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Pouca saúde, muita saúva, os males

ARTIGO ARTICLE
do Brasil são... Discurso médico-sanitário
e interpretação do país

Not enough health, too many ants,


this is what ails Brazil... Medical-sanitarian
discourse and the interpretation of Brazil

Nísia Trindade Lima 1


Gilberto Hochman 1

Abstract The purpose of this article is twofold: Resumo O objetivo deste artigo é, primeiro,
first, to point out the central and enduring role apontar o papel central e prolongado dos re-
played by medical-hygienist notations and texts gistros e textos médico-higienistas e do movi-
and by the sanitarian movement in Brazil, be- mento pelo saneamento do Brasil, das três pri-
tween 1900 and 1930, in the reconstruction of meiras décadas do século XX, na reconstrução
national identity on the basis of the identifi- da identidade nacional a partir da identifica-
cation of disease as a distinctive element in the ção da doença como elemento distintivo da
condition of being Brazilian; and second, to condição de ser brasileiro e, segundo, sublinhar
underscore their marked presence in the fun- sua forte presença em textos fundamentais da
damental texts of the so-called phase of insti- chamada fase de institucionalização das ciên-
tutionalization of the social sciences in Brazil, cias sociais no Brasil, marcada pela criação dos
which witnessed the creation of university pro- cursos universitários de sociologia e antropolo-
grams in sociology and anthropology. gia.
Key words Public Health; Social Sciences; Hy- Palavras-chave Higienismo; Saúde Pública;
gienism; Medical Sanitarian Discourse Pensamento Social Brasileiro; Ciências Sociais

1 Casa de Oswaldo Cruz,


Fundação Oswaldo Cruz,
Av. Brasil 4.365,
Manguinhos, 21045-900
Rio de Janeiro, RJ
Hochman@fiocruz.br
Lima@fiocruz.br
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Lima, N. T. & Hochman, G.

Com a frase que dá título a este trabalho, Ma- Neste artigo, procuraremos, em primeiro
cunaíma assinou o livro de visitas do Institu- lugar, discutir a presença de tais discursos e o
to Butantã que, segundo o irreverente persona- seu elo com as ciências sociais no processo de
gem de Mário de Andrade, era o orgulho dos deslocamento de teses marcadas pelo fatalis-
paulistas. O escritor estabelecia diálogo em tor- mo de cunho biologizante. O foco recairá sobre
no da preguiça como expressão do modo de ser os textos dos médicos-higienistas, sua campa-
dos brasileiros e reportava-se também à força nha pelo saneamento do Brasil e influência so-
que a imagem da doença teve na composição bre intelectuais do período. Parte expressiva
dos retratos do Brasil em que se acentuavam do trabalho é dedicada a focalizar o debate pa-
seus males de origem. radigmático em torno do personagem Jeca Ta-
Neste artigo pretendemos argumentar que tu, criado pelo escritor paulista Monteiro Lo-
os textos dos higienistas das três primeiras dé- bato. Discutimos, a seguir, a importância dos
cadas do século XX ultrapassaram os limites registros médico-sanitários e do pensamento
do debate sobre saúde e informaram represen- higienista no debate sobre as resistências cul-
tações mais amplas sobre a sociedade. Repor- turais à mudança, de forte presença nos textos
tamo-nos especialmente à visibilidade do mo- iniciais da chamada fase de institucionalização
vimento pró-saneamento durante a Primeira das ciências sociais no Brasil, fase caracteriza-
República, com a construção de imagens for- da pela criação dos cursos universitários de
tes sobre o Brasil e os brasileiros, e à influên- ciências sociais.
cia do diagnóstico sobre a nação feito pelos hi-
gienistas em textos literários e de divulgação.
É sobre a presença desta versão sobre o Brasil O pensamento médico-higienista
doente que concentramos nossa atenção. e o debate sobre natureza, doença e raça
Nossa hipótese é que o movimento pelo sa-
neamento teve um papel central e prolongado A referência aos males do Brasil é tema cons-
na reconstrução da identidade nacional a par- tante em diversos momentos de nossa história
tir da identificação da doença como elemento intelectual. Da condenação à civilização pro-
distintivo da condição de ser brasileiro. Trata- clamada por Euclides da Cunha à melancolia
se, em suma, de uma reflexão em torno de um identificada por Paulo Prado, poucos foram os
diálogo muitas vezes implícito entre as matri- autores que não usaram tonalidades cinzas e
zes da saúde pública e conhecidas teses do pen- negativas para retratar o país.
samento social e político brasileiro; ou melhor, Para alguns, como Tavares Bastos e Manoel
de perceber como uma perspectiva médico- Bonfim, o traço negativo radicava-se na he-
higienista da sociedade brasileira transforma- rança ibérica com sua tradição estadista e pou-
se numa questão da cultura e da política, com- co propensa à iniciativa individual. Para ou-
partilhada por diferentes intelectuais e outros tros, na composição étnica da população onde
atores sociais. predominavam raças ditas inferiores e mesti-
Tal perspectiva guarda forte relação com ços consistiam os principais obstáculos. Ques-
as matrizes dualistas de reflexão sobre o Brasil, tões como raça e herança colonial assumem
que apontam não apenas para os contrastes, crescente importância nas controvérsias que
mas para as lacunas, para as ausências. No Bra- marcam as três últimas décadas do século XIX
sil, a ciência do início do século XX e, ainda, e as três primeiras décadas do século XX.
