopropriedade ao ser lida
como direito de autonomia (direito de decisão dos próprios fins) é a expressão mais
sincera do que significa ser dono de si.

E diferente do discurso ideal habermasiano que era algo etéreo, ao trazer a


autopropriedade pro campo, Hoppe também traz uma perspectiva muito mais tangível
do que é efetivamente respeitar as regras de ação: não violar a auto propriedade alheia.
Algo que foi definido, comentado e estudado pelos austro libertários nos últimos 50
anos.

Qualquer argumento contrário: que o proponente ou o


oponente não seja reconhecido como proprietário exclusivo
de seu corpo e de todos os bens anteriores não pode ser
defendido sem cair em uma contradição pragmática ou
performativa. Pois, ao se engajar na argumentação, tanto o
proponente quanto o oponente demonstram que buscam uma
solução pacífica e livre de conflitos para qualquer
divergência que dê origem à argumentação. No entanto,
negar a uma pessoa o direito à autopropriedade e a posses
anteriores é negar sua autonomia e sua posição autônoma
em um julgamento de argumentos. Afirma, ao invés disso,
dependência e conflito, ou seja, heteronomia, em vez de um
acordo livre de conflitos e voluntário e é, portanto,
contrário ao próprio propósito da argumentação.

E então Hoppe encerra a nossa conversa dizendo que a consequência dessa


correspondência será tal que ao desrespeitar a autopropriedade, estamos contraditórios
tal como estaríamos ao desrespeitar o próprio a priori da argumentação. Conectando
assim a autopropriedade ao próprio ato de descobrir normas éticas universalmente
válidas. Uma defesa única à uma ética também única.
A JUSTIÇA

CONCEITOS

NOSSAS TESES PASSARIAM PELA MAIÊUTICA DE SÓCRATES?

No momento em que há o convívio entre indivíduos capacitados a fazer valorações


morais, ou seja, uma sociedade racional, que delibera sobre certo e errado, bem e mal,
legítimo e ilegítimo, cabe a discussão do conceito “justiça”, pois é nela que a virtude de
um indivíduo dentro de sua comunidade é exercida, e na qual, a ausência, só sobra a
barbárie. Me soa de boa fé então começar, dado a primordialidade do tema, a tratar da
justiça com quem de fato o fez pela primeira vez na história da filosofia. Claramente, tal
pioneirismo vem dos gregos, e sua busca pela Pólis ideal.

Não é entretanto, da intenção desse autor, cometer qualquer tipo de anacronismo


histórico, ou dar a entender que tais filósofos seriam “libertários sem saber”, ou
qualquer coisa do tipo. É propriamente um desafio, já que é relativamente mais simples
discorrer sobre uma teoria, quando é você mesmo a dar os termos e definições, ao
contrário, pretendo usar aquelas já criadas e usadas há milênios, e por elas, apresentar
quais seriam os comentários e paralelos que um libertário faria, assim como as
sustentações da suas teses perante a essas visões de mundo. Em ​A República de Platão,
é relatado um dos diálogos mais famosos de Sócrates, que se dá entre ele e seus colegas
gregos, Céfalo, Polemarco e Trasímaco, cada um trazendo uma perspectiva ao filósofo.

Por tal, proponho analisar nesses pontos tão antigos e basilares, a fim de evidenciar não
só a atemporalidade de discurso, da relativamente recente tese libertária, mas também a
flexibilidade de se realizá-lo, seja em um contexto moderno ou não.
CÉFALO E POLEMARCO

Céfalo e Polemarco, defendem uma tese que a justiça se dá respectivamente ao “dizer a


verdade e restituir o que se tomou” e “dar a cada um o que se lhe deve, fazendo bem aos
amigos e mau aos inimigos”. É importante ressaltar que, ambos aqui se fundamentam
em Simónides de Ceos, importante poeta grego, a qual o próprio Sócrates atribui as
qualidades de sábio e divino, e não se propondo a refutar sua tesa, apenas as más
interpretações feitas por seus colegas, da mesma.

Primeiro, a Céfalo:

Mas essa mesma qualidade da justiça, diremos assim


simplesmente que ela consiste na verdade e em restituir
aquilo que se tomou de alguém; ou diremos antes que essas
mesmas coisas, umas vezes é justa, outras injusta? Como
este exemplo: se alguém recebesse armas de um amigo em
perfeito juízo, e este, tomado de loucura, lhes reclamasse,
toda a gente diria que não se lhe deviam entregar, e que
não seria justa restituir-lhes, nem tão pouco consentir em
dizer toda a verdade a um homem nesse estado.

Mais do que salientar a contingência em parte da definição dada, na medida que é


indispensável o uso da sapiência para cumprir corretamente um imperativo, me permito
disto, uma crítica a como o estado, quase sempre, faz do direito um mero arranjo
burocrático, afastando-se inclusive do que a própria população considera justo.

No momento em que um juiz a serviço do estado, por preferência ou obrigação, aplica


uma decisão que faça valer apenas o que é previsto em lei, ao detrimento do que é
dedutivamente correto, colocando a predileção dos legisladores acima da própria razão
e até da moralidade mais básica, está cometendo o mesmo erro de Céfalo, e o pior, é
ganha mérito e incentivos por fazê-lo.

A resposta libertária a esse problema, vem, primeiro, de uma teoria jurídica totalmente
justificada no direito natural, visando unicamente a prevalência da mesma, e segundo, a
interesse dos indivíduos que serão agora tratados como clientes, não mais subordinados.
Mais singelamente, esclareço nesse contexto, uma propensão de alguns libertários a
preferir a ​common law28 ​como regime melhor que a ​civil law29, uma vez que essa última
leva menos em conta os fatores particulares. Deixando claro que, no anarcocapitalismo,
cada um poderia escolher um sistema que melhor lhe atendesse.

E depois para Polemarco:

Polemarco, acontecerá que, para muitos, quanto errarem


no seu juízo sobre os homens, será justo prejudicar os
amigos, pois são maus aos seus olhos, e ajudar os inimigos,
pois os têm por bons. E assim afirmamos exatamente o
contrário do que fizemos dizer a Simónides.

Sócrates aqui avisa o quão perigoso é seguir por essa definição, ao que nos lembra da
nossa própria falibilidade, fica claro o risco de, em erro, acabar por tratar da forma que
cremos ser devida ao amigo, alguém que, em acerto, entenderíamos como inimigo,
assim vice-versa.

O socialista e o comunista, ao menos aquele que se acredita estar “ingenuamente bem


intencionado”, toma para si como amigos seus camaradas e líderes, cego nas doutrinas
de lealdade, ignora que possa ele mesmo estar ali simplesmente sendo usando como
uma “ferramenta” em um projeto de poder, que ao refletir melhor, compreenderia como
egoísta e obtuso. Ao mesmo tempo, trata a pessoa bem sucedida, como inimigo, o
chamado “burguês opressor”, que pode ser na verdade, só mais uma pessoa nesse
mundo tentando prosperar na vida, ao passo que fornece serviços, e melhora a condição
dos outros, inclusive, a do próprio militante e daquele que é humilde, que o socialista
diz tanto proteger.

Também o nacionalista fanático, que prega preferências e privilégios para si e todos


aqueles que, meramente por seu local de nascimento, são determinados pelo mesmo
como superiores, que os alheios a suas fronteiras, discriminando os considerados

28
Civil Law, sistema jurídico baseado no direito romano a qual sua essência se dá pela codificação e
fornecimento de leis escritas que devem ser seguidas pelos juízes dentro da legislação.
29
Common Law, sistema jurídico baseado no aperfeiçoamento do direito através da jurisprudência,
que nada mais é que o histórico de julgamentos anteriores em determinado local.
indignos de estar dentro dela. Ele ignora que a virtude é passível aos humanos em geral,
assim como a justiça é devida igualmente a todos.

Pode surgir ao leitor a dúvida, “mas e o libertário, ele também acusa o governista,
não?”, veja, é o estadista, seja rei ou político, legislador ou executor, que nos obriga a
distingui-lo, pois é aquele que almeja o poder ou que já o detém, que precisa reafirmar
para si e para os outros, sua posição acima dos demais. Tudo o que fazemos é apontar a
agressividade e ilegitimidade dessa postura, tanto quanto, a imoralidade de se mantê-la
ou advogá-la. Em outras palavras, não dividimos a sociedade, como meio ou fim, nós
apontamos aqueles que o fazem, deixando bem claro que não concordamos com isso.

Sócrates também nos explica que, mesmo que convictos do nosso julgamento, isso não
importaria, pois o justo jamais faria o mal, mas sim, sempre o bem, pois é nele que a
própria justiça se dá.

Sócrates​ — É próprio de um homem justo fazer mal a qualquer espécie de homem


Polemarco​ — Precisamente. Deve-se fazer o mal aos perversos e inimigos,
Sócrates​ — E se fazemos mal aos cavalos, eles se tornam melhores ou piores?
Polemarco​ — Piores.
Sócrates​ — Relativamente à virtude dos cães ou à dos cavalos?
Polemarco​ — A dos cavalos.
Sócrates — Então, quanto aos cães a que fizermos mal, eles se tornarão piores em
relação à virtude dos cães, e não à dos cavalos?
Polemarco​ — Exatamente.
Sócrates ​— E quanto aos homens a quem se faz mal, podemos também afirmar que se
tomam piores conforme a virtude humana?
Polemarco​ — Isso mesmo.
Sócrates — Por acaso, é possível a um músico, por intermédio de sua arte, tomar outras
pessoas ignorantes em música?
Polemarco​ — Isso é impossível.
Sócrates — E, por intermédio da arte eqüestre, pode um cavaleiro tomar outras pessoas
incapazes de montar?
Polemarco​ — Também é impossível.
Sócrates​— Mas a justiça não é virtude especificamente humana?
Polemarco​ — Sim.
Sócrates — Por conseguinte, meu amigo, os homens contra quem se pratica o mal
tornam-se obrigatoriamente piores.
Polemarco​ — Concordo.
Sócrates — Mas, através da justiça, é possível que um justo tome alguém injusto? Ou,
de forma geral, pela virtude, os bons podem transformar os outros em maus?
Polemarco​ — Não podem.
Sócrates​ — Realmente, creio que ao calor não é dado esfriar, e sim o contrário.
Polemarco ​— Justamente.
Sócrates​ — Nem à aridez é dado umedecer, mas o contrário.
Polemarco​ — Não há dúvida.
Sócrates​ — Nem ao homem bom fazer o mau, mas o contrário.
Polemarco​ — E o que parece.
Sócrates​ — Portanto, o homem justo é bom?
Polemarco​ — Evidentemente.
Sócrates — Então, Polemarco, não é adequado a um homem justo fazer o mal, seja a
um amigo, seja a ninguém, mas é adequado ao seu oposto, o homem injusto.
Polemarco​ — Estás dizendo a pura verdade, Sócrates.
Sócrates — Por conseguinte, se alguém declara que a justiça significa restituir a cada
um o que lhe é devido, e se por isso entende que o homem justo deve prejudicar os
inimigos e ajudar os amigos, não é sábio quem expõe tais ideias. Pois a verdade é bem
outra: que não é lícito fazer o mal a ninguém e em nenhuma ocasião.
Polemarco​ — Parece-me inteiramente verdade o que dizes, Sócrates.

Ora, não é esse comportamento o exato oposto do pregado por doutrinas que insistem na
luta de classes, pureza racial, fanatismo religioso, xenofobia , e afins? Como podem
essas serem justas ao se retro alimentarem da vingança e do ódio? Não é clara a
maldade daquele que clama por violência e opressão contra grupos inteiros, sejam estes
de fato comuns, ou classificados assim a dedo de quem os condena? Novamente, talvez
o leitor se pergunte, “mas o libertário não prega o mesmo para os membros do governo
ou para bandidos?”

Para responder a isso, é preciso esclarecer que a ética libertária se limita a descrever o
que é legítimo e ilegítimo dentro do que cabe a propriedade privada, ao passo que a
teoria jurídica, nos dá os parâmetros para qual as ações sempre se realizarão no
exercício do direito, e nunca em sua violação. Dito isso, cabe ao indivíduo refinar seus
próprios valores morais e pessoais, culturais e religiosos, para se adequar a uma vida
justa. Dessa forma, qualquer um que em seus discursos ignora o que é cabível
eticamente, o que está nos limites da proporcionalidade, propondo o que já não pode ser
justificado, não está falando sobre libertarianismo, ou respeitando suas bases
fundamentais. Indo mais além, afirmo que, fazer a justiça nos parâmetros que a define, é
fazer o bem, inclusive para a parte criminosa.

Antes de mais nada, fazer o bem não é meramente cumprir a vontade de alguém, ou
prover bem estar material, mas sim, alcançar o que lhe é próprio. Não podendo ser justo
a um e injusto ao outro, é próprio ao homem virtuoso então, por meio da razão, se
civilizar, refinando o agir de maneira a se afastar cada vez mais da barbárie.

Com isso em mente, imaginemos então um ambiente sem indivíduos dispostos a


respeitarem o direito um do outro, a princípio, a primeira coisa a ser perdida aqui é a
possibilidade de uma vida pacífica, ou seja, em oposto a esse cenário, o primeiro bem
que uma sociedade ética fornece ao infrator, é a oportunidade de reconciliação com a
mesma, a chance de se integrar a uma vida correta e estável.

Mesmo na ausência da lei, onde juridicamente falando, não há definição de crime ou


criminoso, isso não aboliria os anseios pessoais de cada um, afinal do contrário o ladrão
não roubaria, pois não teria ânsia por qualquer coisa. Todos os sentimentos ainda estão
lá, amor, ódio, gratidão e rancor, a única diferença é que não há nada para comedi-los.

Isso significa que ainda teríamos simpatia por aqueles que nos agradam, neutralidade
perante os neutros, e rancor perante aqueles que acreditamos estar nos prejudicando. Se
já não ficou claro aonde quero chegar, veja o segundo bem que uma sociedade que se
faz cumprir a lei entrega ao bandido, a garantia, não só de que nada mais será feito a ele,
se não a cobrança do que se deve restituir, mediante a um processo que lhe permita
argumentar em defesa própria, como também, forneça salvaguarda caso alguém resolva
passar desse limite, sendo assim, punido por fazê-lo.

É frequente em locais precários no fornecimento de justiça, principalmente pelo


trabalho inapropriado que o estado se presta a fazer, a ocorrência de linchamentos,
perseguições, dentre outras coisas, execuções e vingança. Mesmo aquele que comete
um crime hediondo, e não mais poderia argumentar em favor da própria integridade,
poderá ter um fim mais digno e ameno do que normalmente teria se imperasse não a
propriedade, mas a universalização das suas respectivas transgressões. No Brasil por
exemplo, é prática recorrente entre os presidiários, estuprar presos condenados por
estupro, e outras “punições” mais viscerais, para pedófilos, até mesmo o empalamento.

TRASÍMACO, O POLÍTICO

Trasímaco dá aquela que é a definição que todo estadista oculta dentro de si, diz ele: “O
que está no interesse do mais forte”. É claro o absurdo de se afirmar isso nos dias de
hoje, afinal, dentro de nossa própria modernidade, buscamos sair do famoso estado de
natureza30 e viver no domínio do direito, justamente para que não se impere a “lei do
mais forte”, que em suma, nada mais é que a pura violência. Agora, engana-se o leitor
se concluiu até aqui que Trasímaco simplesmente acredita na simples selvageria. Na
realidade, embora o grego seja conhecido por seus sofismas, o mesmo descreveu
magistralmente a maneira que se dá um governo e a imposição de uma “sociedade civil
31
”:

E cada governo faz as leis para seu próprio proveito: a


democracia, leis democráticas; a tirania, leis tirânicas, e
as outras a mesma coisa; estabelecidas estas leis, declaram

30
Estado de natureza é, segunda Thomas Hobbes em O Leviatã, a condição segundo o qual os
homens podem todas as coisas e, para tanto, utilizam-se de todos os meios para atingi-las;
31
Estado Civil, passagem do estado de natureza à sociedade civil, onde os indivíduos renunciam à
liberdade natural e à posse natural, concordando em transferir a um terceiro – o soberano – o poder
da criação e aplicação de leis, tornando-se autoridade política.
justo, para os governados, o seu próprio interesse, e
castigam quem o transgride como violador da lei,
culpando-o de injustiça. Aqui tens, homem excelente, o que
afirmo: em todas as cidades o justo é a mesma coisa, isto é,
o que é vantajoso para o governo constituído; ora, este é o
mais forte, de onde se segue, para um homem de bom
raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma
coisa: o interesse do mais forte.32

Ou seja, para Trasímaco, o mais forte impõe a sua conveniência o que chama de justiça,
e o mais forte dentro de uma sociedade é o governo, logo é ele quem tem a palavra final
sobre o que é justo ou injusto, a preservar seus próprios interesses. É curioso como isso
soa parecido com a visão hobbesiana do estado de natureza não é? “O homem é o lobo
do homem”, bom, ao que parece, tudo o que o Estado conseguiu fazer na prática desde
sempre é designar um líder para a matilha. Em verdade, se ele não deve ser assim, então
por que é? E se ele existe para nos tirar da selva, porque age como a pior das feras? Mas
das várias respostas possíveis que Sócrates poderia ter dado, a qual podem incluir
apontar falácias, exceções ou descrições mais coerentes, etc… Apenas usando de seu
impecável método, a maiêutica33, forçou seu oponente a aceitar a refutação, sem
precisar atacar a definição dada:

Sócrates — Pois bem! Poderiam os olhos desempenhar bem a sua função se não
possuíssem a virtude que lhes é própria ou se, em lugar dessa virtude, possuíssem o
vício contrário?
Trasímaco —​ Como poderiam? Queres, por acaso, dizer a cegueira, em vez da vista?
Sócrates — Qual é a sua virtude, pouco importa; ainda não te pergunto, mas apenas se
cada coisa desempenha bem a sua função por virtude própria e mal pelo vício
contrário.
Trasímaco —​ É como dizes.
Sócrates — Posto isto, os ouvidos, sendo privados da sua virtude própria,

32
PLATÃO, 2001.
33
Maiêutica ou método socrático consiste numa técnica desenvolvida por Sócrates onde, através de
perguntas, o interlocutor é levado a descobrir a verdade sobre algo;
desempenharam mal a sua função?
Trasímaco —​ Sem dúvida.
Sócrates —​ Este princípio pode ser aplicado a todas as outras coisas?
Trasímaco —​ Julgo que sim.
Sócrates — Então, analisa agora isto: a alma não possui uma função que nada, a não
ser ela, poderia desempenhar, como vigiar, comandar, deliberar e o resto? Podemos
atribuir estas funções a outra coisa que não à alma e não temos o direito de dizer que
elas lhe são peculiares?
Trasímaco —​ Não podemos atribuí-las a nenhuma outra coisa.
Sócrates —​ E a vida? Não afirmamos que é uma função da alma?
Trasímaco —​ Com certeza.
Sócrates —​ Portanto, afirmamos que a alma também possui a sua virtude própria?
Trasímaco —​ Afirmamos.
Sócrates — Então, Trasímaco, a alma executará bem essas funções se for privada da
sua virtude própria? Ou será impossível?
Trasímaco —​ Será impossível.
Sócrates — Em decorrência disso, é obrigatório que uma alma má comande e vigie
mal e que uma alma boa faça bem tudo isso.
Trasímaco —​ É obrigatório.
Sócrates — Ora, não concluímos que a justiça é uma virtude e a injustiça, um vício da
alma?
Trasímaco —​ Concluímos.
Sócrates — Por conseguinte, a alma justa e o homem justo viverão bem e o injusto,
mal?
Trasímaco —​ Assim parece, de acordo com o teu raciocínio.
Sócrates — Então, aquele que vive bem é feliz e afortunado e o que vive mal, o
contrário.
Trasímaco —​ Não há dúvida.
Sócrates —​ Portanto, o justo é feliz e o injusto, infeliz.
Trasímaco —​ Que seja!
Sócrates —​ E não é vantajoso ser infeliz, mas ser feliz.
Trasímaco —​ Sem dúvida.
Sócrates — ​Por conseguinte, divino Trasímaco, jamais a injustiça é mais vantajosa do
que a justiça.
Trasímaco —​ Que seja esse, Sócrates, o teu festim das festas de Bendis34!

Esse diálogo é importantíssimo para compreender que, quando os libertários apontam as


desvirtudes do estado, a crítica vai muito além do trivial e institucional, não é uma
questão de mudar as leis ou trocar de pessoal. Afinal de contas, não somos nós, eu e
você, também sucessíveis a tentação ou ao mau julgamento? E qual a melhor fonte de
poder dentro de uma atribuição de dever, senão o estado? O problema está no
“Trasímaco interior” que cada membro do governo tem dentro de si, que sempre lhe
dirá: ​“a injustiça é em si mesma vantagem e lucro.”

Também é interessante perceber que, ao se rejeitar o monopólio da força, o domínio


coercitivo na deliberação e interpretação da lei, e ao oposto, advogar pela
descentralização desse setores ao próprio indivíduo, o libertário descreve uma situação
social onde não há qualquer incentivo para se desvirtuar de uma conduta confiável. É
claro que sempre haverão ignorantes, que completamente cegos pela cobiça, não
poderão enxergar os fatos por além de seus próprios vícios, mas dado que a dinâmica do
mercado é muito diferente da do estado, quando o nosso Trasímaco interior tentar nos
seduzir a agir ilicitamente, surgirá sempre um “Sócrates capitalista” dizendo em nossas
mentes: “ A injustiça nunca será melhor que a justiça… e isso se aplica ao seu bolso”.

Talvez seja essa a verdadeira saída para o estado de natureza, que o libertário propõe, ao
buscar nas palavras e não nas garras, um mundo melhor. Se o homem é o lobo do
homem, então deixemos de ser lobos, para de fato, sermos homens.

34
Bendis, Deusa Grega, equivalente a Ártemis, deusa da lua.
JUSTIÇA PRIVADA

TEORIA JURÍDICA

No que tange a justiça em uma sociedade livre, esta seria tratada como qualquer outro
serviço, fornecida pelo mercado, estando sempre submetida à lei de propriedade
privada, tendo como função manutenção dos contratos e resguardar a propriedade
privada.

DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal trata de uma série de normas a serem seguidas, punir qualquer
indivíduo sem seguir todos os critérios é uma ação ilegítima. Em um sistema de estado,
o devido processo legal prevê que ninguém pode ser punido antes de seu julgamento,
em alguns casos indo além, como por exemplo somente depois de dois ou três
julgamentos… Obviamente ele exige que não se pode privar nenhuma das partes do seu
direito de fala, e que sempre que uma parte apresentar um argumento, a outra deve
poder retrucá-lo.

