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Avaliando a Contratransferéncia No clissico livro de Donald Light (1970), Becoming psychiatrists, 0 autor descreve o processo de socializagio do psiquiatra na escola médica. A tarefa para o psiquiatra, de acordo com um residente, era aprender a se prender ao “caminho” do paciente, para ver e experienciar 0 mundo do ponto de vista deste, mas também ser capaz de retornar. O trabalho da terapia € dificil, gratificante e, para alguns, assustador. Nenhum de nds star. Entender nos- sas proprias limitagGes, nossa propria resisténcia para mudar, é descobrir esta livre da contratransferéncia — nem deveriamos mais sobre 0 paciente e sobre nés mesmos: assim como aprendemos sobre como o comportamento do paciente afeta nossa propria con- tratransferéncia, também estamos aprendendo sobre como o paciente afeta os outros. O terapeuta usa todos os pensamentos automiaticos distorcidos na contratransferéncia: “este paciente € resistente” (rotulagio); “ele nunca vai melhorar” (adivinhacao); “ele nao fez nenhum progresso” (pensa- mento do tipo tudo ou nada); “é minha culpa o paciente ainda estar deprimido” (personalizacg4o); “ndo posso agiientar quando o paciente resmunga” (catastrofizac4o); “o paciente deveria fazer tarefa de casa” (afirmagées do tipo “deveria”); e “meus pacientes nao vio melhorar” (hipergeneralizacio). 283 Superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva Ha numerosas raz6es do porqué as pessoas sio atraidas para a pro: fissao de psicoterapeuta. Muitos terapeutas gostariam de acreditar — ow desejariam que os outros acreditassem — que seu principal ou mesmo: unico motivo é o desejo de ajudar outras pessoas. De fato, motivos altruistas so clasificados como fortes razdes para muitos, se no para a maioria dos terapeutas. O papel de “terapeuta”, entretanto, permite a pessoa buscar outros motivos ou necessidades também. Esses motivos incluem o desejo de ser querido e necessitado por outra pessoa, 0 poder e o controle, 0 voyeurismo emocional, o desejo de vingar-se, conhecer outras vidas ou intensos sentimentos, o prestigio, o dinheiro, a necessidade de “consertar-se” ou reparar seus proprios relaciona- mentos danificados, a necessidade de ser uma “boa” pessoa ou de ser percebido como “bom” pelos outros e a necessidade de ser admirado, Em alguns casos, 0 foco nos problemas do paciente pode permitir a0 terapeuta compartilhar e evitar seus préprios problemas ou pode per mitir ao terapeuta substituir seus conflitos pelos do paciente. Essa lista naturalmente esta longe de ser completa. Além disso, um terapeuta pode ter miltiplas causas que justificam a escolha da profissio (Pope e Vasquez, 1998; Schafer, 1954). Algumas pessoas so atraidas para ser terapeutas cognitivo-compor- tamentais porque isso lhes permite uma sensacio de competéncia, su- perioridade ¢ aparente eficacia. Muitos tém lido os populares livros de terapia cognitivo-comportamental e abordam o trabalho desses tera- peutas com o pressuposto de que eles sio capazes de “curar” seus pa- cientes em dez sessdes. Alguns podem até recorrer a manuais de trata- mento ou livros sobre técnicas (Beck et al., 1979, 1990; Leahy e Holland, 2000) com a idéia de que estas “ferramentas” permitirdo ao terapeuta “consertar” tudo. Essa ilusdo de competéncia pode permitir ao terapeuta | inconscientemente buscar outras metas, como a necessidade de ter po- der ou controle ou a necessidade para compartimentalizar, intelectua- lizar e isolar-se de seus proprios problemas. Quando a maioria de nés aprende pela primeira vez a fazer terapia cognitivo-comportamental ignora a contratransferéncia. Nosso pressu- posto subjacente é:“se a transferéncia no toca vocé, nao toque a trans- feréncia”. Sem dtvida, se ignorassemos a transferéncia, ignorariamos nossa propria contratransferéncia. Talvez sejamos excessivamente oti- mistas sobre o poder das técnicas, os planos de tratamento e 0 “profis- sionalismo” que nossa abordagem oferece. Tenho observado ainda uma varia¢do substancial de eficdcia em como diferentes terapeutas aplicam , Avaliando a Contratransferéncia [BS pia cognitiva. Alguns tém consideravel dificuldade em ser assertivos ‘utilizar intervengGes, enquanto outros sio tecnicamente muito orien- los. Uns se saem razoavelmente bem com pacientes borderlines, outros sentem consumidos, maltratados e derrotados por eles. Ha terapeutas we tem elevadas taxas de abandono de tratamento, enquanto outros mstroem um seguimento fiel. Sucesso ou fracasso nio se restringe 4 inteligéncia ou ao treinamento. ‘terapeutas que publicam muitos artigos e livros, tém contratransfe- réncia narcisista que leva a altas taxas de abandono de tratamento e ‘confrontos hostis que parecem desnecessarios — se nio antiéticos. Na ver- dade, minha visio excessivamente otimista da terapia cognitiva me levou, logo no inicio de meu trabalho, a nao perceber a mais profunda patologia de alguns de meus pacientes e a nao reconhecer que um paciente estava 4 beira de abandonar o tratamento. Meus esquemas eram tao positivos e tio egoistas que faziam com que eu me sentisse bem e me levavam a acreditar que era mais competente do que realmente era. Entao, inicialmente, perdi dinamicas, medos e estratégias autoprotetoras de alguns pacientes. Isso me levou a perguntar-me duas quest6es muito comuns e que acho que sio importantes: 1. Quais foram os sinais da patologia do paciente que perdi? 2. © que houve comigo que me fez perdé-lo? Considero itil manter diariamente estas quest6es em mente. Pro- blemas tipicos na contratransferéncia entre pessoas que tenho supervi- sionado incluem o seguinte: = ambivaléncia sobre usar técnicas por causa dos medos de afastar © paciente; = culpa ou medo da raiva do paciente; = sentimentos de inferioridade quando se trabalha com pacientes narcisistas; = desconforto se o paciente é atrativo sexualmente; = inabilidade para estabelecer limites com pacientes sexualmente provocativos ou hostis; = hiperprolongar as sessGes de terapia; = falta de asserc4o para cobrar os honorarios ou fazer cumprir as politicas do tratamento; §BSENNM superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva = inibig4o para tirar do paciente, de maneira adequada, uma his- toria de vida sexual; = raiva de pacientes que fazem chamadas telef6nicas para o tera~ peuta entre as sessGes; = catastrofizacao sobre a questao de hospitalizar um paciente. Terapia é um trabalho dificil. Vocé nfo est4 apenas aplicando técni- cas e conceitualizando problemas; vocé esté aplicando voce 1 Quando pacientes apresentam-se com