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Capítulo II do livro: LESTER, Joel. (1992) Compositional Theory in the Eighteenth Century.

Cambridge, Massachusetts; London, England: Harvard University Press.


Tradução: Orlando Marcos Martins Mancini
2012

O modo como eu ensino contraponto aos nossos estudantes é assim: primeiro eu ensino nota contra
nota, dessa forma eles aprendem as relações consonantes; então com mínimas e algumas semibreves
sincopadas contra o cantus firmus, misturando dissonâncias com consonâncias se desejado, evitando
e as vezes realizando cadências perfeitas (na oitava, na quinta ou no uníssono). Finalmente, eu os
ensino o contraponto diminuído, sincopado de tal forma que são raros os momentos onde a semibreve
ou uma semínima pontuada ocorram. Porém, quando o contraponto passa para três ou quatro partes,
eu não os mantenho com tais restrições.

Lanfranco, 1533:119.

O ensino do contraponto pelo isolamento de diferentes tipos ou espécies de interações entre


vozes remonta pelo menos ao início do século 16. Embora Giovanni Maria Lanfranco (c. 1490–
1545) não tenha incluído exemplos musicais com esta primeira descrição conhecida, na epígrafe,
o texto claramente descreve nota contra nota, duas notas contra uma com a utilização de
ligaduras ocasionais ou suspensões e a espécie ornamentada (contraponto florido),
correspondendo, respectivamente, as primeira, segunda/quarta e quinta espécies no clássico
Gradus ad Parnassum (Viena – 1725) de J. J. Fux, publicado aproximadamente dois séculos depois.

Para os músicos modernos, o método pedagógico de Fux mostra-se tão compelido que os
termos contraponto e espécies do contraponto parecem estar indissoluvelmente ligados. Mas as
espécies fuxianas nunca foram universais na pedagogia do contraponto tanto antes como
depois de 1725. Alguns teóricos simplesmente listavam todas as sucessões possíveis de uma
consonância para outra: catalogando como todas as possibilidades de intervalos consonantes,
como por exemplo o uníssono, poderiam se mover para uma terça maior, para uma terça menor,
para uma quinta justa, e assim por diante. As configurações dissonantes eram então listadas
separadamente. É difícil imaginar como tais catálogos de sucessões intervalares –
recomendadas, toleráveis ou proibidas – poderiam ser aprendidos a não ser pela memorização
(decorando).

Além disso, esta abordagem atomística parece impossibilitar qualquer discussão sistemática de
estruturas maiores do que algumas sucessões nota contra nota ou casos que abarquem um
número maior do que duas vozes. Essa tradição permaneceu viva desde Johannes Tinctoris, no
final do século 15, passou por Christoph Bernhard, no século 17, chegando até Johann
Matthenson (1681–1764) em meados do século 18. Uma tradição separada de instrução em
contraponto, a diferenciação de Zarlino entre contraponto simples (nota contra nota),
contraponto diminuído (uma parte ornamentada ou florida contra notas longas) e contraponto
livre (duas partes ornamentadas), formou a base de inumeráveis métodos dos séculos 17 e 18.
Finalmente, muitas discussões sobre contraponto, antes e depois de Fux, foram baseadas na
elaboração de texturas harmônicas em várias vozes, seja na realização do baixo contínuo, como
em Friderich Erhard Niedt (c. 1674–1708), ou em progressões harmônicas, como em Johannes
Lippius (1583–1612) ou Heinrich Christoph Koch (1749–1816).
Cada um desses métodos de contraponto tem seus próprios aspectos positivos e negativos e
implicações próprias de cada um. Este capítulo se concentra nas espécies do contraponto, sua
evolução, várias características de sua apresentação no Gradus e sua influência.

A formulação das Espécies no século 17

Entre os escritos do século 17 concernentes primariamente com o ensino fundamental de música,


vários apresentaram espécies no estudo do contraponto de alguma forma. Um dos primeiros
exemplos é a segunda parte do conciso Il transilvano (1609) escrito pelo músico veneziano
Girolamo Diruta (c. 1554 – depois de 1610), um dos modelos para o Gradus de Fux. Como no
Gradus, Il transilvano está no formato de diálogo (o papel de estudante cabe a um transilvano –
daí o título). Tentando evitar um grande número de regras e exceções que caracterizam outros
tratados, Diruta encapsulou os princípios da condução de vozes consonantes via quatro tipos de
movimento:

 De uma consonância perfeita para outra consonância perfeita, mover-se por movimento
contrário [ou obliquo];
 De uma consonância imperfeita para outra consonância perfeita, mover-se livremente
[com qualquer dos movimentos];
 De uma consonância perfeita para uma consonância imperfeita, mover-se livremente;
 De uma consonância imperfeita para uma consonância perfeita, mover-se por movimento
contrário e por semitom [em uma voz].

(DIRUTA, 1609, p. 2; facsimile in PALISCA, 1958, col. 1538)

Inumeráveis escritores posteriores testemunharam as vantagens de tais breves regras


universais, adotando algum tipo de formulação delas.

Diruta diferenciava sete espécies de contraponto contra um cantus firmus em semibreves:


semibreves, duas mínimas, duas mínimas com a utilização de ligaduras entre consonâncias,
mínimas com ligaduras entre dissonâncias (suspensões), semínimas, ritmos variados com
dissonâncias tratadas estritamente (osservato) e, finalmente, ritmos variados com dissonâncias
tratadas mais livremente (commune). Esta abordagem com as espécies permitiu a Diruta
introduzir tanto complexidades rítmicas quanto novos tipos de tratamento de dissonâncias,
enfocando uma coisa de cada vez. Esta forma contrastava muito com o método de Zarlino onde
um estudante aprendia a escrita nota contra nota em semibreves e consonâncias, [denominado
por Zarlino de contraponto simples], e, então, tinha de absorver toda complexidade rítmica e
todos os tipos de tratamentos de dissonâncias de uma só vez, no contraponto ornamentado
(florido), [denominado por Zarlino de contraponto diminuído]. Na introdução de cada nova
espécie, Diruta oferece um exemplo, classifica todos os intervalos (como Fux faria,
posteriormente) e explica a condução da voz nota por nota. A influência de Zarlino é com
freqüência percebida (como na sugestão de evitar consonâncias de mesmo tipo na p. 5), porém
a clareza e a concisão são inteiramente de Diruta.

Lodovico Zacconi (1555–1627), um colega veneziano de Diruta, incorporou muitos exemplos de


Diruta no Livro II de sua Prattica di musica seconda parte (1622, p. 57–128) consolidando as sete
espécies de Diruta no que se tornariam, posteriormente, as cinco espécies de Fux: semibreves,
duas mínimas, semínimas, notas ligadas e notas com valores misturados. O Livro III (p. 129–248)
trata do contraponto sem um cantus firmus, incluindo imitação, cânone e contraponto inversível.
O Gradus copia não só as cinco espécies de Zacconi como também sua organização, com seções
separadas para assuntos preliminares, espécies do contraponto e contraponto imitativo.

Nem Diruta nem Zacconi abordam as dissonâncias da chamada seconda pratica. De fato, os
teóricos italianos publicavam seus métodos de composição no século 17 abordando
primariamente a música sacra. Como resultado, não existe nenhuma discussão das dissonâncias
da seconda pratica (de acordo com Bernhard) dentro dos escritos das espécies do contraponto
deste período. Porém, novas práticas gradualmente começaram a ser abordadas nos tratados,
tais como as de Giovanni Maria Bononcini (1642–1678) e Angel Berardi (c. 1636–1694). Por
exemplo, o popular Musico prattico (Bologna, 1673 e 1688; Veneza, 1678; parcial tradução alemã,
1701) de Bononcini, incluiu tanto as resoluções de suspensões padronizadas e tradicionais,
quanto as mostradas no exemplo.