a ciência social institucionalizada a partir dos O deslocamento da ênfase do que seriam
anos 30 podem ser consideradas as linguagens, as mazelas do Brasil – herança colonial, compo-
por excelência, do processo de construção na- sição étnica da população, ausência do poder
cional. Constitutiva da matriz dualista, a ciên- público nas áreas de educação e saúde, entre
cia buscava identificar os sintomas de nossa outros diagnósticos que se sucederam ao lon-
cultura, submetendo-os ao espelho crítico de go desse período – revela a persistência do te-
um outro civilizado, constituindo-se, enfim, ma das bases sobre as quais construir uma na-
em um instrumento do projeto modernizador ção. Tal percepção tem por estrutura básica
que nos garantiria uma almejada sintonia com descobrir uma dicotomia que operaria como
o progresso. O Brasil foi pensado pelas suas au- causa das crises, traçar sua formação no passa-
sências e o homem brasileiro como atrasado, do e, em alguns casos, propor a alternativa po-
indolente, doente e resistente aos projetos de lítica para a sua superação (Santos, 1978). As vi-
mudança. sões sobre as mazelas do Brasil se dão dentro
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de um enquadramento dualista habitado por ras – em geral problemas de alistamento, de re-
pares indissociáveis tais como litoral-sertão, crutamento e derrotas militares – favorecem
saúde-doença e moderno-atrasado. debates e polêmicas sobre determinismo e me-
Entre essas formas de refletir sobre os dile- lhoria racial, nos quais o debate sobre as con-
mas da nação brasileira, o movimento pela re- dições de saúde tiveram um papel relevante.1
forma da saúde pública e pelo saneamento ru- A guerra na Europa também gerou proble-
ral, que tanta visibilidade adquiriu durante as mas de imigração, higiene, controle sanitário
duas últimas décadas da Primeira República, das importações e exportações etc. Várias con-
teve um papel decisivo no debate mais amplo ferências internacionais foram organizadas
sobre interpretações, dilemas e rumos da so- para discutir e criar regras e estratégias de con-
ciedade brasileira. trole sanitário, que tinham sérias implicações
A importância de teses originárias do pen- para um país exportador de matérias-primas e
samento higienista em ensaios sobre as socie- receptor de imigrantes, como o Brasil. A Pri-
dades pode ser verificado em diferentes con- meira Guerra foi, igualmente, um marco no
textos nacionais, como demonstram estudos que se refere à mortalidade da população civil
relativos ao advento do pastorismo na França e de tropas, devido às condições sanitárias nos
e as concepções sobre higidez, doença e pro- campos de batalha da Europa. Seu término foi
cessos terapêuticos no Estados Unidos da Amé- acompanhado pela pandemia da gripe espa-
rica em sua relação com aspectos da cultura nhola, cujo impacto, inclusive no Brasil, pode
daquela sociedade (Breeden, 1988; Murard e ser avaliado pelas estimativas que apontam 30
Zylberman, 1985). No caso brasileiro, a higie- milhões de mortes em todos os continentes, en-
ne, entre outros discursos de base científica, tre março de 1918 e janeiro de 1919 (cf. Patter-
teve forte presença nas interpretações sobre os son e Pyle, 1991).
dilemas e as alternativas colocadas para a cons- No caso brasileiro, movimentos como a Li-
trução da nação. A idéia de males não apresen- ga de Defesa Nacional e a Liga Nacionalista vis-
ta, dessa forma, apenas uma analogia com o lumbraram diversos caminhos para a recupe-
discurso médico, mas trata-se de uma alusão ração e/ou fundação da nacionalidade: saúde,
às doenças como obstáculo ao progresso ou à educação, civismo e valores nacionais, serviço
civilização. militar obrigatório etc. (Skidmore, 1989; Oli-
O movimento pela reforma da saúde pú- veira, 1990). Um desses movimentos, a Liga Pró-
blica nas duas últimas décadas da Primeira Re- Saneamento do Brasil, fundada em 11/2/1918,
pública foi caracterizado por Castro Santos e liderada pelo médico e inspetor-sanitário Be-
(1985; 1987) como um dos elementos mais im- lisário Penna, no primeiro aniversário da mor-
portantes no processo de construção de uma te de Oswaldo Cruz, pretendia alertar as elites
ideologia da nacionalidade, com impactos re- políticas e intelectuais para a precariedade das
levantes na formação do Estado brasileiro. Es- condições sanitárias e obter apoio para uma a-
sa percepção tem sido incorporada por vários ção pública efetiva de saneamento no interior
trabalhos que abordaram direta ou indireta- do país ou, como ficou consagrado, para o sa-
mente o tema, e constitui, a nosso juízo, o pon- neamento dos sertões. Em um contexto no qual
to de partida para qualquer reflexão sobre saú- prosperava a idéia de salvação nacional, o sani-
de pública no Brasil republicano (Albuquer- tarismo encontrava-se sintonizado com as ten-
que et al., 1991; Britto, 1995; Hochman, 1998; dências gerais das correntes nacionalistas bra-
Lima e Britto, 1996; Lima e Hochman, 1996). sileiras, sendo tributário das observações de
No Brasil da década de 1910, a intensifica- Euclides da Cunha sobre o sertão e os sertane-
ção do debate sobre saúde e saneamento acon- jos (Castro Santos, 1985; 1987; Oliveira, 1990).