quest6es como abandono, depen déncia, desvalorizagao, exigéncia, preocupagGes sexuais, abuso, traicao ou exploracio dos outros, podem despertar seus préprios sentimentos e — vulnerabilidades sobre essas questes. Esconder-se atris das técnicas de terapia cognitiva ou repudiar o paciente com um rétulo (“ela é border line’) inadvertidamente sabotara a terapia.Talvez, alguns pacientes este-_ jam primorosamente afinados com a contratransferéncia para ag terapeuta — talvez possam “ler” as vulnerabilidades dele. Nao pod ho entanto, fazer a contratransferéncia desaparecer ae que desejamos que nfo afete o tratamento. Em verdade, contratransferéncia pode ser uma das ferramentas mais titeis na ajuda aos pacientes — ela pode oferecer uma janela para os “efei- tos do mundo real” que o paciente tem fora da terapia. Se o paciente. esta desvalorizando o terapeuta, entao, esta provavelmente desvalori zando outras pessoas. Isso pode ser util para diagnosticar seu problema e ajuda-lo a entender como seu comportamento pode afetar o outro. Pode ser usado para desenvolver o entendimento do paciente do que 0 _ tem levado para esse modo de interagao, fornecer ao paciente um mo- delo de papel (isto é, 0 terapeuta) que nao desvaloriza o paciente e — ajud4-lo a desenvolver formas mais efetivas de comunicagio e de rela- | ¢ao em terapia. Ha duas questdes para considerarmos: primeiro, como podemos avaliar a contratransferéncia para nos ajudar? E, segundo, — como podemos usar a contratransferéncia para ajudar o paciente? Va- — mos recorrer a algumas diretrizes. Diretrizes para o Entendimento de sua Contratransferéncia %& Ela existe. Apesar da manualizagio de tratamento e a énfase em téc- nicas e farmacoterapia, a contratransferéncia realmente existe/ Mesmo que vocé pense que ela nao existe para vocé, ela existe. Sua alegacio Avaliando a Contratransferéncia que vocé nao tem uma contratransferéncia pode apenas ilustrar o luanto esta na defensiva e nio tem nogao disso. Sua crenga de que é em-sucedido e seus pacientes gostam de vocé nao é prova de que cé carece de contratransferéncia e, na verdade, pode ser parte de sua mtratransferéncia. Um terapeuta que se via como excepcionalmente racional, efi- lente, pragmatico e nao afetado por emogées, alegou que nao tinha huma contratransferéncia. Ele estava “apenas fazendo seu trabalho”. le desdenhava a idéia de contratransferéncia: era um vestigio initil de Pensamento psicanalitico obsoleto”. Todavia, seu estilo altamente de- ivo, intelectualizado e isolado emocionalmente parecia iniutil, me- Ginico, condescendente e artificial para os pacientes. Alguns o viam como versado em técnicas. Outros o viam como limitado. Quando Pacientes fracassavam em “cumprir” seu regime, ele simplesmente os dispensava como “desmotivados”. Como resultado, sua abordagem com pacientes era extremamente limitada pela negac¢io de sua contratrans- feréncia e sua relutancia a validar diretamente, as fortes emogdes de seu paciente bem como empatizar com estas. Examinar os tipos de problema ou os tipos de paciente que desper- tam fortes sentimentos em vocé. Sua contratransferéncia pode nao ser forte com todos os pacientes, mas pode ser ativada com determinados tipos — alguns dos quais vocé pode estar evitando. Imagine que esti- vesse agora descrevendo um paciente que realmente passa dos limites, alguém que sempre deixa vocé zangado, defensivo ou ansioso. Quais os tipos de problema que este paciente apresentaria? Como se comunica- tiam com vocé de uma forma que lhe incomodasse? ‘Terapeutas comentam com freqiiéncia que aquilo que consideram especialmente perturbador em seus pacientes borderline é intensa raiva, necessidade, labilidade, “manipulagio”, exigenciabilidade, tendéncia para “agir” por nao-aderéncia, abuso de substincia ou tentativas para- suicidas e suicidas. Esses problemas terapéuticos afetam a contratransferéncia de diver- sas maneiras (que discutirei mais adiante), mas € importante manter em mente que © conflito terapéutico nao ocorre apenas no paciente: ocor- te no terapeuta também, %* Ha alguns pacientes ou problemas que o chateiam ou alguns pacien- tes ou problemas com os quais vocé ndo se preocupa? Alguns tera- peutas afirmam que estdo entediados com pacientes que se queixam ou Superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva se lamentam. Entretanto, o que € a questao da contratransferéncia para 0 terapeuta? Uma terapeuta indicou que pacientes queixosos ativavam nela sentimentos de sentir-se indefesa e “presa”. Sua atitude era: “tenho que sentar aqui e ouvir isto quando poderia estar fazendo alguma coisa mais. produtiva”. Seus esquemas eram esses de padrdes demandantes: a necessi- dade por ser produtiva e ter controle. Ela experienciou queixas e demandas dos pacientes como uma violacao 4 sua autonomia. Examinaremos mais adiante como uma pessoa pode modificar interagSes enfadonhas. %* Ha alguns pacientes que “se sentem como amigos”? Isso pode soar como uma questdo estranha — afinal, qual € o pecado em gostar realmente de um paciente? O problema que pode surgir € que ver um paciente “como amigo” pode impedi-lo de ver a “patologia” ou problemas que ele tem. Pode ser mais dificil para vocé impor-se ao pa- ciente. Dessa maneira, a terapia pode se focar mais em concordar com a outra pessoa e menos na necessidade por mudanga. O paciente pode também ver seu relacionamento com o terapeuta como “amizade” e, como resultado, relutar em mencionar determinadas questées. Além disso, para o terapeuta, pode haver um risco de contradizer-se dentro de um papel duplo com o paciente. Pergunte a si mesmo: “como me sentiria quanto a criar tépicos dificeis com este paciente?”’ %& Quais sdo os seus esquemas tipicos ou os conflitos em sua vida inter- pessoal? Para examinar a contratransferéncia, vocé deveria examinar os tipos de problema de vida que vocé tem. Vocé é alguém que esta preocupado com a rejeigdo ou com o abandono? Entio, deveria exa- minar como estas questdes surgem em seu contato com pacientes.Vocé é alguém que sempre tem de estar “certo”? Entdo, examine como vocé pode estar tentando derrotar os pacientes em debates e invalida-los. Vocé é alguém que tem medo de fracassar por que pensa que sucesso ou fracasso indica o quanto vocé é digno? Examine como vocé pode ter medo de lidar com pacientes dificeis ou medo de correr riscos na terapia. Nenhum de nés tem uma vida livre de conflitos. Conflitos ini- birao sua capacidade para fazer terapia, ou poderao, se processados de modo apropriado, ajuda-los (vocé e 0 paciente). %& Qual é seu pior pesadelo ou pior cendrio possivel para lidar com pacientes? Quando perguntei aos terapeutas esta questao — usando o procedimento de seta descendente (“o que aconteceria depois?”) — recebi uma variedade de respostas. Os piores resultados incluem o suici- dio do paciente, ser processado e desmoralizado ou ter o consultério Avaliando a Contratransferéncia [NI285! do. Outros resultados imaginados “menos terriveis” incluem ser ido na frente de colegas, perder 0 controle com o paciente, ser do fisicamente, ser despedido ou perder fontes de referéncia.Vocé do com a possibilidade de que esses problemas com os ‘mem em sua pior fantasia? O quanto é provavel icontecer € como vocé evitaria isso? Por exemplo, um terapeuta preocupado com o fato de que, se uma \ciente abandonasse a terapia porque estava enraivecida, ela espalhasse ie ele nao era competente. A conseqiiéncia final seria que todos os cientes cairiam fora, ele nao teria rendimento e sua familia pensaria que era um fracassado. Esquemas de Contratransferéncia Assim como os esquemas dos pacientes resultario em resisténcia, os es- quemas individuais do terapeuta também afetarao a contratransferéncia. Por exemplo, o terapeuta com um esquema perfeccionista ou “padrdes Jjinflexiveis” pode achar que a falta de receptividade do paciente a tera~ pia prejudica suas proprias metas de ser um terapeuta perfeito. Ha pro- vavelmente tantos esquemas quanto h4 adjetivos para descrever pessoas. Varios dos esquemas mais comuns do terapeuta estao listados na Figura 11.1. Ainda no Capitulo 1, examino os pressupostos subjacentes de cada esquema (ver Tabela 11.1). Muitos terapeutas exibem mais de um esquema. Além disso, alguns pacientes sio mais provaveis de ativar de- terminados esquemas do que outros. Por exemplo, pacientes borderlines provavelmente podem mais do que pacientes obsessivo-compulsivos ativar esquemas de autonomia em um terapeuta, porque é mais prova- vel que esse tipo de paciente force os limites do terapeuta. Uma série desses esquemas mais comuns do terapeuta sao descritos a seguir. Padrées demandantes Terapeutas, perfeccionistas ou. obsessivo-compulsivos, com freqiiéncia, véem pacientes como irresponsiveis, auto-indulgentes © preguicosos (ver Beck et al., 1990; Shapiro, 1965). Esses tipos de personalidade ri- gida acreditam que a expressio de emogao ou até indecisio é devasta- dora. Eles tem dificuldade de expressar carinho e empatia em relacao ao paciente por causa de sua insisténcia de que o paciente necessita PQ29GNE superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva “comecar a tratar o assunto””. Sua énfase em eficiéncia de tempo pode ser Util para manter-se focado em sess6es, porém, em geral, Ihes causa omissao, ou desconsidera 0 caos emocional do paciente. O tipo per- feccionista, de personalidade rigida, coloca tanta énfase em “‘légica” & “racionalidade” que o paciente pode sentir que a terapia é simplesmen- te uma oportunidade para o terapeuta mostrar que é mais inteligente do que ele. Na coluna “classificacao”, indique como vocé se sente sobre este trabalho com o paciente até aqui. Nao ha respostas corretas ou incorretas. Tente evitar dar respostas que pense que sao desejaveis. Escala de classificacao: 1 = completamente incorreto, 2 = relativamente incorreto, 3 = levemente incorreto, 4 = levemente correto, 5 = relativamente correto, 6 = completamente correto. tudo © que faco por eles, 20, Pessoas deveriam ser punidas se fazem coisas erradas, Avaliando a Contratransferéncia 291 Classificacao Il. Eu freqiientemente me sinto provocado. 22.0 paciente esta tentando me pegar. 3 Eu tenho que me proteger de aproveitarem-se de mim ou de ser __ ofendido. 21. Vocé geralmente nao pode confiar nas pessoas. (25. Eu quero ser querido pelo paciente. 26. Se o paciente nao esta feliz comigo. significa que estou fazendo algo errado. 27. Eimportante que eu goste do paciente. 28. Incomoda-me se nao gosto do paciente. 29. Nos deveriamos nos dar bem — quase como amigos. 30. Eu quero negar pensamentos e sentimentos do paciente. 3i. Eu nao quero dar-lhes o que eles querem. 32. Eu sinto que estou retraido emocionalmente durante a sessao. 33. Eu sinto que nao sei o que fazer. 34. 35, Eu me pergunto se sou realmente competente. Eu temo cometer erros. 36. Algumas vezes me sinto como se estivesse desistindo, 37. O paciente esta me impedindo de atingir minhas metas. 38. Eu me sinto.como se estivesse perdendo tempo. 39. Eu deveria ser capaz de conseguir minhas metas nas sessdes sem a interferéncia do paciente. 40. Eu deveria satisfazer as necessidades do paciente. 4l. Eu deveria fazé-los sentir-se melhores. 42. As necessidades dos pacientes freqiientemente tém precedéncia sobre as minhas. 43. Algumas vezes, acredito que faria quase tudo para satisfazer suas necessidades. 44, Eu me sinto frustrado quando estou com este paciente porque nao posso expressar a forma como realmente me sinto. 45. Eu acho dificil ocultar meus sentimentos. 46 Eu nao posso ser eu mesmo. Figura 11.1 Questiondrio de esquema do terapeuta. (BSF superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva Por exemplo, ha alguns anos fui chamado para supervisionar estagidrio iniciante em terapia cognitivo-comportamental. O estagiari parecia acreditar que a terapia envolvia nada mais do que mostrar paciente o quanto ele era esttpido e irracional. Ao realizar o role com esse terapeuta, interpretando o papel de paciente, me senti criti do e depreciado pelo estagiério. Quando exploramos os pressupostos do estagiadrio, ficou claro que ele acreditava que o paciente “nao deveria ser irracional”. Ele também acreditava que deveria tentar impressionat © supervisor, mostrando o quanto era inteligente. Perguntei ao estagii- rio: “por que o paciente deveria ser racional?” Sua resposta foi: “por- que ser irracional nao o ajudara”. Apontei que todos somos irracionaii algumas vezes e que a irracionalidade do paciente pode ser 0 motivo de ele ter vindo para o tratamento. Também sugeri que o estagiirio’ examinasse se exigir racionalidade de pacientes era um pressuposto irracional. O terapeuta perfeccionista tem expectativas pouco realistas dele e do paciente, geralmente expressas em imperativos: Terapeuta: “deveria ser capaz de curar meus pacientes”; “deveria saber tudo sobre os problemas destes”;“‘a sessio deveria seguir de acordo com os meus planos”. Paciente: “o paciente deveria fazer a tarefa de casa”; “ele deveria ser mais responsavel”. O terapeuta perfeccionista pode tentar compensar os sentimentos subjacentes de incompeténcia e inutilidade, exigindo um desempenho perfeito do