Exemplo 2 - 1. Bononcini, p. 65 – 67. X representa um sustenido.

Neste exemplo, entre as características mais modernas estão: a utilização de dissonâncias


consecutivas (primeiro e quarto excertos), a resolução ascendente de uma nota suspensa com
ambas as vozes se movimentando (segundo excerto), saltos de uma suspensão (terceiro
excerto) e, também, a presença de figuras do baixo contínuo (quarto excerto). Esta última
característica torna claro que para Bononcini, as duas vozes mostradas não representam
necessariamente uma textura a duas partes, mas, ao invés, um modelo de vozes extremas.

Berardi publicou dois tratados maiores, um adotando a diferenciação de Zarlino entre


contraponto simples e diminuído (Documenti armonici, 1687), e outro utilizando uma abordagem
por espécies com uma extensão desconhecida em qualquer parte, com dezenas de espécies
(Miscellanea musicale, 1689, Livro I): alguns contrapontos contêm somente graus conjuntos ou
somente saltos, alguns utilizam ostinatos (ostinatos de altura, ostinatos de ritmos ou a
combinação entre os dois), alguns excluem qualquer tipo de repetição, alguns omitem várias
notas da escala ou intervalos ou utilizam somente algumas poucas notas ou intervalos, alguns
excluem imitação, outros utilizam uma grande variedade de intervalos, e assim por diante. O
primeiro trabalho introduz 24 regras de contraponto, as primeiras quatro modificando as quatro
regras de Diruta, algumas das remanescentes derivadas de Zarlino (proscrevendo terças ou
sextas consecutivas de mesmo tipo) e outras originais. Fux achava muitas destas regras
restritivas demais, embora ele frequentemente as citasse sem dar o crédito a Berardi (como no
caso da ottava battuta; MANN, 965a:37–38).

Além desse exaustivo estudo do contraponto tradicional, Berardi também introduziu usos
sugerindo estilos instrumentais contemporâneos. O exemplo abaixo está “numa maneira mais
moderna” remanescente de Arcângelo Corelli (1653–1713) que viveu em Bolonha e publicou seus
trabalhos pela primeira vez poucos anos antes deste tratado.

Exemplo 2 - 2. Berardi, 1687, p. 143.

Os tratados de Diruta, Zacconi, Bononcini e Berardi são os maiores trabalhos publicados sobre
as espécies do contraponto que precedem o Gradus de Fux. Muitos aspectos do Gradus já estão
presentes em um ou mais destes tratados: as cinco espécies, as quatro regras para as
consonâncias introduzidas no início, a utilização de várias espécies para introduzir as
complexidades rítmicas e o tratamento de dissonâncias, o formato em diálogo, a ênfase no stile
antico, várias sugestões de usos específicos, uma ascensão gradual dos exercícios em espécies
simples a duas vozes em direção à imitação e a fuga, e a introdução de formas de utilização mais
modernas baseadas em variantes do contraponto estrito. Porém, nenhum desses autores do
século 17 foi capaz de competir com a maior realização de Fux – a consolidação da abordagem
por espécies num todo compreensível e convincente.

Espécies Improvisadas do Contraponto

Além desses trabalhos apresentando as espécies do contraponto em termos de composição


escrita, existiram outros que utilizavam as espécies para ensinar a improvisação vocal – cantando
“sobre o livro” (super librum) como Tinctoris o chamava. Por muitos séculos tal improvisação
vocal extemporânea foi provavelmente um campo de treinamento para os compositores.
Vicente Lusitano (? – ?) apresentou as primeiras instruções metódicas para a improvisação vocal
em 1553, aplicando nota contra nota, então duas, três e quatro notas contra uma para
improvisação vocal contra um cantus firmus em duas, três e mais vozes (1561, fols. 12 ‘- 12’, fols.
15 ‘- 16’). Lanfranco citou no início de seu capítulo, provavelmente também se referindo ao
contraponto improvisado e não escrito em 1533, no qual ele ensina seus alunos a “situar-se nas
consonâncias” (cadere su le consonanze). Tais espécies improvisadas do contraponto
sobreviveram até o século 18 em pelo menos alguns locais. Brossard 1703 discute “chater sur le
Livre”, e o Padre Martini ouviu improvisações a quatro vozes (contrappunto alla mente) em
1747em Roma (MARTINI, 1774–1775, Vol. I, p. 57–59). Madin 1742 dá instruções mesmo que o
autor, um padre em Paris, reconhecesse que não era muito praticado em muitos paises (p. 1).
Madin também reporta uma “verdadeira confusão da mistura de intervalos [que resultam] de 30
ou mais músicos entoando ao mesmo tempo, alguns corretamente e outros de forma aleatória”
(p. 6–7).

Um outro aspecto da improvisação vocal, que adiciona ornamentos a peças compostas, foi
reconhecido como uma influência importante na composição em manuais de contraponto de
todos os tipos. Embora os maiores contornos desta linha de desenvolvimento parecem claras,
um estudo detalhado que apresente este momento de transformação no processo
composicional e seus efeitos nos estilos musicais, ainda não foi escrito.

Em qualquer parte, o Gradus de Fux não deixa transparecer que o método das espécies deva ser
usado com outra finalidade do que aprender a composição escrita.

O Gradus ad Parnassum e a Pedagogia do Contraponto

De todos os maiores tratados teóricos da tradição ocidental, o Gradus ad Parnassum (Viena –


1725) de Johann Joseph Fux (1660 – 1741) em seu texto original ou tradução literal, é o que
permanece em uso por mais tempo.

O Gradus atraiu rapidamente a atenção dos contemporâneos de Fux como um clássico


pedagógico, mesmo por aqueles que discordavam de Fux em um ou mais assuntos [1] ;
no século 18, o Gradus, foi traduzido literalmente ou parafraseado de seu texto original em Latim
para o alemão, italiano, francês e inglês, sendo utilizado por inúmeros músicos proeminentes do
século 18, entre eles: Haydn, Mozart e Beethoven (MANN, 1965a , p. xi – xiv; MANN 1967, 1973,
1978 – 1979, 1987). O Gradus tem sido um modelo, ou pelo menos um ponto de partida, para
muitos trabalhos em contraponto desde sua publicação e, via traduções no meio do século 20
para o alemão e inglês, permanece, ainda nos dias de hoje, como um livro adotado.

O grande sucesso do Gradus não está somente baseado no método por espécies, mas, também
na organização pedagógica do trabalho e no estilo literário afetuoso. Fux o publicou quando
estava com 65 anos de idade, apoiado na experiência de uma vida inteira ensinando, não
somente composição, mas, também, os fundamentos da música, aos meninos do coral de Saint
Stephens em Viena, onde foi Mestre de Capela a partir de 1704. Fux ampliou a abordagem por
espécies para três e quatro vozes. Ele evitou as intrincadas 24 regras de Berardi, ou as múltiplas
regras de Zarlino espalhadas em dezenas de capítulos e interrompidas por digressões extensas,
oferecendo uma reformulação das quatro regras de Diruta na condução de vozes consonantes,
reordenando e não exigindo o semitom em uma voz quando se movendo de uma consonância
imperfeita à perfeita. A formulação de Fux destas quatro regras recorre em inumeráveis
trabalhos através do século desprezando as suas orientações. Mesmo no tratado de 1756,
Johann Friedrich Daube (c.1730–1797), que ensina o baixo contínuo inspirado na harmonia de
Rameau, elogia as regras de Fux (prefácio). Alguns músicos posteriores notaram que as quatro
regras podiam ser reduzidas ainda mais. Beethoven sugere duas regras (uma para o movimento
nas consonâncias perfeitas e outra para imperfeitas); Padre Martini notou que a única proibição
é a do movimento direto para uma consonância perfeita (MANN, 1965a, p. 22). Finalmente, Fux
tentou reduzir a influência que a mudança dos estilos musicais provocava nas regras do
contraponto insistindo que o estilo vocal, não as influências instrumentais ocorridas em
Bononcini e Berardi, era sua própria fundação.

