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Eu não sou aquilo que ele diz!

Intervenção em vítimas de Bullying

Vera Ramalho psiquilibrios@gmail.com


Psiquilibrios – Centro de Consulta
Psicológica

1. Introdução

Nas últimas décadas, o fenómeno do bullying, entendido como atitudes intencionais e repetitivas de
agressão, violência física ou psicológica e ameaças por parte de um ou mais colegas sobre um outro colega 7. Organização das sessões
ou grupo de colegas (Olweus, 1993; 2000), tem sido objeto de numerosa investigação. Não sendo entendido
como uma mera bulha ou provocação entre crianças, o bullying acontece quando uma criança mais forte
(não só fisicamente) magoa, assusta e humilha, de forma continuada e propositada, outra criança mais
pequena ou mais fraca que não consegue defender-se, sentindo-se sozinha e assustada (Toews & Ramalho,
2012). As consequências para a vítima são inúmeras e podem incluir sintomas físicos (e.g., náuseas, vómitos,
diarreia, febre) e psicológicos (e.g., tristeza, preocupação, tensão, insegurança, raiva, sensação de indefesa,
humilhação, culpa, medo, isolamento), além de fracasso ou abandono escolar (e.g. ausência de vontade de
ir às aulas e de participar nas atividades, falta de atenção e concentração, redução do rendimento escolar),
que podem culminar em ansiedade, depressão, fobia escolar, ideação suicida ou mesmo em suicídio efetivo.
Sendo este fenómeno muitas vezes pouco valorizado, no que concerne aos aspectos emocionais da vítima,
construiu-se o programa de apoio às vítimas de bulllying “Eu Não sou o que ele diz”, com objetivos gerais de
proporcionar às crianças suporte emocional e estratégias eficazes para enfrentar as consequências do
bullying. Os principais temas abordados são: treino de assertividade e de auto-controlo; promoção da
interação com pares prosociais; ênfase no empowerment da vítima; informação aos pais e outros adultos
sobre o que é o bullying e as suas consequências para o desenvolvimento e funcionamento geral da criança.
São apresentadas e discutidas as 10 sessões temáticas e seus objetivos específicos.
2. Prevalência
A prevalência do bullying em Portugal é conhecida através das investigações de Pereira et al. (1994) que
demonstra que 21% das crianças entre os 7 e os 12 anos nunca foram agredidas, 73% são agredidas «às
vezes» e 5% «muitas vezes» (Carvalhosa, Lima & Gaspar de Matos, 2001).
3. Quem são as vítimas de Bullying?
Qualquer um pode ser vítima, mas há crianças mais vulneráveis. Algumas características de crianças mais
susceptíveis são: ter problemas de saúde, ter dificuldades educativas, ser novo na turma ou na escola, ser
muito bom aluno. Geralmente são crianças que têm uma aparência diferente (e.g., excesso ou baixo peso,
gaguejam, usam óculos, não seguem a moda), mostram-se passivas, pouco assertivas, introvertidas e
incapazes de se defenderem (Toews & Ramalho, 2012). As vítimas podem sentirem-se assustadas ou
sozinhas e procuram evitar as situações onde podem vir a ser incomodadas, aumentando o seu isolamento.
Os sinais e sintomas mais comuns de uma criança que está a ser vítima de Bullying são: recusa à escola,
dores de cabeça, dores abdominais, pesadelos, ansiedade, baixo desempenho académico ou desinteresse,
isolamento, irritabilidade, dificuldades de atenção e de concentração, autoagressão.
4. Consequências para as vítimas
A investigação revela que o bullying afeta o bem estar psicológico, físico e o ajustamento psicossocial da sua
vítima, podendo gerar um impacto que perdura para toda a vida (e.g., Olweus, 2000; Pereira et al., 2002;
Fante, 2005; Rigby, 2000). As consequências são inúmeras e incluem sintomas físicos (vómitos, febre) e
psicológicos (sentimentos de tristeza, preocupação, insegurança, raiva, solidão, depressão, ansiedade,
medo), fracasso ou abandono escolar (ausência de vontade de ir à escola (sem motivo aparente para os
pais), falta de atenção e concentração, redução do rendimento escolar), que podem culminar num reduzido
ajustamento social, comportamentos de auto-agressão, ideação suicida ou em suicídio efetivo. Rigby (2000)
acrescenta as repercussões ao nível da saúde mental e física da criança, identificando quatro grandes Notas: 1.Durante as sessões, cabe ao técnico definir momentos em que se distanciam do tema, atendendo ao facto de
categorias de condições de saúde negativas: (a) percepção de bem-estar psicológico (geralmente baixo); (b)
ser importante haver um espaço para explorar e validar outras áreas de interesse da criança e nas quais ela se sobressai.