tece no contexto do surgimento de inúmeros Cabe assinalar quatro eventos significati-
movimentos de caráter nacionalista. De fato, vos e fundantes do movimento sanitarista. Pri-
o período correspondente à Primeira Guerra meiro, o impacto público da divulgação, tam-
Mundial e ao imediato pós-guerra foi, no ex- bém em 1916, do relatório da expedição mé-
terior e no Brasil, marcado por uma intensa a- dico-científica do Instituto Oswaldo Cruz, che-
tuação de movimentos nacionalistas, que pre- fiada por Belisário Penna e Arthur Neiva, ao in-
tendiam descobrir, afirmar e reclamar os prin- terior do Brasil, em 1912, que revelava um país
cípios da nacionalidade e realizá-los através com uma população desconhecida, atrasada,
do Estado (Joll, 1982; Hobsbawm, 1991). Além doente, improdutiva e abandonada, e sem ne-
disso, há inúmeras indicações de como as guer- nhuma identificação com a pátria (Albuquer-
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Lima, N. T. & Hochman, G.

que et al., 1991; Penna e Neiva, 1916).2 Segun- os caboclos para defender o país. Lembrava
do, a enorme repercussão de um discurso – to- que foi justamente no estado natal desse depu-
mado como inaugurador do movimento pelo tado, na cidade de Lassance, que Carlos Cha-
saneamento do Brasil – de Miguel Pereira, pro- gas, em 1909, havia descoberto a doença que
nunciado em outubro de 1916, caracterizando leva o seu nome – mal de Chagas –, uma doen-
o país como um imenso hospital. Terceiro, a ça que idiotizava e deformava milhões de bra-
repercussão dos artigos de Penna sobre saúde sileiros, tornando-os imprestáveis tanto para o
e saneamento, publicados no jornal Correio da trabalho quanto para servir à pátria. A reali-
Manhã, entre 1916 e 1917, e depois reunidos dade sanitário-educacional no interior do país
em 1918, sob o título de O saneamento do Bra- desmentia a retórica romântico-ufanista sobre
sil. Por último, a própria atuação da Liga Pró- o caboclo e o sertanejo.
Saneamento, entre 1918 e 1920, período em que Pereira havia se inspirado no relatório da
se inicia a implementação da reforma dos ser- expedição científica organizada pelo Institu-
viços de saúde federais. to Oswaldo Cruz, em 1912, que, chefiada por
No que se refere a emblemática frase de Mi- Belisário Penna e Artur Neiva, percorreu o nor-
guel Pereira que fazia parte de um discurso te da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do
muito citado, pouco conhecido, do qual des- Pará, cruzando Goiás de norte a sul.4 Esse re-
taco o trecho principal: [...] fora do Rio ou de latório foi peça fundamental para um diagnós-
São Paulo, capitais mais ou menos saneadas, e tico, ou melhor, para uma redescoberta do Bra-
de algumas ou outras cidades em que a previ- sil, que mobilizou intelectuais e políticos, e im-
dência superintende a higiene, o Brasil é ainda pulsionou a campanha pelo saneamento. Além
um imenso hospital. Num impressionante ar- disso, o retrato do país apresentado nesse do-
roubo de oratória já perorou na câmara ilustre cumento foi comentado e reproduzido em jor-
parlamentar que, se fosse mister, iria ele, de nais e em debates acadêmicos e parlamentares,
montanha em montanha, despertar os caboclos tendo convencido parte da opinião pública ao
desses sertões. Em chegando a tal extremo de ze- seu cruel diagnóstico.
lo patriótico uma grande decepção acolheria sua Ao percorrer durante sete meses uma ex-
generosa e nobre iniciativa. Parte, e parte pon- tensa área onde predominavam regiões perio-
derável, dessa brava gente não se levantaria; in- dicamente assoladas pela seca, visando à ela-
válidos, exangues, esgotados pela ancilostomía- boração de estudo preliminar para a constru-
se e pela malária; estropiados e arrasados pela ção de açudes pelo Governo federal, a expedi-
moléstia de Chagas; corroídos pela sífilis e pela ção realizou amplo levantamento, inclusive fo-
lepra; devastados pelo alcoolismo; chupados pe- tográfico, das condições climáticas, socioeconô-
la fome, ignorantes, abandonados, sem ideal e micas e nosológicas (Albuquerque et al., 1991).
sem letras ou não poderiam estes tristes deslem- O relatório ressaltava a necessidade de ações
brados se erguer da sua modorra ao apelo toni- profiláticas que impedissem a associação per-
truante de trombeta guerreira, [...] ou quando, versa entre disponibilidade de água e foco de
como espectros, se levantassem, não poderiam doenças, especialmente a malária. Continha
compreender por que a Pátria, que lhes negou a também informações sobre clima, fauna e flo-
esmola do alfabeto, lhes pede agora a vida e nas ra, registrando, em detalhes, as doenças que
mãos lhes punha, antes do livro redentor, a ar- afetavam os habitantes daquelas regiões, suas
ma defensiva (Pereira, 1922). condições de vida e suas atividades econômi-
O discurso, uma saudação ao professor cas, além de apresentar sugestões às autorida-
Aloysio de Castro, diretor da Faculdade de Me- des públicas (Penna e Neiva, 1916).