Para Fux, tudo que é necessário para iniciar o contraponto é uma lista de consonâncias e as
quatro regras de condução de vozes. Desta base simples, Fux procede através das espécies do
contraponto em duas, três e quatro vozes; segue mudando para imitação, fuga e contraponto
inversível; e conclui o tratado com um estudo de figuras musicais e afetos, e as exigências de
vários estilos contemporâneos. Ele relega para uma introdução de 42 páginas os assuntos (tal
como a geração de intervalos) ainda julgados necessários num tratado formal. Como um dos
resultados, os estudantes aprendem interações locais de intervalos via espécies; o cantus firmus
e repetições rítmicas de partes individuais de considerações feitas de textura e relações rítmicas
entre as partes. A seção em imitação e fuga foca exatamente nesses assuntos e também no uso
de motivos. Quando o estudante é capaz de bem manipular tudo isso, Fux discute os Modos e
uma gama de assuntos estilísticos.

O corpo do trabalho (FUX, 1725, p. 43–279) é dirigido como um diálogo entre Josephus (Fux como
um estudante iniciante) e Aloysius, representando Palestrina, o mestre “a quem eu devo tudo
que sei desta arte” (MANN, 1965a, p.18) [2] .

Através do diálogo, Josephus põe em prática os preceitos apresentados por Aloysius,


continuamente discutindo os tipos de questão que um estudante teria, e, ocasionalmente,
cometendo erros para depois corrigi-los ou tê-los corrigido por Aloysius. Um grande número de
trabalhos anteriores ilustrou uma boa e má condução de vozes. Porém, nenhum outro trabalho
apresenta de maneira tão realística o progresso de um aluno tornando-se um compositor sob
um sistema de tutelagem constante. Os leitores, conscientemente trabalhando com todos os
exemplos, podem facilmente imaginar a si mesmo, como o jovem Haydn provavelmente o fez,
estudando com um colega sob a guia de um mestre: “[Haydn] trabalhou seu caminho através de
todo o método, fez os exercícios, guardava-os por várias semanas e retomava-os outra vez,
lapidando-os, cada vez mais, até que todos estivessem corretos” (Griesinger, 1810, p.10; Gotwals,
1963, p.10).

Fux introduz todas as regras e recomendações na condução das vozes nos exercícios e suas
correções apresentam somente o que o estudante necessita saber num determinado ponto, de
forma a fazer os exercícios e adquirir uma experiência composicional. Estão ausentes discussões
preliminares de regras como em Diruta 1609 e Bononcini 1673 (tal como as circunstâncias rítmicas
nas quais as consonâncias perfeitas consecutivas podem ou não ser aceitas e a melhor forma de
utilização de terças e sextas consecutivas).

Esta maneira relaxada pela qual Fux introduz e modifica suas regras é tanto um dos grandes
méritos do Gradus quanto uma de suas características mais irritantes. Por exemplo, Fux explica
que o contraponto deveria iniciar com um intervalo perfeito; mas quando Josephus inicia seu
segundo exercício de contraponto no modo de Ré com uma nota Sol na voz inferior, Aloysius
tem de explicar brevemente que esta quinta seria inaceitável, pois viola propriedades do modo
(MANN, 1965a, p.31). Uma explicação completa dos modos, que certamente teria interrompido
os exercícios iniciais se fosse colocada nesse ponto, só ocorrerá muito posteriormente, depois
do estudo da fuga e da imitação (FUX, 1725:221–231; LESTER, 1989:189-196). Similarmente, não
até que Josephus necessite da informação para escrita a três partes faz Aloysius explicar porque
a regra proibindo o movimento direto para um intervalo perfeito necessita ser mais maleável na
escrita a mais de duas vozes (MANN, 1965a, 76–77).

Esse tipo de abordagem, entretanto, produz numerosas passagens onde a ausência de


sistematização e regras formais conduz a confusões sobre os critérios envolvidos. Por exemplo,
próximo ao final da primeira espécie a duas vozes, uma discussão sobre a propriedade de alterar
uma nota sensível três compassos antes do final de um exercício de forma que Fá# - Sol – Fá# -
Sol ocorra, ao invés de uma “relação problemática” Fá – Sol – Fá# - Sol (p.39). Um estudante
cuidadoso notará que a “relação problemática” idêntica já tinha acontecido anteriormente e
acontecerá posteriormente sem correção ou comentários.

Da mesma forma, um leitor atento poderia indagar sobre saltos compondo um trítono {trítono
composto melodicamente}. No quarto exercício, Aloysius emenda o salto ascendente Fá – Si em
Fá – Dó (p.35). Dois exercícios depois, Josephus utiliza uma sucessão ascendente Fá – Lá – Sib.
Quando Sib deve ser utilizado? Quando Dó? E porque Aloysius não alterou a sucessão Fá – Sol –
Si – Ré logo depois (p.47)? Fux provavelmente evitou uma discussão explícita pois ela envolveria
a questão complexa sobre o equilíbrio modal e assuntos contrapontísticos: Sib não é apropriado,
na primeira instância, porque o exercício está no Modo de Mi, um pouco antes da linha conduzir
ao final; a segunda instância está no Modo de Fá, onde Sib é geralmente preferível ao invés de
Si; na terceira instância Sib não é possível por causa de uma nota Mi sustentada no cantus firmus,
e o padrão melódico Fá – Sol – Dó – Ré teria sido mais problemático.

Outros assuntos parecidos acontecem no tratado. Os músicos do século 18 estavam conscientes


destes problemas. Nicolas Framery (1745 – 1810), um músico francês que trabalhou na fundação
do Conservatoire (Gessele, 1989, Capítulos 2 e 5), provavelmente falou para muitos músicos do
século 18 quando criticou “a obscuridade dos princípios e dos seus desenvolvimentos. Tudo que
alguém pode admirar é a sagacidade dos estudantes que compreende nas primeiras palavras o
que os próprios mestres entenderiam somente com muita dificuldade” (Azopardi, 1786:11).

Na defesa de Fux, esta pequena lacuna de sistematização é a essência de seu método –


desenvolver maiores sofisticações com abordagens dirigidas aos estudantes em forma de
problemas composicionais de complexidades maiores, conduzindo-os a dar-se conta que como
compositores eles terão constantemente de comparar alternativas. Considere a discussão onde
Josephus evita uma ligadura potencial na quarta espécie porque sua utilização conduziria a uma
“repetição ruim” (MANN, 1965a, 60 – 61). Repetições ocorrem em exercícios anteriores e
posteriores. O ponto para Fux não é proibir as repetições, mas introduzir um outro critério para
o desenvolvimento do sentido de discriminação do compositor. Notas à margem de Haydn e
Beethoven, comentando as várias conduções de vozes nos exemplos de Fux, confirmam que
eles utilizavam o Gradus exatamente desta forma [3] .

À compreensão da amplitude que o Gradus teve sucesso, tanto como um texto pedagógico
quanto como uma fonte de contraponto estrutural, este é um dos sinais mais fortes.