self e do paciente. Quando o terapeuta examina seus pensa- mentos automaticos, uma tipica seqiiéncia de pensamentos é a seguin- te: “Meu paciente nao esté melhorando > nao estou fazendo meu trabalho > serei exposto como um impostor > sou um fracassado > nao posso aceitar nenhum fracasso de mim mesmo”. Terapeutas com padrées perfeccionistas podem tentar evitar seu esquema, recusando-se__ a aceitar casos dificeis ou presumindo que o paciente est4 correto, ou seja, que a depressio é desesperadora. No sentido inverso, o terapeuta pode compensar seu perfeccionis- mo exigindo mais e mais do paciente, que pode perceber isso como uma evidéncia de que ele desapontou o terapeuta e a terapia, uma vez que nao pode acompanhar as exigéncias do profissional. O terapeuta exigente, em seu esfor¢o para constantemente produzir mudanga, pode nao permitir ao paciente avancar em seu préprio ritmo. O paciente wvaliando a Contratransferéncia pode ter a impressdo de que o terapeuta nao escuta ou de que o tera- peuta exigente est4 tentando controlé-lo. Eu j4 me vi neste papel de mudanga exigente quando a mudanga nfo estava ocorrendo. Eu amon- toava uma técnica atras da outra, apenas por achar que meu paciente nio “cumpria”. Por fim, reconhecendo meu préprio problema esque- mitico com um paciente “evitativo” e “passivo-agressivo”, decidi pra- ticar 0 oposto dessa exigéncia. Terapeuta: Tenho exigido muita mudanga de vocé.Tenho tentado fa- zer com que vocé faca o que eu quero. Acho que isto tem sido frustrante para vocé. ' Paciente: Esta certo. Vocé tem de entender que sou extremamente timido. Eu nao fago coisas assim facilmente. Terapeuta: Eu concordo com vocé. Decidi desistir de tentar muda-lo. Decidi que, para as proximas sess6es, apenas tentarei entendé-lo e nao tentarei muda-lo. O paciente achou esta nova abordagem um alivio. Eu também achei. Eu me dei conta de que poderia ainda fazer terapia sem exigir mudanga do paciente. O paciente comegou descrevendo algumas mudangas (con- vidar uma mulher para sair) que queria fazer. Conhecendo minha pr6- pria propensio para exigir mudanga e seu estilo de exigir autonomia de meu controle, simplesmente desisti da mudanga para ele. Abandono Terapeutas preocupados com quest6es de abandono freqiientemente também 0 sio com o fato de que, se confrontam o paciente, este aban- donar4 a ‘terapia. Qualquer término prematuro de terapia é interpre- tado como uma rejei¢ao pessoal do terapeuta. Como Bowlby (1969, 1973, 1980) indicou, a ansiedade sobre questdes de apego pode tomar formas diferentes, que podemos ver refletidas na contratransferéncia — por exemplo, agarrar-se ao terapeuta, excessiva vigilancia sobre o paciente ou até evitar entrar em uma relacao terapéutica significativa. (B97 superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva O terapeuta pegajoso tem dificuldade em deixar que o paciente aban- ‘done a terapia — ou até em terminar sessdes. Por exemplo, o terapeuta pegajoso pode prolongar o tempo da sessdo, oferecer terapia gratis pelo telefone e protestar vigorosa e defensivamente quando o paciente quer deixar o tratamento. A excessiva vigildncia por parte do terapeuta toma a forma de tentar proteger o paciente de quaisquer dificuldades e adqui- rir como seus os problemas deste. Evitar apegar-se é uma estratégia que o terapeuta pode usar para esquivar-se de ameagas de abandono: se o terapeuta nunca permite que © paciente ou 0 self se apegue, entio 0 abandono nao é uma questio. Terapeutas que evitam apego parecem trivializar terapia, quase sempre focalizando mais técnicas superficiais (como biofeedback) do que ques- tes pessoais mais significativas. Esse tipo de terapeuta pode ver o pa- ciente como simplesmente um conjunto de sintomas ou como uma “pessoa muito doente”. O terapeuta que est4 preocupado com abandono em geral perso- naliza o atraso do paciente, o ndo-pagamento das sessdes, o fato de nao aparecer 4 sessao ou a falta de interesse na terapia. Terapeutas direciona- dos para o abandono freqiientemente comprometerao seu profissiona- lismo para manter pacientes interessados e envolvidos na relacio terapéutica. Por exemplo, terapeutas que véem a resisténcia do pacien- te como rejei¢gao pessoal e ameaca de abandono podem prolongar ses- s6es além do habitual limite de tempo, nao cobrar os honoririos, evitar confrontar os pensamentos irracionais do paciente e comportamentos autodestrutivos e envolver-se em excessivo contato telefonico com este entre as sessOes. Medo excepcional de pacientes deixarem a terapia pode levar o terapeuta a evitar topicos dificeis, trivializar as sessdes e abster-se de usar intervengGes que provoquem ansiedade, como técnicas de exposi- cao. Entre aqueles que tenho treinado, © terapeuta mais temeroso de perder um paciente é 0 que tem maior probabilidade de perdé-lo. Pou- quissimas pessoas querem ir a um terapeuta que parece desesperado por pacientes. O terapeuta que esta excessivamente preocupado com o abandono dos pacientes deveria examinar 0 proposito da terapia. O paciente esta entrando para a terapia porque o terapeuta necessita dele? O paciente realmente acredita que tudo o que é dito na terapia ser4 agradavel e aliviante? Pacientes que buscam ajuda serao capazes de voltar quando julgarem que o terapeuta os esta ajudando a mudar. Terapeutas que Avaliando a Contratransferéncia estdo excessivamente preocupados com o abandono podem pensar em. muitos terapeutas bem-sucedidos que eles conhecem. Esses terapeutas sempre agradam pacientes? Eles j4 disseram coisas que podem ser desa- gradaveis para o paciente ouvir? Eles usam técnicas de exposi¢io? Eles estabelecem limites? E até, sendo bem-sucedidos, ainda tém pacientes que deixam o tratamento prematuramente? Um pressuposto é de que pacientes que estdo realmente perturba- dos estio mais propensos a abandonar a terapia. Na verdade, pode-se ter um argumento antag6nico que alega que pacientes com emogées in- tensas estado com maior necessidade de terapia. Terapeutas que estado excessivamente preocupados com o abandono podem ser muito habeis em validar as necessidades de pacientes — uma estratégia que pode aju- dar a segurar o paciente em terapia. Entretanto, estruturar a terapia com © paciente estabelecendo agendas, despertando e desafiando pensa- mentos negativos e oferecendo tarefas de casa — é o elemento-chave na terapia cognitiva efetiva. O terapeuta que acredita que apenas validar o paciente promovera mudanga, logo aprende que este pode ir para outro lugar justamente por essas necessidades. O paciente narcisista pode intimidar 0 terapeuta que