dicina do Rio de Janeiro (FMRJ), foi feito no Um argumento importante do relatório é
contexto de um debate de cunho nacionalista, que se estava diante de uma população aban-
em torno do recrutamento e serviço militar donada e esquecida que, mesmo vitimada por
obrigatórios, e dialogava com a pregação de doenças, ainda poderia, em algumas regiões,
Olavo Bilac, direcionada para os estudantes de como constataram em certas localidades da Ba-
direito e medicina.3 Miguel Pereira, professor hia e de Pernambuco, apresentar-se robusta e
da FMRJ e presidente da Academia Nacional resistente. De qualquer forma o cenário geral
de Medicina (ANM), criticava a ingenuidade era descrito como dantesco, sendo alarmante
e a ignorância sobre o Brasil de um deputado o número de portadores da doença de Chagas,
federal mineiro, que declarara estar disposto, especialmente em Goiás. Os médicos Belisá-
em caso de invasão, a ir aos sertões e convocar rio Penna e Artur Neiva ressaltam o contraste
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entre o que observaram e relataram e a retóri- terminismos climático, físico e racial que con-
ca romântica sobre o caboclo e o sertanejo, des- denavam o país à barbárie e que levavam ao de-
crevendo o povo como ignorante, abandona- bate sobre miscigenação e imigração (Castro
do, isolado, com instrumentos primitivos de Santos, 1985; Skidmore, 1989). O diagnóstico
trabalho, desconhecendo o uso da moeda, tra- de um povo doente significava que, em lugar
dicionalista e refratário ao progresso. Esse qua- da resignação, da condenação ao atraso eter-
dro de isolamento era responsável pela ausên- no, seria possível recuperá-lo, através de ações
cia de qualquer sentimento de identidade na- de higiene e saneamento, fundadas no conhe-
cional. Desconheciam qualquer símbolo ou cimento médico e implementadas pelas auto-
referência nacional, ou melhor, [...] a única ridades públicas. Não bastava ter encontrado
bandeira que conhecem é a do divino (Penna e este [...] povo que ainda há de vir (Penna e Nei-
Neiva, 1916).5 va, 1916), era urgente transformar esses estra-
A ausência absoluta de qualquer identifi- nhos habitantes do Brasil em brasileiros. A me-
cação com o Brasil era acentuada, de acordo dicina, aliada ao poder público, era instrumen-
com Penna e Neiva, pelo abandono por parte to fundamental para operar essa transforma-
do Governo federal, presente apenas para ex- ção. A ciência, em especial a medicina, propi-
trair recursos de uma população que quase não ciaria um alívio para intelectuais, que, até en-
os possuía (Penna e Neiva, 1916). Apesar da tão, não enxergavam alternativas para um país
descrição da população, no relatório, muitas que parecia condenado, dada sua composição
vezes, assemelhar-se a uma imagem negativa racial.6
corrente no período, a grande mudança está Os sertões, para a campanha pelo saneamen-
na atribuição de responsabilidade pela apatia to, era mais uma categoria social e política do
e pelo atraso. Seria o governo e a doença, e não que geográfica. 7 Sua localização espacial de-
mais a natureza, a raça ou o próprio indivíduo, penderia da existência do binômio abandono e
os grandes culpados pelo abandono da popu- doença. Na verdade, os sertões do Brasil não es-
lação à sua própria sorte. As autoridades pú- tariam tão longe assim daqueles a quem se de-
blicas, em todos os níveis, são apontadas co- mandavam medidas de saneamento, nem se-
mo as verdadeiras responsáveis pela situação riam apenas uma referência simbólica ou geo-
vigente no interior do país, cujo abandono dei- gráfica ao interior do país. Na instigante per-
xa como legado as endemias rurais e suas fu- cepção de Afrânio Peixoto, os “sertões do Bra-
nestas conseqüências. No auge da repercussão sil” começavam no fim da avenida Central (ho-
de seu relatório, Arthur Neiva relembrava que je Rio Branco).8
tinha encontrado as populações dos geraes [...] A campanha pelo saneamento do Brasil
vivendo ao Deus dará [...] (Neiva, 1917). sensibilizou progressivamente nomes expres-
Em um primeiro movimento de qualifica- sivos das elites intelectuais e políticas do país
ção, o termo sertões passa a ser sinônimo de a- e teve como um dos marcos mais significati-
bandono, ausência de identidade nacional e di- vos a criação da Liga Pró-Saneamento do Bra-
fusão de doenças endêmicas. O movimento sa- sil, em fevereiro de 1918, em sessão pública na
nitarista classificou o isolamento do sertane- Sociedade Nacional de Agricultura. A leitura
jo, destacado por Euclides da Cunha, como um da ata da fundação e de seu órgão oficial, a re-
estado de abandono da população rural pelas vista Saúde, demonstra o interesse em reunir
autoridades governamentais. Esse diagnósti- nomes expressivos nos meios militares, entre
co não só embasava demandas por ações posi- os engenheiros, médicos e advogados, além de
tivas do governo em matéria de saneamento e parlamentares e do próprio presidente da Re-
saúde pública e pelo aumento da presença do pública, Wenceslau Braz, que ocupou o cargo
poder público em vastas áreas desassistidas do de presidente honorário. Nomes como os de
país como, também, apresentava a possibilida- Miguel Couto, Carlos Chagas, Juliano Morei-
de de conformar uma identidade de ser brasi- ra, Rodrigues Alves, Clóvis Bevilacqua, Epitá-
leiro distinta daquela fornecida pela doença. cio Pessoa, Pedro Lessa, Aloysio de Castro e
Nesse diagnóstico, os sertões continham um Miguel Calmon constituíam o conselho supre-
grande hospital: eram ao mesmo tempo aban- mo da associação. Um dado interessante con-
dono e doença. siste na formação de delegações regionais em
Esse esforço de (re)conhecer o Brasil busca- vários estados e na designação do então coro-
va descartar tanto a visão ufanista (Oliveira, nel Cândido Rondon para presidir a delega-
1990), quanto o pessimismo derivado dos de- ção de Mato Grosso (Saúde, 1918, no 1).