Outro critério apresentado é de que a decisão nunca pode ser monopolizada somente por
um juiz, sendo assim, o indivíduo julgado sempre deve poder recorrer a 2° instância,
além de nenhuma das partes poderem escolher o juiz que fará qualquer um dos
julgamentos. O leitor atento deve notar que, excluindo o último ponto, que garante que
nenhuma das partes possam escolher o juiz, ​o ​sistema de justiça privada pode atender
todos os requisitos, isso mostra mais uma vez como o estado sequer é necessário para
executar as questões mais basilares de uma sociedade.

A grande diferença de um sistema de justiça privada dentro da questão do devido


processo legal é seu último critério, pois em um sistema libertário, ambas as partes
teriam de entrar em acordo sobre qual juiz deveria julgar o caso em questão.
O ​ESTOPPEL

Escrito por Stephan Kinsella, e que pode ser considerado uma complementação da Ética
Argumentativa escrita por Hans Hermann-Hoppe, ambas derivadas jusracionalmente,
tem como base a ​common law​, e é semelhante a Lei de Talião, mas verdadeiramente
fundamentada. A Lei de Talião consiste basicamente na reciprocidade da relação com
crime e pena, a lei diz que o criminoso deveria ser punido em mesma ou semelhante
medida ao dano causado pelo mesmo, e que o executor da punição deveria ser a vítima,
a parte lesada. A lei é popularmente conhecida pela famosa expressão popular: “olho
por olho, dente por dente”, o objetivo da lei era balancear juridicamente as ações dentro
de uma sociedade.

Com o fim de balancear juridicamente as ações dentro de uma sociedade, evitando


violência descontrolada e possivelmente seu próprio fim, tal lei, embora tenha cumprido
bem seu papel em um contexto primitivo, é incompleta. Podemos observar isso na
seguinte situação:

Imagine que uma mulher pouco dotada de beleza quebre uma garrafa de vidro, e então
ataque uma jovem modelo a início de carreira. Veja, a modelo depende de sua boa
aparência para seguir sua profissão, já a agressora, se meramente tiver seu rosto cortado,
sofrerá muito menos prejuízo, logo não seria justo simplesmente “dar o troco na mesma
moeda”, pois além de não representar qualquer “equidade”, de nada beneficiaria, senão
momentaneamente a satisfação um sentimento de vingança a vítima, que continuaria
tendo que lidar com todos os problemas causados pela injusta agressão.

Abordamos agora de forma mais precisa a teoria jurídica propriamente dita, o ​estoppel.
Como afirma Kinsella no início de seu artigo formulando sua tese:

Sem dúvida a pena serve a muitos propósitos. Ela tem o


poder de coibir o crime e pode prevenir que o criminoso
cometa outros crimes. A pena pode até reabilitar certos
criminosos, se não for capital. Pode satisfazer a sede de
vingança da vítima, ou o de seus familiares. A pena
também pode ser usada como uma alavanca para obter
restituição, uma compensação por parte do dano causado
pelo crime.

O autor, de início, explica o propósito da pena, abordando logo depois sobre o que seria
uma punição, além do próprio conceito da aplicação da mesma, como descreve a seguir:

A pena, portanto, compreende a violência física praticada


contra o corpo de uma pessoa ou contra qualquer outra
propriedade que esta pessoa possua legitimamente, ou
contra quaisquer direitos que essa pessoa tenha. A pena é
em razão de, ou em resposta a, uma ação, inação, aspecto,
ou status da pessoa punida; se fosse de outra forma, ela
seria simplesmente a prática aleatória de violência, que
geralmente não é classificada como pena.

De forma resumida, o autor explica o porquê de um agressor ser ​estopped de contestar


sua punição no seguinte trecho:

O diálogo é uma atividade que procura a verdade, os


participantes são impedidos de fazer afirmações
explicitamente contraditórias, já que elas subvertem o
objetivo da busca da verdade por serem necessariamente
falsas. Pela mesma razão, um argumentador é impedido de
afirmar algo que contradiga outra coisa que ele
necessariamente sustenta ser verdadeira, ou que
contradiga algo que é necessariamente verdadeiro porque
é uma pressuposição do debate ou, de fato, se é
necessariamente verdadeiro enquanto aspecto inegável da
realidade. Ninguém pode discordar destas conclusões
gerais sem contradizer-se, dado que qualquer um que
discorde de qualquer coisa é um participante de um debate,
e portanto necessariamente valoriza a busca da verdade e,
logo, a consistência.
Além disso, Kinsella faz questão de introduzir o coração por trás da ideia de um
impedimento legal contido na ideia de consistência de pensamento, ele explica:

O insight básico por trás desta teoria dos direitos é que


uma pessoa não pode contestar consistentemente sua
punição se ela mesma deu início ao uso da força. Ela é
(dialogicamente) "impedida" de afirmar a impropriedade
do uso da força para puni-la, por conta de seu próprio
comportamento coercivo. Esta teoria também estabelece a
validade da concepção libertária dos direitos enquanto
direitos estritamente negativos contra a agressão, a
iniciação de força.

É necessário explicar como acontece a punição para o que ele chama de


“comportamento agressivo”, e nesse ponto, resumidamente o autor afirma:

No que segue eu assumirei que a própria vítima (​B)​ , ou seu


​ ​, tenta punir um suposto condenado ​A.​ A
agente, C
​ não é
identidade ou natureza específica do agente C
relevante para nossos propósitos aqui. Suponha que ​A
​ ​, e o agente C
mate B ​ de ​B condena e prenda A
​ ​. Agora, se
A contestar sua pena, ele estará alegando que ​C não deve
tratá-lo dessa forma. Se feito de qualquer outra maneira,
ele falhará em apresentar sua objeção. O dever aqui é bem
​ alega que C
"estrito", já que A ​ não deve puni-lo. Mediante
​ alega que ele tem um direito
este palavreado normativo, A
a não ser punido. Para "contestar" sua pena, ​A deve pelo
menos necessariamente alegar que o uso da força é errado
​ deva portanto não punir ​A)​ . Contudo, esta
(para que C
alegação é flagrantemente inconsistente com o que deve ser
sua outra posição: como ele matara ​B,​ o que é claramente
um ato de agressão, suas ações indicaram que ele
(também) sustenta a opinião de que a agressão não é
errada.
O leitor atento deve ter ideia de como Kinsella discorre sua derivação dessa tese que
viria a ser a teoria jurídica libertária. Tratado como ocorre a punição para o
comportamento agressivo, acredito que seja necessário tratar de argumentos,
obviamente inválidos, que um agressor poderia usar em sua defesa.
Sobre isso, o autor alega primeiramente:

Primeiramente, ​A poderia alegar que é inválida nossa


classificação das ações entre agressivas ou não agressivas.
Nós poderíamos estar infiltrando uma norma ou um juízo
de valor ao descrever o homicídio como "agressivo", em
vez de simplesmente descrever o homicídio sem estes
sobressaltos valorativos. Esta norma infiltrada poderia ser
​ ​,
o que aparentemente justifica a legitimidade de punir A
deixando então a justificação circular e, portanto, falha.

Após isso, Kinsella demonstra outro argumento, também falho que um agressor poderia
utilizar em sua defesa:

A universalização é então uma pressuposição do debate


normativo, e qualquer argumentador que violar o princípio
da universalidade35 está sustentando posições
inconsistentes (de que a universalização é necessária e de
que não é necessária), e é então impedido [estopped] de
fazê-lo. Somente proposições normativas universalizáveis
são consistentes com o princípio de universalização que é
necessariamente pressuposto pelo argumentador ao entrar
no debate.

Agora, Kinsella aponta um fator extremamente importante para a derivação de sua


teoria, o tempo, ao contrário dos marxistas, os austríacos levam em conta esse fator.
Sobre isso, o autor demonstra resumidamente, mas de forma mais longa que as
anteriores o seguinte:

A poderia igualmente tentar refutar esta aplicação do


estoppel alegando que ele, de fato, sustenta atualmente que

35
Princípio da universalidade, dever de universalizar o acesso aos direitos.
a agressão é inadequada; que ele mudou de ideia desde
que matara ​B.​ Então não há inconsistência, nem
contradição, porque ele não sustenta simultaneamente
ambas as ideias contraditórias, e não é impedido de
contestar seu aprisionamento.

Se tal requisito absurdo de simultaneidade é operante, a


cada momento consecutivo do ato da punição, qualquer
​ é direcionada a ações no
objeção ou ação defensiva de A
passado (imediato), e então torna-se imediatamente
irrelevante e voltada ao passado. Logo, a irrelevância da
simples passagem do tempo não pode ser negada por ​A​.
Dado que, para efetivamente contestar ser punido, ele deve
presumir que a passagem do tempo não faz diferença para
imputar aos indivíduos ações que lhes sujeitam à
responsabilidade.

A NATUREZA DA MEDIAÇÃO

Sendo os conflitos entre indivíduos algo inevitável em uma sociedade que precisa lidar
com a escassez de recursos, resolvê-los é essencial para que a boa convivência se
mantenha pacífica e produtiva.

De fato, a teoria legal libertária, dirá qual o direito básico de cada um, como
racionalmente pensar a proporcionalidade e as punições, que se deve seguir o devido
processo legal para se minimizar os erros de um julgamento. Mas acaba aí, não existe
perícia libertária, não existe método investigativo libertário, ou qualquer coisa do tipo,
os fatores materiais e “práticos” por assim dizer, já não estão mais nos limites teóricos e
cabíveis a deduções puramente lógicas. Para servir de ponte entre o que deve ser e como
faremos, estamos acostumados a recorrer a um intermediário, que será isento e
imparcial, mas veja, uma sociedade pode ser composta por apenas dois indivíduos, e se
for o caso, não existe a possibilidade de um terceiro ser o árbitro. Então isso significa
que o conflito não pode ser resolvido? Lógico que não.
É plenamente possível duas pessoas entrarem em acordo, e usando da inteligência,
chegar a uma resolução ética nos direitos de cada um. O inconveniente aqui, é que isso
é extremamente complicado de se fazer, pois em uma disputa entre partes, ambos
acreditam estar certos, e mais do que isso, QUEREM estar certos, o que dificulta ainda
mais permanecer comprometido com a razão, já que é do interesse de ambos, atingirem
seus fins, o que leva a outro incômodo plausível entre as partes... Por que confiar na
palavra do outro? Ele pode mentir, fraudar ou agir de má-fé, não há garantias do
contrário, e talvez ele teria motivos para isso.

Mas agora imaginamos o seguinte, um terceiro sujeito aparece no cenário. Problema


resolvido, certo? Bom, isso significa que ele automaticamente seria o mediador? Ele
poderia ser obrigado pelas partes a servir como juiz caso não queira? Ou ao contrário,
ele pode se declarar mediador mesmo que as partes não o queiram? E se uma das partes
aceitar, mas a outro não, deve necessariamente obrigar o discordante a se submeter? No
ato de se recusar, cria-se um conflito dois contra um, teríamos que esperar uma quarta
pessoa na para resolver o problema? A única resposta justa e racional possível para
todas essas perguntas é um “não”. Por isso, segue-se uma das conclusões mais
importantes para compreender a justiça em uma sociedade livre: Mediação não é direito,
nem uma prescrição obrigatória no convívio, mas em fato, é uma conveniência,
extremamente básica e muito útil, mais ainda assim, somente um serviço. Para afirmar o
contrário, seria necessário demonstrar que esse fator não é contingente, e por tudo que
já foi dito, fica claro que ele é.

OS TRIBUNAIS PRIVADOS

Formalizar serviços é uma ótima maneira para se conseguir produtividade e


visibilidade. Nós começamos com vendinhas em tendas, e logo passamos para grandes
centros comerciais até chegar a transações em escala mundial, essa evolução se deu
justamente pela sofisticação das tecnologias disponíveis em cada época, mas mais do
que tudo, pela nossa própria demanda por eficiência. Se esse desenvolvimento é próprio
de todos os serviços, sair do arcaico, onde leis são talhadas em pedras e executadas por
líderes locais, e a versão moderna disso, onde compilados de normas são criadas por
políticos despóticos e aplicadas por juízes ineptos, é inevitável. Se é nos mecanismos de
mercado que são satisfeitas as necessidades das pessoas, será por ele que os litígios
serão resolvidos também. Mas como de fato será isso?

Em um ambiente de competição, a disponibilidade de informação acaba por ser uma


tendência muito forte, uma vez que, tudo aquilo que fizer um tribunal se tornar menos
confiável aos olhos dos clientes, gerará prejuízo e oportunidade para a concorrência.
Selos de qualidade, auditorias públicas e registros avaliativos, são demandas que
representam então, a verdadeira supervisão, com seu valor atrelado credibilidade de
seus realizadores. Portanto, a não existência de um estado, não significará a ausência de
inspeção, ao contrário, por si só qualquer fiscalização ou regulamentação feitas pelo
governo geram inúmeros incentivos à corrupção e negligência, pois esse não dá as
pessoas a oportunidade de contestar seu valor, cujo a inspeção será compulsoriamente
dada como válida e obrigatória, independente de sua qualidade ou aceitação.

O cenário anarcocapitalista é tão mais promissor que, caso você não se sinta confortável
com as avaliações fornecidas pode sem intermédio, realizar as próprias investigações, e
se a empresa responsável pelo tribunal ou pela auditoria, não quiser liberar as
informações que satisfaçam as tuas preocupações, ou que cumpram os teus critérios
escolhidos, basta buscar uma que o faça, ou até mesmo começar seu próprio negócio,
atendendo a quem tiver as mesmas demandas que você, afinal de contas, empreender é
uma escolha válida e louvável.

Talvez uma das últimas preocupações do leitor até aqui, sejam os custos financeiros da
justiça privada, afinal, a estatal é sustentada por impostos, e no anarcocapitalismo, cada
um teria que bancar a si mesmo. Então como um mendigo, ou alguém muito pobre teria
acesso?

Fornecer serviços de baixo custo, investindo no barateamento o processo, mantendo a


qualidade do serviço, é uma das coisas mais lucrativas que existem, já que a alta
somatória de pessoas pagando pouco, gera uma alta quantidade de dinheiro, não falta
incentivos para que sejam abundantes os tribunais especializados a atender pessoas
muito humildes. Ademais, pleitos encerrados tem seu custo jogados a parte perdedora,
então aqueles com causas justas, não ficariam no prejuízo, muito pelo contrário, seriam
indenizados no final, valendo a pena até mesmo solicitar um empréstimo para abrir uma
disputa, ou assinar algum tipo de “plano de seguro”, com alguma empresa ou
diretamente com o tribunal.

Outra solução extremamente criativa, é a venda de causas. Suponhamos que sujeito A


tenha seus direitos violados por sujeito B, A entretanto, não possui meios para iniciar
um ação, então ele recorre a sujeito C, que aceita pagar a abertura do processo em troca
de alguma porcentagem do que vier a ser a indenização paga por B.

Pode-se pensar, “e se a causa de A for pouco atraente na perspectiva de lucro, ou não


possuir evidências muito convincentes”, bom, nada que empresas especializadas em
pequenas causas e investigações não resolvam. “E se C resolver se aproveitar da
situação e exigir um valor muito alto da indenização” bom, basta que A recuse o
contrato, e faça a mesma proposta para outras pessoas, até achar a melhor oferta
disponível.

Ainda que em apresentação simplificada, podemos a imaginar a potencialidade dos


desdobramentos que essa possibilidade nos dá, ao transformar o que até os dias de hoje
é dinheiro de tributo, em investimento.

AMBIENTES DE LEIS PRIVADAS

O mercado não pode esperar a burocracia do estado, tempo é dinheiro, boas e más
decisões podem arruinar um negócio, e ninguém quer depender de fatores assim. Não é
atoa que é relativamente comum a existência de serviços de arbitragem privada no meio
empresarial. Alguns exemplos de associações com fins de mediação bem sucedidas, que
atuam inclusive a nível internacional são, a Associação Americana de Arbitragem —
AAA (American Arbitration Association) fundada em 1926, e Câmara Internacional do
Comércio — CCI (International Chamber of Commerce) fundada em 1919.
Entretanto alguém pode pensar, “mas essas instituições, como tudo, estão submetidas ao
governo não é? O que garante que sem ele as mesmas não deixariam de funcionar”.
Bom, para tornar as coisas mais interessantes, demonstrarei a seguir, ambientes que
funcionam “livres” de uma autoridade central.

A INTERNET

Um dos exemplos mais acessíveis e contemporâneos a serem citados é da internet.


Sendo de certa forma, grande e dinâmica demais para ser regulamentada em sua
totalidade, a rede mundial de computadores, opera majoritariamente por meio de leis
privadas. Inúmeras comunidades, fóruns, sites e afins impõem suas próprias regras, e
até tribunais, que a propósito, nem sempre estão de acordo com a legislação do país a
qual o usuário as acessam, mas funcionam bem por atender os anseios de seus
frequentadores. Nesses locais, a punição para quem quebra essas regras é em geral, o
boicote, por meio de banimento e ostracismo, dependendo do caso, até mesmo a
exposição pública de informação, punições essas que por si só, já são suficientes para
manter a ordem nesses ambientes.

Outra coisa, é que não são as leis do governo que mantém a internet um local
“amigável” a quem usa. É bem verdade que existem regulamentações, e até serviços
policiais especificamente designados a punir crimes virtuais, mas veja, o real fator de
civilização virtual é o próprio interesse dos criadores de conteúdo em ter seu material
visualizado e divulgado.

Pense comigo, o que motiva o Google a não permitir certos conteúdos em suas
plataformas? Será que sem o estado para proibir pornografia infantil, vídeos de estupro,
sites mal intencionados e criminosos entre outros, a empresa simplesmente iria os
ignorar? É evidente que não, uma empresa precisa zelar por boa reputação para atrair
mercado, assim como, na maioria do tempo, não é o governo que faz o Facebook e
Twitter deletarem postagens, até porque, muito do que é excluído sequer é ilegal, mas
vai contra os interesses do que os donos entendem ser a vontade dos clientes para qual a
plataforma é direcionada.
É a nossa própria evolução de decência que dita os padrões sociais aceitáveis, tanto para
empresas, quanto para o estado, que ao contrário do que se pensa, não é assegurador da
moral, mas assim como qualquer instituição que preze pela própria sobrevivência,
precisa se adequar a tal, para não ser massivamente rejeitada. Prova disso, é que os
maiores responsáveis por combater materiais sórdidos e criminosos, nas partes mais
descentralizadas e anônimas da internet, são especialistas i​ ndependentes ou de alguma
célula ativista. Não há porque pensar que em um ambiente de livre mercado, estes, não
continuariam a ser incentivados a prestar o mesmo serviço, talvez até recebendo
pagamento para expandi-lo, já que é da própria sociedade, a vontade de se preservar.

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

É até bem estranho, mas você já parou pra pensar que não existe um “estado mundial”?
A ONU é só uma de várias associações, qualquer país pode entrar e sair dela a hora que
quiser, e nem mesmo precisa acatar a todas as suas resoluções. Pois é, uma nação se
relaciona com as outras na exata mesma condição a qual os anarcocapitalistas entendem
que os indivíduos de uma sociedade livre o farão, ou seja, através de acordos
voluntários e reciprocidade.

Veja essa pequena “anedota” para entender melhor:

O Sr. Brasil a algum tempo, que mora no bairro América Latina, teve um
desentendimento com a Sra. Inglaterra em decorrência de certo prejuízo que a mesma
acabou tendo ao transitar pela calçada do sujeito. O Sr. Brasil, por sua vez, não
acreditava ser responsável e não estava disposto a pagar qualquer indenização solicitada
pela Sra. Inglaterra, que ficou extremamente furiosa, chegando a ameaçar do uso da
força contra o Sr. Brasil, o Sr. Brasil, também levantou a voz e disse que se ela quiser
partir pra violência, ele também vai. A situação ficou tensa, até que o Sr. Brasil resolveu
pedir ao Sr. Belga, que morava no mesmo bairro que a Sra. Inglaterra, Europa, para
mediar a situação. O Sr. Belga avaliou a situação e disse:

- Bom, Sr. Brasil, era sua responsabilidade cuidar da situação da calçada da sua casa,
então você precisa pagar os danos a Sra. Inglaterra, mas de fato ela foi muito
deselegante e não deveria ter te ameaçado, então o mínimo que ela precisa fazer é te
pedir desculpas.

E como toda boa história, o final é feliz, Sr. Brasil pagou para a Sra, Inglaterra o que
devia e ela pediu desculpas por ter se excedido, voltando a se relacionar normalmente.
Claramente, isso só é só uma analogia, tentando se aproximar, para fins didáticos em
um episódio real, conhecido na história diplomática brasileira, como questão Christie36.
Mas vamos pensar em alguns cenários possíveis que poderiam ter acontecido. Veja, na
época, a marinha real chegou a enviar um navio de guerra para a costa brasileira, e o
nosso Imperador na época, Dom Pedro II estava disposto a responder a mesma altura,
não seria muito difícil essa situação escalonar para um conflito armado, só que, que bem
isso faria para ambos? Nenhum, o Brasil perderia um importante parceiro comercial,
assim como a Inglaterra, um bom cliente e fornecedor, sem falar nos prejuízos com o
conflito.
Mais do que isso, a Bélgica não tinha meios para obrigar militarmente qualquer um a
seguir a decisão tomada, e se essa fosse de alguma forma absurda, não só seria rejeitada
pelas partes, como sua execução seria vista como ilegítima pelo resto da comunidade
internacional, comprometendo seriamente a reputação do Rei Belga, o juiz e de quem a
aceitasse. Da mesma forma, como a deliberação foi nitidamente razoável, mesmo
qualquer lado podendo simplesmente se recusar a fazer o que lhe foi solicitado, seria de
quem agisse desse modo, o prejuízo à reputação, que acumularia aos próprios
infortúnios de se manter o conflito sem resolução.

36
Questão Christie, crise diplomática entre os governos do Império do Brasil e do Império Britânico
ocorreu entre 1862 e 1865.
PARTE III: LIBERDADES
A LIBERDADE
Muito embora o leitor já tenha sido agraciado com uma básica narrativa sobre a
liberdade, faremos um pedido de que, por hora, se esqueça das informações
anteriormente apresentadas e, com suspensão de descrença, se concentre no que virá a
seguir para que possa entender o que está sendo apresentado. Imagine um quebra
cabeças. É certo que as peças iniciais sobre a liberdade o foram apresentadas, mas,
agora, lhes serão dados alguns motivos e algumas peças complementares para que possa
terminar de montá-lo, assim como serão apresentadas algumas teorias sobre a liberdade.
Então, preparado? Esperamos que sim, pois, por agora, a liberdade começará a ser
dissecada, parte por parte, pedaço por pedaço.