teme o aban- dono — em especial se o paciente é altamente realizador. Esses pacientes estao muito receptivos para as vulnerabilidades de pessoas dependentes. Eles podem tentar explorar os medos do terapeuta, ameagando aban- donar o tratamento, aparecendo atrasados ou desvalorizando o profis- sional. Este pode expressar sua vulnerabilidade estendendo privilégios especiais ou, alternativamente, pode se tornar defensivo. Em cada caso, © paciente narcisista ganha confirmagio por sua patologia, isto é,“‘pos- so ser tratado como alguém especial” ou “nao posso confiar em pessoas com 0s mesmos sentimentos que os meus”. O terapeuta deveria evitar estender privilégios especiais, poderia despertar pensamentos e senti- mentos do paciente sobre as limitagdes estabelecidas no tratamento: “parece que vocé ficou transtornada na semana passada quando nao prolonguei o tempo da sessao. Eu me pergunto quais eram os seus pen- samentos quando nés a completamos?” Essa investigagio pode levar o paciente narcisista a confessar seus sentimentos de incapacidade ou re- jeicdo — por exemplo:“nao me sentia tao importante quanto os outros pacientes que vocé tem” ou “nfo sentia que vocé se importava comi- go”. Esses padrdes podem levar a confissdes de sentimentos mais gerais de que o self é menos importante do que os outros, para os sentimentos de inveja envolvidos nisso, sentimentos para os quais 0 paciente rara- WIE superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva mente obtém entendimento e apoio. O terapeuta pode examinar os tipos de sentimento e comportamento que sucedem a estes pensamen- tos — por exemplo, o paciente depois desvaloriza os outros ou se dis- tancia? Pessoa especial e superior O terapeuta narcisista vé a terapia como uma oportunidade para “bri- Thar”, para exibir seus talentos especiais. A terapia com o paciente resis- tente pode comegar com esperangas grandiosas, expressa pelo terapeu- ‘ta, de que aquele finalmente encontrou o “profissional correto”:“agora seus problemas serio resolvidos”. O investimento do terapeuta em sua propria imagem de ser um terapeuta especial e superior pode resultar, em sua ligagdo com o paciente cronicamente deprimido, na difamagio de todos os outros terapeutas que “fracassaram” com ele ou pode sentir inveja de outros relacionamentos que o paciente tenha — por exemplo, com amigos, cOnjuge ou outro terapeuta. © terapeuta narcisista se sente no direito de ter a cooperagio € a adulagao do paciente, o que pode resultar no terapeuta que estimula a violacao dos limites do paciente ou, em alguns casos, no préprio tera- peuta iniciando estas violagGes. Para 0 terapeuta narcisista, os limites, assim como outras regras, nao se aplicam as pessoas especiais como ele. Se o relacionamento terapéutico se desenrola — e 0 paciente nao pro- gride rapidamente — 0 terapeuta narcisista pode ficar entediado, irrita- do ou ser punitivo com o paciente. O “fracasso” do paciente para melhorar é inconsistente com a crenga do terapeuta nos seus talentos especiais, levantando diividas desconfortaveis para este. Em vez de em- patizar com a frustracao compreensivel do paciente pela falta de pro- gresso, 0 terapeuta pode partir para cima deste, culpando-o pela auséncia de desejo de melhorar ou, em uma constru¢io parandide, pode ver a inabilidade do paciente para mudar como uma afronta pes- soal ou ataque contra ele. Terapeutas narcisistas utilizam as trés defesas que Kernberg (1975, 1978) descreveu: idealizacao, desvalorizagdo e distanciamento. Para for- talecer sua propria auto-estima, o terapeuta narcisista pode idealizar 0 paciente como extraordinariamente bem-sucedido e atraente, regozi- jando-se no reflexo do glamour do paciente. De maneira alternativa, 0 terapeuta narcisista pode idealizar o modelo de terapia cognitiva, bem como a si mesmo como um expert, vendo a terapia, nas mios dele, Avaliando a Contratransferéncia como a panacéia — que nao é. A satisfac4o inicial dessa idealizagio age como uma compensa¢io por sentimentos de inveja que 0 terapeu- ta pode experienciar ou sentimentos de desamparo que se tornam evi- dentes sempre que a terapia parte da idealizacao. Como 0 paciente nao consegue corresponder a idealizagao — ou 0 terapeuta reconhece que aquele nao é tio maravilhoso quanto presu- mia que fosse — o terapeuta narcisista pode comegar a desvalorizar o paciente. A resisténcia do paciente torna-se um “defeito” em vez de uma janela para as suas vulnerabilidades e estratégias de coping. O pa- ciente é rotulado como um “borderline”, “narcisista”, simplesmente um “pé no saco” ou alguém que “nao quer melhorar-se”. O terapeuta nar- cisista pode engajar-se em tentativas para humilhar o paciente, ridicu- larizar seu pensamento ou situacio, levando-o a protestos que sido, entio, interpretados pelo terapeuta como prova de que o paciente nao pode ser ajudado por ninguém. A alternativa para a desvalorizac4o — ou 0 que em geral vem depois — €o0 distanciamento do paciente. O paciente que “desapontou” o terapeuta narcisista pode achar que este parece entediado, entao nao retorna ligagSes, mostra pouca empatia e expressa muito pouco inte- resse por sua vida. Na maioria das vezes, quando o paciente decide interromper a terapia nesse meio-tempo, sustenta ainda mais a visio do terapeuta narcisista de que aquele nfo estava levando a sério a mudan- ¢a. Essas profundas falhas empaticas do terapeuta narcisista podem ter efeitos negativos duradouros no paciente que pode ver este relaciona- mento terapéutico fracassado como prova de que ninguém o entende ou é de confianga. Infelizmente, a natureza da terapia agrada ao narcisista. Ele pode se sentir superior em rela¢So ao paciente que esta no papel de alguém que est4 necessitado e que tem pouco poder na relagao. Pacientes podem idealizar 0 terapeuta, acendendo o narcisismo deste. O modelo cogni- ‘tivo-comportamental pode agradar a uma pessoa que deseja evitar em- patia, rejeita quaisquer obrigagSes morais e se ilude com a idéia de que ela é uma panacéia: Todavia, se o narcisista € capaz de adquirir fama, seu narcisismo pode continuar sem freio 4 medida que o terapeuta ganha referéncias e apoio por sua ilusio de que realmente é efetivo. Isso nao significa que o terapeuta narcisista ndo seja efetivo. Seu estilo pode agradar outros pacientes narcisistas, obsessivo-compulsivos e dependentes, os quais no sio muito exigentes. O narcisista pode ainda desejar examinar as limitagSes que esse esquema de “ser especial” Superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva pode oferecer para alcancar a meta de ser um