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Se o foco central dos higienistas era a pre- a mediação entre o estado natural e a civiliza-
sença da doença como o grande obstáculo a ser ção. Artigo de Monteiro Lobato na revista Saú-
superado, ela aparece, como indicamos, forte- de, órgão da Liga Pró-Saneamento do Brasil,
mente articulada com o tema da natureza, do contém afirmações elucidativas sobre este pon-
clima e da raça. Na discussão sobre identida- to. Reportando-se ao que via como degenera-
de nacional é freqüente a constatação da fragi- ção do homem, pergunta o escritor paulista:
lidade do homem diante da natureza tropical. Por que degenera ele justamente onde por im-
Esse contraste e a idéia de uma inadequação pulsão ambiente, deveria altear-se ao apogeu?
entre o ambiente natural, o homem e a cultu- Por que na Amazônia, onde tudo alcança o má-
ra européia são temas constantes do pensamen- ximo, só ele dá de si o mínimo?
to social no Brasil. Poucos textos são tão elo- E como resposta: O Homem com o civilizar-
qüentes a esse respeito como o trecho de Raí- se, afastou-se da natureza. Desrespeitou-a, in-
zes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. fringiu-lhe as leis. A conseqüência disso foi o en-
O recurso a uma espécie de teoria da na- fraquecimento (Saúde, 1918).
tureza brasileira, atribua-se a ela ou não pri- A grande ameaça nas zonas tropicais para
mazia nas explicações sobre o país, é uma cons- este homem enfraquecido pela civilização se
tante no pensamento social brasileiro e de seu encontraria na multiplicação da fauna diminu-
diálogo com as teorias européias originárias ta dos insetos e vermes e da fauna invisível dos
da história natural e das concepções higienis- microorganismos. O discurso mais comum pa-
tas. A idéia do homem americano como um ser rece ser o que atribui à natureza de países tro-
fraco e submisso à natureza é uma das princi- picais como o Brasil uma efervescência de vida,
pais na Histoire Naturelle de L’hommme, de tal como aparece na citação de Gilberto Frey-
Buffon, e das que mais influenciou a ciência e re: [...] no homem e nas sementes que ele plan-
a literatura brasileiras de fins do século XIX e ta, nas casas que edifica, nos animais que cria
início do século XX (Ventura, 1991).9 para seu uso e subsistência, nos arquivos e bi-
Ainda que portando diferenças e ambigüi- bliotecas que organiza para sua cultura intelec-
dades, no diálogo que os cientistas e médicos tual, nos produtos úteis ou de beleza que saem
higienistas travam em fins da década de 1910 de suas mãos, – em tudo se metem larvas, ver-
com as interpretações ufanista e romântica so- mes, insetos, – roendo papel (Freyre, 1978).
bre a natureza e o homem brasileiros, ganha A ciência representaria uma alternativa fa-
destaque a idéia do sertão como sinônimo de ce a essa profusão de incômodas formas de vi-
doença e, também, de uma natureza agressiva da; uma defesa artificial diante da falha da de-
ao homem. O sertão aparece quase como uma fesa natural de homens enfraquecidos pelo pro-
natureza de difícil domesticação e, mais uma cesso civilizatório. Muitas outras referências a
vez, isto tem por referência a quase totalidade um ambiente quase infernal – onde proliferam
do território. Um artigo do educador Carnei- insetos, vermes – podem ser encontradas em
ro Leão, participante do movimento pelo sa- artigos na imprensa, textos literários e ensaios
neamento dos sertões, é elucidativo: Não eram sociais. A associação entre natureza tropical e
somente as terras infernais da Amazônia, onde doença mereceu atenção, entre outros intelec-
o cearense ou o caboclo de aço às vezes mal che- tuais, de Rui Barbosa que, com seu estilo carac-
gava e a malária o dizimava em poucas horas, terístico, afirmou em discurso de homenagem
que infelicitavam o povo brasileiro. póstuma a Oswaldo Cruz: Se Deus não nos sus-
Mesmo os sertões mais saudáveis do Nordes- citasse a missão de Oswaldo Cruz, o Brasil teria
te e do Sul eram verdadeiros matadouros. E foi o mesmo sol com a mesma exuberância de ma-
para o Brasil inteiro um espanto e revelação do- ravilhas, mas o sol com o impaludismo, com a
lorosa. Se toda a gente supunha os sertões brasi- febre amarela, com a doença do barbeiro (Bar-
leiros sanatórios miraculosos, a cujos ares nem a bosa, 1917).