ajustamento social (geralmente fraco); (c) stress psicológico (frequentemente elevado); (d) e bem-estar
2. Após a revelação do bullying é essencial a colaboração com a escola, bem como com a família para garantir a
físico (geralmente baixo).
5. Programas sobre o Bullying segurança da criança.
Grande parte do que conhecemos sobre a intervenção no bullying deriva de estudos publicados ao nível da
prevenção e de psicoeducação. Estes programas visam reduzir os níveis de agressão e vitimização entre
pares, recorrendo a uma abordagem baseada em informação, em atividades de psicoeducação envolvendo
a escola, os seus membros e a comunidade (e.g., Pereira, 2002).
8. Discussão e Conclusões
6. Programa de intervenção para vítimas de Bullying “Eu Não sou o que ele diz”
Devido à sua incontestável relevância, o tema do bullying tem despertado interesse crescente nos meios académicos,
Raiva, frustração, humilhação, rejeição, isolamento, ansiedade, tristeza, diminuição do
sobretudo, por se tratar de uma questão de abrangência multidisciplinar, envolvendo diferentes áreas como a educação,
interesse e do rendimento escolar, irritabilidade, depressão, dificuldades relacionais,
sintomas psicossomáticos, ideação suicida. Estes são alguns dos sintomas e a saúde e a área juridical (Olweus, 2000; Hampel et al., 2009). O bullying é um problema social grave e transversal às
comportamentos apresentados por crianças que sofrem bullying (Olweus 1993; Fante, escolas (públicas ou privadas), que deve ser entendido como influenciado por fatores individuais, familiars, de grupo, da
2005; Matos, 2004; Toews & Ramalho, 2012). O bullying representa uma ameaça própria escola e da comunidade em geral, sendo fundamental compreender as condições que favorecem o seu
significativa para o desenvolvimento psicossocial saudável da criança, com repercursão desenvolvimento e os meios para impedir que progrida. Em geral, a literatura foca a sua atenção nos comportamentos de
em todas as áreas da sua vida, desde a aprendizagem, à socialização, alimentação e o bullying entre estudantes e em programas de prevenção do bullying, que abrangem a informação sobre o fenómeno e
sono. A presença deste tipo de violência continuada na vida destas crianças e jovens estratégias para lidar com este tipo de violência, sobretudo quando este já está instalado na escola. Contudo, menos
contribui para o desenvolvimento de problemas físicos e emocionais, e faz com que sua
atenção tem sido dada às vítimas e ao tratamento das consequências psicológicas que advém desta vitimação. Este
vítima passe a viver sob a sombra do medo (Olweus, 1993; Bond, Carlin, Thomas, Rubin &
trabalho procurou colmatar esta lacuna, apresentando um programa de intervenção para as vítimas por se tratar de um
Patton, 2001; Ma, Stewin, & Mah, 2001; Pereira, 2002; Fante, 2005; Pereira, 2006; Craig
et al., 2007; Hampel et al., 2009; Farenzena, et al., 2012). problema que pode comprometer o seu desenvolvimento saudável.
Este programa surge pela necessidade de proporcionar apoio emocional efetivo e Espera-se que com este programa as crianças apresentem menor aceitação do comportamento anti-social, melhorias
promoção de competências à criança que é vítima de bullying para que esta seja capaz de significativas ao nível do auto-conceito, reconhecimento da importância da amizade, menor isolamento, redução de
lidar com os sentimentos e consequências inerentes a esta forma de agressão, muitas sintomas de depressão, aumento da capacidade de concentração, e melhoria nos resultados académicos, além de
vezes silenciosa. Assim, é sobretudo pelos efeitos nas vítimas de bullying apontados na padrões de reação mais adequados perante novas possibilidades de agressão.
literatura, e já aqui citados, (Olweus, 2000; Pereira et al., 2004; Fante, 2005) e pelos
desafios que estas crianças enfrentaram, que propomos um programa que dá ênfase à
necessidade de apoio emocional, ao empowerment da criança e ao reconhecimento das
suas capacidades. 9. Referências
Achenbach, T., & Rescorla, L. (2013). Questionário de Comportamentos da Criança – CBCL 6-18 – versão portuguesa da Child Behavior Checklist.
Braga: Psiquilíbrios Edições.
6.1 Objetivos do programa
Bond, L., Carlin, J., Thomas, L., Rubin, K. & Patton, G. (2001). Does bullying cause emotional problems? A prospective study of young teenagers.
Os objetivos gerais do programa incluem: proporcionar às crianças suporte emocional e British Medical Journal, 323, 480-484.