O que é a liberdade? Como ela nasce e se finda nos homens? Como conciliar
propriedade e liberdade? E, por fim, o que o estado faz com a liberdade dos homens?
Questões como essas são essenciais para descrever uma sociedade libertária, afinal, não
somos nós aqueles que pregam a liberdade, mesmo que negativa? Somos e é nesse
ponto que iremos nos concentrar por agora; o conceito de liberdade. Esse conceito não
assume aqui a mesma conotação de livre-arbítrio, liberdade de vontade, ou
simplesmente livre deliberação, pois não existe tal coisa como liberdade irrestrita, e,
como defendemos uma sociedade ética, não poderia ser um termo, tal que englobasse
violações dessa ética, e ainda assim fosse tido como aceitável.

Mas então, o que significa liberdade para um libertário? Qual a melhor concepção de
liberdade e quais limitações são estas que são inerentes a todo homem? Primeiramente,
as tais limitações de liberdades, naturais a todo homem, são as limitações que habitam o
campo das limitações físicas, biológicas, ou até mesmo limitações mentais, cognitivas.
Por exemplo, e apenas para ilustrar a questão, não podemos pensar, ao menos
atualmente, em um homem que por sua livre deliberação de vontade possa dar um salto
e alcançar a lua.
Agora, falemos sobre a concepção comumente aceita de liberdade, o modelo que mais
frequentemente é idealizado.

SOBRE A LIBERDADE POSITIVA

Comecemos então falando sobre a liberdade positiva, a liberdade que, pelo menos neste
37
livro, trataremos como sendo algo como o oposto da concepção de liberdade negativa .
Essa concepção se trata de uma liberdade de agir fora de quaisquer limites, uma
liberdade que se dá pela capacidade de se auto direcionar, sem restrição alguma, que se
amplia ou se diminui de acordo com as vontades do indivíduo, nas palavras de Isaiah
Berlim:

O sentido 'positivo' da palavra 'liberdade' deriva do desejo


por parte do indivíduo em ser seu próprio mestre. Eu
desejo que minha vida e minhas decisões dependam de mim
mesmo, não em forças externas de qualquer tipo.38

E qual o problema com essa liberdade para um libertário? Bom, essencialmente,


defender tal concepção de liberdade implica, em alguma instância possível, em defender
também possíveis violações de outros indivíduos alheios a si mesmo e essa liberdade,
por mais tentadora que seja, é também uma possível fonte, ao menos em teoria, de
limitações de iguais liberdades em outros indivíduos. Vejamos por exemplo o caso de
um sequestro, tomemos por sinais, o indivíduo que sequestrou chamaremos ele de X, e
o indivíduo que foi sequestrado o qual chamaremos de Y. X amarrou Y e o levou a um
celeiro em algum local isolado, no qual está o mantendo em cárcere.

Nesse caso, evidentemente X exerceu sua plena liberdade positiva, ao, sem quaisquer
restrições, alienar a liberdade positiva de Y, que agora se encontra limitado, por conta
da liberdade positiva de X. Claro que esse é apenas um caso de exemplo, mas não é

37
Utilizaremos um conceito relativamente bem definido sobre liberdade positiva e negativa, muito
embora, filósofos como John N. Gray tenham defendido uma posição mais parcialista em relação ao
uso dos termos.
38
BERLIM, 2002.
difícil encontrar vários outros possíveis exemplos do que uma liberdade ilimitada e
irrestrita causaria (tomando aqui ainda limitações físicas).

E essa liberdade, claro, é também um possível atentado contra as concepções éticas para
um libertário, pois se todos podem fazer tudo a qualquer momento, não há sequer como
pensar em um direito de propriedade privada, o qual é essencialmente fruto de
liberdades negativas. Mas então, como é essa liberdade defendida pelos libertários, e
por que ela é a mais adequada?

SOBRE A LIBERDADE NEGATIVA

A liberdade que defendemos, como dito anteriormente, é a liberdade negativa, a


liberdade de agir dentro de seus limites, limites que se definem socialmente, limites que
se estabelecem no próximo. A liberdade negativa, nada mais é do que enxergar que
tanto você, quanto outrem, possuem igual direito à liberdade e é prezar por esse direito,
o que alguns chamariam de preço por se viver em sociedade. Esse preço existe em
qualquer sociedade e, no caso dos libertários, ele se define pela autocontenção de ação
em prol do respeito do direito de outrem.

Portanto, desde que defendemos a propriedade privada, a liberdade negativa se torna o


tipo ideal de liberdade a ser almejado. É no respeito à propriedade do próximo, da não
violação, que conseguimos ser realmente livres, uma liberdade essencialmente política,
nas palavras de Isaiah Berlim:

Eu sou normalmente dito ser livre ao nível em que nenhum


homem ou grupo de homens interferem na minha atividade.
Liberdade política nesse sentido é simplesmente a área em
que um homem pode agir dentro não obstruído por outros.
Se eu sou prevenido por outros de fazer o que eu poderia
de outra forma, eu sou em certo nível não livre; e se essa
área for retraída por outros homens além de um certo
mínimo, eu posso ser descrito como sendo coagido, ou,
talvez, escravizado.39

Agora, falaremos de aspectos mais profundos da liberdade (concepção geral), e também


de alguns desafios ao conceito de liberdade.

SOBRE AS CONCEPÇÕES MAIS GERAIS DE


LIBERDADE

Primeiramente, cabe a nós entender que a liberdade, agora tomada como uma
concepção mais geral, de liberdade de vontade, não é algo a ser dado, ou algo a ser
construído, a liberdade de decidir existe em cada momento da vida do ser humano, é
algo fundamental e basicamente elemento intrínseco a qualquer ser humano racional,
principalmente numa racionalidade essencialmente prática.

A liberdade humana surge no seio de qualquer decisão racional, pois, essencialmente,


somos seres que são colocados constantemente em situações de decisão, situações de
possibilidade, situações essas que nos forçam a agir de determinadas formas, ou de
deliberar sobre formas de agir em determinados casos. Tome por exemplo o caso de
alguém lhe perguntar se prefere café puro ou com leite. Mesmo um adepto do
determinismo teria de fazer essa escolha pois ele não poderia simplesmente dizer
“HAHA, eu sou adepto ao determinismo físico epifenomenalista e vou esperar que a
causalidade decida por mim". A pessoa poderia ficar ali durante todo o tempo de vida e
ainda assim não receber uma resposta.

Aqui vemos a necessidade de uso de nossa racionalidade prática para escolhermos entre
diferentes possibilidades, as tornando verdadeiras. Mesmo que o determinismo fosse
verdadeiro, não é possível conceber um modo de tornar esse aspecto da experiência
menos verdadeiro. Nas palavras de Searle:

Liberdade humana é apenas um fato da experiência. Se nós


quisermos alguma prova empírica desse fato, nós podemos

39
BERLIM, 2002.
simplesmente apontar o subsequente fato de que é sempre
nossa responsabilidade falsear quaisquer previsões que
alguém disponha a fazer sobre nosso comportamento. Se
alguém prevê fazer algo, eu posso muito bem é fazer outra
coisa. Agora, esse tipo de opção não está aberto a geleiras
descerem encostas de montanhas ou bolas rolando abaixo
um plano reclinado ou os planetas se movendo em suas
órbitas elípticas.40

E então podemos, por fim, entender como a concepção de liberdade apresentada agora e
a concepção de liberdade negativa diferem em definição, mas, não são de nenhuma
maneira, excludentes.

Mas essa concepção geral não é basicamente o mesmo que a liberdade positiva? Não
necessariamente. Essa concepção geral é apenas uma abstração existente na própria
racionalidade e quando falamos de liberdade positiva, geralmente o fazemos pensando a
nível social, ou ao menos, a nível individual dentro de uma sociedade, embora isso não
pareça fazer muita diferença, é crucial para que possamos enxergar a liberdade
(positiva/negativa) como essencialmente um modo de agir dentro da sociedade, e não
apenas como a fundamentação da liberdade (que é a concepção geral de liberdade de
vontade).

APROXIMANDO A LIBERDADE DE VONTADE DA


LIBERDADE NEGATIVA E PROPRIEDADE

O que torna a liberdade de determinação próxima da liberdade negativa é,


essencialmente, pelo menos para os humanos, a essência da liberdade e o corpo político
que toma ao ser negativa. Vejamos, a liberdade negativa, por excelência, permite que
tomemos a deliberação de agir dentro de certos limites justificáveis, limites esses que,
para libertários, se constituem essencialmente de propriedade privada.

40
SEARLE, 2003
Qual outra forma melhor de sociedade senão a que visa valorizar e conciliar a liberdade
de vontade de um indivíduo com o produto de seu trabalho livre e deliberado, sua
apropriação, seu homesteading, e tudo que ele pode fazer dentro dos limites objetivos
deste produto, desde que não interfira na também valorizada apropriação de outros seres
humanos? A liberdade negativa para libertários, portanto, não é apenas um fato, é
também um ver social que busca conciliar a deliberação de vontade de um, aqui
expresso como o produto de seu trabalho e suas relações sociais, para com todos.

O ESTADO CONTRA A LIBERDADE

O estado, a liberdade e a propriedade privada. Termos aparentemente simbióticos na


visão da grande maioria das pessoas, e para alguns, até mesmo inseparáveis. Como o
estado é incompatível com uma defesa racional da liberdade negativa, e
consequentemente com a propriedade, a propriedade privada, em essência, é
incompatível com o estado.
Mas por que isso se dá? Simples, o estado, com sua suposta “defesa” a propriedade e ao
mercado, acaba por simplesmente violá-los. O que o estado em essência é?

Nas palavras de Murray Rothbard:

O que é o estado? O estado, nas palavras de Oppenheimer,


é "a organização dos meios políticos"; é a sistematização
do processo predatório sobre um determinado território
[0​ 4]​ . Pois o crime é, no máximo, esporádico e incerto; já o
parasitismo é efêmero e a coerciva ligação parasítica pode
ser cortada a qualquer momento por meio da resistência
das vítimas. O estado, no entanto, providencia um meio
legal, ordeiro e sistemático para a depredação da
propriedade privada; ele torna certa, segura e
relativamente "pacífica" a vida da casta parasitária na
sociedade.41

Como pode uma instituição que se diz defensora da propriedade e do mercado, depredar
e alienar as propriedades dos indivíduos? Seja com cobrança de impostos, seja com
expropriações coercitivas de propriedades legítimas, seja com ameaças de violência
para aqueles que o desobedecem (em alguns casos com o efetivo uso da violência), seja
com intervenções econômicas na propriedade de indivíduos e seu direito livre de
escolher o que fazer com ela, tal como excessivas regulações e muros burocráticos
sobre o mercado, o estado continuamente possui formas (e encontra novas formas) de
espoliar indivíduos pacíficos, alienar sua vontade e infringir danos profundos na sua
liberdade negativa, demonstrando-se incompatível com a liberdade negativa.

Podemos então, sintetizar as informações apresentadas nos seguintes pontos:

1. A liberdade que libertários defendem, é negativa, e se opõe veementemente a


liberdade positiva, ou seja, existe da deliberação racional dentro de certos limites, que
para nós, é a propriedade privada.

41
ROTHBARD, 2012
2. O ser humano é um ser racional, um ser que é constantemente posto em
situações de escolha e possibilidade, é pressuposto da própria razão e raciocínio prático
que exista alguma deliberação livre de vontade para com essas situações.

3. A liberdade de vontade e a liberdade negativa, embora diferentes, não são de


forma alguma opostas, a liberdade de vontade complementa a negativa, que busca ser
uma liberdade essencialmente política.

4. O estado é um ente parasitário que se estabelece por meio de medo, violência, e


controles social, informacional, e cultural.

5. A liberdade negativa, e a propriedade privada, em sua plena essência não pode


sobreviver enquanto um estado estiver a violando e a colocando em risco, e como essa é
a característica essencial da manutenção de um estado (a sobrevivência parasitária), o
estado é incompatível com o libertarianismo.

Concluímos, portanto que, como defensores da liberdade, uma liberdade que pende
tanto a nós mesmos, quanto ao próximo, libertários são naturalmente incompatíveis com
a existência do estado. Bom, agora que chegamos aqui, para que possamos continuar,
irei voltar na questão da liberdade positiva, e apresentaremos, dessa vez, algumas
críticas mais concisas a mesma, de modo a demonstrar a fraqueza de uma concepção de
liberdade assim.

Primeiramente, iremos demonstrar, com argumentos, o motivo da liberdade positiva ser


socialmente nula, ou seja, incompatível com qualquer defesa de uma liberdade para
todos. O motivo, é bem simples, a liberdade negativa, como antes dito, é a liberdade
universalizável, uma concepção de liberdade perfeitamente compatível com a sociedade
(e não somente uma libertária), pois permite que todos os indivíduos se expressem
dentro de seus próprios limites de ação, uma liberdade que não interfere na dos outros.

O grande problema com a liberdade positiva, é que, ao contrário da negativa, ela é


naturalmente incompatível com a sociedade, mesmo sendo também um modo de agir
social. E daí surge o grande ás da questão: a liberdade positiva, quando concebida para
uma sociedade não caótica, é em última instância uma forma de liberdade negativa.
Entendemos que isso pode não fazer sentido, portanto vamos tentar tornar mais claro e
simples toda essa questão, então, separando as concepções dos dois tipos de liberdade,
apenas para deixar bem claro, em dois pontos:

Liberdade positiva é agir conforme sua própria vontade, independentemente de qualquer


coisa, ou da vontade/integridade de qualquer um.

Liberdade negativa é agir conforme sua própria vontade, mas dentro de certos limites,
estes que podem variar, desde a integridade de alguém, até, no caso de uma sociedade
libertária, a propriedade privada de outrem.

Agora que temos essas duas concepções de forma resumida; podemos nos concentrar
em pensar sobre a questão que foi apresentada com um exemplo. Tomemos que, em
certa sociedade anárquica, seja aceita a liberdade positiva e agora todos podem fazer o
que quiserem. Bom, é evidente que, nessa sociedade, no exato momento em que alguém
resolvesse danificar a vida de outras pessoas, ou as suas posses, essa atitude seria um
ato completamente legítimo. Porém, reflete-se, dentro de algum tempo, e começa-se a
perceber que, estão ocorrendo certos assassinatos, sequestros e agressões com as
pessoas pacíficas dessa sociedade de forma exagerada, e decidem que agora, todos os
que quiserem violentar ou ferir outras pessoas, terão de ser expulsos dessa sociedade
(seja por métodos igualmente bárbaros, seja por meio de ostracismo) Dentro de algum
tempo após esse novo acordo, as pessoas agora podem viver em paz. Bom, mas então, o
que podemos tirar do exemplo acima? Primeiramente, vamos analisar o que ocorre
como primeiro caso, com a liberdade positiva dessa sociedade. Os indivíduos, estavam
sendo alienados de suas vontades, ou seja, indivíduo X, estava alienando a vontade do
indivíduo Y, coagindo, restringindo, ou até mesmo cessando sua liberdade positiva.

O que isso nos diz? Simples, indivíduo Y agora não poderia exercer mais sua liberdade
positiva, em detrimento do exercício da liberdade positiva de X, está criada uma
situação onde prevaleceu o mais forte, e para o mais fraco lhe sobrou apenas uma
liberdade negativa, fruto de limites colocados coercitivamente por X. Algo como isso:
Agora que vimos que a liberdade negativa, existiu mesmo com a idealização de uma
liberdade positiva, ao menos para o lado mais fraco do conflito, começamos a ver o
problema de uma liberdade positiva. Mas, não somente isso, agora veremos também o
que ocorreu, como instância de ação da sociedade, a reação a essa liberdade positiva. Os
indivíduos dessa sociedade, prezando pela ordem acima do caos, resolveram adotar suas
próprias medidas para conter tais casos de violação de pessoas inocentes (como
mencionado, a solução poderia envolver ostracismo ou remoção por meio de coerção),
e, portanto, agora os indivíduos contém uma limitação socialmente incentivada para que
não pratiquem atos desse porte.

Agora também pudemos ver que, em essência, após as mudanças dessa sociedade, com
as novas normas morais implementadas, instaura-se também um limite à liberdade
positiva, e então, como podemos dizer que uma liberdade que se propõe a ser irrestrita,
que esta seja restrita socialmente? Não podemos, a liberdade, que uma vez foi
concebida como positiva, agora se demonstra, em alguma instância, negativa. Creio que
agora que dissecamos a questão das falhas gerais da liberdade positiva, temos o
suficiente para descartá-la como caótica e socialmente insustentável, e portanto,
podemos prosseguir com nossa análise da liberdade.

Pois bem, temos que a liberdade positiva é falha, e agora, esmiuçaremos também alguns
modos de como o estado controla sua vida, e interfere na sua liberdade, não precisamos
ir longe para refletir sobre isso, veremos coisas do próprio Brasil.

Serviço Militar Obrigatório: Uma forma moderna de escravidão disfarçada também


chamada de conscrição; o serviço militar obrigatório é um absurdo completo a qualquer
pessoa que preza pela liberdade de agir onde o estado coloca em você amarras
artificiais, as quais lhe compelem a servir, mesmo forçosamente, a esse sistema, e quem
não o faz se vê prejudicado em relação a tantas coisas básicas como conseguir um
emprego (que, por culpa também do estado, depende de uma série de necessidades
artificiais, como a de uma carteira profissional, que é também inibida), que acaba se
vendo compelido a se sujeitar a isso. Além disso, também incorre aquele que não se
sujeita a essa forma de escravidão moderna, em uma multa, e um impedimento da
emissão ou validação de passaporte, que por sua vez, é necessário para que o indivíduo
em questão possa sequer sair do país.

Limites à liberdade de expressão: O estado, mesmo com seu discurso sobre a


42
preservação da liberdade de expressão , não o faz de forma efetiva, eis que ele a limita
de forma arbitrária, justificando-se em pautas socialmente aceitas como discriminação e
ofensa e ao fazê-lo, cria uma barreira tão inescrupulosa a liberdade de expressão, que se
torna fatidicamente outro limitador à liberdade negativa, tal como defendida por
libertários, pois as violações a essa suposta integridade mental que advém de “ofensas e
43
discriminações” é punida com restrições reais a liberdade de expressão física do
indivíduo.

42
A liberdade de expressão, embora possa ser concebida de formas positivas, não será tratada neste
capítulo como tal, pois existe em uma instância totalmente alheia a quaisquer limites físicos que a
liberdade positiva e negativa poderiam se instaurar.
43
Ainda no campo da ofensa a liberdade de expressão, existe algo que pode ser claramente descartado
como arbitrário, mas ainda assim é mantido como crime capaz de ser punido, falaremos sobre a
arbitrariedade de ofensas e discriminações após o ponto sobre a ​liberdade de expressão​.
Impostos e seus custos jurídicos positivados: ​No ramo empresarial, existe outro fator
sério que é a limitação da liberdade sobre a propriedade, uma violação clara sobre o
44
indivíduo, na forma do imposto, nesse caso específico, o imposto sobre as empresas ,
onde as consequências de se rebelar (sonegar) a esse ato tirano de cobrar tributos sobre
empresas são variadas, indo desde a cobranças de multas com juros altíssimos (que
acarretam também em outros problemas, caso sejam ignorados), até confiscos de
propriedade e bloqueio de fundo monetário.

Agora, o leitor pode também pensar; “​mas é liberdade negativa da mesma forma,
apenas está sendo imposta pelo estado”​ . E é justamente por isso que não se pode ser
aceito, a liberdade negativa para um libertário, é fruto de uma organização voluntarista
de sociedade, baseada na ética de propriedade privada e o estado, por sua vez, é uma
instituição criminosa e impositiva, que demarca arbitrariamente seus territórios, e trata
como gado seus prisioneiros. Qualquer limite imposto por uma instituição assim deve
ser veementemente combatido e repudiado.

Agora, falaremos um pouco sobre a liberdade de expressão, qual a diferença para com
as liberdades positiva e negativa, por que deveria ser categorizada de maneira aparte, e
quais são seus limites e suas arbitrariedades.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, O FLUIR DAS


IDEIAS

Agora, tratemos de falar sobre a liberdade de expressão. Ela aqui se define, não como
uma ação comum, como se mover ou comer, mas como uma ação comunicativa ou
monológica, ações que expressam idéias, pensamentos e opiniões. E então, tomemos
que, embora a liberdade de expressão seja uma das possíveis instâncias das liberdades
gerais, positivas, e negativas, ela está em uma categoria especialmente diferente, pois,

44
Note que, pela defesa verdadeira dos direitos de propriedade, apenas considero aqui as empresas
legítimas, que não possuem ligações corporativistas com o estado, empresas que foram fundadas e
são mantidas de formas legítimas.
mesmo com tais correlações, ela possui propriedades únicas que a tornam
essencialmente diferente das ações causais não comunicativas.

Um exemplo é quando se conversa com alguém. Neste ato existe uma inerente
exposição de opiniões entre os sujeitos do discurso, exposição essa que pode ser
realizada até mesmo através de ofensas, mas, ainda assim, nenhum deles está violando a
propriedade privada do outro, e sim partilhando locuções verbais carregadas de
intencionalidade. Agora, quando temos dois indivíduos brigando em um bar, a situação
começa a se demonstrar diferente, pois, agora, ambos estão desferindo golpes uns nos
outros, violando suas propriedades. Essa distinção, parece ser apenas uma questão
superficial, mas é essencial para que possamos compreender os limites da liberdade de
expressão, em relação a liberdade negativa advinda da propriedade privada.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, SEUS LIMITES, E


ARBITRARIEDADES ESTATAIS

Agora, vamos pensar na liberdade de expressão e no que chamamos de ​casos de borda


(instâncias específicas em que se cabe limitá-la), bem como pensar no que o estado cria
com algumas delimitações arbitrárias do que pode ou não ser considerado liberdade de
expressão, e o que se enquadra em relações causais de violação. Primeiramente,
falaremos dos ​casos de borda,​ que podemos descrever, mais especificamente, no campo
das violações não fisicamente diretas de propriedade, causadas pelas ações de terceiros
(ou do que profere, mas em instâncias de ameaça), essas instâncias, esses casos de
borda, não deveriam sequer serem chamados de liberdade de expressão, em um sentido
negativo (vide liberdade negativa, estendendo-se seu significado para este termo).

Tomemos então alguns exemplos, bem como uma explicação da forma como eles
efetivamente interagem de formas causais e objetivas nas pessoas, e suas propriedades.

