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10/08/2019 Reflexões de George Orwell – porquê só os jovens morrem?

Reflexões de George Orwell – porquê só os jovens morrem?


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Barãozin May 16, 2012

Estava dando uma lida nos blogs estrangeiros, e vi um cara postando um trechinho de um artigo
escrito pelo grande George Orwell em 1944, num jornal inglês. Ele faz um discurso contra a
hipocrisia da “guerra humanizada”, onde civis eram salvos da morte em troca do sacrifício de
milhões de soldados. É notável Orwell escrever tal artigo durante a guerra e numa época em
que homens morrerem por mulheres e crianças não era”mais que a obrigação” masculina. Não é
a toa que era um gênio!

“As I Please“, por George Orwell

Tribune, 19 e maio de 1944

O panfleto da Sra. Vera Brittain, “Semente do Caos”, é um


ataque aos bombardeios indiscriminados. “Devido aos
ataqueas da RAF, (NT: Força Áerea Real, em inglês)”, ela diz,
“milhares de pessoas inocentes e indefesas na Alemanha,
Itália e em cidades ocupadas pelos alemães estão sendo alvo
de formas agonizantes de morte e ferimentos comparáveis às
piores torturas da Idade Média.” Vários oponentes conhecidos dos bombardeios, como o
General Franco e o Major General Fuller, apoiam isto. A sra. Brittain não está, é claro, vendo as
coisas pelo lado pacifista. Ela está desejosa e ansiosa pelo fim da guerra, é claro. Ela
simplesmente quer que fiquemos nos métodos “legítimos” da guerra e abandonemos o
bombardeio de civis, no qual ela teme que suje nossa reputação aos olhos da posteridade. Seu
panfleto foi emitido pelo Comitê de Restrição de Bombardeios, que publicou outros títulos
similares.

Agora, ninguém normal nutre algo por bombardeios ou qualquer outra operação de guerra aém
do desgosto. Por outro lado, nenhuma pessoa liga para a opinião da posteridade. E há algo
muito desagradável em aceitar a guerra como um instrumento e ao mesmo tempo querer não ter
responsabilidade por seus resultados mais bárbaros. O pacifismo é uma posição sustentável,
desde que você esteja pronto para as consequências. Mas toda esta conversa de “limitar” ou
“humanizar” a guerra é pura farsa, baseado no fato que a pessoa comum nunca se dá ao
trabalho de analisar as palavras de ordem.

E as palavras de ordem usadas nesta conexão são “matar civis”, “massacre de mulheres e
crianças”, e a “destruição de nosso patrimônio cultural”. Isto é assumir tacitamente que
bombardeios aéreos causam mais desses tipos de danos do que os combates em terra.

Quando você olha mais de perto, a primeira questão que surge é: Porque é pior matar civis do
que soldados? Claro que se não se deve matar crianças se tivermos alguma forma de evitar
isto, mas é só em propagandas que cada bomba acaba caindo em escolas e orfanatos. Uma
bomba mata diversos tipos de pessoas, mas não este tipo em particular, já que crianças e mães
geralmente são evacuadas primeiro, e parte dos jovens estão no exército. Provavelmente grande
parte das vítimas de um bombardeio serão de meia idade (as bombas alemãs mataram por volta
de 6 a 7 mil crianças no país. Isto, acredito, é menos que o número de mortos nas estradas no

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mesmo período). Por outro lado, a guerra “normal” ou legítima” vitima e destroça somente
os mais bravos e saudáveis homens jovens da população. Toda a vez que um submarino
alemão afunda por volta de 50 homens jovens em sua melhor saúde física e mental são mortos.
E são as mesmas pessoas que protestam contra os “bombardeios civis” que comemoram com
satisfação que “estamos vencendo a Batalha do Atlântico”. Só deus sabe quantos morreram e
ainda vão morrer na Alemanha, mas você pode ter certeza que nunca alcançará o número do
massacre que está acontecendo no front russo.

A guerra não é evitável no estágio da história em que vivemos, e como isto iria acontecer eu não
vejo problemas em deixar outros serem mortos ao invés de nossos rapazes. Escrevi em
1937: “as vezes me conforta pensar que o avião está alterando as condições da guerra. Talvez
quando a próxima grande guerra vir veremos algo sem precedentes na história, um patriota
exaltado alvejado por balas.” Ainda não vimos isto (e talvez isto seja uma contradição em
termos), mas de qualquer forma o sofrimento desta guerra está sendo compartilhado de
forma mais uniforme que a a da guerra anterior. A imunidade dos civis, uma das coisas que
fazem a guerra possível, foi abalada. Ao contrário da sra. Brittain, eu não lamento isto. Não
consigo ver nada de “humano” em ver só os jovens morrendo e considerar “bárbaro” ver os
mais idosos morrendo também.

Quanto aos acordos internacionais para ‘limitar’ a guerra, eles nunca são mantidos quando vale
a pena quebrá-los. Antes da última grande guerra acontecer, todas as nações concordavam em
não usar o gás mostarda, mas todos acabaram usando. Desta vez ele só não foi usado somente
porque o gás é inefetivo numa guerra de movimento, enquanto seu uso contra civis provocariam
retaliações da mesma forma. Contra inimigos que não podem contra atacar, como os Abissínios,
o gás foi usado o quanto antes. A guerra em sua natureza é bárbara, e é melhor a admitir
assim. Se começarmos a nos ver como selvagens que somos, algumas melhoras são possíveis,
ou pelo menos pensáveis…

“As I Please“, por George Orwell

Tribune, 14 de julho de 1944

Eu recebi algumas cartas, algumas bem violentas, me atacando sobre os meus comentários
sobre o panfleto anti bombardeios que a sra. Vera Brittain fez. Há dois pontos que eu gostaria de
comentar.