estratégias eficazes para enfrentar as consequências do bullying; treino de assertividade Carvalhosa, S., Lima, L. & Matos, M. (2001). Bullying: A provocação/vitimização entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, 4
e de auto-controlo; resolução de problemas; promoção da interação com pares (XIX), 523- 537.
§ Craig, W, Peppler, D., & Blais, J. (2007). Responding to Bullying: What Works? School Psychology International; 28; 465.
prosociais; ênfase no empowerment (promover o seu sentido de competência e dotar a
http://spi.sagepub.com/cgi/content/abstract/28/4/465. Versão on line.
criança de capacidades de confronto para momentos futuros) (Toews & Ramalho, 2012);
Fante, C. (2005). Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2a edição. Campinas: Editora Versus.
promover a compreensão dos pais sobre o que é o bullying e das suas consequências Farenzena, R., Costa, P., Pereira, V. & Pereira, B. (2012). Bullying Escolar: descrição de um projeto de intervenção. In: B. Pereira, A.N. Silva & G. S.
para o desenvolvimento da criança e aumentar os indicadores da qualidade do Carvalho (Coord.), Atividade Física, Saúde e lazer. O Valor Formativo do Jogo e da Brincadeira (pp. 119-127). Braga: Centro de Investigação em
relacionamento entre pais e filhos, incluindo: suporte social, resolução de conflitos, Estudos da Criança – Instituto de Educação – Universidade do Minho.
comunicação, expressão emocional. São apresentadas e discutidas as 10 sessões Hampel, P., Manhal, S. & Hayer, T. (2009). Direct and Relational Bullying Among Children and Adolescents: Coping and Psychological Adjustment.
School Psychology International 2009 30: 474. online version: http://spi.sagepub.com/content/30/5/474
temáticas, seus conteúdos e objetivos.
Ma, X., Stewin, L. & Mah, D. (2001). Bullying in school: nature, effects and remedies. Research Papers in Education 16 (3) 2001, pp. 247- 270.
Research Papers in Education. Routledge.
6.2 Participantes Matos, M.G., & Team of the Aventura Social Project (2004). Risco e Protecção. Disponível em www.fmh.utl.pt/aventurasocial. Accessed august 18,
Este programa está indicado para crianças com idades compreendidas entre os 8 e os 12 2013.
anos. Olweus, D. (1993). Bullying at School: What We Know and what We Can Do. England: Blackwell Publishing. Disponivel em Google Books.
Olweus, D. (2000). Bullying at School. Oxford: Blackwell Publishers.
Pereira, B. (2002). Para uma Escola sem Violência. Estudo e Prevenção das Práticas Agressivas entre Crianças. Lisboa: Fundação Calouste
6.3 Organização e funcionamento das sessões Gulbenkian.
A implementação do programa deve decorrer em dez sessões presenciais com a duração de 50 minutos Pereira, B. (2006). Prevenção da Violência em contexto escolar: diagnóstico e programa de intervenção. In João Clemente de Souza Neto e Maria
cada, com recurso a metodologias ativas. As sessões serão organizadas em três momentos: (i) avaliação do Letícia B. P. Nascimento. Infância: Violência, Instituições e Políticas Públicas. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 43-51.
bem estar geral da criança e espaço para abordar outros temas que o psicólogo considere de relevo, (ii) Pereira, B. & Mendonça, D. (1995). O "bullying" na escola. Análise das práticas agressivas por ano de escolaridade. In 1º Encontro de Educação e
Introdução ao tema da sessão; (iii) Atividades temáticas. Cultura do Concelho de Oeiras, Oeiras: Câmara Municipal de Oeiras, pp. 39-57 (actas).
Em paralelo às sessões do programa, a intervenção deve ser focada na estabilização da Pereira, B., Neto, C., Smith, P. K. & Angulo, J. C. (2002). Reinventar los Espacios de Recreo. Prevenir los comportamientos agresivos. Cultura y
sintomatologia mais grave apresentada (e.g., ansiedade, depressão) e num trabalho Educación 14 (3) 297-311.
direto com os pais e professores, com foco nas capacidades da criança (este trabalho é Toews, R. & Ramalho, V. (2012). Bully: Um mauzão que gostava de magoar os seus colegas. Braga: Psiquilíbrios Edições.
Rigby, K. (2000). Effects of peer victimization in schools and perceived social support on adolescent well-being. Journal of Adolescence, 23 (1), 57-
contemplado na sessão 0). Os adultos que convivem com a criança serão envolvidos e
68.
definidas sessões exclusivas com estes, onde poderão ser abordados temas sobre a
sintomatologia apresentada e como ajudar a criança.

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