Marcelo tinha uma rixa com Diego, e então Marcelo mandou que duas pessoas, pagas
por ele (vamos os chamar de X e Y), matassem toda a família de Diego.
45
Como pudemos perceber, Marcelo, diretamente , não causou dano algum a Diego ou
sua família, apenas X e Y, porém, ainda assim Marcelo foi o responsável causal pelo
estado da família de Diego, pois dos atos dele, causaram se os efeitos que levaram a
família de Diego a ser assassinada (por X e Y), ambos, Marcelo, X, e Y, são os
responsáveis por esse crime, ambos são violadores de propriedade, e precisam ser
punidos.

‘Carlos quer extorquir Maxwell, e então Carlos ameaça sequestrar e ferir a irmã de
Maxwell, Maxwell, por sua vez, ignora os “pedidos” de Carlos, e segue em frente. Por
conta disso, Carlos sequestra a irmã de Maxwell, e pede um resgate.

Nesse caso, o que temos que perceber é que, ainda que Carlos, pelo menos no início,
46
embora não houvesse feito mal algum a ninguém, apenas incitado que cometeria algo,
e houvesse realmente o feito, ainda poder-se-ia incorrer em punições. Os crimes nesse
caso, foram tanto a ameaça, quanto a ação posta em prática, o fato dele ter realmente
feito algo, e o de considerar atos como aquele legítimos durante a ameaça per se,
vemos que esse é mais uma das instâncias que se classifica como ​caso de borda.​

Podemos sintetizar a questão dos casos de borda nos seguintes pontos:

1. Toda expressão não diretamente causal, no sentido que exista uma interferência
direta de 1 ou mais agentes alheios a quem profere, ou do resultado de suas ações (de
proferir), mas que causa ainda assim uma violação ética, é um ​caso de borda​.

2. Toda expressão posta ou não em prática, desde que legitimados determinados


cursos de ação para o agente (ex: “Eu vou te matar Taranthela!”, matar é um dos cursos

45
Em um sentido bem estrito, diretamente aqui denota uma ação direta do ator, sem nenhuma
interferência externa.
46
Esse caso, configura um ​caso de borda,​ pois as conclusões a serem tiradas dele estão sustentadas
em cima de um curso de ação que Carlos julgou como legítimo, dentre todas as possibilidades de
deliberação prática, o sequestro e a tortura foram considerados por ele válidos, e, embora não se
possa saber se Carlos vai ou não fazer o que disse, pois Carlos, até o momento, não havia realmente
ferido ninguém, por conta de tais ameaças, é possível se valer da força para impedi-lo.
de ação considerados legítimos pelo agente, que o levou em conta ao proferir isso a
Taranthela.), incorre em um ​caso de borda.​

Agora que vimos um pouco sobre os casos de borda, vamos falar das arbitrariedades
que o estado faz com a liberdade de expressão, constituindo seus próprios casos de
borda, porém sem relações de causalidade objetivamente analisáveis, ou mesmo
defensáveis.

O ESTADO E SUA ARBITRARIEDADE PARA COM


A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O estado, porém, não respeita a questão da causalidade que pode ser obtida de modo
objetivo, ele impõe os próprios limites, cujos quais acha necessários às situações que
julga. Ao fazer isso, ele reduz a liberdade de expressão, não de modo justo ou ético, mas
de modo a obter poder de julgamento arbitrário sobre os casos que ele julga
excepcionais, seja por interesses como instituição, seja por interesses que julgam-se de
interesse coletivo.

Poder-se-á falar sobre alguns casos que o estado julga como excepcionais, para que
possamos traçar algum paralelo sobre sua arbitragem.

Gretzel era um homem facilmente irritável e se vestia de forma vulgar, certo dia, ele
encontra uma moça de cor escura em um bar, Jéssica, e após algum tempo de conversa,
ela diz algo que o deixa ofendido, sobre a vulgaridade com que ele se vestia, insinuando
que pessoas como ele não deveriam frequentar aquele tipo de bar (Gretzel não era um
homem dotado de muitas riquezas de fato, mas ainda tinha sua dignidade), e então, ele
desfere uma ofensa a raça de Jéssica, uma ofensa relativamente leve, mas resultado de
um ato que tentava restaurar um pouco de sua dignidade.
Após ser ofendida, Jéssica vai até uma delegacia e faz uma denúncia contra Gretzel,
47
que, por sua vez, é encarcerado pelo estado, respondendo por racismo .

Nesse exemplo, Gretzel se defende das acusações de Jéssica, porém, ao mesmo tempo,
desferiu afirmações contra a raça (conjunto arbitrário de pessoas definido pela cor de
sua pele) de Jéssica, que o levou a ser preso, acusado de cometer um crime inafiançável.

Esse caso definitivamente não é um caso de borda, e, mesmo tirando-se as ofensas


desferidas por Jéssica, digamos assim, mesmo se Gretzel tivesse apenas simplesmente
ofendido sua raça, ainda seria um julgamento arbitrário, além de um julgamento
48
incompatível com a ética libertária . Arbitrário pois, na última instância da vontade,
não há como apontar que uma ofensa possui relação de causalidade na deliberação de
agir de um indivíduo, não há como dizer que, por conta de uma ofensa, X ou Y ficarão
ofendidos, ou mesmo se isso sequer iria importar, já que, como anteriormente dito, não
existe violação de propriedade neste ato.

Agora, imaginemos uma situação mais simples:

Andrei xinga Fernandino, que por sua vez, o leva a ser preso por cometer um crime de
Ofensa Contra a Honra.

Nesse caso, Andrei apenas xingou Fernandino, mas existe um limiar objetivo que pode
ser extraído em xingar alguém? Veja, digamos que André tenha xingado Gordinez, que
por sua vez era seu amigo, e tomou a ofensa como algo bobo, e até divertido, digamos,
Gordinez também trocou alguns insultos com Andrei, ambos são velhos amigos. Qual a
diferença qualitativamente objetiva entre Andrei ter xingado Fernandino e Gordinez?
Simples, a subjetividade emocional de Fernandino, algo que não poderia de forma

47
Para melhor tipificação, Gretzel ofendeu a raça de Jéssica em um ato de fúria, ao invés de ofender
apenas a cor de Jéssica. Racismo se tipifica pelo estado como crime inafiançável.
48
A ética libertária busca apenas lidar com crimes materiais, o que não se encaixa de forma alguma
em meras ofensas sem efeito causal que incorre em violação de propriedade. Muito embora isso não
signifique que Gretzel, caso tivesse ofendido ela de forma realmente discriminatória e não defensiva,
devesse sair disso impune, uma sociedade voluntarista libertária tende a ser discriminatória com os
que assim merecem (no julgamento moral das pessoas é claro), ou seja, Gretzel, e quem mais fosse,
digamos assim, “babaca”, seria ostracizado da sociedade (como Hans-Hermann Hoppe costuma
dizer, ‘fisicamente removidos’).
alguma servir de parâmetro objetivo para um julgamento não arbitrário, pois veja, se
Gordinez relevou a ofensa, por que motivos Andrei poderia ter pensado que Fernandino
não o faria também? Ou mesmo que o leitor argumentasse sobre a amizade, também
poderia-se dizer que Gordinez e Andrei se conheceram justamente por conta de uma
troca de ofensas, talvez, num jogo de sinuca ou algo assim.

A situação, além de arbitrária, é incompatível com os princípios libertários, uma vez


que a subjetividade emocional, no que tange a não gerar violações de propriedade
objetivamente definíveis. Agora que temos essas informações, podemos entender os
casos de arbitrariedade/antieticidade libertária de julgamento, dentro dos seguintes
pontos:

1. Caso em que a expressão em questão se demonstra incompatível com os casos


de borda.

2. Caso em que a expressão em questão se demonstra arbitrária demais para


produzir julgamentos adequados.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NEGATIVA

Para que possamos encerrar a questão da liberdade de expressão, vamos inseri-la no


mesmo campo das liberdades negativas, pois, como visto anteriormente, ela pode
perfeitamente ser delimitada, de modo a manter a ordem social, tal como uma conduta
ética.

Os ​casos de borda​, como assim foram chamadas as instâncias de ação que ultrapassam
os limites considerados eticamente aceitáveis para determinadas comunicações,
constituem um legítimo limite sobre a liberdade de expressão, e com tais limitações
sociais sobre esse modo de agir, ela se situa, portanto, compatível com concepções
negativas de liberdade.

Agora, cabe também sobre algumas instâncias de quebra desses ​casos de borda,​ falar
sobre como elas devem ser tratadas, quando ocorrem. Primeiramente, falemos sobre as
ameaças, como anteriormente dito, casos em que o ator profere afirmações, que contém
em si mesmas determinadas legitimações de possíveis cursos de ação, que são anti
éticos ao ver libertário. Tomemos como exemplo uma ameaça de morte, indivíduo X,
sobre determinadas circunstâncias, digamos assim, com uma corda, ameaça individuo Y
de morte, esse individuo Y, então, pode se defender de X por meio do mínimo possível
de violência.

Digamos assim, que nesse caso, esse limite venha a ser simplesmente tomar a corda das
mãos de X, utilizando-se de uma arma, por exemplo (uma situação de forças claramente
desproporcionais, porém ainda assim possível). Porém, Y resolve, ao invés de apenas
ameaçar X para que largue a corda, atirar e matá-lo. Y foi claramente desproporcional, a
diferença de forças era notável, e a situação poderia ter se resolvido de forma diferente,
nesse caso, Y se torna um agressor, e deve ser punido.

Como acabamos de ver, nesses casos onde a liberdade de expressão ultrapassa seus
limites, ela deve ser punida, pois se comporta em âmbito social como uma liberdade
negativa (uma extensão da mesma, que se comporta de forma diferente em várias
instâncias), porém, tal como falado no tópico sobre a liberdade negativa, não devemos
aceitar todas as formas de limitação a essa liberdade, pois, como libertários, apenas nos
valemos de limites racionalmente justificáveis, de modo ético, e não meramente
arbitrário, e, como antes exposto no tópico sobre arbitrariedades estatais, reforço que o
estado, com suas leis positivadas, não possui legitimidade para julgar quais formas de
liberdade de expressão deveriam ou não serem limitadas em uma sociedade.

Dever-se-á notar que, quando afirmo que o estado é um delimitador de liberdade


negativa, isso per se não se aplica a ele, que é tal como uma instituição que, por meio da
força e do poder social nele depositado (a confiança das pessoas nessa instituição), ele
ganha então um status tal como possuidor de liberdade positiva, e nessa liberdade, ele
acaba utilizando da força para delimitar a liberdade de outrem.
UM MANIFESTO À FAVOR DA LIBERDADE

Como pudemos ver neste capítulo, a liberdade assume várias formas, sejam elas
positivas, sejam negativas, ou sejam instâncias especiais da liberdade que se valem
através da comunicação ou monólogo. Todas essas formas de ser da liberdade, fazem
parte do que somos como humanos, do que somos como seres livres e racionais, e do
que somos como seres sociais, a liberdade que temos, é um aspecto intrínseco a nossa
racionalidade, um fato prático de ser humano.

Podemos então sintetizar, de modo geral, todas as posições apresentadas, de modo a


tornarmos as peças desse quebra cabeças mais acessíveis, em seis breves pontos.

1. A liberdade é um aspecto intrínseco de nossa racionalidade, e se expressa


através de nossas inúmeras decisões sobre possibilidades de ação durante nossa vida.

2. A liberdade positiva é uma liberdade que se expressa como algo supremo ao


controle do indivíduo, dentro de nossas fracas concepções humanas, é uma liberdade de
agir sem limites.

3. A liberdade negativa é uma liberdade que se expressa de modo a fomentar um


convívio social, este que tenha como objetivo ser ético e moral.

4. A liberdade negativa é arbitrariamente definida pelo estado em nossa sociedade,


o qual nos limita de modo a satisfazer suas próprias necessidades, acima de qualquer lei
que possa ser justificada de modo racional pela imposição de força, inserção social, e
medo.

5. A liberdade de expressão é a forma como expressamos comunicativamente, de


como expomos nossas idéias, sentimentos e opiniões.

6. A liberdade de expressão é perfeitamente compatível com a liberdade negativa,


sendo, por meio de um ponto de vista libertário totalmente possível delimitá-la de modo
a manter uma sociedade saudável e ética.
A PROPRIEDADE INTELECTUAL
É intrínseco ao libertarianismo o fato de que todo objeto tangível é passivo de ser
apropriado. A propriedade nasce no momento em que misturamos nosso trabalho a um
objeto, quando trocamos entre si objetos trabalhados desta forma, quando usamos,
delimitamos, e defendemos determinada área49. Todavia ao sair do campo físico da
apropriação (onde é possível, por parâmetros e definições, mensurar; e até mesmo
valorar de forma mais intuitiva) e entramos no campo imaterial, quando entramos
naquilo que está metafísico (i.e. além do tangível) a concepção de apropriação e,
inclusive, de mensuração torna-se algo extremamente confuso.

De modo que, por fim, resta algumas indagações: O indivíduo tem direito exclusivo
sobre tal propriedade imaterial? Ou teria a lei que amparar esses direitos? A partir de
questionamentos comuns a estes, discorreremos sobre.

Para facilitar nossa comunicação, doravante, Propriedade Intelectual será referido como
PI.​

DIREITOS E ESCASSEZ

Antes de tudo, faço uma atividade recursiva e questiono: O que torna o tangível passível
de apropriação? A resposta é escassez. Um ponto de inflexão mostrará que é a escassez
desses bens – isso porque a finitude dos elementos nos leva ao fato de que podem haver
conflitos; visto que duas ações sob o mesmo recursos escasso com propósitos diferente
são excludentes. Assim, a função social e ética fundamental dos direitos de propriedade
é prevenir conflito interpessoal quanto a recursos escassos. Acerca da ética, Hoppe diz:

Apenas porque existe escassez existe um problema de


formular leis morais; apenas se os bens são
superabundantes (bens “livres”), nenhum conflito quanto

49
Apropriação original, ou no inglês ​homesteading,​ é a forma pela qual um pioneiro ganha direitos de
propriedade sobre um recurso previamente sem dono, ao ocupar e misturar seu trabalho com tal
recurso. Isso se dá pela indissociabilidade do trabalho da pessoa.
ao uso dos bens é possível e nenhuma coordenação de ação
é necessária. Consequentemente, disso segue que qualquer
ética, corretamente concebida, deve ser formulada como
uma teoria da propriedade, ou seja, uma teoria da
atribuição de direitos de controle exclusivo sobre meios
escassos. Só assim se torna possível evitar conflitos até
então inevitáveis e sem solução.50

Este é o grande diferencial do recurso escasso. Ele contempla a necessidade de ser


demonstravelmente justo.

Direitos de propriedade devem ser demonstravelmente


justos, bem como visíveis, porque eles não podem cumprir
sua função de prevenir conflitos a menos que sejam aceitos
como justos por aqueles afetados pelas regras. Se os direitos
de propriedade são alocados de maneira injusta, ou
simplesmente agarrados à força, é como se não houvesse
direito algum; é novamente o poder contra a justiça, isto é,
a situação anterior aos direitos de propriedade. Mas como
os libertários reconhecem, seguindo Locke, é apenas o
primeiro ocupante ou usuário de tal propriedade que pode
ser seu dono natural. Apenas a regra do primeiro ocupante
garante uma alocação ética e não arbitrária de propriedade
sobre recursos escassos. Quando direitos de propriedade
sobre meios escassos são alocados de acordo com a regra
do primeiro.51

Devemos então ressaltar algo evidentemente importante, quando falamos de


propriedade intelectual, embora estejamos, em essência, dando uma alta importância a
questão do que é tangível, isso se dá simplesmente pelo caráter essencialmente escasso
do que é tangível, não apenas por ser tangível, é a escassez a base elementar dos
conflitos.

50
HOPPE, 1989, p. 239
51
KINSELLA, 2017, p. 26
Para que possamos ilustrar a questão, no que tange a definição padrão do que é tangível,
de ser algo fisicamente palpável, temos que é possível pensar, apenas por questões de
ilustração, em um exemplo de bem escasso não tangível.

Suponha que exista um servidor, esse servidor contém dados, que não necessariamente
podem ser considerados tangíveis, num sentido que denote exclusivamente
palpabilidade, mas ainda assim, os dados presentes nesse servidor, prima facie são
dados escassos, pois, ainda que possam ser copiados, existem apenas em um lugar,
objetivamente falando, se um indivíduo os modificasse, esses dados simplesmente não
seriam mais os mesmos, e se ambos o indivíduo e o dono do servidor tentassem, o
indivíduo a modificar e o dono do servidor a copiar, eles não poderiam, pois existe um
caráter exclusivo entre suas ações, que acaba por ser refletido nos limites do hardware
(por possuir implementação física) em executar as duas operações.

Outros exemplos de bens escassos e intangíveis são aqueles definidos via contratual,
como por exemplo uma ação ou quota de uma empresa, uma opção de compra e outros
bens do tipo.

Agora que esclarecemos essa questão crucial, exemplificando uma situação de não
tangibilidade evidente, podemos então continuar.

ACERCA DA PI

Avant-garde d​ essa parte do texto, usaremos a seguinte definição de PI:

A propriedade intelectual é um conceito amplo que cobre


diversos tipos de direitos legalmente reconhecidos sobre
algum tipo de criatividade intelectual, ou que estão de
alguma forma relacionados a idéias. Direitos de PI são
direitos sobre coisas intangíveis – sobre idéias, conforme
expressas (direitos autorais), ou conforme materializadas
numa aplicação prática (patentes).52

52
KINSELLA, 2017, p.9
Nos sistemas atuais a PI é aplicada à direitos autorais, marcas registradas e patentes. Os
direitos autorais são concedidos a autores e criadores de obras como livros, filmes,
programas de computador, jogos, artigos e qualquer outra coisa que você possa pensar
que encaixe neste contexto. Trata-se de um direito de uso exclusivo sobre determinada
obra. As patentes são destinadas a produtores de invenções, como máquinas, carros,
entre outras coisas.

Um produto patenteado tem seu direito de produção unicamente a empresa que o


desenvolveu, criando um monopólio sobre a produção deste invento. Uma marca
registrada pode ser considerada uma frase, uma logotipo, um slogan de um produto que
o diferencia dos demais concorrentes.

Como dito anteriormente, o direito à propriedade sendo definido como direito ao uso
exclusivo sobre determinado objeto, é aplicável a objetos tangíveis, mas e na questão de
idéias, patentes, e marcas registradas? Como poderia e se deveria ser aplicável um
conceito tão material à objetos tão imateriais?

Façamos um exercício imaginativo: Este livro - que lê agora - está dentro da definição
estatal do direito à propriedade intelectual; mesmo com você o tendo em ​suas mãos
neste momento, ou o tendo como arquivo em ​seu computador, dentro de ​seu disco
rígido que é capaz de ligar e coordenar todos os arquivos armazenados por conta da ​sua
ligação à rede elétrica. Mesmo que você o tenha comprado ou ganhado, ainda assim, de
acordo com os direitos autorais (caso este livro estivesse sobre o campo de jurisdição
estatal), o caro leitor não teria o direito para poder copiar, transcrever, imprimi-lo ou
que assim seja, mesmo que a tinta seja ​sua,​ que o papel seja ​seu,​ que todos os meios
imagináveis capazes de copiar uma obra sejam ​seus,​ ainda assim neste caso o direito a
cópia estaria em nossas mãos. É por esse e outros motivos, que criou-se termo em inglês
copyright que determina quem possui o direito a cópia sobre determinada obra criativa.
Toda a construção de palavras, as idéias expressadas neste livro, os conceitos
formulados, todos pertenceriam única e exclusivamente ao autor (isto na definição de
direito autoral).

É de estarrecer-se ao pensar que num mundo onde existem tantas pessoas com
pensamentos criativos, caso duas pessoas pensem na mesma coisa, na mesma
construção e colocação de palavras, na mesma idéia de uma nova máquina ou invenção,
de acordo com a lógica da PI, haveria um conflito entre estes indivíduos.

A propriedade tem a função normativa de determinar quem é o possuidor do direito


sobre determinado recurso. Isso se torna totalmente ilógico quando apontamos nossas
investigações a quais objetos podem ser apropriados pelos agentes atuantes. É
impossível imaginar o direito de propriedade sendo concedido a um objeto que não seja
escasso. O seu corpo, este livro, os dados de um computador, uma rocha na rua que ao
ser trabalhada se torna uma pedra, uma folha caída de uma árvore, minérios extraídos de
uma jazida, e qualquer outro objeto que, por mais abundante que seja, não seja infinito;
pode ser entendido como passível de apropriação, ou, de modo subsequente, como uma
propriedade de outrem.

Mais uma vez, façamos uma atividade imaginária. Imaginemos que existem duas
pessoas: Mateus e Henrique. Logicamente, é possível que Mateus e Henrique pensarem
no conceito de uma nova invenção ao mesmo tempo, sem que eles entrem em um
conflito. Todavia, no momento em que se tangibiliza tal conceito, é impossível que
Mateus e Henrique aloquem, sob uma motivação subjetiva, essa nova invenção para
usos excludentes sem que se gere um conflito. É clara a diferença entre algo tangível ao
nosso mundo e algo puramente conceitual, imaterial, que está apenas presente em nossa
consciência.