Uma outra característica superior da pedagogia de Fux reside no tamanho e na variedade de seus
cantus firmi. Em contraste com um simples e longo cantus firmus desordenado; ou meramente
uma escala ascendente ou descendente, como encontrado em alguns outros tratados, Fux
mantém um cantus firmus diferente em cada um dos modos. As melodias têm cerca de doze
notas – longas o suficiente para permitir uma variedade de movimento entre a abertura
circunscrita da frase e a cadência obrigatória, mas não tão longos que linhas débeis sejam
inevitáveis (embora certamente muitos dos exercícios em semínimas ocasionem tais
problemas).

Um aspecto final do Gradus que elevou seu status como um clássico pedagógico é sua relativa
abstração de qualquer estilo composicional particular. Zarlino havia escrito sobre práticas
composicionais da geração precedente a dele. Escritores posteriores em contraponto tentaram
atualizar suas recomendações. A abordagem de Fux é diferente. Embora exista uma seção
discutindo estilos contemporâneos no final do Gradus com a intenção clara de atender uma
audiência contemporânea, ele acredita firmemente que a base da composição musical não é
afetada por maneirismos estilísticos. Fux conclui o tratado com um paralelo relacionando estilos
musicais com formas nas vestimentas {moda} e arquitetura:

Se alguém se vestisse hoje no estilo de cinqüenta ou sessenta anos atrás, certamente estaria se
expondo ao ridículo. A música também deve estar harmonizada com os tempos. Porém eu nunca
encontrei nem ouvi falar de um alfaiate que, familiarizado com as novas modas, colocasse uma
simples camisa na coxa ou nos joelhos; nem de qualquer arquiteto que fosse tão louco para
colocar a fundação de uma construção no topo de um telhado. Ainda que possamos ouvir tais
coisas em algumas situações musicais, não sem trazer grande desapontamento para os que
possuem o senso, e vergonha à arte quando os preceitos fundamentais da natureza e da arte
são invertidos de seus lugares próprios, e a fundação seja colocada acima, enquanto outras
partes são colocadas abaixo, sem relacionar-se com a própria fundação. Realmente, Josephus,
não importa o quanto você busque pela novidade e invenção, exercendo todos os poderes de
seu tempo, nada pode encobrir, muito menos destruir, as regras da arte que imita a natureza e
que atingi como finalidade a própria natureza (LESTER, 1989:209).

Fux tinha como objetivo apresentar o que ele considerava como esta fundação imortal da
estrutura musical, acreditando que estava exemplificada na música de Palestrina. Neste sentido
Fux representa o último teórico importante da tradição da prima pratica, seguindo uma linha que
vai de Zarlino e Artusi até muitos escritores italianos do século 17. Como compositor Fux escreveu
em ambas as práticas – óperas e trios sonatas, no último estilo, e música litúrgica a cappella.

Está muito claro, através de pesquisadores mais modernos, especialmente Jeppesen, que os
usos no Gradus não estão de acordo, de muitas formas, tanto com os detalhes quanto com o
espírito da música de Palestrina. Além do mais, é significante que quando Fux se refira a música
do século 16 cite apenas a de Palestrina. Teóricos anteriores, mais próximos àqueles tempos
cronologicamente, referem-se a uma gama muito maior de compositores; Bernhard, por
exemplo, cita Palestrina tanto quanto Josquin (c. 1440 – 1521), Willaert (c. 1490 – 1562), Morales
(1549 – 1621). No tempo de Fux, a música do tempo de Palestrina tinha se tornado mais um
símbolo venerado de uma polifonia idealizada do que um repertório conhecido.

Um dos aspectos aparentemente arcaicos do Gradus, entretanto, não foi incluído somente como
homenagem ao passado. Fux baseou todo o trabalho nos seis modos da igreja, pois era o que
ele considerava ser o suporte da música contemporânea. Como foi discutido em Lester 1989, o
uso de Fux dos modos era somente parte de uma tradição complexa que mantinham os modos
da igreja vivos como um aspecto da música contemporânea, mesmo no século 18, especialmente
nas regiões de linguagem germânica. Oito anos após defender os modos contra a chamada de
Matthenson para a adoção das tonalidades maiores e menores, Fux não menciona o assunto em
qualquer lugar no Gradus, nem mesmo quando Josephus pergunta sobre aqueles que sustentam
opiniões diferentes na natureza dos modos (Lester, 1989:189). Por isso, Fux estava de acordo
com a teoria contrapontística italiana do século 17, que também não focava nos modos maior-
menor.

O Gradus e a Disciplina das Espécies no Contraponto

Nas décadas recentes, principalmente devido ao seu papel central nas perspectivas shenkerianas
da música tonal, as espécies do contraponto ganharam um significado à parte da importância
histórica do tratado de Fux, e das espécies como um método pedagógico dentro do século 18.
Os trabalhos de Schenker, além de utilizar conceitos delineados das espécies do contraponto,
incluem comentários provocativos sobre o Gradus (especialmente em Schenker, 1987). Schenker
trata os princípios das espécies do contraponto separado do contexto que Fux trabalhou dentro
do século 18. Schenker parece ter acreditado que o método por espécies originado com Fux
(Schenker, 1954:180), e aparentemente ele também não estava ciente de outros tipos de escritos
contrapontísticos que circulavam durante a época de Fux, mesmo o Tractatus de Bernhard
(publicado em 1926), que muito provavelmente teria sido de grande interesse para ele com suas
sugestivas noções de estruturas simples subjacentes sustentando padrões complexos de
dissonâncias (Federhofer, 1982). Além disso, Schenker parece não ter prestado muita atenção às
últimas partes do Gradus onde Fux faz considerações sobre estilos contemporâneos, levando-o
a considerar o Gradus primariamente como um trabalho de contraponto estrito ao invés de um
método de composição.

O papel do Gradus no século 18 esteve ligado ao crescente interesse dos maiores compositores
do período Clássico no contraponto. As primeiras gerações de historiadores, notando a ausência
relativa de uma superfície de texturas polifônicas na música clássica (pelo menos quando a
comparação é feita com a música de J. S. Bach), enfatizam frequentemente o fundamento
harmônico no estilo clássico. Porém, está claro, agora, que Haydn, Mozart e Beethoven
compartilhavam um interesse perdurável nos aspectos contrapontísticos da condução das vozes
afetando suas próprias músicas (MANN, 1973). Alem disso, as passagens contrapontísticas nas
músicas desses compositores frequentemente imitam os exercícios em espécies (como a
abertura do Finale do quarteto de cordas K. 387 de Mozart).

Como resultado, muitos dos conceitos do Gradus ganharam significados e interpretações que
não eram exatamente as mesmas no contexto do trabalho de Fux, no início do século 18.
Considerar todos estes novos significados na teoria e na história modernas conduziria o presente
estudo muito distante de seu curso. O capitulo 7, “Perspectivas Harmônicas no Contraponto”,
discute a aplicação do contraponto fuxiano dos últimos compositores do século 18. A discussão
está dirigida preliminarmente à definição de dois assuntos centrais como aparecem no Gradus:
primeiro, o quanto Fux considera que o movimento entre consonâncias gera um suporte
estrutural dentro do qual tanto diminuições dissonantes quanto consonantes surgem; e
segundo, o quanto sucessões de simultaneidade para simultaneidade surgem da condução de
vozes de linhas individuais ao invés da progressão de acordes.