terapeuta melhor. Apesar do meu treinamento nas técnicas da terapia cognitiva e de minha con- fianga excessiva as vezes, reconhe¢o que os melhores insights vem dos pacientes, no dos terapeutas. Como Sécrates, conseguimos nosso en- tendimento do do que é verdadeiro perguntando as quest6es corretas que revelam a vastidio de nossa ignorancia. Para modificar a perspectiva narcisista, necessita-se perguntar: “como sua vida seria se vocé estivesse no lugar deste paciente?” E facil rejeitar um paciente rotulando-o — “ele é borderline” ou “ele é parandi- co” =, porém, é algo bem diferente imaginar como seria a sua vida se vocé tivesse esses problemas. Quem entre nds ndo experienciou deses- pero, medo, solidio, humilhacdo ou desconfian¢a? Seria muito simples modificar a experiéncia de alguém — mesmo com as ferramentas da terapia cognitiva em mios? Ao reconhecer as limitagdes do modelo cognitivo-comportamental em stia propria vida, vocé pode conseguir alguma compreensio do quanto isso é realmente dificil na vida do pa- ciente._ Alguns terapeutas cognitivos soam como Pangloss, em Candide, de Voltaire, que sempre alegou que “este € o melhor de todos os possiveis mundos”. Situa¢6es dificeis, dilemas que sao reais e perdas que parecem devastadoras para qualquer pessoa sio vistas pelo voltivel narcisista como “problemas simples com solugdes Sbvias”. Uma séria conseqiién- cia do narcisismo do terapeuta é que ele oferece ao paciente pouca validacdo auténtica. O terapeuta narcisista deseja se sentir “por cima” da situacao, mas, na realidade, com freqiiéncia isso devota que ele é impotente, muito embora receptivo e testemunha solidaria das tragédias da vida. Um paciente que eu via ha bastante tempo me disse que seu filho de 22 anos de idade havia morrido repentinamente, por nenhuma razao apa- rente, quando estava sentado em um 6nibus junto com a avo. O pa- ciente estava em estado de desespero. Naquele momento, eu sabia que estava completamente impotente; na verdade, emudecido diante da si- tuacdo em que ele se encontrava. Minha tinica resposta foi:“Meu Deus. s aT que ja lhe aconteceu. Jamais poderei ima- + consolado”. Aquele momento de nosso desamparo mituo, o sentimento de tristeza que nds dois sentiamos, criou nosso lago e o ajudou pelo menos por um instante. Eu nao era uma pessoa especial nem ele. Compartilhamos nosso desnorteamento: Avaliando a Contratransferéncia is estavamos tristes, reconhecendo nosso desamparo e nio saben- ) que dizer. Ironicamente, a autoconfianga e a sensagio de superioridade do uta narcisista resultam em uma terapia superficial — uma sensa¢ao gue nao é profimnda, que nio é especial e que é insignificante. Em com- paracio, entender empaticamente a construcao de realidade do pacien- te,e as razoes deste para resistir, pode dar a terapia especial importancia para ambos, paciente e terapeuta. Necessidade de aprovagao O terapeuta “agradavel as pessoas” que deseja fazer com que 0 pa- jente se sinta bem, independentemente do que esta acontecendo, éavesso a provocar qualquer expressio de raiva ou desapontamento pelo paciente. Esses terapeutas “agradaveis” podem ser altamente ha- beis em demonstrar empatia pelo paciente e, em virtude disso, sem davida, ajudam-no a sentir-se valorizado e compreendido. Isso, ainda, pode conflitar com a capacidade de perceber as emog6es de raiva do paciente. Por exemplo, um terapeuta “agradavel”, cuja cordiali- dade e empatia eram bastante apreciadas por muitos pacientes, tinha dificuldade para reconhecer que pacientes borderline eram bastante irritados. Ele “‘subdiagnosticava” pacientes porque temia rotulé-los de uma forma negativa e, assim, afast4-los. Uma terapeuta achou dificil tomar a decisio de hospitalizar um paciente suicida por causa de sua preocupacio de que ele ficaria irritado com ela. © terapeuta agradivel evitard levantar questées sobre o abuso de substancia, raiva, resistencia e autoderrota do paciente. Esses topicos so vistos como muito perturbadores para este e, portanto, como nao apro- priados. Terapeuta e paciente podem continuar em um “relacionamento de amizade” que no é contestado por nenhuma das partes interessadas, ‘até o paciente um dia reconhecer que ele nao est4. chegando a lugar nenhum e abandonar o tratamento. Terapeutas com uma alta necessidade por aprovacao podem, sem perceber, comunicar a idéia de que ele aprova ou nao se importa com o comportamento mais negativo do paciente. Pacientes podem atuar per- dendo as sess6es, chegando atrasados ou nao fazendo a tarefa de casa, mas © terapeuta com grande necessidade por aprovacdo que nao quer causar um “conflito” comunica a idéia de que 0 comportamento atuante é aceit4vel. O terapeuta pode achar dificil tolerar a raiva do paciente. Quan- (BOGS superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva do uma paciente borderline inesperadamente se retirou da sessdo, sua tera- peuta seguiu atras dela na sala de espera chorando: “ela esta furiosa comigo! Eu realmente estraguei tudo. Ela nao voltara!” A terapeuta concluiu que a raiva da paciente era intoleravel, horri- vel, catastr6fica e necessariamente terminaria o tratamento. Na verdade, isso era parte do modus operandi dessa paciente em particular que inti- midava pessoas (incluindo seu terapeuta passado e a presente) com esse tipo de comportamento. O terapeuta personalizou o comportamento da paciente e viu a desaprovagio dela como um sinal de seu proprio fracasso. Seu pressuposto era: “se a paciente est4 zangada comigo, signi- fica que fracassei”. Excessivo auto-sacrificio Muitas pessoas se tornam terapeutas por causa de suas personalidades co-dependentes. Muitos terapeutas encontram significado representa- tivo no sentimento requerido pelos pacientes. O terapeuta autodes- trutivo ou masoquista pode se sentir indigno de ser assertivo com 0 paciente — especialmente se 0 paciente parece estar em pior situagao do que o terapeuta. Esses terapeutas auto-sacrificantes podem impor -um contrato implicito:“eu farei tudo por vocé, contanto que vocé nao) me deixe”. Alguns desses terapeutas nao arrecadarao honorarios com receio de que o paciente pense que o terapeuta é muito ganancioso ¢ que nfo se importa com 0 sofrimento alheio. Ha uma variedade de conseqiiéncias negativas para esse excessivo auto-sacrificio. Primeiro, 0 terapeuta nao assertivo torna-se um mode- lo de papel muito ineficiente para o paciente. Segundo, pode macular os limites profissionais, confundindo 0 paciente sobre se o terapeuta € um amigo ou um profissional sempre disponivel. Terceiro, excessivo auto-sacrificio dificulta ao