Para a lógica dos direitos autorais, ao redigirmos este livro que você está lendo, o direito
ao uso destes conceitos postulados é apenas nosso, dos autores. Mas da óptica libertária,
onde a lei de propriedade é a única racionalmente defensável e capaz de resolver
conflitos, toda essa idéia sobre posse de produtos imateriais cai completamente por
terra.
O fato de eu descobrir a cura para alguma doença, e você a usá-la também, não me priva
da minha capacidade de continuar a usufruir desta idéia. É completamente diferente de
alguém possuidor de uma vacina ter ela tomada de suas mãos por outro indivíduo, o
conflito entre os agentes é claramente notado aqui, diferentemente do primeiro exemplo.
Agora demonstrando a não escassez das idéias, vamos mostrar algo que Kinsella
maravilhosamente escreveu:

O que, afinal, está realmente errado em reconhecer


“novos” direitos de propriedade? Afinal, uma vez que
novas ideias, criações artísticas e inovações continuamente
nos enriquecem, qual é o mal em se “modernizar” e
reconhecer novas formas de propriedade? O problema é
que se direitos de propriedade são reconhecidos sobre
recursos não escassos, isso necessariamente significa que
direitos de propriedade sobre recursos tangíveis são
correspondentemente diminuídos. Isso porque a única
forma de reconhecer direitos ideais em nosso mundo real,
escasso, é alocar direitos sobre bens tangíveis. O fato de eu
possuir um direito efetivo de patente – um direito sobre
uma ideia ou padrão, não sobre um recurso escasso –
significa que eu tenho algum controle sobre os recursos
escassos de todos os outros. De fato, podemos perceber que
direitos sobre PI implicam uma nova regra para adquirir
direitos sobre recursos escassos, que desloca o princípio
libertário de primeira ocupação. Isso porque, de acordo
com a apropriação original libertária-Lockeana, é o
primeiro ocupante de um recurso escasso previamente sem
dono que se torna seu dono, isto é, se apropria dele. Uma
pessoa que chega depois e toma controle de tudo ou parte
de tal propriedade é simplesmente um ladrão, porque a
propriedade já tem dono. O ladrão efetivamente propõe
uma nova e arbitrária regra de apropriação para substituir
a regra do primeiro ocupante, de fato a regra
particularista “eu me torno o dono da propriedade quando
eu forçadamente a tomo de você”. É claro, tal regra não
pode ser considerada como tal, e é claramente inferior à
regra do primeiro possuidor. A regra do ladrão é
particular, não universal; ela não é justa e certamente não
é apropriada para evitar conflitos.53

UTILITARISMO E PI

De certo, acima e outrora, já fora provado as inconsistências da defesa da PI sob o ponto


de vista ético. Porém, há aqueles que insistem em defendê-la - seja por interesses
próprios ou etc, isso independe e ainda não interfere na análise - utilizando-se de
argumentos utilitários.

Discute-se muito sobre o fato de direitos autorais e patentes são causal e factualmente
agentes da fomentação da produção de trabalhos criativos e invenções, ou se os lucros
vindos de inovações ultrapassam os custos de um sistema que impõe a PI. Estudos
econométricos não mostram conclusivamente ganhos líquidos em riqueza54.
Possivelmente existiria ainda mais geração de produtos e renda se não houvessem leis
que obrigam a existência da PI; talvez mais dinheiro para pesquisa e desenvolvimento
estivesse disponível se não estivesse sendo gasto em patentes e tribunais. É possível que
companhias tivessem um incentivo ainda maior para inovar se elas não pudessem contar
com um monopólio de quase vinte anos dessas invenções. Afirma-se isto, porque,
indiscutivelmente, existem custos do sistema de patentes.

É evidente que as patentes são obtidas apenas após a tangibilização de uma ideia, após
sua aplicação; mas o mesmo não contempla ideias mais abstratas ou teóricas. O que
completado em:

Não fica claro se a sociedade está melhor com


relativamente mais invenções práticas e relativamente
menos pesquisa e desenvolvimento teórico. Adicionalmente,
muitas invenções são patenteadas por motivos defensivos,
resultando em salários de advogados de patentes e taxas de
escritório de patente. Essas grandes despesas seriam

53
KINSELLA, 2013, p.35
54
KINSELLA, 2017, p.19
desnecessárias se não existissem patentes. Na ausência de
leis de patente, por exemplo, as companhias não gastariam
dinheiro obtendo ou se defendendo contra patentes
ridículas como as do Apêndice. Simplesmente não foi
mostrado que a PI leva a ganhos líquidos na riqueza. Mas
não deveriam aqueles que defendem o uso da força contra
a propriedade de terceiros satisfazer o ônus da prova.55

Mas de certo que, um ponto utilitário não serve como parâmetro de justiça. E mesmo
que PI proporcionasse maiores lucros ou riquezas a sociedade (o que não é,
necessariamente, de fato), ora, a lei deve buscar a justiça, evidentemente; e não fatores
financeiros.

55
KINSELLA, 2017, p. 19-20
AS POLÊMICAS
Muito se fala sobre libertarianismo, muito se fala sobre o estado, muitas coisas são ditas
por agentes do estado, muitas coisas são ditas pelos próprios libertários, e muitas dessas
coisas, particularmente, não são bem esclarecidas, existem por todos os lados defesas e
ataques feitos de maneira errônea ao libertarianismo, detalhes que, embora possam
parecer danosos ou tão graves, impactam na forma sobre como as pessoas enxergam o
libertarianismo per se, falamos sobre muitas dessas coisas nesse capítulo, e buscamos
esclarecer algumas delas, em prol de uma melhor visão sobre o que é realmente o
libertarianismo.

Avançando mais, falaremos também sobre as polêmicas que existem no meio libertário,
digamos assim, conflitos internos do movimento libertário, objetos de problematização,
que carecem de consenso, coisas como o aborto, a causalidade, a questão do voto, etc.
Tentarei falar sobre esses itens também, bem como também exporei de modo parcial
minha visão sobre alguns desses assuntos.

Bom, anunciado nosso tema, vamos iniciar nosso tour sobre as polêmicas mais famosas
envolvendo o libertarianismo.

Expressões Errôneas do Anarcocapitalismo


Temos que, ao menos em certa quantidade, é comum ocorrerem exposições incorretas
de ideais libertários, vejamos alguns casos, e algumas correções a essas exposições a
seguir:

LIBERTÁRIOS ESTÃO APENAS CONTRA O


ESTADO

Essa é uma questão definitivamente muito expressada, que libertários apenas se opõe ao
estado, sendo assim todas as outras formas de espoliação, grandes latifundiários de
terras ilegitimamente apropriadas, e mesmo empresas mancomunadas ao estado,
estariam perdoadas.

Alguns argumentos que já tive a oportunidade de ouvir, durante um bom tempo que
passei debatendo com pessoas, vindo também inclusive de libertários, e que reforçam
essas ideias incorretas, são:

“Sem o estado empresas gigantes (insira o nome de alguma aqui, rs) poderiam fornecer
serviços de forma mais barata!”
“Sem o estado a concorrência acabaria com as imensas empresas, abrindo assim um
caminho ao livre mercado!”

Mas isso de forma alguma poderia ser verdade! Anarco-Capitalistas não defendem
apenas o fim do estado, defendem o fim de todas as formas de hierarquias injustificadas,
hierarquias meramente impostas a base da força! Bem como defendem também o fim de
todas aquelas instituições, empresas ou pessoas que estão mancomunadas com o estado!

Isso obviamente inclui, e não exclusivamente, corporações com suas ligações com o
estado, que perdem quaisquer direitos de proclamar propriedade sobre si mesmas,
propriedade essa que possui como constituinte atos e meios antiéticos. Também inclui
aqueles que, com o grande estado protetor, mantém imensos latifúndios de terra,
propriedades ilegítimas mantidas pela força da imposição do estado! Não melhores do
que ele próprio, muitas essas propriedades não foram sequer apropriadas pelo princípio
56
de homesteading , sendo supostamente fruto de pedaços de papel com a adesão de
suposta “legitimidade” advindos da instituição de coerção em massa chamada estado. E
por último nessa listagem, mas não menos importante, empresas que se prestam a
aceitar com todo ânimo fundos do estado, produtos da espoliação feita a indivíduos
pacíficos, simplesmente por que não conseguem ser capazes o bastante de suprir as
necessidades do mercado, sim, falo deles, os chamados “incentivos” do estado sobre

56
Para recursos escassos externos ao corpo, utiliza-se o princípio de apropriação original lockeano,
onde o primeiro e efetivo usuário de um meio inapropriado, toma para si os direitos de propriedade
sobre esse meio (a propriedade privada é de quem possuir o melhor vínculo objetivo para com o meio
em questão). Para mais detalhes, ver ‘Journal of Libertarian Studies Volume 17, no. 2 (Spring 2003),
pp. 11–37 ‘ Por Stephan Kinsella.
57
determinados mercados . Não cabendo a esse momento falar ou não da suposta
efetividade de tais serviços (que tende a ser negativa), apenas da questão ética, se não
devolvidos (de modo legítimo, obviamente), esses “incentivos” podem ser transferidos
das empresas que os receberam, de forma a punir o ato.

O QUE É PROPRIEDADE PRIVADA

Propriedade privada, na concepção que melhor expressa seu conceito, pode ser descrita
como o direito socialmente reconhecido de controle sobre determinado meio escasso.

Portanto, poder-se-á dizer que a propriedade privada não é o meio em si, mas a relação
entre ator e meio.

ESCASSEZ ​VS​ NÃO ABUNDÂNCIA

O que é escassez? Qual a diferença entre escassez e não abundância? Simples, quanto
que a abundância é uma propriedade quantitativa dos recursos, a escassez é um atributo
qualitativo de meios de ação, poderiam existir infinitas quantidades de maça pelo
universo ou pelo planeta, mas ainda assim maçãs seriam escassas, não por conta de sua
quantidade, mas porque, vez que se tornem meios de ação, sempre estarão sujeitas a
conflitos de fins.

O que é um conflito? O que é um fim?

Um conflito nada mais é do que o emprego de fins contrapostos para determinado meio
por 1 ou mais atores. Um fim nada mais é do que aquilo que determinado ator intenta
em tornar factual.

Tomemos a seguinte situação como exemplo:

57
Não necessariamente poder-se-ia enquadrar o chamado “incentivo” de isenção de impostos nessa
categoria como anti éticos, visto que são casos excepcionais (instância de não conformidade com o
padrão) de não agressão. Em todo caso, são apenas exceções, e não serão tratadas nesse texto, sendo
consideradas apenas as instâncias de ação de “incentivo” governamental pautadas em distribuição ou
expropriação de recursos ilegitimamente obtidos pelo estado (todos).
“Robert está comendo uma maçã”

Nessa situação, Robert possui um fim (comer a maçã totalmente), e está empregando
meios (seu corpo, a maçã) para atingir esse fim.

Agora, pensemos na questão da escassez, digamos que, Roberto, irmão gêmeo de


Robert quisesse usar a maçã que Robert está comendo para atingir o mesmo fim (comer
a maçã inteiramente).
Vemos nessa situação que, embora exista uma única maçã (não abundância local), dois
58
indivíduos atribuíram fins exclusivos para ela , um conflito foi criado, pois apenas um
dos indivíduos pode verdadeiramente performar a ação (comer a maçã por inteiro),
portanto dizemos que esse meio é escasso.

LIBERTÁRIOS SÃO CONTRA TODA FORÇA E


COERÇÃO

Isso não poderia ser mais inexato, libertários não se opõe ao uso da força ou coerção, o
uso da força e coerção é essencial para que uma sociedade voluntariamente organizada
em torno de uma ética objetiva e racional possam resolver seus conflitos internos, o
item a qual os libertários são veementemente contra, e que os define em essência, é a
59
agressão, o uso/iniciação de força injustificada (agressão) .

Podemos pensar em alguns casos de ação, para que possamos compreender essa questão
de uma forma mais clara.

58
Não necessariamente todos os fins são exclusivos, um fim é exclusivo apenas quando em uma
situação em que múltiplos fins são atribuídos ao meio (sendo do próprio ator ou também de outros),
sendo esse um deles, esse fim conflita com outros fins deste escopo de ações.

59
A natureza da agressão não se perfaz apenas sobre o uso de força física, pois, no geral, a agressão se
dá em cursos de ação, a agressão é uma ação que possui conexão causal entre o uso de um meio e um
fim que inicia um ato ilícito. A força física, portanto, é apenas uma das formas de agressão, falaremos
mais sobre isso a frente.
“Sales e Trogel entram no armazém, mas Sales estava armando algo contra Trogel, ele
fecha a porta do armazém por dentro e guarda a chave em seu bolso, em seguida, pega
um martelo e bate com ele na perna esquerda de Trogel”

Esse é um claro exemplo de iniciação do uso de força injustificada, uma agressão,


Trogel não havia feito nada de antiético contra Sales para que este ato fosse justificável.
Agora, vejamos como essa situação se desenrolou:

“Trogel, quando percebe um momento de distração de Sales, remove o martelo de suas


mãos e o usa para nocauteá-lo, de forma a conseguir sair dessa situação”

Agora, de forma totalmente defensiva, Trogel se viu em uma situação na qual deveria
retirar o martelo das mãos de Sales, e nocauteá-lo com ele, para que pudesse fugir deste
local com vida, nesse caso, Trogel usou o mínimo de força possível para que pudesse
60
resolver o problema .

Agora vejamos a situação novamente, dessa vez por outro ângulo, voltando ao momento
em que Trogel foi atingido:

“Trogel vislumbrou uma chance de vingança, encontrou no canto de um dos balcões


uma arma, no momento em que Sales estava distraído conseguiu pegá-la e apontar para
Sales. Sales, agora rendido, foi ordenado a largar o martelo, e assim o fez, em seguida,
Trogel ordenou a sales que lhe entregasse a chave para que pudesse fugir, dessa forma,
normalmente, a situação teria se resolvido com o mínimo de coerção necessária. Porém,
após receber a chave, Trogel resolve, em um ato de vingança furioso, matar Sales,
atirando contra sua cabeça.”

60
O mínimo de força necessário é o modelo utilizado por libertários para que sejam resolvidos
conflitos diretos/indiretos como esse, que necessitam do uso de força física. Tome como exemplo um
soco e um assassinato, entre esses dois eventos existe uma clara diferença de força, pois de um lado o
soco apenas machucou o alvo, porém o assassinato é caracterizado pelo cessar da ação, e entre esses
dois graus de força existe um abismo quase intransponível.
Essa situação difere substancialmente da anterior, ao passo que, entre o ato de matar e
de acertar a perna de alguém com um martelo, existe um abismo de
61
desproporcionalidade praticamente impossível de ser transpassado .

Podemos então, sintetizar a questão da força e agressão nos seguintes pontos:

1. Agressão pode ser descrita como a iniciação do uso de força injustificado (e.g.
Forçar alguém a te beijar), mas também, de forma mais precisa, como a conexão causal
entre utilizar um meio para se alcançar um fim ilícito (que viole a propriedade privada),
[e.g. Mandar alguém matar uma pessoa], para tornar a explicação mais simples, apenas
casos de iniciação de força física direta foram inseridos neste tópico.

2. Toda punição por uma agressão, deve ser ou proporcional ao ato, ou


62
simbolicamente apropriado .

3. Toda retaliação por meio do uso da força que seja maior do que a força utilizada
na agressão iniciada, possui a pena de se tornar ela mesma uma agressão.

Agora que falamos um pouco sobre a agressão, uso da força, e coerção, falaremos
também sobre a questão da autopropriedade, uma grande fonte de controvérsias e
confusões no meio libertário.

AUTOPROPRIEDADE

Uma das importantes controvérsias do meio libertário sobre a autopropriedade, vem da


questão dela ser ou não ligada ao homesteading, discorrerei sobre isso agora.

61
Muito embora seja possível pensar em casos onde essa situação seja justificada, por exemplo, se
Sales tivesse cúmplices no armazém, de modo que a única solução possível para que Trogel pudesse
fugir fosse matar Sales, um modo interessante de dizer isso é, cada caso é um caso.

62
Um modo mais, por assim dizer, civilizado, e com maiores chances de ressocialização criminal, de
realizar punições em uma sociedade libertária, como Kinsella uma vez disse, é com um sistema de
restituições materiais monetárias, desde que a parte agredida concorde, é claro. Outra vantagem do
sistema de restituições é a segurança jurídica, uma vez que, por exemplo, se você matar um assassino
que na verdade era inocente, você também seria punido com a morte, mas se você tivesse apenas
exigido uma restituição, poderia apenas devolvê-la.
A autopropriedade, ao contrário do que se pode pensar, não vem do primeiro uso sobre
o corpo, mas sim de sua relação especial para com ele. Para que essa situação se torne
mais clara, vamos pensar de forma a fazer uma análise sobre a questão.

O proprietário de uma propriedade privada é aquele cujo qual possui o melhor vínculo
objetivo para com o meio.

O melhor modo de definirmos qual aquele que possui o melhor vínculo com um meio
não apropriado, é por meio da primeira apropriação, do homesteading, realizar a mistura
de seu trabalho para com esse meio.

Um outro modo de obter tal vínculo, é com uma transferência de propriedade, que pode
ocorrer tanto por meios contratuais, quanto por meios restitutivos.

De certo modo, o primeiro a misturar seus recursos com seu corpo são seus pais, ao
alimentá-lo, vesti-lo, e cuidá-lo.

Porém, isso não significa que eles tenham o melhor vínculo objetivo para com você,
pois existe um vínculo, vínculo esse que existe de forma especial, que é sua identidade,
você é um ser de direito, que em alguma instância, é expresso também pelo seu corpo,
você é representado diretamente por ele, mas também o controla, seu corpo é tanto uma
referência sua quanto seu meio de ação primário, e essa ligação especial é o motivo de
você, e não seus pais ou qualquer outra pessoa que interaja com você, ser seu
autoproprietário.

Esse direito de propriedade sobre si mesmo, porém, não é de todas as formas


inalienável, pois, embora não possa ser transferido por meio de um contrato, é possível
perdê-lo ao cometer um ato de agressão para com outrem.

Uma forma de se pensar sobre a distinção entre corpo como meio de ação primário, ao
mesmo tempo que lhe representa, pode ser expressa, para um materialista, por exemplo,
ao se pensar sobre a distinção conceitual necessária a ser feita entre um corpo e um ser
de direito. Quando alguém morre, por exemplo, e pensamos nesse alguém, não
pensamos apenas nele como um cadáver em decomposição, mas também como um
conceito, uma representação, uma ideia.

Essa explicação demonstra, de modo efetivo, a distinção clara a ser feita entre o corpo
de ação, e o indivíduo de direito, pois, não se trata de afirmar ou não que existe um
dualismo entre consciência e matéria, e a consciência seria algo místico ou de outro
mundo, mas sim que existe uma diferença clara entre o modo como se analisa o
indivíduo de direitos, e o corpo desse indivíduo.
Tome como exemplo o seguinte:

“Michael cortou Davidson com uma faca de manteiga, Michael foi condenado a pagar
uma restituição à Davidson”

Não foi apenas a mão de Michael que cortou Davidson, de fato ela foi o meio de ação,
mas a ação tem que se dar com uma intenção, um fim a ser almejado, esse fim reside no
indivíduo, e não no meio, quando Michael feriu Davidson, portanto, Michael feriu
Davidson, Michael é um agressor, e não sua mão.

Essa distinção, embora possa não parecer à primeira vista, é grandemente necessária, de
modo que só é possível imputar um crime sobre um indivíduo, e não sobre meios, sendo
o corpo um meio de ação, esse corpo não pode ser o culpado de um crime, mas sim o
indivíduo ligado a ele, de forma que essa situação de perfaz sobre uma distinção de
63
categorias , a distinção entre meio e ator.

E nessa relação prima facie entre meio de ação primário e indivíduo, que surge a
questão da autopropriedade, um reconhecimento intersubjetivo necessário a um discurso
sobre normas, cujo qual é um meio de ação primário, por que é o único meio que o
indivíduo pode usar de forma direta, e que todos os meios usados de forma indireta
dependem, em alguma instância, do uso desse meio.

63
Muito embora, como anteriormente dito, essa distinção de categorias não implique em uma
distinção de natureza física ou mística, apenas implica em uma necessidade de categorização por
sobre diferentes componentes de um indivíduo (seu corpo, representação, e meio de ação, e sua
natureza conceitual geral).
Na imagem acima, podemos perceber a distinção feita para a análise do indivíduo,
categorizando o corpo de ação física separadamente de sua intencionalidade, não como
se estivessem em mundos diferentes, mas sim como se fossem objetos de estudo
diferentes (e são).

[Apenas por diversão, pode ser interessante empregar a questão “Armas não matam
pessoas, pessoas matam pessoas” nessa questão, pois a culpa de um assassinato não é da
arma per se (embora envolva relação de causalidade com ela), mas do indivíduo que a
empunha, culpa advém como resultado de ações humanas. Uma arma, em
circunstâncias normais, não se levaria a atirar.]

SISTEMAS DE PROTEÇÃO PRIVADA

Essa é uma questão que criou algumas controvérsias no meio libertário, como por
exemplo, algumas pessoas pensam que não se pode os utilizar contra agressores que não
concordaram com a empresa, um problema gerado em boa parte pela concepção
Rothbardiana de contratos.
64
A razão pela qual podemos utilizar de força contra um agressor , não é por que houve
uma quebra de contrato, mas sim por que, ele mesmo, ao iniciar o uso de força contra

64
Refere-se a tanto o indivíduo agredido, quanto sua agência de segurança privada, quanto um
possível terceiro em algumas instâncias específicas.
você, concordou, mesmo que implicitamente, com a jurisdição na qual você está
submetido, de forma que retaliar contra ele não é uma violação do direito do agressor,
mas sim uma forma de fazer valer a justiça. A força de retaliação, é, como o próprio
nome indica, uma retribuição de força a nível proporcional, como já explicitado em
explicações anteriores.

DISTINÇÃO ENTRE ESTADO E GOVERNO

Um outro tópico que gera certa confusão, é a questão sobre se nos opomos ou não a
todos os tipos de governo.

Isso, de forma clara, é um equívoco, libertários não se opõe a todas as formas de


governo, libertários se opõe a estados, e estados, embora sejam formas de governo,
diferem substancialmente de formas de governança privada.

Para deixar a questão mais clara, vamos definir o que é um estado:

O estado é uma instituição que pode ser descrita de diversas formas, mas podemos, ao
menos para fins de explicação, relacioná-lo a ao menos uma das seguintes
características (muito embora a esmagadora maioria dos estados, se não todos, possuam
ambas as características):

1. Se proclamar impositivamente como tomador de decisões jurídicas final sobre


determinado território ou região

2. Ter o poder de exercer taxações sobre aqueles dentro de sua região.

Quando falamos de governança, não necessariamente estamos falando de um estado,


uma propriedade privada, por exemplo, quando alguém é proprietário de uma casa ou
empresa, essa pessoa decide quais regras existem e quais normas devem ser seguidas (a
partir dos limites dessa propriedade). Avançando mais ainda, poderíamos chegar a ideia
de cidades privadas, condomínios, hotéis, todas essas formas de governanças privadas,
em que os integrantes não foram impositivamente colocados sobre, mas sim escolheram
de forma voluntária sua participação.
Portanto, podemos tomar que, embora libertários se oponham a formas
impositivas/agressivas de governança e estados, não existe oposição para com
governanças privadas.

CRIAÇÃO DE UM ESTADO EM UMA ANARQUIA


LIBERTÁRIA?

Falarei agora sobre um tópico, por assim dizer, controverso, diversas instâncias desse
argumento foram formadas ao longo do tempo, como o argumento de Holcombe sobre
agências de segurança privadas, mas não falarei sobre esses em específico no momento,
apenas sobre um, resumidamente, o argumento de que em uma sociedade libertária, com
o acúmulo de propriedades por uma pessoa, acabaríamos com algum tipo de
autoproclamado novo estado, com esse proprietário sendo o administrador.