Modelo Estrutural e Diminuição

Numa perspectiva schenkeriana, o contraponto controla a condução das vozes entre pontos
estruturais em cada camada de uma composição. Muitos músicos, hoje, acreditam que este
processo denominado de diminuição esteja implícito na própria abordagem por espécies: depois
de aprender as interações nota contra nota utilizando somente semibreves e consonâncias, o
estudante aprende como acrescentar eventos entre estes pulsos gerados em contrapontos que
se movem mais rapidamente nas espécies posteriores. Mas, embora este modo de pensar tenha
um importante papel em outras tradições teóricas, não é central no Gradus. E as áreas
relativamente limitadas onde ele aparece no Gradus são aquelas nas quais o conceito tinha sido
utilizado por muitas gerações.
Exemplo 2 - 3. Mann, 1965a, p. 41.

A composição via diminuição é a parte central do manual de baixo-contínuo de Niedt (1706).


Como já foi discutido no capítulo 3 do presente estudo, Niedt gerava vários movimentos
completos de dança aplicando variações mais complexas em uma breve realização de acordes
no baixo-contínuo. Além disso, os teóricos harmônicos, de Lippius, no início do século 17 até os
seguidores de Rameau, no século 18, demonstraram como as elaborações de uma estrutura em
acordes podiam produzir texturas complexas.

Fux considerou tais métodos de elaboração hostis ao que estava tentando ensinar via espécies
do contraponto. Ele desacreditava nas abordagens do baixo-contínuo que clamavam a
possibilidade de ensinar um estudante a compor em poucos meses de estudo. Para ele a
composição não era produto de um aprendizado na aplicação de elaborações numa estrutura
subjacente. Ao invés, a composição exigia um longo estudo em condução de vozes e textura –
uma vagarosa ascensão dos Degraus para o Parnassus, como no título. Assim, Fux nunca aplicou
diminuição à verdadeira composição em contraponto (com ou sem um cantus firmus). Quando a
tarefa é compor um novo exercício de contraponto com um cantus firmus, o objetivo é criar um
novo contraponto, não re-elaborar um exercício anterior.

Fux utiliza a diminuição para explicar a origem de vários tipos de dissonâncias. Por exemplo, uma
nota de passagem não acentuada na segunda espécie, o primeiro tipo de dissonância
introduzida, é uma diminuição “preenchendo o espaço entre duas notas que estão distantes uma
terça uma da outra” (MANN, 1965a: 41) (ver exemplo 2 – 3). Exemplos parecidos reduzem
semínimas de passagem e bordaduras para “suas formas originais” (p. 51) e notas ligadas à base
“se o retardo fosse removido” (p.56).

Exemplo 2 - 4. Lester, 1989, p.185.

Depois do estudo das espécies, da imitação e da fuga, Fux utiliza a diminuição para explicar dois
padrões adicionais de dissonância – variação e antecipação:

[Variação] difere da diminuição regular no sentido de que a diminuição regular surge somente
quando notas se movimentam por saltos de terça: [ver exemplo 2 – 4]. Variação surge quando
as notas procedem por grau conjunto [ver exemplo 2 – 5]. Este exemplo demonstra claramente
que variações das regras comuns do contraponto na qual procede por salto de uma consonância
para uma dissonância [no Mi para Dó], e então de uma dissonância para outra dissonância [do
Dó para o Lá] – isto certamente não é permitido em contraponto, porém, é permitido com
freqüência em composição (Lester, 1989:185–186).

Exemplo 2 - 5. Lester, 1989, p.187.

Depois de apresentar outros tipos similares de variações, Fux trata a antecipação como
mostrada no exemplo 2 – 6.

Exemplo 2 - 6. Lester, 1989, p. 187.

Esta é a extensão do entendimento de Fux sobre as dissonâncias por diminuição. Ele nem está
mesmo seguro da propriedade das variações e antecipações. Estas “variações das regras do
contraponto” surgiram porque cantores “estavam descontentes com diminuições regulares e
assim gostavam de exibir a flexibilidade de suas vozes” (Lester, 1989:188). Utilizando como
evidência essas tépidas figuras dissonantes, Fux lançou uma vociferante condenação de
cantores pela “destruição da harmonia”.

Ele retorna às dissonâncias uma vez mais na discussão de recitativos (Lester, 1989:204–209),
oferecendo um exemplo (2 – 7), ao qual Josephus reage com horror: “Parece que os acordes
instrumentais, que consistem predominantemente de dissonâncias, separam-se de todas as
regras do contraponto”.

Ao invés de tentar explicar as dissonâncias como elaborações de estruturas mais simples, como
Artusi e Bernhard tinham feito com sofisticação em gerações anteriores, Fux argumenta que, de
fato, não existe explicação. Estas dissonâncias são simplesmente “consideradas boas de acordo
com a natureza do recitativo”... “Neste estilo deve-se prestar atenção menos às harmonias que
a expressão do significado das palavras”. Os exemplos que se seguem ilustram padrões comuns
de recitativo que expressam vários sentimentos e vários tipos de construções gramaticais
(sentenças completas, ponto de interrogação, pausas, etc.).
Exemplo 2 - 7. Lester, 1989, p.205.

Fux, desse modo, une a tradição da prima pratica remontando até Zarlino, para o qual as
dissonâncias são rupturas relativamente breves da condução de vozes consonantes, mesmo
quando criam uma funcionalidade progressiva conduzindo à cadência. Desta perspectiva, Fux
podia somente considerar as variações e antecipações como violações do estilo estrito. De resto,
era como se a seconda pratica e sua teoria nunca tivesse existido. Ele sustenta as dissonâncias
comuns nos recitativos do início do século 18 como figuras retóricas dadas e aprendidas
inconscientemente – set a questionthisway, ananswerthatway; set a king’s speech thisway, a
knave’s thatway. Em resumo, seu entendimento das técnicas de diminuição dissonantes não vai
além dos padrões mais simples.

Exemplo 2 - 8. Diruta, 1609, p.3.


Outras tradições teóricas do início do século 18, a parte dos das espécies do contraponto, davam
um papel muito importante às dissonâncias na estrutura musical. Os teóricos do baixo-contínuo
sabiam que uma esmagadora maioria de figuras possíveis incluía dissonâncias. Devido às
exigências de preparação e resolução, essas dissonâncias destacavam-se no contexto harmônico
no qual um acorde podia aparecer. Rameau firmou-se nesta tradição, tratando as dissonâncias
como cruciais e necessárias na determinação da direção e função harmônica. Assim, um músico
do século 18 tentando um entendimento contemporâneo das dissonâncias, mais complexo que
notas de passagem simples, bordadura e suspensões, poderia se voltar para os escritores de
baixo-contínuo ou harmonia, mas não para Fux.

As técnicas de diminuição também surgem no Gradus no sentido de explicar a condução de vozes


não-dissonante. Assim, Fux inclui a explicação tradicional para proscrever as quintas e oitavas
ocultas: a diminuição revela o problema oculto na condução das vozes. Os exemplos de Fux
(MANN, 1965a:33) são similares aos de Diruta, 1609 (ver exemplo 2 – 8).

Aparte das técnicas de diminuição, poder-se-ia procurar evidências de um trabalho a partir de


modelos estruturais nas repetidas admoestações de Fux para que os estudantes olhem à frente
como se trabalhassem fora dos exercícios: “considerem o final antes de iniciar a escrever”
(MANN, 1965a:42); “Gostaria de pedir que tu te concentraste . . . não somente prestando atenção
no compasso que está sendo trabalhado, mas também nos que se seguem” (p. 48). Nas mãos
de alguns teóricos de baixo-contínuo, esta perspectiva de maior alcance ocasionalmente conduz
a lampejos de um modelo de progressões de simultaneidade para simultaneidade na condução
das vozes numa escala maior. Em contraste, Fux oferece um conselho no sentido de se evitar
problemas na superfície composicional da música: “Quero te lembrar novamente para que
prestes a maior atenção aos compassos seguintes; de outra forma, tu te encontrarás, algumas
vezes, impossibilitado de continuar” (p.53); “É muito importante considerar se uma progressão
correta será possível do acorde do primeiro compasso, para o segundo, terceiro, ou mesmo para
o quarto compasso” (p.111).