própria tuberculose resistia (Saúde, 1918). Entre os médicos higienistas, mesmo após
A hostilidade da natureza foi ainda lembra- o advento da bacteriologia, o debate sobre a
da em muitos outros textos e, no caso do dis- influência do clima na nosologia brasileira con-
curso higienista, aparece com freqüência o con- tinuou intenso. Nas primeiras décadas do sé-
traste entre a exuberância dos elementos na- culo XX, quando ganha força a idéia da raça e
turais e a fragilidade do homem. Nessa pers- do clima como moinhos de vento a ocultarem as
pectiva, a higiene é apontada como conheci- verdadeiras razões para as doenças que assola-
mento e conjunto de práticas capazes de fazer vam o país (Peixoto, 1918), explicações climá-
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ticas continuam a ser apontadas, por exemplo, processo de transmissão e adoecimento foi pro-
em relatos de viagens de médicos e cientistas. posta durante o século XIX; contudo, não se
Também para os médicos higienistas e cien- estabeleceram ilações tão fortes como ocorreu
tistas dedicados à saúde pública no Brasil, o com a febre amarela. O conhecimento médi-
debate sobre a natureza não se resume à ques- co da época não apresentava grau mínimo de
tão das doenças. Uma forte idéia é a que iden- consenso sobre suas causas e ficava difícil esta-
tifica uma espécie de fase intermediária entre belecer até mesmo o diagnóstico. Muitas vezes,
o selvagem e o civilizado. O primeiro, mais pró- identificava-se a doença por um dos seus sin-
ximo à natureza, teria uma vida mais saudá- tomas mais característicos – a geofagia. Para
vel e harmoniosa, o segundo, que identificam aqueles que propuseram a existência de um
com freqüência ao caboclo, revela uma rela- agente patogênico específico, refutando expli-
ção puramente predatória com a natureza, cações climáticas, raciológicas ou comporta-
além de artefatos culturais e comportamentos mentais, a demonstração da existência de um
sociais que indicariam imprevidência. Isto na- parasito intestinal como causa da doença só po-
turalmente traria um impacto sobre a saúde dia ser feita, na época, através de autópsias que
desse homem que deixara a vida selvagem mas geralmente só eram admitidas se fossem uti-
não poderia ser considerado um civilizado. lizados cadáveres de escravos ou de indigentes.
Entre outros textos, o já citado relatório da Os médicos higienistas que aderiram à
viagem de Belisário Penna e Arthur Neiva re- campanha do saneamento rural refutaram as
fere-se em mais de uma passagem a doenças relações entre as doenças cujo combate priori-
que apareceriam à medida em que uma civili- zavam – malária, ancilostomose e doença de
zação atrasada iria substituindo uma condição Chagas – e a origem racial da população. En-
social primitiva (Penna e Neiva, 1916). faticamente argumentavam que todos pode-
O segundo moinho de vento – a raça – foi riam contrair a doença, que não respeitava li-
tema de muitos textos de fundamentação hi- mites de raça ou condição social. Um de seus
gienista. Torna-se necessário discernir duas mais ativos militantes afirmava que o estran-
questões a ele relacionadas: o papel de deter- geiro no Brasil era nacionalizado através da
minações de natureza racial, ou étnica, na trans- doença e, se o trabalhador nacional seguisse os
missão e desenvolvimento de doenças, e aque- preceitos de higiene apresentaria a mesma vi-
la que vem recebendo mais atenção por parte talidade falsamente atribuída ao estrangeiro,
dos estudiosos do pensamento social brasilei- como se fosse uma condição natural (Penna,
ro – a importância do debate sobre inferiori- 1918). Estar doente ou ser saudável não eram
dade racial nos projetos para constituir a na- dons da natureza.11
cionalidade. A literatura sobre o tema indica que difi-
O estabelecimento de padrões imunológi- cilmente se poderia falar de pensamento social
cos distintos pelos grupos humanos, levando brasileiro e da presença do discurso higienis-
em conta diferenças de natureza étnica, é tema ta, sem referência à noção de raça na elabora-
da maior relevância e atualidade, sendo obje- ção de interpretações sobre o Brasil.12 Idéias de
to de estudos nas áreas da medicina e de gené- inferioridade racial compõem um quadro ex-
tica de populações. Desse debate não surgiram plicativo sobre o país. Especialmente na se-
explicações fundamentadas necessariamente gunda metade do século XIX, vê-se a expres-
em preconceitos raciais, mas, num contexto siva influência, entre as elites políticas e inte-
em que a idéia da inferioridade racial das popu- lectuais, das teorias européias sobre inferiori-
lações indígena e negra encontrava-se legiti- dade racial. Para alguns intelectuais, os obstá-
mada pela ciência da época, pode-se compreen- culos representados pela base racial eram insu-
der a impossibilidade de dissociá-lo de suas peráveis. Sob a influência de teóricos como Go-
fortes implicações políticas e ideológicas. 10 bineau, Agassiz e Le Bon, apontavam um pro-
Dentre as doenças que mais ocuparam a grama intenso de imigração como única saí-
atenção dos higienistas brasileiros durante o da favorável. Dentre as diversas correntes, des-
século XIX e a primeira metade do século XX, tacavam-se os que afirmavam uma saída “mais
a febre amarela e a ancilostomose foram aque- otimista”, encontrando-a num processo pro-
las em que as respostas imunológicas estiveram gressivo de “branqueamento” do Brasil. Em
relacionadas à origem racial das populações quaisquer dessas versões, é possível identificar
(Chalhoub, 1996; Edler, 1999). No caso da an- como diagnóstico comum aquele que via o
cilostomose, a influência das origens raciais no principal problema da nacionalidade no po-
320
Lima, N. T. & Hochman, G.