A lógica desse argumento é baseada em uma concepção errônea do que é a propriedade


privada, sob essa ótica, dever-se-ia considerar algumas pressuposições incorretas, entre
elas:

1. Um meio, uma vez apropriado (ou trocado), permanece com seu proprietário até
o fim dos tempos (seu horizonte de vida, para ser mais exato)

2. Uma vez que a propriedade é eterna (dentro de determinado tempo de vida),


uma pessoa poderia se apropriar de vastos territórios ao longo de sua vida (ou
comprá-los, supondo-se que exista alguém rico o bastante para isso), e, ao fazê-lo, ela
obteria o poder de controle sobre esses territórios.

3. Vez que a quantidade de terrenos a serem apropriados diminuiria com tais


aquisições, as pessoas seriam inevitavelmente forçadas a viver sob a propriedade desse
indivíduo, e, por conta disso, ele teria agora um status de poder equivalente ao de um
estado.

As falhas desse argumento, no entanto, devem ser delicadamente expostas, para que se
desfaçam em cinzas.
Primeiramente, apropriar-se de um meio não o torna sua propriedade para toda vida,
mas sim até que o meio em questão seja visivelmente não trabalhado, ou seja, que o
trabalho inserido por sobre o terreno seja impossível de se distinguir de um terreno em
estado de natureza.
Ou seja, um grande latifundiário, eventualmente se depararia com o problema de manter
suas terras consistentemente apropriadas, de forma que isso se tornaria potencialmente
65
insustentável em vastos territórios .

Como se pode notar, vez que o primeiro ponto é resolvido, os dois subsequentes
acabariam se tornando inúteis. Porém, para fins recreativos, desmantelaremos também o
terceiro ponto, uma propriedade dá lhe o poder de um estado por sobre seus moradores?

A resposta curta é, depende, essa é uma situação que deve ser analisada sobre diferentes
perspectivas. Podemos pensar nesse poder como sendo o poder de violentar os
moradores em questão, nesse caso, poder-se-á de objetar sobre a natureza dessa
violência, desde que não exista um contrato entre o dono da propriedade em questão e
seus moradores, especificando que ambos consentem sobre esse ato, não existe motivo
para que esse proprietário não houvesse de restituir seus moradores.
Outro modo de analisar essa situação, é pela questão contratual, vez que é possível
perceber a ligação entre consentimento contratual e ausência de agressão, se pode
objetar que o ato não seria uma agressão a propriedade propriamente dito, se antes
houvesse algum consentimento contratual por sobre essa relação. O que não implica,
obviamente, que aqueles que não consentiram com esse contrato estejam sob suas regras
66
.

65
Poder-se-á contestar essa informação, utilizando-se de argumentos sobre mão de obra, como uma
pessoa contratada que manteria esses locais. Porém, como deveria ser evidente, em uma situação na
qual a propriedade se torna vasta o bastante para fazer com que as pessoas fiquem sem territórios o
bastante para se apropriar, os custos de manter tais empregados seriam elevados às alturas. Outra
possibilidade seria se as pessoas em questão não aceitassem o trabalho, e, ao invés disso,
simplesmente resolvessem também se apropriar da terra, de forma que eventualmente a propriedade
desse latifundiário acabaria sendo fragmentada.

66
Dada a natureza das relações sociais humanas, não é de se surpreender que as pessoas sob esse
vínculo contratual obtivessem filhos (ou mesmo que já tivessem, mas que os mesmos fossem
demasiadamente pequenos para sequer saberem das decisões de seus pais), esses filhos, por não
Anunciados esses dois argumentos interessantes sobre essa questão (que é basicamente
irrelevante, visto que são apenas conjecturas sobre a ação humana), passemos ao
próximo tópico.

RESTITUIÇÃO ​VS​ RETRIBUIÇÃO

Uma outra área que causa bastante confusão em muitos libertários, é a área das posições
a serem tomadas em relação a violações éticas, e sobre isso falaremos agora.

Antes de mais nada, quando tratamos de violações da ética libertária, temos de separar
as medidas a serem tomadas em duas categorias, são elas:

Restituição → Restituição é o pagamento de uma violação, uma forma mais civilizada


de ação punitiva, que envolve o agressor ceder algo para o agredido, de forma que o uso
de força física contra o agressor seja descartado/diminuído.

Retribuição → Retribuição pode ser caracterizada como uma forma de devolução de


força, podendo ser tanto punição posterior ao crime, quanto algo que se pode se mostrar
67
necessário em uma retaliação em casos de ameaça e/ou agressão . (diga-se que
retaliação se enquadra como forma de retribuição sobre situações de risco aqui)

O ônus da prova de demonstrar que determinada punição é ou não proporcional recai


sobre o agressor.
Resumidamente, na situação em que um agressor achar que a punição infligida a ele foi
ou não proporcional, além das situações gerais de instâncias comuns a serem levadas
68
em conta , situações que carregam muita subjetividade em seus julgamentos levam a

possuírem vínculo contratual com o dono da propriedade, estariam fora dessa relação contratual (o
que não implica que ele não poderia expulsar as crianças do local, desde que com o mínimo de
violência necessário).

67
É importante notar que aqui a retribuição e restituição são ambas formas de punição, apenas
possuem propriedades distintas, de forma de categorizá-las diferentemente se mostra adequado.
68
Situações gerais de crimes comuns, e que podem ser objetivamente mensuradas punições, e.g.
Roubo de um chiclete não seria, em casos normais, compatível com uma execução, porém uma
execução ou tentativa de execução da vítima sim.
69
uma maior dificuldade de mensurar proporcionalidade , porém, sendo elas causadas
pelo agressor e não pela vítima, recai sobre o agressor demonstrar que a punição
advinda da vítima é desproporcional e injusta e não a vítima.

Como demonstrado na imagem acima, a diferença entre restituição/retribuição é melhor


explicitada ao separarmos retribuições de danos físicos de restituições sobre recursos,
nessa imagem apenas se explicitam os casos posteriores ao crime crime.

Tratando-se dessas duas posições, falaremos um pouco sobre a retribuição,


especificamente sobre como ela seria ministrada em situações de punição e/ou
retaliação direta (em casos de ameaça à integridade física de alguma propriedade).
Em seguida, explicaremos algumas das características de ambos os modos de punição,
de modo a demonstrar que determinadas formas de punição podem sobrevaler-se em
relação a outras, e como algumas formas de determinação da proporcionalidade podem
não ser exatamente objetivas, ao se considerar determinados casos (já falado sobre em
uma nota anterior, será melhor explicado a seguir).

69
Situações que não possuem mensuração demasiadamente objetiva em relação a suas punições,
podem acarretar nessa situação, estas que podem variar de diferenças de habilidades corporais, até a
sentimentos psicológicos subjetivos da vítima em relação a situação imposta a ela pelo agressor.
(Nessas situações onde o agressor acaba por ter de provar a desproporcionalidade de sua punição,
cabe a contratação de algum filósofo e jurista, por exemplo), Para mais informações consulte o artigo
de ​Stephan Kinsella​: ​Punishment and Proportionality: The Estoppel Approach
SOBRE A PUNITIVIDADE RETRIBUTIVA

A punitividade retributiva, como anteriormente falado, se refere a punições posteriores a


crimes e/ou retaliações que ocorrem durante crimes / enunciação de crimes. Dividir-se-á
então as duas questões em pontos específicos:

RETALIAÇÃO IMEDIATA

A retaliação imediata (relembrando que se prostra aqui como sinônimo de uma possível
autodefesa sobre situações de risco/agressão), possui como característica ser, na
maioria dos casos de ameaça de agressão / ocorrência contínua de agressão (ambas
formas de agressão), subjetiva, tanto estados mentais psicológicos causados pelo
agressor quanto características físicas dos indivíduos envolvidos na situação de conflito
podem interferir na determinação do que pode ou não ser considerado proporcional
durante uma retaliação, sendo assim a vítima possui a maior reivindicação sobre seus
atos durante a situação do que o agressor, de forma que a responsabilidade do ato per se
70
não é da vítima, mas dele .

RETALIAÇÃO POSTERIOR AO ATO

A retaliação posterior ao ato (nesse ponto se torna uma forma de punição do crime que
já ocorreu, e não apenas uma forma de autodefesa) ocorre quando a vítima de um crime
exige certa punição para com o agressor, de forma que, por exemplo, alguém que teve

70
Isso pode ser melhor ilustrado ao se pensar em uma situação de risco, como alguém apontando uma
arma para você, uma ameaça de morte, normalmente não seria possível, por exemplo, dizer que
absolutamente todas as pessoas estariam apontando a arma com a intenção de matar seu alvo
(considere, por exemplo, uma situação onde alguém lhe pregaria uma peça, por algum motivo
bizarro, rs), porém, devido à periculosidade da situação, agregado a possível alteração do estado
psicológico do indivíduo agredido, poder-se-á defender uma resposta a nível por sobre a agressão, de
modo que o indivíduo agredido possa sobreviver.
71
as mãos cortadas, pode vir a exigir que seu agressor também as tenha , e alguém que
72
teve o celular destruído, pode vir a exigir que o celular de seu agressor também o seja .

Quando pensamos em uma situação de punição, cabe-se (como explicitado nas notas da
página anterior) que seja possível descrever uma punição que nos leve a certa
73
proporcionalidade, porém nem sempre isso é algo possível , e algum nível de alegação
pode vir a ser exigido, considerem o seguinte exemplo:

Indivíduo X roubou uma caixa de leite de indivíduo Y

Muito embora esse exemplo pareça tornar simples uma determinação de


proporcionalidade, poder-se-iam existir variáveis que mudariam o rumo de possíveis
punições proporcionais.
Digamos assim, se o indivíduo Y precisasse da caixa de leite para alimentar seu filho
recém-nascido, e que a única forma de o fazer fosse utilizando essa caixa de leite. E, por
conta do roubo da caixa de leite ter sido roubada por X, o filho de Y acabou vindo a
falecer.

Essa simples inserção de informação nos leva a possibilidades de análise totalmente


novas, o ato deliberado de roubo que X cometeu, levou a morte de uma pessoa, X é um

71
Muito embora, no caso de quem teve as mãos cortadas, poder-se-á objetar por uma punição mais
rigorosa, no caso de um pintor por exemplo, que precisa de suas mãos para que possa se sustentar, de
forma que seja ideal cortar ambas as mãos do agressor, ou mesmo todos os seus membros.
72
No caso de uma destruição de propriedades externas ao corpo, pode vir a ser preferível pelo
proprietário em questão que ele tenha uma restituição, muito embora a restituição apenas seja a forma
de se reaver o que foi perdido, e não uma punição per se, portanto é possível que a vítima também
exija uma recompensa adicional como punição para o criminoso.

73
Muito embora seja interessante citar, ao menos de forma branda, que existem certos tipos de crimes
com determinadas linhas de proporcionalidade objetivamente definíveis, embora não sobre todos
esses casos essa determinação de proporção seja precisa, devendo-se então levar a análise os casos
como ocorrências individuais. Tome como exemplo de eventos com punições retributivas claramente
demarcáveis o assassinato e o roubo de uma caixa de fósforos, nos fica claro que o assassinato possui
como punição possível o assassinato, o que não cabe ao roubo da caixa de fósforos (as possibilidades
de exceção de casos assim ainda serão tratadas).
assassino, e agora novas formas de punição tomam ares de possibilidade, como por
74
exemplo, a morte de X .

Dever-se-á, em casos como esses (obviamente incluindo variações de menor grau, e


mesmo outros casos), que a vítima determine o quanto de punição possa vir a ser
aplicado, sendo tarefa do agressor, e não da vítima, buscar por uma proporcionalidade
75
punitiva (já explicado anteriormente de forma branda sobre a questão da retaliação
durante o ato, estender-se-á a prévia explicação a essa nova forma punitiva).

SOBRE A PUNITIVIDADE RESTITUTIVA

Agora sobre a questão da restituição, temos que é interessante considerá-la uma forma,
como diria Kinsella, mais civilizada de fazer as coisas. A restituição, como
anteriormente explicitado, é a forma de punição que envolve o retorno de determinado
recurso a vítima de um crime, de forma a amenizar (ou quitar) seu crime, tomemos o
seguinte exemplo como norte:

X pessoa rouba 10.000,00$ de Y pessoa.

Pode-se esperar que, em determinadas circunstâncias padrão, com as variáveis


normalizadas, que a restituição para esse crime venha a ser a devolução dos 10.000,00$
a vítima. Porém esse ato não é realmente uma punição, poder-se-á dizer que se trata de
uma restituição, sim, porém, estamos tratando aqui de um tipo especial de restituição, as
punitivas.

74
Um grande problema com a ideia de punição retributiva, e mesmo a restitutiva, é que a punição
pode nunca vir a ser proporcional, e que a vítima não realmente se satisfaça de alguma forma com a
punição (retributiva), de modo que alguém com a mão cortada não realmente ganharia sua mão de
volta ao cortar a mão de seu agressor (isso não implica que a punição não tenha um motivo, ou seja,
efetiva). E nos casos de restituição, uma proporcionalidade pode também nunca vir a ser efetivada,
pois quantidades de valor material podem não repor um dano psicológico ou corporal, apenas
confortar a vítima.

75
Como na questão do pintor que teve suas mãos cortadas, ou do homem que teve a caixa de leite que
era vital para seu filho furtada, poder-se-ão essas vítimas requererem a punições decididas por si
mesmos, cabendo ao agressor e não a vítima a questão de tratar se a sentença é ou não proporcional.
Ao contrário do simples ato de devolver o recurso roubado a vítima, que deveria apenas
ser classificado como restituição da vítima, a punição restitutiva pode ocorrer de formas
diferentes, como a vítima obtendo mais 10.000,00$, ou até mais, cabendo, como dito
anteriormente, ao agressor se defender dessa condenação.

Agora, tomemos um outro exemplo, dessa vez um exemplo um pouco mais grave (eu
pessoalmente diria extremamente mais grave, rs):

X estupra Y

Nesse exemplo, digamos que o padrão em determinada sociedade libertária, seja o


pagamento, digamos assim, de 1M$ (M = Milhão) a vítima desse tipo de crime
horrendo.

Porém, esse valor não necessariamente reflete uma punição proporcional ao ato, e de
fato, as variáveis contam mesmo aqui, desde os sentimentos subjetivos e estados
76
psicológicos da mulher estuprada, até questões sobre o estado financeiro do estuprador

Supondo-se, por exemplo, que o estuprador fosse bilionário, 1M$ não seria uma grande
perda para ele se fosse apenas uma questão de pagar, porém, talvez, fosse negociável
que arrancassem suas pernas e braços, ou que o torturassem lentamente, ou
simplesmente que ele entregasse metade de seu dinheiro (ou mesmo todo ele), de forma
à ao menos tentar convencer a vítima.

E no caso de um agressor sem muitos recursos, poder-se-á fazê-lo de escravo até que
pague suas dívidas, ou mesmo fazer as agressões físicas que citei acima, como antes
dito, é dever do agressor e não da vítima determinar que uma punição é
desproporcional.

76
Os argumentos apresentados no tópico sobre retribuição punitiva podem ser aplicados mesmo em
estupro, principalmente a questão sobre a proporcionalidade inalcançável, vez que o estuprador não
necessariamente poderia obter uma punição que fosse equivalente ao causado na vítima (mesmo um
estupro para esse estuprador não equivaleria ao ocorrido com a mulher, visto que seus corpos são
diferentes, bem como seus estados psicológicos).
LIBERTÁRIOS SÃO APENAS CONTRA AGRESSÃO E AMEAÇAS DIRETAS

Essa é uma outra questão que permeia o pensamento libertário a um bom tempo, algo só
pode ser punido se puder ser classificado como violação física iminente ou violação per
se, incluindo que apenas aqueles que estiveram diretamente envolvidos com a agressão,
possam ser considerados culpados.

A grande questão sobre isso, é que atos de agressão/violação podem ocorrer mesmo
77
quando indiretamente causados, bem como quando ameaças não diretas são firmadas .

Para que possa ser feita uma melhor relação, vamos tratar de ambos os casos
separadamente.

AMEAÇAS DIRETAS

Como anteriormente dito neste capítulo durante uma nota de rodapé, ameaças diretas e
imediatistas são um ponto de retaliação válido da vítima por serem uma alteração de
estados psicológicos causais, onde as ações do agressor tomam as possibilidades de
ação da vítima, até que somente sobre uma possível reação.

Porém, não apenas a ameaças diretas se vale uma reação de retaliação retributiva,
poder-se-á também retaliar contra ameaças indiretas, de forma que estas são também
78
formas de agressão, embora menos físicas , para exemplificar, tomemos a seguinte
questão:

77
Ameaça direta assume aqui uma conotação de iminência e materialidade, tome como exemplo
alguém apontando uma arma para sua cabeça.
Já uma ameaça indireta poderia aqui ser definida como atos de fala com intencionalidade aberta a
possibilidade de ação por sobre o alvo, tome como exemplo uma ameaça de morte.
78
Ameaças se tornam formas de agressão na medida em que são também formas de planejamento de
ação, poder-se-á dizer que durante uma ameaça de morte por exemplo, o agressor em questão está
legitimando, dentro de todos os cursos de ação possíveis para esse indivíduo, uma violação à vítima,
e, portanto, restringindo o número de possibilidades de ação da vítima, de forma que a retaliação se
torna uma das formas de autodefesa evidentes como curso de ação.
Para mais detalhes sobre ameaças verbais desse nível, consulte o capítulo sobre direito, no tópico
acerca da liberdade de expressão.
“Um chefe mafioso chamado Charlattone ameaça o indivíduo Jefferson de morte em
uma semana, caso o mesmo não saia da cidade.”

Nessa situação, fica clara a questão da retaliação, Charlattone, ao ameaçar Jefferson,


tomou como válido o curso de ação possível onde ele mata Jefferson, se a condicional,
sair da cidade, não for satisfeita. Bem como, ao tomar esse curso de ação como válido,
Charlattone também restringiu o curso de ações de Jefferson, de modo que agora as
opções que ele possui para que não seja efetivamente morto são apenas:

A. Sair da cidade

B. Eliminar a ameaça que Charlattone de algum modo (considere que exista alguma
forma possível de o fazer)

Desse modo, Charlattone é um agressor de Jefferson, que agora está coagido a escolher
entre apenas duas opções (limitadas ao escopo do exemplo) para que possa sobreviver,
para que não tenha sua autopropriedade violada. Poder-se-á, portanto, dizer que
Jefferson pode legitimar o curso de ação em que ele “cuida” da ameaça que Charlattone
representa, e Charlattone não poderia objetar contra esse curso de ação, visto que ele
79
mesmo já havia o legitimado, ele é estopped de fazer isso.

79
Estopped é um termo utilizado na teoria punitiva libertária Estoppel, que advoga por uma
incapacidade do agressor de negar seus próprios fatos, ​venire contra factum proprium​ (ninguém pode
negar seus próprios atos). Para mais informações sobre o Estoppel, leia o capítulo ​Justiça,​ tópico ​O
Estoppel​.
Na imagem acima, podemos observar mais claramente os cursos de ação que Jefferson
poderia tomar, por conta das ações agressivas de Charlattone.

Encerrada essa questão, partamos para a próxima.

CULPABILIDADE INDIRETA

Esse tópico já se torna mais complexo de elucidar, tendo em vista que é


demasiadamente controverso no meio libertário, variando de determinados autores para
outros determinados autores, porém, por motivos de consistência, colocarei aqui a
posição de Stephan Kinsella, desenvolvedor da teoria punitiva libertária, Estoppel.

Tomemos o seguinte exemplo (retirado do artigo Causation and Agression, de Stephan


Kinsella), para que possamos dissecá-lo e compreender a questão:

“Um terrorista (atribua-o a X) envia uma bomba em uma caixa para alguém, sendo
transportado e entregue por um carteiro (este será Y), ela chega ao alvo, em seguida,
após recebê-la e entrar em casa, o alvo (chamaremos no de Z) abre a caixa, e, como
resultado, ela explode, matando Z.”
O responsável do exemplo acima claramente é o terrorista, muito embora posso pensar
que algum libertário que diga que não existe causalidade quando intervenientes
interagem no evento, sendo assim eu poderia dizer que o carteiro é o criminoso? Ou
quem sabe, a vítima, afinal foi de livre deliberação dela abrir a caixa com o explosivo,
foi um suicídio!

Não creio que preciso dizer o absurdo do que acabo de dizer, mesmo que a caixa tenha
sido entregue pelo carteiro, e mesmo que a vítima seja quem tenha aberto a caixa com o
explosivo, a culpa dessa relação de eventos causais é do terrorista, que à enviou, que
utilizou o carteiro de meio para atingir seu fim.

Poder-se-á dizer que pessoas não podem ser utilizadas como meios, porém, como acabo
de explicitar, e darei outro exemplo a seguir, isso não é verdade, muito embora não
possamos (a menos que isso envolva coerção, mas não estamos tratando desses casos
ainda) controlar as ações de indivíduos, pois estes possuem livre deliberação, ainda
assim podemos utilizar deles como meios para nossas ações, para que atinjamos nossos
80
fins, o que, obviamente, não remove a culpa ou responsabilidade desses indivíduos ,
vejamos agora outro exemplo:

“O líder de uma nova seita religiosa (será chamado de X) ordena a um de seus


seguidores que rapte e esquarteje uma pessoa. Seu seguidor (será atribuído a ele o
símbolo Y) o faz, raptando e matando uma pessoa (denominada como Z).”

Como pudemos perceber no exemplo anterior, muito embora tenha sido um ato de livre
deliberação de Y matar Z, não exclui-se o fato de que X empregou-o como meio de
ação, e que Y empregou também meios para concluir sua ação de matar Z, o fato de
ambos terem livre-arbítrio, ou de que as ações do líder da seita não tenha direta ligação
com o ato ocorrido (direta no sentido de ser aquele que matou) não muda esses fatos,
portanto, poder-se-á, nesse caso, atribuir a culpa criminal do fato a ambos, líder e
seguidor.

Agora que terminamos essa questão, devemos ressaltar que, embora existam casos onde
a aplicação da culpa e relacionamento de causalidade seja relativamente simples de
traçar, não em todos os casos assim o seria, todos os casos são diferentes, ocorrem em
circunstâncias diferentes, e portanto, devem ser analisados de maneiras diferentes,
individualmente, a cada um com sua própria análise.