Um grande número de passagens adicionais confirma que o foco primário de Fux está dirigido à
superfície musical, não na direção de uma abstração delineada de sua superfície, não importa
como eles sejam concebidos. Por exemplo, Fux inclui a figura da cambiata, mostrada no exemplo
2 – 9, não porque seja simbólica de qualquer significado estrutural, mas, porque está a parte da
superfície da música do século 16. De fato, o ritmo no qual Fux cita a figura da cambiata é
comparativamente raro na música de Palestrina (Jeppesen, 1970:212).

Exemplo 2 - 9. Mann, 1965a, p. 51.

Em suma, os músicos modernos encontraram sugestões de diminuição nas explicações de Fux


de padrões de simples dissonâncias sancionadas por séculos de uso, e então estenderam estes
princípios de forma a incluir uma grande quantidade de técnicas de diminuição. Porém, estas
extensões, que podem realmente ser muito úteis de muitas formas, permanecem fora do
universo conceptual de Fux. Com abordagens mais abrangentes às dissonâncias prontamente
disponíveis em qualquer lugar, é muito difícil que músicos do século 18 tenham se voltado ao
Gradus ou as espécies do contraponto no sentido de colher informações de como os movimentos
complexos de qualquer tipo (consonante ou dissonante) poderiam ser gerados a partir de
modelos de condução de vozes. Eles encontravam no Gradus um método claro no aprendizado
da manipulação de intervalos e linhas, ritmos, motivos, textura e uma passagem provocativa ao
romance da Idade do Ouro do contraponto. Mas, as abordagens das dissonâncias mais livres
(mesmo as mais comumente utilizadas) e as diminuições em larga escala não podem ter vindo
das espécies do contraponto do Gradus de Fux. Estas características simplesmente não estavam
presentes lá, no século 18.

Condução de Vozes Intervalares e Harmonia

A base do contraponto por espécies de Fux parece estar na composição a duas vozes que se
relacionam intervalarmente e, então, o aprendizado no controle adicional de vozes da mesma
maneira. Porém, vários aspectos demonstram que a abordagem de Fux tanto é menos
consistente intervalarmente do que poderia ter sido quanto, por causa de seu vocabulário
limitado no que se refere às harmonias, parece às vezes incapaz de expressar-se claramente em
vários assuntos referente à harmonia que se apresenta.

A passagem mais reveladora aparece no início da discussão de contraponto a três partes. Fux
está frente a frente com o antigo problema de explicar como mais de duas vozes relacionam-se
umas com as outras. Ele deve apresentar algumas explicações guias antes de permitir que
Josephus inicie a escrita do contraponto a três partes pois, algumas interações que são
consonantes contra o baixo, tal como as quintas e sextas simultâneas, podem produzir
dissonâncias indesejáveis. Fux poderia ter explicado que todas as interações entre as vozes
devem ser checadas na busca por dissonâncias. Porém, isto teria exigido uma explicação mais
profunda de porque a quarta, que é dissonante contra o baixo, é aceitável entre as vozes
superiores. A solução de Fux é temporariamente abandonar o trabalho com o cantus firmus
enquanto explica a tríade (trias).

Fux primeiramente define o termo tríade bem literalmente como uma terça e uma quinta acima
do baixo. Embora “a tríade harmônica deva ser empregada em todos os compassos se não existir
uma razão especial contra isso” (MANN, 1965a: 71), isto nem sempre é possível.
“Ocasionalmente, para uma linha melódica melhor, utiliza-se consonâncias que não pertencem
propriamente à tríade, principalmente, uma sexta ou [NB!] uma oitava” (p.72). Fux utiliza aqui o
conceito de tríade não para explicar como alturas e intervalos pertencem a harmonias, mas,
preliminarmente para controlar a textura pela urgência da presença de três classes de alturas
em tantas simultaneidades quanto possível (para usar um termo moderno) – por isso a oitava é
“uma consonância que não pertence propriamente à tríade”. Nesta passagem a noção de tríade
de Fux está bem próxima à de harmonia perfeita de Zarlino, exceto pelo fato de que Zarlino,
naturalmente, nunca utilizou o termo tríade.

Imediatamente depois disso, Fux consideravelmente expande sua perspectiva triádica de forma
a incluir a primeira inversão. Ele ilustra uma tríade de Dó maior com a nota Dó no baixo, e, então,
com o Mi no baixo e com o Dó na parte mais aguda, explicando que numa harmonia com a terça
e a sexta acima do baixo, a nota que forma a sexta com o baixo “deveria ser considerada como
se tivesse sido movida de seu próprio lugar [o baixo] para um lugar não usual [numa voz
superior] . . . em seu próprio lugar [it] estabelece a tríade harmônica” (MANN, 1965a:74). Fux
assim mostra seu conhecimento de uma teoria de inversões triádicas datando de pelo menos
Otto Siegfried Harnish (c. 1568 – 1623) em 1608 e Johannes Lippius (1585 – 1612) em 1610, ambos
reconhecendo explicitamente as inversões da tríade em termos da remoção da nota do baixo
para uma outra posição (Lester, 1989:31–33; 39–41).

Para ilustrar tudo isso, Fux introduz um único exemplo. Em contraste com qualquer outro
exercício no diálogo inteiro sobre as espécies do contraponto, nenhuma voz é especificada como
um cantus firmus. E ao invés de iniciar uma discussão com o modo de Ré (como ele
invariavelmente fez em outros lugares), Fux escreve o exemplo, mostrado em 2 – 10, no modo
de Dó, com uma progressão harmônica fundamental, mais parecida com uma progressão em Dó
maior do que com uma condução de vozes no modo de Dó.

Exemplo 2 - 10. Mann, 1965a, p.72.

Existem tríades, na definição do termo de Fux, somente nos compassos 1 e 5, e uma tríade
invertida no compasso 4. Josephus indaga porque tríades completas não são possíveis nos
outros compassos, propondo uma alteração nos compassos 2 e 3, mostrada no exemplo 2 -11.
Aloysius replica, “Tua alternativa não é ruim e teus exemplos não devem ser considerados
errados”. Mas ele claramente prefere a versão do exemplo 2-10. Algumas das razões que ele
oferece para esta preferência não agüentam um exame minucioso. Ele nota que o tenor, no
exemplo 2 – 10, move-se primeiramente por grau conjunto, que é melhor do que o salto no início
do exemplo 2 – 11. Além disso, o tenor no exemplo 2 – 10 tem somente uma nota Lá, enquanto
que na alteração de Josephus tem duas, violando o princípio de variedade. Desafortunadamente
para o argumento de Aloysius, a maioria dos exercícios do Gradus teriam de ser reescritos se
estes fossem os parâmetros para boas linhas melódicas.