terapeuta encorajar o paciente a engajar-se em exposi¢io desagradavel. Quarto, relutancia auto-sacrificante para cobrar honorarios sugere ao paciente que o terapeuta pode questionar o valor do servigo, o que pode até deixar alguns pacientes apreensivos de que, um dia, sera apresentada a eles uma conta enorme. Por fim, prolongar sessdes além de seus limites de tempo normal pode sugerir ao paciente que a violagao de outros limites pode ser permitida — como intimidade sexual ou demandas do terapeuta. Por exemplo, um terapeuta, marcado por dividas de sua compe- téncia para oferecer tratamento adequado para pacientes, era extrema- mente relutante para engajar pacientes fébicos em exposic¢io a Avaliando a Contratransferéncia hierarquias de medo. Ele nio gostava de fazer ninguém sentir-se des- confortavel. Dessa maneira, prolongava sessdes além do tempo desti- nado previamente e permitia a seus pacientes que pagassem as consultas com atraso. Em vez de cobrar o honordrio-padrao, freqiien- temente expressava suas proprias dividas se o paciente poderia paga- lo e espontaneamente ofereceria o honordrio mais baixo. Suas ten- tativas para agradar o paciente e sacrificar os proprios interesses resultaram em um indice elevado de abandono. Terapeuta 1: Se vocé fosse médico e o paciente necessitasse de uma injegio de morfina, vocé ficaria relutante em aplic4-la porque a inje¢do poderia doer? Terapeuta 2: Provavelmente nio. Terapeuta 1: E se o paciente necessitasse de cirurgia, vocé se recusaria a operar? Terapeuta 2: Nio, se acreditasse que isso 0 ajudaria. Terapeuta 1: Freqiientemente em terapia, pacientes devem se enga~ jar em comportamento que provoca desconforto para que eles melhorem — como o paciente que recebe uma inje¢’o ou se sub- mete a cirurgias. Muito semelhante, também, a quando vocé ou eu vamos ao dentista. Pacientes retornam a terapia e encaminham. amigos a vocé porque os ajudou a mudar, nao porque vocé se re- cusa a desafid-los. Autonomia Para 0 terapeuta com uma sensa¢io de autonomia hiperdesenvolvida, expressio emocional do paciente, imprevisibilidade, atraso nas consul- tas, recusa em fazer o que é pedido e, especialmente, chamadas telefo- nicas de emergéncia ou demandas por aten¢’o extra causario conflito. Por exemplo, um terapeuta se queixou de uma chamada telefonica de emergéncia. Terapeuta 1: Vamos olhar para os seus pensamentos automaticos aqui: “este telefonema me incomodou porque eu pensei. . . ?” Terapeuta 2: Ela consumir4 minha vida toda. Terapeuta 1: E 0 que acontecera? Terapeuta 2: Nao terei vida propria. Embora 0 terapeuta estivesse fazendo um 6timo trabalho com esse paciente desafiante, sua propria raiva pode ter sido causada pela HBB Superando a Resistencia em Terapia Cognitiva forma de entrar em empatia e apoiar o paciente durante esse tempo. O terapeuta era capaz de reconhecer que ele, ele mesmo, estava hi- pergeneralizando e catastrofizando — alids, esta foi a primeira vez, des- de que a paciente tinha comegado a terapia, que ela fez uma chamada- de emergéncia. Na verdade, 0 contato de emergéncia poderia ser interpretado como um exemplo do respeito que o paciente tinha pelo terapeuta, uma vez que ela o havia procurado durante um mo-— mento de necessidade. Além disso, foi desafiada a visio de que um terapeuta nunca deveria ser chamado a menos que fosse uma emer- géncia de vida ou morte. Terapeuta 1: Se vocé fosse um estagidrio, esperaria que seus pacientes telefonassem apenas em uma emergéncia de vida ou morte? Terapeuta 2: Nao. Eles ligariam para falar sobre suas medicagdes ou sobre problemas médicos que nao pusessem em risco a vida. Terapeuta 1: Talvez vocé pudesse reexaminar suas expectativas sobre © que significa ter pacientes na pratica clinica. Talvez seja mais realistico esperar que, de vez em quando, vocé tenha uma chamada_ telefénica apés horas normais com um paciente em uma crise. Se vocé fundamentar isso dentro de sua expectativa, entio, pode ficar menos aborrecido quanto a isso. Examinando os Esquemas do Terapeuta A Tabela 11.1 lista alguns esquemas mal-adaptativos comuns que mui- tos terapeutas podem atribuir. Primeiro, examine a tabela e pergunte a si mesmo se qualquer um desses esquemas ou pressupostos se aplica a vocé. Segundo, pergunte a si mesmo se h4 determinados pacientes que parecem despertar um esquema em vez de outro. Ao examinar sua resposta ao questionario, note se o seu score é “5” ou “6” para qualquer um dos esquemas listados. Por exemplo, considere “inibigio da meta” — muitos terapeutas cognitivo-comportamentais sido bastante instru- mentais em sua orienta¢ao. Eles esperam transformar o paciente rapi- damente, porém este pode nao mudar — na verdade, o paciente pode se recusar a fazer qualquer tarefa de casa. Uma terapeuta mencionou que sentia muita frustragao porque a paciente nao estava cooperando. Os pensamentos automiaticos dela (terapeuta) eram: “ela nao est mudan- do. Ela esta me impedindo de realizar meu trabalho. Estou perdendo o meu tempo”. Fazer uma seta descendente disso leva ao seguinte:“eu nao Avaliando a Contratransferéncia 303 Tabela 1.1 Questionario de esquema do terapeuta: guia Pessoa especial superior | Sensibilidade & rejeigao Abandono Autonomia Controle Julgamento Perseguicao Necessidade por aprovacao Necessidade de gostar dos outros: Evitativo nat “Tenho de curar todos os meus pacientes. Eu devo sempre satisfazer Os mais altos padroes. Meus pacientes deveriam fazer um excelente trabalho. Nos nunca deverfamos perder.” “Tenho 0 direito de ser bem-sucedido. Meus pacientes deveriam apreciar tudo o que faco por eles. Nao deveria me sentir entedia~ do quando faco terapia. Pacientes tentam me humilhar.” “Conflitos sao perturbadores. Nao deveria levantar questoes que incomodem o paciente. “Se meu paciente esta entediado com a terapia, ele pode deixa-la. E perturbador quando pacientes interrompem o tratamento. Eu posso acabar sem nenhum paciente.” “Eu me sinto controlado pelo paciente. Meus movimentos, sentimentos ou 0 que eu digo estao limitados. Eu deveria ser capaz de fazer ou dizer 0 que desejo. Algumas vezes me pergunto se me perderei no relacionamento.” “Tenho de controlar o ambiente ou as pessoas ao meu redor.” “Algumas pessoas, no fundo, sao mas. Pessoas deveriam ser punidas quando fazem coisas erradas.” “Eu freqiientemente me sinto provocado. O paciente esta tentando me incomodar. Eu tenho de me proteger contra pessoas que se aproveitem de mim ou me magoem. Vocé geralmente nao. pode confiar nas pessoas.” “Eu desejo ser querido pelo paciente, Se o paciente nao esta feliz