80
Muito embora dever-se-á notar que o carteiro em questão, embora parcialmente responsável, não é
realmente um agressor, tendo em vista que a estrutura da agressão seja o emprego de meios (que
podem ser meros objetos, mas também outros atores, com ou sem seu conhecimento) calculados para
causar uma violação das fronteiras físicas de uma pessoa não agressora ou sua propriedade.
Passemos então para a próxima questão, que inclui a substancial análise de casos
polêmicos e controversos entre os libertários, relacionados com a questão de
causalidade, culpabilidade e punibilidade em algumas relações.

NAS OBRIGAÇÕES POSITIVAS

Agora, um de nossos assuntos que mais controversos, variando sobre inúmeros pontos
de vista, a questão das obrigações, deveres positivos, bem como existem libertários que
dirão que isso não pode existir, também existem os que dirão que podem (como o
próprio Kinsella), e, como demonstrado durante boa parte desse capítulo, estou
seguindo esta linha, e, como esses argumentos ainda não foram respondidos
devidamente, creio serem uma posição sólida o bastante para que continuemos.

Primeiramente, o que diferencia obrigações positivas de negativas?

Bom, para começar, obrigações negativas são obrigações que lhe compelem a não fazer
81
algo, a se abster de algo, ao passo que obrigações positivas , ao contrário desta última,
nos compelem a agir de forma positiva, fazer algo.

81
Muito embora, dever-se-á ressaltar que obrigações positivas, ao contrário do que dão a parecer,
funcionam basicamente do mesmo modo que obrigações negativas para um libertário. Estando no
mesmo campo da propriedade privada, as obrigações positivas são formalidades abstratas para o que
seria um impedimento de violação de propriedade, vez que não cumpri-las acarreta em violações,
como a pessoa jogada no lago, que pode acabar vindo a morrer, aumentando sua punibilidade
criminal.
Alguns exemplos de ambos os casos:

OBRIGAÇÕES NEGATIVAS

Não invada

Não atravesse as delimitações de propriedade

Não use sem o consentimento do proprietário

OBRIGAÇÕES NEGATIVAS (SE PRODUTO DE AÇÕES


DELIBERADAS)

Por crime (restituições, por exemplo)

Por causalidade direta (empurrar alguém em um lago, por exemplo, o que não
ocorre se a pessoa em questão tiver caído sozinha, ou outra pessoa a tiver
empurrado)

Por causalidade indireta (gerando um filho → obrigações parentais

Dissecamos agora algumas das obrigações positivas mais controversas

O CASO DO LAGO

De longe uma das melhores maneiras que posso pensar para ilustrar essa questão, o caso
do lago é uma das melhores exemplificações de obrigatoriedade positiva (e também é
um dos exemplos muito usados por Kinsella), mas, como esse caso funciona? Veja o
exemplo:

“Rothgerald e Bricks estavam no na borda um lago com uma cachoeira, fazendo uma
expedição, quando de repente, Rothgerald resolve, em um ato maléfico, empurrar
Bricks (que não sabe nadar) diretamente ao fundo do lago em que a cachoeira deságua.”

Nesse exemplo, Rothgerald acaba de contrair uma obrigação positiva para com Bricks,
por conta de seus atos deliberados, agora Bricks se encontra em uma situação de
dependência e, se vir a morrer, agora Rothgerald não apenas seria culpado pelo estado
82
de dependência de Bricks, mas também por sua morte (aumentando absurdamente sua
pena, pois é um crime capital).

Portanto, a solução para que Rothgerald possa se livrar dessa pena capital, é salvar
Bricks de seu destino (criado por Rothgerald), resgatando-o do lago.

O ABORTO

Nesse ponto, chegamos a um dos casos que cria gigantesca controvérsia no


libertarianismo, de um lado, com defensores ávidos do aborto, de outro, fortíssimos
argumentos contra o mesmo. Agora exporei uma visão causal baseada em princípios de
responsabilidade e obrigatoriedades positivas (anteriormente explicadas) para justificar
o motivo do aborto ser um ato antiético (exceto em uma circunstância, que também
explicarei).

O ato de gerar uma criança, é, antes de qualquer coisa, um ato de responsabilidade, um


ato de vontade, quando um casal se relaciona sexualmente, e desse relacionamento
surge uma criança, não é um algo não possível, não é um algo não causal, os atos

82
Ao contrário do que se possa pensar, violações de propriedade não estão restritas ao exato momento
do ocorrido de uma ação causal (veja os exemplos dados em outras situações pelo capítulo), ao
contrário, podem se develar durante diversos outros momentos, entre diversas outras ações
intermediárias (como no caso do terrorista e a bomba, ou do líder da seita religiosa e, nesse caso
específico, das ações de Rothgerald que acarretaram a situação de Bricks).
intencionais e deliberados de dois indivíduos causaram eficientemente uma vida no
mundo, não importando se foi ou não um acaso ou uma exceção a regra (no caso de uso
de anticoncepcionais), a responsabilidade causal que o ato carrega, ato voluntário, e
absolutamente distinguível de um ato não deliberado (estupro), é a da criação de um ser
de direito, ser esse que fora lançado no mundo, em uma situação de dependência,
83
dependência para com seus geradores. Poderá se dizer que o ato de aborto

Agora, qual a situação onde não podemos imputar essa obrigatoriedade? Simples, o
estupro, um ato deliberado apenas por uma pessoa, que ainda assim gera uma criança,
porém que não contém relações causais com a mãe. Para explicar melhor a diferença
das duas situações (deliberação e estupro), siga os dois exemplos:

1. X pessoa sequestra Y pessoa e a leva para uma cabana em uma situação com
uma forte e letal nevasca.

2. Z pessoa joga Y pessoa na cabana de pessoa X durante uma forte e letal nevasca.

Em ambos os casos, Y pessoa se encontra em um estado de dependência de X pessoa,


como se pode ver, porém, apenas em um dos casos, o caso em que X pessoa sequestrou
(leia-se foi responsável causal pela situação de Y pessoa) Y, que existe a
obrigatoriedade positiva de manter essa Y pessoa ali dentro, inclusive mantendo-a viva,
pois sem as ações deliberadas que X tomou e levaram Y a ficar nesse estado, Y não
estaria nessa situação.

Já no segundo caso, a culpa da situação de Y, não é de X, porém apenas de Z, se Y


morrer, não recai sobre X a responsabilidade criminal, mas sim sobre Z, de forma que X
pode perfeitamente, nessa situação e se assim o quiser, expulsar Y de sua propriedade.

Da mesma forma funciona a gravidez fruto de atos deliberados de ambos os pais com
reais consequências, e a gravidez fruto de atos deliberados de apenas um dos pais (o

83
Vale lembrarmos que, quando o termo sendo usado é aborto, estamos apenas descrevendo a
situação de interrupção da gravidez que acarreta / causada pela morte da criança. É perfeitamente
possível justificar um ato de aborto, se esse for concebido como apenas a interrupção da gravidez
sem a morte da criança, como no caso de, em algum futuro próximo talvez, existir uma tecnologia
que permita esse ato sem acarretar em danos para a criança.
estuprador), sendo que suas subsequentes consequências apenas recairiam sobre este, se
a mãe resolvesse abortar nesse caso, não se poderia objetar sobre suas ações, apenas
responsabilizar o “pai” pelo destino de seu filho.

Vale mencionarmos uma outra visão pela perspectiva libertária da questão do aborto, do
autor Walter Block, chamada de expulsionismo84. Não vamos entrar em detalhes aqui
por ser um assunto muito extenso, mas o argumento consiste, resumidamente, em:

Todos os indivíduos, desde a concepção, têm direitos de autopropriedade, isso inclui os


fetos e demais estágios do desenvolvimento humano. Isso se deve ao fato de que após a
formação do zigoto, se nada acontecer de fora do normal, aquele ente se tornará um ser
racional.

A questão do aborto seria, portanto, uma questão que surge do conflito entre o direito de
autopropriedade da mãe e o da ‘criança’ (tomemos esse termo, para facilitar a
explicação). Sendo assim, segundo Block, Rothbard e alguns outros autores, direito da
mãe autoproprietária decidir se o indivíduo pode ou não permanecer em seu corpo.

O expulsionismo conclui que a mãe não tem a obrigação positiva de manter o bebê até o
final da gestação, mas também não pode simplesmente assassinar o bebê. Ela deve,
portanto, se estiver certa que não deseja o feto em seu ventre, retirá-lo da forma mais
gentil possível.

Ela deve recorrer aos meios que ela possui para retirar o bebê com vida de seu ventre.
Se não for possível tecnicamente, e apenas se não for possível, ela poderá realizar a
retirada do bebê, mesmo que isso cause a morte dele. Entretanto, mesmo neste caso,
deve ser feito de tudo para se tentar manter a vida do filho.

Em um cenário em que a tecnologia esteja desenvolvida o suficiente para manter a vida


de um feto fora da barriga da mãe, ou de se fazer o transplante para a barriga de uma

84
Defesas do expulsionismo tiradas de:
https://www.universidadelibertaria.com.br/2019/08/05/uma-alternativa-no-debate-so
bre-o-aborto-o-expulsionismo/
outra mãe que deseje receber o feto, o aborto seria proibido em praticamente todos os
casos.

RESPONSABILIDADES TUTELARES

Outro ponto que causa demasiada intriga entre os libertários, é a questão das
responsabilidades de tutela, as responsabilidades existentes na efetiva criação de um
filho, e sobre isso, seguindo novamente a mesma linha de quase todo capítulo, de
responsabilidades causais, discorrerei a seguir.

Colocar uma criança no mundo traz responsabilidades, responsabilidades essas que são
frutos de seus atos causais, atos que vieram a colocar essa criança como efetiva
dependente de seus pais, que existem naquele momento do espaço e do tempo. Vejamos
um exemplo, para esclarecer essa explicação:

“Thoreau acaba, como resultado de seus atos deliberados, fraturando as mãos de seu
amigo Oichi, que é um programador, e depende delas para sobreviver, como resultado, e
85
pelo fato deles serem amigos , Thoreau fica a cargo de cuidar de Oichi até que o
mesmo possa se recuperar dessa fratura, sendo responsabilidade legal de Thoreau que
alimente e ajude Oichi até o momento de sua ‘alta’”.

Em uma situação em que Thoreau não cumprisse com essa responsabilidade, e deixasse
Oichi morrer de fome ou qualquer outra necessidade de dependência, dependência
causada exclusivamente em alguma instância pelas ações de Thoreau, o mesmo poderia
ser responsabilizado com uma pena capital, ou equivalente a tal.

Do mesmo modo funcionam as relações causais entre pais e filhos, sendo


responsabilidade legal que os mesmos cuidem de suas crias até que elas possuam

85
Não implicando que apenas exista essa relação em casos de amizade, apenas ressaltando que, por
eles terem essa amizade, Oichi resolve não pedir uma restituição monetária gigantesca ou punições
retributivas violentas para Thoreau, mas apenas essa ajuda. (Esse exemplo é apenas análogo a
situação da criança, pois, Oichi tem a opção de acabar por pedir uma restituição financeira, ou uma
punição retributiva para Thoreau, o que não existe no caso da criança, tendo em vista que a mesma se
encontra em uma situação de dependência exclusiva de tutoria).
capacidade legal de se autodeterminar, de se desprenderem dessa necessidade de
86
dependência .

Agora que falamos da tutoria, das responsabilidades legais de pais para com seus filhos
(desde que responsáveis causais pelo estado dos mesmos), falaremos de uma subquestão
deste tópico.

TRANSFERÊNCIA DE GUARDA

Quando se fala em responsabilidade legal, poder-se-á também falar sobre a venda ou


doação da guarda (tutela) de uma criança, de modo que a mesma possa vir
possivelmente a receber um lar melhor que o anterior (?).

Afirmando-se que é perfeitamente possível uma transferência de guarda, devo deixar


salientado que, mesmo nessa instância, ainda é possível atribuir responsabilidade causal
de seus tutores originais para com seus novos tutores, de modo que a transferência de
guarda, se feita de tal modo que se suceda da morte da criança (digamos que os pais
tenham-na vendido para um psicopata, por exemplo), a responsabilidade causal recaia
tanto nos assassinos quanto nos tuteladores originais.

Para que essa questão se torne mais clara, veja uma ramificação do exemplo anterior:

“Thoreau, ao invés de cuidar de seu amigo, pediu para que outra pessoa, chamada
Febrette o fizesse, pois precisaria de sua casa completamente durante aquele tempo (por
quaisquer motivos que sejam). Porém, essa pessoa acabou deixando que seu amigo
Oichi morresse.”

86
Tendo em vista que essa independência é um caso de análise, e não exatamente fora delimitado em
que momento a criança estaria em uma situação de independência (Hans-Hermann Hoppe por
exemplo, afirmaria que essa situação se dá quando a criança possui a capacidade de fugir e dizer não
a possíveis tentativas de recaptura), poder-se-á dizer que não é uma questão fechada no meio
libertário. Porém, assim como com as demais questões, a visão que me parece mais qualificada para
gerar essa delimitação, vem da teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg.
Nesse caso, Thoreau agora é responsável pela morte de Oichi, ao passo que Fabrette não
poderia ser assim responsabilizado, pois não possuía essa cadeia de responsabilidade
87
que Thoreau possuía .

87
Dever-se-á notar que Fabrette não possui a mesma responsabilidade causal de Thoreau, que causou
o estado de dependência de Oichi, porém, isso não exclui quaisquer violações que Fabrette cometa,
como no caso específico em que ele resolve matar Oichi, ainda existe uma violação, e ambos,
Fabrette e Thoreau, acabariam por serem responsabilizados pela situação final de Oichi.
PARTE IV: DA ESTRATÉGIA
OS CAMINHOS
DA ILEGITIMIDADE DO ESTADO

O estado é personificado por um punhado de burocratas que facilmente poderiam ser


guilhotinados se o povo assim quisesse. Fossem os parasitas muitos, já haviam matado
o hospedeiro, é fato que o parasita depende do hospedeiro para sobreviver, portanto é
necessário que o estado seja composto por um número muito menor de pessoas do que
as que são exploradas. Mesmo com o apoio de um exército, o estado ainda está em
grande desvantagem numérica.

Pois bem, o que então mantém o estado como detentor do monopólio jurídico, sendo ele
o maior agressor da justiça e da liberdade? As pessoas apoiam decisões se elas virem
que elas forem justas e morais. Ou seja, se as pessoas enxergarem que as ações
praticadas pelo estado forem justas e morais, elas dão legitimidade ao grande leviatã. O
estado, ao deter legitimidade aos olhos de seus subordinados, não corre o risco de uma
revolta e de ser aniquilado enquanto ele pratica suas várias agressões. Até mesmo que o
estado fosse aniquilado por uma revolução armada, se as pessoas continuarem vendo a
necessidade e legitimidade de um estado, logo outro, provavelmente mais agressor,
seria posto em prática.

Dessa forma, podemos constatar que a batalha contra o estado não é uma batalha de
armas. O campo de batalha é intelectual, ele existe na mente de cada uma das pessoas.
Não surpreendentemente, o estado alicia os meios intelectuais para propagar sua falsa
legitimidade. Desde criança, somos expostos à doutrinação estatal por educação
obrigatória, intelectuais comprados, mídia tendenciosa e dependência de programas
governamentais.

Os ataques mais contundentes ao estado são aqueles que deterioram sua falsa
legitimidade. O humor tem a capacidade de transformar as maiores atrocidades e
agressões em riso, por um momento conseguimos olhar além do nefasto e rir da
absurdidade. Hans-Hermann Hoppe pontua de forma precisa:

O estado presume que você deve respeitá-lo, que você deve


levá-lo muito a sério. Hobbes dizia que era algo muito
perigoso o fato de as pessoas rirem do governo. Portanto,
tente sempre seguir a seguinte regra: ria e zombe do
governo o máximo possível.88

Jordan Peterson uma vez disse em uma palestra que os humoristas são os canários na
mina de carvão da liberdade de expressão. Quantos humoristas já receberam processos
por engravatados que se sentiram ofendidos por serem expostos pela luz do humor? O
bobo da corte é o único que pode falar a verdade para o rei. Quando o bobo da corte é
morto por falar a verdade, sabemos que estamos vivendo na pior das tiranias89.

BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DAS


ESTRATÉGIAS

Após elucidarmos brevemente a respeito do alvorecer da liberdade, é possível afirmar


que o libertarianismo é a filosofia política correta e ética - sem titubear. De certo que,
outrossim, torna-se uma responsabilidade moral para aqueles que são amantes e
conhecedores da filosofia e da ética (esta última como ramo da filosofia) criar a ponte
entre o ideal e o real; é necessário tirar o libertarianismo do mundo das idéias para um
mundo tangível. Para isto se tem as estratégias, o caminho para a liberdade. É correto
afirmar, também, que as estratégias nada mais são do que ferramentas, e assim como
todas as ferramentas é necessário usá-las da forma correta - Ora, posso muito bem
utilizar de um martelo (i. e. uma ferramenta) para martelar um prego; como posso
utilizá-lo para agredir outrem - Para utilizar as estratégias da forma correta é necessário
dissociar os maus agentes, dos bem intencionados; ou ainda mais simplesmente,
diferenciar o bem do mau.

88
HOPPE, 2010
89
PETERSON, 2018
LIBERTARIANISMO CULTURAL

Trago, num primeiro cenário, de antemão à dissertação sobre libertarianismo cultural, o


que é a mais importante separação no campo das idéias: a dissociação do pragmático e
do ideológico. Para isso, antes de começar minha elucidação sobre, amparo-me no
ombro da historiadora conservadora Gertrude Himmelfarb, que diz:

Como distinguir os Whigs dos Liberais? Um é pragmático,


gradual, sempre pronto para ceder. O outro pratica
princípios filosóficos. Um é um político visando a uma
filosofia. O outro é um filósofo buscando uma política.90

Himmelfarb neste breve trecho separa, estupendamente, os pragmáticos - os wings; dos


liberais genuínos - que à altura, o autor quer dizer com libertários91. Enquanto libertários
genuínos anseiam por aquilo que deveria ser, independente daquilo que é, outro é
governado pelo acomodamento, e recapitulando a citação acima está sempre pronto para
ceder. Pode-se afirmar, portanto, que os libertários estão comprometidos com o sistema
natural de liberdade.

A cultura possui funções de significação no sentido de sua capacidade para elaborar


experiências contingenciais. Ela é, de certo modo, uma forma de reação antropológica
ancorada no homem, pois se baseia no histórico ou na experiência de vida pessoal.
Desse modo, afirmando isto, há o libertarianismo cultural, acreditando que se o
libertarianismo não ocupar espaços culturais de nada adiantará quaisquer conquistas
futuras92. No entanto, devido à comodidade e a ocupação cultural - que eliminou o outro
lado do debate, ocupando os espaços culturais - trazem ao senso comum a ideia de que o
estado é um mal necessário; ou até mesmo (em estado de pasmem e incredulidade) que
o estado deve ser quem oferece os mais diversos serviços econômicos - o que é de certa
forma, uma anulação ao principal motor da economia: o empreendedor93. Criando o que

90
HIMMELFARB, 1962, p. 209
91
ROTHBARD, 2010
92
ALMEIDA; PAGLIARIN, 2019
93
MISES, 2010
chamarei de cultura estatal. E a cultura estatal, como Huerta de Soto fez muito bem a
analogia, como um vírus do ebola94; o qual só tende a crescimento intermitente.

De certo que a transição para uma sociedade libertária não iria ocorrer da noite para o
dia, visto o vírus da cultura estatal presente na sociedade atual. Esta é a natureza da
realidade temporal em que vivemos. Todavia, o objetivo da liberdade imediata não deve
ser considerada algo utópico, porque a sua realização é dependente da vontade do
homem, sem demais restrições. Se, por exemplo, todo mundo repentina e imediatamente
concordasse com as vantagens predominantes da liberdade, então a liberdade total seria
alcançada imediatamente. Em suma, apesar de ser necessária uma conquista cultural, o
libertarianismo não é utopia.

Ademais, após a explanação de que o libertarianismo não é uma filosofia-política


utópica, é necessário elucidar, esclarecer os mecanismos, ou estratégias que
utilizaremos para o alvorecer da liberdade. Antes de tudo é necessário criar uma vacina
para o vírus da cultura estatal - diria que até mesmo retirar o tumor do câncer estatista.
Acerca das estratégias e ferramentas utilizadas para alcançarmos uma sociedade
libertária, Hans-Hermann Hoppe diz:

Como o estado e a doença estatista podem ser detidos?


Darei início agora às minhas considerações estratégicas.
Em primeiro lugar, três princípios norteadores ou insights
fundamentais devem ser identificados. Primeiro:que a
proteção da propriedade privada e a lei, justiça e a
imposição da lei, são essenciais para qualquer sociedade
humana.95

Ora, pois, não há uma única explicação que justifique a atividade monopolística de tal
tarefa. O que, por fim, Hoppe completa:

94
SOTO, 2014
95
HOPPE, 2013, p. 25
Na verdade, o que ocorre é precisamente que tão logo se
tenha um monopolista se encarregando dessa tarefa, ele irá
necessariamente destruir a justiça.96

Conjectura-se, após breve explanação sobre a cultura, , que um libertarianismo cultural


defebde vertentes as quais apresentam teses acerca da modificação cultural para o
alvorecer de uma sociedade libertária. Nesse sentido, pode-se citar o brutalismo e o
localismo. O primeiro termo originou-se a partir do movimento arquitetônico brutalista
– década de 50 e 60 -, o qual defendia deixar a estrutura de edificações visível, a fim de
descartar o uso de adornos desnecessários. Traça-se um parâmetro disso com o
brutalismo libertário; este afirma que uma ideia deve ser defendida partindo do
princípio ético, sem o uso de adornos – isto é, utilitarismo ou apelo à emoção – para
justificar uma proposição. Através de uma cultura brutalista, aos poucos, os argumentos
baseados em humanitarismo se abstraem, fortalecendo a ética libertária como o ponto
central de uma justificação.

A VIDA INTELECTUAL DO LIBERTÁRIO

Culturalmente, os intelectuais - sejam pensadores ou professores - cumprem papel


augusto para o que seria "a legitimação de um certo pensamento", já que estes
representam no imaginário coletivo o que é o pico da montanha do conhecimento, a
academia. Neste sentido, os acadêmicos cumprem papel fundamental, também, no
libertarianismo cultural.