Aloysius está também concernente com a harmonia no compasso 3 do exemplo 2 – 11, explicando
que sobre a solmização da sílaba mi (neste caso, o baixo Mi no compasso 3) uma sexta é
preferível à quinta quando a progressão do baixo Mi para Fá (ou seja, ascende um semitom). Fux
aparentemente ouve o Mi-Sol do compasso 3 como implicando uma tríade de Mi menor, não a
tríade desejável de Dó maior com o Mi no baixo. A recomendação de utilizar uma sexta sobre o
Mi é lugar-comum nos manuais de baixo-contínuo do período, onde é explicado como o terceiro
e sétimos graus do modo maior suportam melhor a primeira inversão das tríades. Porém é
anômalo no Gradus. Esta é uma explicação harmônica e não intervalar. E se refere a graus do
modo maior, que Fux não conhece. Ele aplica esta recomendação mais consistentemente no
modo de Dó, no de Fá e no de Sol – os modos mais próximos às escalas maiores. No modo de Mi
ele normalmente harmoniza um Mi no baixo com uma quinta, não uma sexta, mesmo na
sucessão Mi–Fá (MANN, 1965a: 114–115).

Exemplo 2 - 11. Mann, 1965a, p.73.

Josephus apresenta mais duas possibilidades de progressões no exemplo 2 – 10 em meio do


crescimento da confusão sobre as razões de Fux em introduzir esta discussão. Ver exemplo 2 –
12. Aloysius faz observações sobre a quinta diminuta entre a parte intermediária e a superior no
compasso 2 do primeiro exercício mas não à comparável quarta aumentada no segundo
exemplo. Porém, ele não marca nenhum desses exemplos como estando errado (Fux utiliza a
“primeira inversão de uma tríade diminuta” como um modelo cadencial quando o cantus firmus
está no baixo [p. 80, 83 e 84, passim], porém, ele nunca endereça a consonância-dissonância
desta sonoridade cadencial, na qual a sexta está sobre o baixo, um tom dissonante contra a terça
sobre o baixo, resolve uma suspensão).

Exemplo 2 - 12. Mann, 1965a, p.76.

Parece que os exemplos 2–10, 2–11 e 2–12 estão mais em Dó maior do que no modo de Dó e que
Fux está procurando por razões para promover “I – viio6 – I6” ao invés de “I – ii – iii” ou “I – ii – I6”
nos primeiros compassos. Esta era a maior discussão neste tempo. Não muito antes de 1725, a
règle de l’octave nos tratados de baixo-contínuo começaram a cultuar “I – viio6 – I6” como uma
progressão padrão sobre baixos ascendentes ou descendentes envolvendo as notas dos graus
1, 2 e 3, rejeitando a antiga noção que o acorde normal sobre qualquer nota do baixo era uma
tríade na “posição fundamental”. Meio século mais tarde, o Padre Martini confirmou este
desenvolvimento histórico, utilizando progressões similares (“I – ii – I” versus “vii6 – I”) no
sentido de ilustrar as diferenças entre maneiras antigas e modernas de escrever acordes sobre
um baixo em grau conjunto (Martini, 1774–1775, Vol. I, p. 224–225).
Mas Fux – sem um claro senso de tonalidade, que outro teórico de seu período e períodos
anteriores teria, e sem uma forma mais sistemática de lidar com estruturas harmônicas e
progressões – não possuía um vocabulário de trabalho para oferecer este conselho. O quebra-
cabeça é porque ele introduziu estes exemplos, desde que eles parecem estar fora de lugar na
discussão das espécies do contraponto. Mas qualquer que seja sua razão, sua presença é
reveladora. Primeiro, demonstra as limitações das perspectivas de Fux na escolha entre
possibilidades harmônicas; e, segundo, mostra o seu conhecimento de progressões harmônicas
e sua importância apesar das dificuldades em explicar o assunto.

Exemplo 2 - 13. J.S,Bach, Cravo Bem Temperado I: Prelúdio em Dó Maior, compassos 1 – 4, condução das vozes

Outro assunto concernente à harmonia é o entendimento implícito de Fux de que o baixo é a voz
que suporta a estrutura. Ao contrário de Zarlino e outros teóricos do contraponto até Bontempi
(1695), que calculou as notas em acordes distribuídos em várias vozes em relação ao tenor, Fux
sempre parece assumir que se o cantus firmus não está no baixo, então o baixo é a primeira voz
a ser trabalhada contra o cantus firmus. Como alguém poderia saber se uma quarta na voz
superior, uma quarta aumentada ou uma quinta diminuta seria possível ao menos que soubesse
a nota do baixo? Significantemente, Fux nunca apresentou o assunto. Era uma assunção velada
do século 18 que não teve de ser mencionada, pois era universalmente sustentada.

Finalmente, a perspectiva acórdica limitada de Fux torna impossível para ele lidar com
diminuições consonantes, que são explicadas por outras abordagens do século 18 como arpejos
(arpeggiations). Albrechtsberger, quando ensinou as espécies do contraponto posteriormente,
considerou todas as interações – mesmo a primeira espécie a duas partes – representando
acordes completos. E quando Mozart ensina as espécies, ensina da mesma forma (como
discutido no capítulo 7). Arpejos (arpeggiation) como uma explicação para saltos foi, além de
uma possibilidade para Albrechtsberger e Mozart, uma parte importante dos tratados de baixo-
contínuo e harmonia, mas estava fora do domínio de Fux.

As Harmonias Ausentes do Gradus

Os padrões de condução de vozes impostos pela abordagem por espécies combinados com o
próprio vocabulário harmônico limitado de Fux deixaram muitos usos harmônicos que eram
corriqueiros no século 18 fora dos limites do Gradus. Estes incluem “tons não-harmônicos” e as
tríades em segunda inversão (que não acontecem com somente uma voz movendo-se numa
textura nota contra nota exceto sobre um pedal no baixo; [MANN, 1965a: 98–99]). E embora
alguns tipos de padrões de suspensões façam acontecer, outras manifestações comuns que
fazem “acordes com sétima” não fazem (ver exemplo 2 – 13). De fato, nenhum tratamento
sistemático de acordes com sétima, mesmo o 6/5 (que surge ocasionalmente mesmo na música
de Palestrina), é possível, embora ocasional que “acordes de sétima” de passagem ocorram
(MANN, 1965a: 122). Estes e um grande número de outros padrões de condução de vozes
apresentam-se aos teóricos do século 18. A teoria do baixo-contínuo tentou com diferentes graus
de sucesso organizá-los em categorias racionais. E o problema que permaneceu insolúvel para
os teóricos contrapontistas e do baixo-contínuo foram um dos fatores que motivaram a
perspectiva harmônica de Rameau.
O Gradus e a sua Herança

Os muitos tratados que tornaram possível que Fux escrevesse o Gradus foram também fontes
de muitos outros aspectos do trabalho discutidos anteriormente. Fux era um homem
conservador, cheio de respeito pela tradição – o filho de um camponês, que trabalhando duro
ocupou a mais exaltada posição musical na Áustria imperial. Em nenhum outro lugar sua
reverência pela tradição fica tão clara como nas suas correspondências com Mattheson. Não
somente ele não tinha nada o que fazer com o que pensava sobre a idéia recente dos modos
maior-menor (considerando-os um empobrecimento dos recursos musicais, pois eles eram
meramente transposições de dois modos), mas, também, insistia que o primeiro sistema
medieval de solmização em seis sílabas, completado com a mutação hexacordal, permanecia
como o melhor método para ensinar crianças a cantar, citando como prova o medieval Guido
d’Arezzo como sua fonte de autoridade e, também, sua experiência prática de vida ensinando
com este método. Realmente, foi desta forma que Haydn aprendeu a ler música quando era um
menino do coral de Saint Stephens em Viena.