vo que, no limite, deveria ser substituído (Car- de outras teses que, seguindo a perspectiva de
valho, 1998; Lima e Hochman, 1996; Skidmo- esboçar retratos do Brasil, associam à idéia da
re, 1989).13 doença como traço distintivo da identidade
A despeito de persistirem estereótipos e a- nacional os argumentos que acentuam os obs-
firmações em que idéias associadas a diferenças táculos derivados da mestiçagem, da inferio-
raciais aparecem, pode-se afirmar o claro pre- ridade racial e da herança colonial vista como
domínio de um discurso que começava a refu- predominantemente negativa. Este é o caso de
tar a atribuição de inferioridade étnica à popu- Retrato do Brasil, de Paulo Prado, publicado
lação brasileira. O próprio recurso à noção de originalmente em 1926: População sem nome,
raça revela muita imprecisão e, muitas vezes, o exausta pela verminose, pelo impaludismo e pe-
termo parece indicar o conjunto do povo bra- la sífilis, tocando dois ou três quilômetros qua-
sileiro, observado de um ponto de vista bioló- drados a cada indivíduo, sem nenhum ou pou-
gico. A integração dos sertões à civilização do co apego ao solo nutridor; país pobre sem o au-
litoral, por meio de políticas de saúde e edu- xílio humano, ou arruinado pela exploração
cação, representaria uma alternativa para o país. apressada, tumultuária e incompetente de suas
O grande problema encontrava-se nas doen- riquezas minerais; cultura agrícola e pastoril li-
ças e a solução era possível com os recursos da mitada e atrasada, não suspeitando das formi-
ciência. dáveis possibilidades das suas águas, das suas
Não havia nos meios intelectuais e no cír- matas, dos seus campos e praias; povoadores
culo mais restrito da elite médica do período, mestiçados, sumindo-se o índio diante do euro-
consenso com respeito à questão racial. Per- peu e do negro, para a tirania nos centros lito-
cebe-se, no entanto, desde fins da década de râneos do mulato e da mulata; clima amolecedor
1910, maior ênfase atribuída às possibilidades de energias, próprio para a “vida de balanço”;
de construção da nacionalidade no Brasil, con- hipertrofia do patriotismo indolente que se con-
tando com sua base étnica, e as políticas para tentava em admirar as belezas naturais, “as mais
as áreas de educação e saúde (Castro Santos, extraordinárias do mundo”, como se fossem obras
1985; 1987; Skidmore, 1989). O país, visto por do homem; ao lado de um entusiasmo fácil, de-
muitos como “condenado pela raça”, poderia negrimento desanimado e estéril (Prado, 1997).
ser absolvido com os recursos mobilizados no No texto de Paulo Prado, cobiça, melanco-
saneamento. lia e romantismo formam a tríade pessimista
Um discurso dos mais expressivos sobre a que orienta sua visão sobre o Brasil. A crítica
idéia-força do saneamento e sua importância ao ufanismo retoma temas que pareciam su-
nas representações sobre a sociedade brasilei- perados pelo discurso dos reformadores da saú-
ra não está num texto de higienista, mas no de e da educação. Essa forma negativa de ana-
prefácio de Casa-grande & senzala (1978). O lisar o passado e o presente da sociedade bra-
texto de Gilberto Freyre dispensa comentários sileira não se restringe a um contexto históri-
mais longos: Vi uma vez, depois de quase três co determinado, estando, como se sabe, mui-
anos de ausência de Brasil, um bando de mari- to presente no debate contemporâneo sobre os
nheiros nacionais – mulatos e cafuzos – descen- rumos do desenvolvimento ou da moderniza-
do não me lembro se do São Paulo ou do Minas ção na sociedade brasileira.
pela neve mole do Brooklin. Deram-se a impres- O diagnóstico médico-higienista sobre o
são de caricaturas de homens e veio-me à lem- Brasil teve conseqüências importantes. O mo-
brança a frase de um viajante inglês ou ameri- vimento pela reforma da saúde pode ter seus
cano que acabara de ler sobre o Brasil: “the fear- impactos avaliados pelo seu legado mais con-
fully mongrel aspect of population”. A miscigena- creto: a reorganização e a ampliação dos ser-
ção resultava naquilo. Faltou-me quem me dis- viços sanitários federais nos anos 20 a partir
sesse, então, como em 1929, Roquette-Pinto aos da criação do Departamento Nacional de Saú-
arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia, de Pública (DNSP). Porém, sua influência so-
que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos bre as interpretações sobre o Brasil e os brasi-
os indivíduos que eu julgava representarem o leiros superou seus resultados institucionais.