Todavia, antes de abrir a explanação acerca do papel dos intelectuais no alvorecer da


liberdade, é necessário ressaltar que enquanto mais o estado utiliza da coerção e
agressão o mesmo recorre, fazendo constantes aportes na área do conhecimento, à
sociedade intelectual, à academia. Assim como, àquela altura, houve a invasão
horizontal (no chão; i.e. no campo de batalha) dos bárbaros seja no Império Romano ou
na Península Ibérica, ou nos mais diversos acontecimentos históricos97, acontece na

96
HOPPE, 2013, p.25
97
A história nos relata que houve muitas invasões horizontais de bárbaros; hoje, porém, vivemos uma
invasão vertical de bárbaros, que é a que penetra pela cultura – como se vê entre intelectuais que
atualidade do sistema educacional: uma invasão vertical (essa, além do tangível,
cultural) na cultura, animalesca e fruto de (pseudo)intelectuais que disseminam a
desinformação, acabando com o real sentido do conhecimento; estes acadêmicos são os
bárbaros neste cenário. O que torna o método da academia um tanto quanto vicioso e
tendencioso. Acerca disto, Hoppe disse:

Para assegurar a predominância do correto pensamento


estatista, um monopolista de proteção irá utilizar sua
posição privilegiada de operador de um esquema de
extorsão para estabelecer rapidamente um monopólio da
educação. Mesmo durante o século XIX sob condições
monárquicas decididamente antidemocráticas, a educação,
ao menos no nível da educação básica e universitária, já
era em grande parte organizada monopolisticamente e
financiada compulsoriamente.98

Ademais, corroborando com a tese acima, a educação, quando pública, se torna o


modelo de doutrinação - e independente da doutrinação ser de esquerda ou de direita, é
sempre uma afirmação ao estado, uma doutrinação da cultura estatista. No tocante a
isto, nenhuma outra fala se fez a maior prova gritante da lobotomização que não a
seguinte afirmação de um dos patronos da educação pública:

Jeremy Belknap em um “Sermão Eleitoral” pregado em 2


de junho de 1785, perante o Tribunal Geral de New
Hampshire, idealizou uma educação pública e obrigatória
à todos os jovens americanos. Ele apelou para o exemplo
da antiguidade quando, de acordo com Licurgo, onde os
jovens deveriam pertencer mais ao estado do que aos pais99

E isto fez com que o sistema educacional se torna-se compulsivo e encarecido. Ao invés
de gastarem milhões sobre temas frívolos e vazios, estariam gastando esse dinheiro de
forma muito mais otimizada com resultados muito mais produtivos à sociedade, de

insistem em justificar o terrorismo, músicos que defendem uma vida desregrada ou artistas que
zombam da beleza
98
HOPPE, 2013, p. 39
99
KOHN, 1946, p. 304
forma geral. Entretanto, todo esse sistema educacional compulsório agrada muito o ego
dos professores e demais profissionais da área; pois, de certo que o estado gera diversos
empregos nesta área. Caso essa engenharia social sumisse, conjectura-se que diversos
profissionais estariam desempregados, e outros com salários à uma pequena fração
comparado ao atual. Por fim, isto gera em torno do estado, devido aos interesses
econômicos, um muro de legitimação intelectual, por assim dizer. Criando um
desequilíbrio político-ideológico, uma invasão bárbara na educação.

Resumidamente, o alicerce de uma obra é a estrutura da construção em si. Assim, é a


fundação a qual faz com que a obra fique em pé e se sustente até a finalização. Para que
essa estrutura seja segura, há uma série de cálculos e detalhes os quais precisam ser
seguidos à risca, a fim de que não desabe. Desse modo, tanto os cálculos quanto a
construção do alicerce devem ser bem executados. Neste ponto, é perceptível que o
alicerce, ou fundação, é responsável por transferir toda a estrutura da obra para uma
área maior no solo. Na prática, isso significa que é a partir do alicerce que um imóvel se
sustenta no solo. Assim também tem de ser o movimento intelectual para com o
libertarianismo cultural: consistente e embasado. Um ambiente onde o ​χάος100 (caos)
esteja estabilizado, que haja separação entre os firmamentos.

Para isso se faz necessário (no libertarianismo cultural) um movimento ​contra os


acadêmicos​, ​contra a invasão dos bárbaros - não horizontalmente, de forma agressiva
(evidentemente); mas verticalmente, no campo das idéias: já que só estas podem
iluminar a escuridão. Este trabalho contra-acadêmico se dá por meio do debate
acadêmico, produções de diversos artigos e livros, ocupando o espaço intelectual e
universitário. Para isso, de modo análogo, cita-se o slogan da Nike, ​Just Do It.​ Apenas
faça. De modo inteligente, mas faça. Pois quem não produz, habitua-se à passividade. É
necessário ser paciente e começar, pois com o tempo virá a prática. Sobre isso deixo um
breve trecho do livro ​A Vida Intelectual,​ de Pe. Sertillanges:

100
Caos (em grego antigo χάος, khaos) refere-se a sem forma ou vazio que precede a criação do
universo ou cosmo no mito da criação na tradição grega, ou ao "hiato" inicial citado para a separação
original do céu e da terra da tradição abraâmica (KIRK, 1984).
O trabalho criador exige ainda outras virtudes. Reúno aqui
três das suas exigências que mutuamente se corroboram,
para que uma obra não seja curta nem indigente.
Precisamos de trabalhar com constância, com paciência,
com perseverança. A constância mantém-se a pé firme, a
paciência suporta as dificuldades, a perseverança [...]
Durante as horas de trabalho intenso, assalta-nos a
tentação de interromper o esforço, desde que o menor
incidente traz a languidez e provoca o tédio [...] Nos
momentos de inspiração, estas armadilhas não oferecem
grande perigo, porque a alegria da descoberta ou da
produção opera como freio; mas as horas ingratas não se
fazem esperar e, enquanto dura, é poderosa a tentação.101

E sobre a educação pública e compulsória: evidentemente que para um libertário


genuíno, o sistema educacional não deve ser centralizado, e ainda menos monopolizado.
Acerca de como se daria a educação e da vida intelectual no libertarianismo,
apoiar-me-ei no livro ​Educação Livre e Obrigatória​ de Rothbard. Inicialmente diz:

A educação deve ser conduzida num cenário institucional de


liberdade, ou deve ser financiada e administrada
compulsoriamente? Esta é uma antiga questão que remonta
aos primórdios da filosofia política, mas que raramente é
discutida hoje, no entanto, torna-se especialmente pertinente
neste tempo de aumento da violência e de declínio de
valores nas instituições de educação pública. Decidir que o
governo e não a família é o principal responsável pela
supervisão da educação da criança pode, num primeiro
momento, parecer uma pequena concessão. Mas [...] não é
fácil – e pode de fato ser impossível – controlar o poder
político, uma vez que este ganha o controle da escolaridad.
102

A educação em massa é uma negação ao protagonismo individual e um dos piores


arranjos para desenvolver de fato a sociedade. Já que existe uma padronização, onde

101
SERTILLANGES, 2010, p. 167-169
102
ROTHBARD, 2013, p. 9
indivíduos são submetidos aos mesmos testes e julgados por meio disso. E como diz o
ditado: "um peixe jamais deve ser avaliado por sua habilidade de subir em árvores".
Acerca disto, ainda foi dito:

A educação é um processo de desenvolvimento pessoal,


padronizá-lo é o mesmo que impedir o desenvolvimento das
pessoas, e esse cenário piora ainda mais quando a
educação se torna coletiva. Além disso, a educação é algo
fundamental para a formação cultural da sociedade, e por
esse motivo esse é um setor estratégico para o estado, que
ao dominá-lo consegue controlar diretamente a cultura,
incluindo agendas induzidas por governantes e militantes
partidários. Assim também, a defesa da manutenção de
certos fatos sociais de ampla aceitação e louvor pelas
massas. Isso pode ser visto no mundo inteiro visto que
todos os governantes precisam de uma base de legitimação
psicossocial sobre a qual estabeleça as pautas que
defenderá publicamente. A educação obrigatória tem como
único intuito criar obediência aos seus governantes, e a
criação de massa de manobra103.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO COMO ARMA


CONTRA A REPRESÁLIA ESTATAL

A liberdade de expressão deve ser protegida, pois ela é a ferramenta usada no campo de
batalha intelectual. Todo tipo de tentativa a cercear a expressão deve ser identificada e
contida. O estado vai ser sorrateiro, criando leis de discurso de ódio ou uso obrigatório
de pronomes. Tudo isso não passa de uma maneira de controlar o que você pode ou não
falar, e ao controlar o que você pode ou não falar, ele está ultimamente alterando a
própria pessoa que você é. Devemos lembrar que a liberdade está nunca a mais de uma
geração a ser extinta104, se não defendermos a liberdade de expressão hoje, a próxima
geração ao crescer sem liberdade não terá armas para lutar contra o leviatã, é só ver

103
ALMEIDA, 2019.
104
REAGAN, 1961.
regimes totalitários ainda existentes como a Coréia do Norte. A China pós-Mao ainda
vive sem saber o que é liberdade, salvo uma região chamada Hong Kong. Uma pequena
dose de liberdade já foi suficiente para gerar uma revolta popular contra a tirania105.

Nossas crianças são sequestradas pelo estado para centros de doutrinação e lavagem
cerebral. O estado chama isso de escola, mas nós sabemos muito bem o que é isso. As
crianças são a nova geração, as herdeiras desse mundo que herdamos de nossos
antepassados, elas devem ser vacinadas contra a tirania e controle mental do estado. Por
mais que a doutrinação estatal seja obrigatória, a família como instituição tem o dever
moral de educar os filhos, pois o futuro deles depende deles não serem mais uma cabeça
de gado. O arcabouço ético libertário é uma vacina contra os absurdos pregados por
estatistas, a defesa da propriedade privada e a liberdade de expressão permitem que uma
criança questione falsas autoridades presentes na escola. O ​homeschooling ainda é
proibido no Brasil, mas isso não significa em jogar a toalha ainda, a maioria de nós
estudamos em escolas cujo conteúdo é administrado pelo MEC, ainda assim você está
lendo esse livro.

A educação é condição necessária para o triunfo da liberdade. A curiosidade deve ser


despertada e fomentada, pensadores são uma ameaça ao sistema. Anti-coletivista, o
filósofo tem capacidade de enxergar além das ideologias e questionar o status quo. Ao
debater um esquerdista, você debate uma ideologia personificada, cujo maior antídoto é
o pensamento livre e individualista.

A Internet é vital para a liberdade de expressão. Nunca foi tão fácil, barato e
descentralizado o acesso à informação. Não nos surpreende o fato de estados ao redor
do mundo anseiam a regulamentação e monitoramento da Internet. Fomos alertados há
muito tempo, antes mesmo da Internet existir, sobre o perigo do monitoramento em

105
Hong Kong, após mais de um século como colônia britânica, teve sua soberania regredida à China
em 1997 sob o plano de um país, dois sistemas. Diferentemente do regime socialista chinês, Hong
Kong manteve seu sistema econômico e social que previa direitos de propriedade, liberdade de
imprensa e ocupação (CMAB, 2007). Em 2019, o governo chinês propôs uma emenda de lei sobre
extradição, o que causou preocupação no povo de Hong Kong por temerem ficarem sujeitos ao
sistema legal chinês. Uma grande onda de protestos em massa ocorreram a favor da soberania de
Hong Kong. Um deles, em Victoria Park, 16 de junho de 2019, estima-se ser o maior protesto até
então da história de Hong Kong, com quase dois milhões de pessoas (REUTERS, 2019).
massa por George Orwell em seu livro “1984”. A Internet nos permite comunicar e
procurarmos informações de maneira livre e anárquica. Se soubermos que estamos
sendo monitorados, nós já agiremos de maneira diferente. O estado vai utilizar as
mesmas desculpas de sempre, dizendo que eles monitoram pela nossa segurança, mas
de novo isso foi provado mentiroso recentemente com Edward Snowden expondo o
programa de vigilância interno da NSA.

A liberdade de expressão é ameaçada quando a Internet passa a ser regulamentada e


fortemente monitorada. Jogar a Internet fora e recomeçar é muito trabalhoso e
desnecessário, pessoas preocupadas com a liberdade desenvolveram alternativas a fim
de preservar a privacidade online através de algoritmos de criptografia e redes
alternativas, já desenvolvidas com o propósito de segurança contra vigilância. Temos
dentre os mais conhecidos a rede TOR (popularmente conhecida como ​Deep Web​),
protocolos baseados em blockchain como Bitcoin, entre outros. O estado vai tentar
associar o uso dessas tecnologias com bandidagem, alegando que quem usa Deep Web
ou Bitcoin são pessoas ruins, mas a verdade é que eles tem medo e não querem que
você nem sequer saiba que isso existe.

UMA SOLUÇÃO DE DENTRO PARA FORA:


SECESSÃO E AUTONOMIA

Após elucidação sobre a estratégia cultural, resta-nos dois ​insights a respeito: (i) de que
tentar alterar a estrutura educacional atual se torna pragmaticamente insustentável, com
o passar do tempo. Porque seria necessário bater de frente com toda a estrutura estatal já
existente (abro este parêntese para dizer que: devemos sim lutar contra o aparato estatal;
como devemos, também, ser realistas, a ponto de reconhecer a falibilidade de um
plano/estratégia). Além do mais que ao utilizar a via intelectual, de certa forma,
afirmarmo-a. (ii) Nem toda a população, nem educadores e intelectuais, são
completamente homogêneos ideologicamente.
Em contramão à abordagens mais ​macro,​ surge uma solução que visa os grupos
pequenos. Seccionando, então, a sociedade.

E para concluir a introdução, tomo de uma citação de Hoppe:

Uma vez que o número de territórios implicitamente


separados atingisse uma massa crítica – e cada ação bem
sucedida em uma pequena localidade promoveria e
alimentaria a próxima – o movimento seria inevitavelmente
mais radicalizado em um movimento de municipalização
espalhado por toda a nação, com políticas locais
explicitamente de secessão e pública e insolentemente
demonstrando desobediência à autoridade federal.

E então, será em uma situação como esta – quando o


governo central for obrigado a abdicar de seu monopólio
da violência e da tomada suprema de decisões judiciais, e
quando a relação entre as autoridades locais (em
ressurgimento) e as autoridades centrais (prestes a perder
seus poderes) puderem ser colocadas em um nível
puramente contratual – que recuperaremos o poder de
defender nossa própria propriedade novamente.106

O estado quer te tornar dependente dele (seja para que você pense sobre ele como algo
justo, ou que torne impossível imaginar como seria a vida sem um ditador; sempre para
perpetuar a cultura estatal. Torna-se, então, difícil pensar como funcionam coisas
básicas como estradas, praças, segurança pública, etc), o estado te torna dependente de
um serviço o qual ele monopoliza, e te faz acreditar que sem ele não o teria. Os
burocratas te quebram as pernas, para depois te darem muletas e dizerem que sem o
estado você não andaria. Dê um peixe a um homem e ele votará em você nas próximas
eleições, ensine-o a pescar e ele nunca mais precisará das migalhas de um burocrata.

A autonomia do indivíduo é um antídoto a toda essa dependência. Podemos levar isso


adiante, defendendo a autonomia de regiões territoriais. O poder de secessão, além de
ser ético, é uma arma contra o estado. Somos forçados a termos uma identidade

106
HOPPE, 2013. p. 49.
compartilhada com pessoas que não são como nós, sob o pretexto de pertencer a uma
“nação”. Baboseiras estatistas, seu livre arbítrio o permite se associar e desassociar de
quem queira. A cultura local, comum entre pessoas, cria o sentimento de pertencer, esse
sim legítimo e voluntário, não forçado por uma lealdade obrigatória à bandeira e o hino.
O livre mercado local, a moeda local, a cooperação local, além de não reforçarem a
legitimidade do estado, ainda a minam.

A segurança é mais um vetor de defesa contra o estado. A soberania individual é


defendida pelo indivíduo bem armado. Além de deixar de depender da proteção da
polícia estatal, você está se protegendo contra as próprias atrocidades que o estado
possa te fazer. Uma comunidade local bem armada, além de protegerem a si mesmos
individualmente, protegem uns aos outros. Lembre-se, ao defender a propriedade e
liberdade do seu vizinho, você protege e reforça as suas próprias.

Sem imposição local, através da complacência das autoridades locais, as determinações


do governo central não são muito mais do que palavras ao vento. Todavia, este apoio e
cooperação locais são exatamente o que precisa estar faltando. Sem dúvida, enquanto o
número de comunidades liberadas ainda for pequeno, o assunto parece ser um tanto
quanto perigoso. No entanto, mesmo durante esta fase inicial da luta pela libertação,
podemos ficar bem confiantes.107

DEMAIS VERTENTES DA AÇÃO LIBERTÁRIA

O libertário é um devoto da justiça. A lei natural é sua filosofia e seu arcabouço, todas
as suas ações são norteadas pela ética. O objetivo da sua penosa luta é o fim da injustiça
e a alvorada da liberdade.

Por esta razão, o objetivo libertário, a vitória da liberdade,


justifica os meios mais rápidos possíveis para se alcançar o
objetivo, mas estes meios não podem contradizer, e com
isso enfraquecer, o próprio objetivo.​ 108

107
HOPPE, 2013, p. 48
108
ROTHBARD, 2013, p. 340
Talvez pelo próprio fato do libertarianismo estar relacionado com descentralização e
competição em livre mercado, as estratégias libertárias também são muitas e por vezes
antagônicas em alguns sentidos. E quem saberá ao certo qual é a melhor estratégia, e se
quer só devemos usar uma única estratégia?

Podemos observar as diferentes vertentes do pensamento no que se refere a estratégias


de ação libertária. Levando em consideração a base ética intransigente do libertário, é
comum identificar contradições e erros em ações feitas por libertários, e, geralmente,
quem mais identifica e cobra consistência geralmente são outros libertários. Ao leitor
fica a responsabilidade de observar e chegar às conclusões de quais meios são melhores
e éticos por si mesmo.

PRINCÍPIOS: SOBRE FUSIONISMO, PURISMO,


GRADUALISMO E AGORISMO

A pergunta central aqui é: É ético usar a máquina estatal contra ele mesmo? Pode
parecer uma pergunta simples, mas a resposta tem repercussões extensas sobre o ponto
de vista estratégico.

Se considerarmos que sim, podemos concluir que existam políticos libertários? Veja, o
político é um funcionário do estado, que não está sujeito à competição de mercado e que
não gera riqueza, ele recebe dinheiro por roubo (o leitor já sabe do que estamos
falando). Não seria isso incompatível com a ética libertária? Por outro lado, se o suposto
político libertário revogar leis e diminuir impostos, não estaria criando um saldo
positivo contra o dinheiro que ele se apropria? Essa é a vertente dos Gradualistas. Não é
de se surpreender que seja uma vertente extremamente controversa dentre libertários.

Ao lado dos Gradualistas também se encontram os Fusionistas, que defendem alianças e


parcerias com não-libertários, desde que a meta seja compatível o suficiente com o
objetivo libertário de abolir o estado e defendem a ética de propriedade privada.
Podemos imaginar, por exemplo, que um socialista que brigue pelo direito de usar
drogas, por mais que suas razões não sejam compatíveis com o libertarianismo, tem um
objetivo final compatível com a ética libertária, de usar seu corpo como bem entender.

O Gradualista, ao utilizar a política para obter resultados em curto prazo, pode


prejudicar o movimento libertário ao longo prazo. Ao utilizar o perverso meio político,
ele inerentemente legitima o próprio sistema, quando o objetivo final do libertário é a
extinção do estado. Contra todo tipo de uso de sistemas estatais existe o Purista, que
constata que “Gradualismo na teoria é perpetuidade na prática”109. Segundo o Purista, os
meios graduais são incompatíveis com o libertarianismo. O Purista é um abolicionista, a
liberdade deve ser defendida em sua totalidade, não existe “meia-liberdade” agora para
se ter liberdade completa depois. Não se negocia com o inimigo. Porém se não pelos
meios políticos que podem enfraquecer o estado de maneira infiltrada, como aniquilar o
estado por meios invasores?

No momento em que este livro foi escrito, estamos em um mundo estatizado. Nesse
momento, o Purista apertaria um botão que acabasse com toda a forma de estado se
existisse tal botão. Mas esse botão não existindo, que opções nos restam? O estado por
maior que seja, não consegue abranger e prever toda a ação humana. É possível agir por
baixo dos panos, enganando o estado e diminuindo o alcance de suas agressões.

O Agorismo é a vertente que busca a emancipação do indivíduo em um ambiente


estatal, usando meios que elevem sua soberania. Esses meios são muitos, obviamente
considerados ilegais pelo estado, como sonegação de impostos, contrabando, mercado
paralelo e uso de moedas de curso não-forçado. Em resumo, fazer que o estado acredite
que você segue as regras dele, mas utilizar os furos criados pela enorme burocracia para
se livrar das agressões. O Agorista acredita que ao fazer isso, o estado perde alcance e
que eventualmente vai morrer por inanição.

109
ROTHBARD, 2010, p. 338.
ESTÉTICA: HUMANITÁRIO E BRUTALISTA

Além da estratégia que o libertário adota, as maneiras dele agir podem ser apresentadas
de maneiras diferentes. O libertário pode decorrer de sua ética diariamente, em
conversas, debates, textos. A apresentação do conteúdo pode ter várias formas estéticas,
ele pode ser contundente, persuasivo, hilário, motivacional. Essa é outra dimensão em
que os discursos libertários podem se diferenciar. Mais especificamente, temos duas
estéticas prevalecentes, o Humanitarismo e o Brutalismo.

A ética libertária é radical em algumas de suas conclusões, tanto que não é


surpreendente a resistência acadêmica sobre a filosofia ética libertária. Como uma
maneira de expor o libertarianismo, os Humanitários o adornam, utilizando pautas mais
leves como igualdade e minorias a fim de deixá-lo mais atraente para o público. O
Humanitário foca em pautas como paz e liberdade, por vezes deixando de mencionar as
pautas mais radicais como a defesa de desassociação e discriminação.

O Brutalista, termo inspirado da arquitetura brutalista que utiliza as vigas e o concreto


aparente como parte da sua estética sem uso de adornos, enaltece de maneira
contundente as conclusões mais controversas a fim de não diluir a filosofia libertária. O
Brutalista é politicamente incorreto, dispõe de um arsenal de sarcasmo e por isso é mal
visto em alguns círculos sociais.

O libertarianismo permite que ambos façam sua defesa do libertarianismo, pois eles não
agridem a propriedade de ninguém ao fazê-la. Qual será a maneira mais eficaz de
apresentar a ética libertária? Da mesma maneira que há grande discussão sobre Purismo
e Gradualismo, há uma grande discussão sobre as vantagens de um discurso sedutor
humanitário e um discurso não-diluído rigoroso brutalista. Nas palavras de Rothbard,
“libertarianismo não oferece um modo de vida; ele oferece liberdade, para que cada
pessoa seja livre para adotar e agir sob seus próprios valores e princípios morais.”
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