A reverência de Fux pelo passado conduziu-o a passar sua vida adulando as tradições da prima
pratica, transmitida de Zarlino aos teóricos italianos do século 17 para o trabalho que nós
conhecemos como Gradus. Mesmo num assunto relativamente menor como nomear os modos,
Fux é o único teórico depois de meados do século 17 a adotar as idiossincrasias de Zarlino lendo
os teóricos gregos, chamando o modo de Ré de Jônio (Ionian), o modo de Mi de Dórico (Dorian),
o modo de Fá de Frígio (Phrygian) e assim por diante, rejeitando os nomes universalmente
aceitos para os modos (Lester, 1989:11). Fux estava prático o suficiente para evitar confusões no
Gradus geralmente referindo-se aos modos pelo nome de sua nota final. O conhecimento destes
nomes é outro sinal de sua reverência que mantinha com as antigas verdades das autoridades,
mesmo se a prática contemporânea não as reconhecesse. Porém Fux, enquanto mantinha os
nomes dos modos de Zarlino, abandonou a ordem dos modos revisada pelo mesmo e retornou
a uma tradição mais antiga ainda, a que colocava o modo de Ré em primeiro lugar. A mesma
reverência pelas autoridades do passado, uma vez mais indo antes de Zarlino, é provavelmente
a raiz da escolha de Fux em publicar o Gradus em Latim – o último maior tratado prático em teoria
musical que aparece nesta linguagem. Em homenagem a linguagem latina e ao processo criativo,
Fux tomou emprestado o título de um trabalho de 1688 de Paul Aler, um thesaurus poético de
sinônimos em Latim, epítetos e frases poéticas, que apareceu com este título em numerosas
edições de 1688 até o século 20.

Uma das mudanças fundamentais que teve lugar no pensamento do século 18 era concernente
ao status das inovações. Para o novo espírito do Iluminismo a inovação era um fator positivo,
uma oportunidade de descartar idéias que examinadas racionalmente não provavam utilidade.
Fux não teve o que fazer com esta noção. Ele manteve-se numa atitude antiga no que se referia
a inovação: era alguma coisa que deveria ser encarada com cautela e comparada com os padrões
das autoridades antigas.

Teóricos e professores do século 18, apesar da admiração pelo Gradus, não hesitavam em corrigir
a abordagem de Fux de forma substancial. Mizler, em sua tradução de 1742 para o alemão,
manteve-se fiel ao texto de Fux, mas adicionou numerosas anotações no sentido de tornar o
trabalho mais relevante com os estilos modernos. Ele explicou que era mais importante conhecer
as tonalidades maio-menor do que os modos, observou como a discussão de Fux sobre tríades
era inadequada, e, comentou numerosos assuntos sobre condução de vozes. Escritores e
professores posteriores concernentes com as espécies do contraponto e o stile ântico – incluindo
figuras como Martini, Mozart, Albrechtsberger e Beethoven – fizeram muito mais mudanças
fundamentais, insistindo em explicações por acordes ao invés de por intervalos na interação das
vozes, vendo mesmo no contraponto a duas partes a representação de acordes completos, e
tratando os acordes resultantes em termos de progressões harmônicas que criavam. Como um
resultado, embora muito do Gradus e a metodologia das espécies fossem mantidas, os músicos
durante a segunda metade do século não viam muitos assuntos cruciais como o próprio Fux via
e, certamente, não perceberam as espécies fuxianas do contraponto como apresentando algum
tipo de essência musical imaculada pelas teorias harmônicas de acorde para acorde.

Existe uma poderosa diferença na ênfase entre o prefácio de Fux e o de Mizler na tradução alemã
– uma diferença que sublinha a divergência entre as intenções de Fux e o uso aos quais as
gerações posteriores de músicos do século 18 fizeram de seu trabalho. Fux deixa claro que ele
escreveu na eterna base da música em grande parte por causa da “irrestrita insanidade” da
música contemporânea (MANN, 1965a: 17). Mizler, em contraste, enfatiza que Fux ergue sua
pedagogia tendo como base o stile antico de modo que estudando seu livro adquiri-se “uma
fundação firme onde se pode construir qualquer coisa que se desejar” (p.3) – presumivelmente
a mesma “irrestrita [mas firmemente baseada!] insanidade”.

Alguns Tributos Modernos do Gradus

O papel que o Gradus teve na sua própria época, posteriormente no século 18 e em períodos
posteriores, tem sido objeto de muito debate. Uma coisa é clara – que em qualquer tributo das
intenções de Fux, o julgamento deve estar baseado no tratado inteiro. Embora muitos leitores
tenham-no utilizado preliminarmente como um tratado sobre as espécies do contraponto ou de
fuga, Fux claramente pensou o Gradus como um trabalho designado a educar os estudantes
cuidadosamente através de exercícios graduados e discussões de alto nível até que eles sejam
capazes de compor música, não meramente escrever exercícios de contraponto (Federhofer,
1962:113; Wollenberg, 1970).

A caracterização de Riemann do Gradus como já desatualizado antes mesmo de sua publicação


(Riemann, 1898:415) e opiniões parecidas expressadas por outros (Benary, 1961:80; Feil, 1957) da
mesma forma ignoram a riqueza da teoria do século 17 e a co-existência de uma variedade de
estilos musicais no início do século 18. Certamente o valor que os músicos do século 18 (e também
os das gerações seguintes) encontraram no trabalho é evidência suficiente de que o livro estava
bem mais no tempo certo do que muitos tratados supostamente considerados atuais, mas que
caíram no esquecimento. Ele é um documento de sua própria era, como também um testamento
de verdades eternas. Ele não é nem um trabalho que explica muitos aspectos da música
contemporânea, nem um que lida com o contraponto estrutural. Ao invés, ele é um som do texto
do início do século 18 pensado e pedagogicamente estruturado na prima pratica, exibindo muito
do conhecimento musical acumulado por esta tradição por aproximadamente dois séculos.

Se Fux não estivesse tão influenciado pela tradição, é possível que nunca tivesse empreendido
um trabalho como o Gradus e talvez pudéssemos conhecer outro tratado (quem sabe o de
Bononcini, 1673?) como o clássico que ensinou o stile antico ao século 18. Entretanto, poderia ser
prazeroso imaginar as formas diferentes que a música no século 18 poderia tomar sem ter um
trabalho como o Gradus para influenciá-la, tal exercício é obviamente especulação pura. O
trabalho não é nenhuma anomalia, mas, a soma através de séculos da tradição pedagógica
musical.
Notas

[1]

Mattheson, que engajou Fux numa áspera correspondência no que concernia aos modos,
tonalidades maior e menor e sistemas de solmização (Mattheson, 1725:p.185-205), aclamava uma
tradução nunca completada do Gradus por Georg Philipp Telemann (1681 – 1767) (Mattheson
1731, p. 181). Lorenz Mizler (1711 – 1778) traduziu o Gradus para o alemão em 1741, embora suas
notas mostrem discordâncias com Fux em muitos assuntos. J. S. Bach (1685 – 1750)
aparentemente possuía uma cópia do Gradus (Benary [1961], p. 78). C. P. E. Bach relatou que seu
pai “iniciava os alunos diretamente no mais prático e omitia todas as espécies áridas de
contraponto que estavam presentes em Fux e outros autores” (David & Mendel, 1966, p. 279).

[2]

Num determinado ponto Fux esquece desta pose e Aloysius se refere a Palestrina na terceira
pessoa (LESTER, 1989:p.195).

[3]

Muitos dos comentários de Haydn aparecem num relatório crítico de uma edição facsimile do
Gradus de 1967; alguns dos comentários de Beethoven aparecem em MANN, 1965a,
especialmente nas p. 125 – 126.

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