Primeiro é a acusação, que está ficando comum, que nós começamos com isto, ou seja, a
Inglaterra foi o primeiro país a praticar o bombardeio sistemático de civis. Como alguém pode
fazer tal afirmação, conhecendo a história recente, é algo que me foge a compreensão. O
primeiro ato desta guerra – algumas horas, se me lembro bem, logo após a declaração de guerra
foi dada – foi os alemães bombardeando Varsóvia. Os alemães bombardearam a cidade de
forma tão intensiva que, de acordo com os poloneses, a certo momento havia mais de 700
incêndios acontecendo simultâneamente. Eles fizeram um filme sobre a destruição de Varsóvia,
que foi intitulado “Batismo de Fogo” e foi mandado para todo o mundo com o objetivo de
aterrorizar os países neutros.

Anos antes tivemos a Legião Condor, enviada à Espanha por Hitler, que bombardeouuma cidade
espanhola atrás da outra. Os “bombardeios silenciosos” em Barcelona mataram milhares de
pessoas em apenas alguns dias. E ainda antes disto tivemos os italianos que bombardearam os
indefesos abissínios e ainda se vangloriavam disto. Bruno Mussolini escrevia artigos em jornais
em que descrevia como as vítimas dos bombardeios “desabrochavam como rosas” e como isto,
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segundo ele, era “muito divertido”. E os japoneses, desde 1931 e ativamente depois de 1937,
bombardeiam as superlotadas cidades chinesas com pouca estrutura, muito menos meios de se
defender de tais ataques.

Eu não estou afirmando que dois males justificam outro mal, ou que os ingleses são “bonzinhos”.
Em inúmeras guerras de baixa intensidade desde a década de 1920 em diante a RAF jogou
bombas em afegãos, indianos e árabes que mal tinham capacidade de contra atacar. Mas é uma
inverdade dizer que bombardeios em áreas populosas, como objetivo de causar o pânico, são
invenções britânicas Foram os países fascistas que começaram com isto, e desde que a guerra
área era usada em favor deles eles tinham este objetivo bem claro.

Outra coisa que precisa ser dita é a ladainha das “mulheres e crianças”. Eu mostrei isto antes,
mas preciso reforçar, que provavelmente é um pouco melhor dividir a carga das vítimas
entre todas os tipos de pessoas do que jogar a carga toda em cima dos jovens. Se o que
os alemães publicam é verdade e realmente matamos por volta de 1 milhão e 200 mil civis em
nossos bombardeios, tal massacre provavelmente afetou menos os alemães que as percas no
front russo ou na África ou na Itália.

Qualquer nação em guerra faz o melhor para proteger suas crianças, e o número de crianças
mortas em ataques provavelmente não corresponde a sua percentagem da população em geral.
Mulheres não podem ser protegidas da mesma forma, mas a choradeira contra a morte de
mulheres, se você aceita a morte, é puro sentimentalismo. Porque é pior matar uma mulher do
que um homem? O argumento geralmente usado é que matando mulheres você está matando
as que podem dar continuidade à raça humana, enquanto os homens não são tão primordiais
assim para este papel. Mas esta falácia se baseia na noção que pessoas podem ser criadas
como animais. A idéia por trás disto é que um homem é capaz de fertilizar um grande número
de mulheres, como se ele fosse um macho reprodutor que insemina milhares de fêmeas, então
a perca de homens não é tão importante assim. Mas seres humanos, entretanto, não são
gado. Quando a matança gerada por uma guerra faz com que muitas mulheres sobrevivam, a
enorme maioria delas acaba não tendo filhos. As vidas masculinas são tão importantes,
biologicamente, quanto as femininas.

Na última guera o Império Britânico perdeu por volta de 1 milhão de homens, dos quais três
quartos deles eram residentes das ilhas britânicas. A maioria deles tinham menos de 30 anos. Se
todos estes jovens homens tivessem apenas um filho, hoje teríamos 750,000 pessoas a mais
vivendo neste país com mais de 20 anos. A França, que tiveram perdas ainda mais pesadas,
nunca conseguiu se recuperar do massacre que foi a última guerra, e é de se duvidar que a
Inglaterra conseguiu se recuperar totalmente. Ainda não podemos calcular as casualidades da
guerra atual, mas a última guerra matou por volta de 10 a 20 milhões de jovens homens.
Como as coisas estão indo, com esta guerra tendo bombas voadoras, foguetes e outras armas
de longo alcance que matará tantos jovens quanto velhos, saudáveis e doentes, homens e
mulheres de forma imparcial, provavelmente destruiremos a Europa um pouco menos do que da
última vez.

Contrário ao que alguns dos meus críticos acham, eu não tenho a menor simpatia por ataques
aéreos, tanto os nossos quanto os dos inimigos. Como tantas outras pessoas do nosso país,
estou ficando farto de bombas. Mas eu sou contra esta hipocrisia de aceitar a força como
instrumento enquanto reclamam de um ou outro instrumento de guerra em particular, ou
denunciar a a guerra enquanto se preserva o mesmo tipo de sociedade que faz com que a
guerra seja inevitável…
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fonte: http://www.orwelltoday.com/orwellwaryoungwhy.shtml
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