comigo, entao. significa que estou fazendo alguma coisa errada.” “E importante que eu goste do paciente. Incomoda-me se eu nao gosto de um paciente. Nos deveriamos nos dar bem = quase como amigos.” “Eu quero ocultar pensamentos e sentimentos de meus pacientes. Eu nao quero lhes dar o que eles querem. Eu sinto que estou me afastando emocionalmente durante as sessoes.” MSGANNY superando a Resistencia em Terapia Cognitiva Tabela 11.1 Esquema Questionario de esquema do terapeuta: roteiro (continuacao) Tce Tonttors Inibicao dameta__—_—“O paciente esté me impedindo de alcancar minhas mel Sinto-me como se estivesse perdendo meu tempc . Eu deveria ser - capaz de alcancar minhas metas em sessoes sem a interferénci do paciente. Inibicao emocional e frustrado quando | estou com este paciente porque nao -__-posso expressar a forma como realmente me sinto. Eu acho diffcl reprimir meus ‘sentimentos. Eu nao. posso ser eu mesmo.” : deveria estar perdendo o meu tempo. Se eu continuar perdendo meu tempo com esta paciente, minha vida ser4 desperdicada”. Curiosamente, essa foi uma terapeuta muito efetiva que mostrou consideravel empatia e assertividade com muitos pacientes desafiantes. Entretanto, viu-se frustrada com alguns pacientes ndo aderentes ao tra- tamento. Examinei seus padrées demandantes e hiperfoquei a realiza~ ¢ao de meta: “ha algumas coisas efetivas que vocé tem feito com este paciente? Com outros pacientes? Quanto tempo vocé gasta trabalhan- do com este paciente? E uma pequena porcentagem do tempo que vocé gasta trabalhando com outros pacientes ou fazendo outro traba- lho? Vocé esté hipergeneralizando? Todos os terapeutas apresentam 100% de efetividade? Vocé deveria ser melhor do que todo mundo? Por que sim ou por que nao?” Sugeri A terapeuta que desenvolvesse uma posi¢io de curiosidade, em vez de uma posigio demandante, a respeito da falta de realizagio de meta. Talvez ela pudesse examinar se o paciente tinha medo de Avaliando a Contratransferéncia avancar. Talvez 0 paciente tivesse uma agenda oculta de permanecer doente ou de continuar descobrindo quais eram suas préprias limita- ¢des quando estava bem. Ao deslocar-se da exigéncia de que tudo precisava ser mudado para um papel inquisitivo e observador, a tera~ pia comegou a progredir e a terapeuta se sentiu menos frustrada. Conflito de Esquema Terapeuta-Paciente Nés todos sabemos que podemos trabalhar melhor com alguns pacien- tes do que com outros. No sentido inverso, um paciente que parece bastante frustrante para nds trabalhara bem com um colega. Ha varias dimensées de resisténcia: validag4o, moral, autoconsisténcia esquemiati- ca e aversio ao risco. As questées esquemiaticas pessoais do terapeuta na ntratransferéncia determinarao o quanto ele trabalha bem com cada dessas dimens6es de resisténcia. Por exemplo, o terapeuta cujos esquemas sao aqueles de padrées demandantes, pessoa especial ou autonomia pode se frustrar com o pa- ciente que necessita ou demanda validacao. Se a terapeuta acredita que ela e o paciente deveriam buscar metas especificas, racionalida- de consistente e aderéncia a tarefa de casa, entao o paciente que quer validagdo pode “fracassar” para corresponder aos padrées de exigéncia do terapeuta. A conseqiiéncia é que o terapeuta pode pressionar mais 0 paciente ou critic4-lo, assim invalidando ainda mais 0 paciente. Similarmente, o terapeuta que se vé como uma pessoa especial tera dificuldade para validar o paciente. O terapeuta pode ver a necessidade do paciente por validagdo como “indigna dele” e pode sentir-se insatis— feito porque o paciente nfo satisfaz a necessidade do terapeuta de ser bem-sucedido. Ao pensar em si mesmo como uma pessoa especial, o terapeuta pode ter considerdvel dificuldade para se imaginar confron- tado com as situacdes dificeis que 0 paciente descreve. O terapeuta cujo esquema é de autonomia pode achar dificil tole- rat 0 paciente que precisa de validacio, uma vez que isso pode ser en- tendido como transgressio dos limites do terapeuta. De modo similar, © terapeuta livre ficard ansioso e irritado quando o paciente, com fortes necessidades de apego, solicitar tempo ou cuidado extras do terapeuta. Ao estabelecer limites arbitraria e defensivamente, o terapeuta pode invalidar o paciente e despertar maior ansiedade sobre necessidades de Superando a Resisténcia em Terapia Cognitiva apego. Isso pode acarretar agravamento das demandas de apego e vali- dagao do paciente e, depois, resultar no estabelecimento de limites e na rejeigao do paciente pelo terapeuta. Terapeutas independentes quase sempre tém afeto reduzido ou, pelo menos, baixa tolerancia ao forte contetido e expressio emocional. Sua énfase exagerada em racionalidade e produtividade torna dificil para eles tolerar e valorizar a necessidade de alguns pacientes em “en- contrar seus sentimentos”. Como resultado, o terapeuta independente € excessivamente racional, focado demais em “produtividade e eficién- cia”, pode se tornar um “impiedoso estabelecedor de agenda”. A tera- pia se torna formal e guiada por “planos de tratamento” que parecem improdutivos, indiferentes e irrelevantes para o paciente que tem ele- vadas necessidades por validacao e apego. Terapeutas que tém dificuldades com valida¢io e abandono de pa- cientes podem achar conforto na compreensio de qual é problema dele. Primeiro, esses terapeutas deveriam ser desafiados a desenvolver uma conceitualizacao de caso do porqué o paciente tem fortes neces- sidades por validagdo. Segundo, pode examinar porque ele (terapeuta) tem forte necessidade de autonomia. O terapeuta pode se perguntar: “meus pais eram superprotetores e exigentes?”, “minhas necessidades por validacado foram frustradas?” ou “estou tirando conclus6es precipi- tadas quanto a todos os meus limites estarem sendo ultrapassados por este paciente?” Terceiro, o terapeuta pode sistematica e intencional- mente praticar habilidades de escuta ativa (Stuart, 1980), usando refta- seamento, empatia, validacao e investigagao — e ver 0 que acontece. O terapeuta perde todos os limites se intencionalmente valida o paciente? Ambos, terapeuta e paciente, sentem que a sessdo foi um desperdicio ou ha alguma melhora? Quarto, o terapeuta pode discutir com o pa- ciente a “dialética” (Linehan, 1993), a necessidade de mudar entre o extremo da valida¢ao total e o extremo de total resolugdo de problema e racionalidade. Eles podem negociar a reserva de um tempo em cada sessao para valida¢ao e um tempo para resolugdo de problema. Avaliando a Contratransferéncia SGUEBOZ

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