Brasil, mas mulatos ou cafuzos doentes. O debate em torno do personagem Jeca Tatu,
A força retórica do texto de Gilberto Frey- criado pelo escritor paulista Monteiro Lobato,
re e sua importância como testemunho da in- nos permite melhor avaliar essas influências e
fluência das teses higienistas no debate sobre representações sobre os contrastes sociais e as
natureza, raça e cultura não elimina a presença imagens da sociedade brasileira.
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Ciência & Saúde Coletiva, 5(2):313-332, 2000


Jeca Tatu e a representação nos mais valorizados; já nas representações (neo)
do brasileiro naturalista e modernista o tema da preguiça a-
parece como o grande elemento distintivo, por
Representação caricatural do brasileiro ou vin- mais que pudesse variar o diagnóstico sobre
gança de fazendeiro arruinado, conforme a de- suas causas. E, a partir de tal referência, cria-se
núncia de Sérgio Milliet (1981), a trajetória do a moldura onde se esboça o retrato ou carica-
personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lo- tura do homem rural brasileiro.
bato, resume as mudanças verificadas na com- Nas representações românticas sobre o cai-
preensão do escritor paulista sobre o que acre- pira, a adaptação ao ambiente, a força e a viri-
ditava ser os males do Brasil, e também o de- lidade são elementos acentuados, especialmen-
bate intelectual que envolveu diferentes auto- te em imagens sobre caçadas. A literatura re-
res preocupados com o tema dos contrastes so- gionalista paulista, tanto em fase anterior como
ciais existentes no país. em época contemporânea à obra de Lobato,
Muito antes de Monteiro Lobato, viajan- descrevia o caipira como homem forte, matrei-
tes, cronistas e escritores haviam se debruçado ro e independente. Da mesma forma, ele apa-
sobre as condições de vida e os tipos humanos rece no quadro Caipiras negaceando, de Almei-
de áreas rurais. Isolamento, ignorância e ocio- da Jr., que mostra dois caipiras caçando: figuras
sidade são os termos mais comuns citados pe- fortes, olhares vivos e espertos, revelando ple-
los autores de relatos de viagens, contos e crô- no domínio da natureza (Ribeiro, 1993).
nicas. Ao mesmo tempo, percebe-se a dificul- A caracterização do caipira como indolen-
dade, tanto no desenho como na literatura, em te, imprevidente e parasita – um “piolho da ter-
consolidar uma representação “das linhas psi- ra” – alcança seu ponto máximo nos textos de
co-físicas do brasileiro” (Cascudo, 1920) quer Monteiro Lobato. No artigo “Velha praga”, o
através de texto, quer através de imagem. Afi- escritor paulista denuncia a atividade preda-
nal, grandes distâncias geográficas e sociocul- tória do caboclo, responsável pela destruição
turais separavam a população das diferentes da mata com suas queimadas. Sobressai o ca-
regiões, especialmente no que se refere aos tra- ráter nômade e a imprevidência desse homem
balhadores das áreas rurais. No entanto, com rústico: Este funesto parasita da terra é o cablo-
muita freqüência, naqueles textos, a despeito co, espécie de homem baldio, semi-nômade, ina-
das diferenças quanto à posse da terra e às con- daptável à civilização, mas que vive à beira de-
dições de vida e trabalho, entre, por exemplo, la na penumbra das zonas fronteiriças à medi-
sertanejos do Nordeste, caucheiros do Norte e da que o progresso vem chegando com a via fér-
caipiras do vale do Paraíba, as semelhanças evi- rea, o italiano, o arado, a valorização da proprie-
denciam-se nas descrições dos hábitos, da ca- dade, vai ele refugindo em silêncio, com o seu
sa, e das crenças religiosas (Bernucci, 1995). cachorro, o seu pilão, o pica-pau e o isqueiro, de
Os modos de representação variam intensa- modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e
mente no que se refere à valorização positiva sorna (Lobato, 1957a).
ou negativa do homem e da vida no interior, Em Urupês completa-se o retrato do cabo-
desde a afirmação de elementos como força, clo que passa, então, a se chamar Jeca Tatu. Nes-
autenticidade e comunhão com a natureza, bas- se artigo, Lobato define o Jeca como “um pira-
tante enaltecidos na literatura romântica, até quara do Paraíba”, a quem nada põe de pé. Dian-
o retrato negativo e sombrio que aparece em te de problemas no sítio do qual era agregado
vários textos de Saint-Hilaire a Monteiro Lo- ou de grandes mudanças na vida política na-
bato e, até mesmo de Euclides da Cunha, ape- cional, fosse a abolição da escravidão ou a pro-
sar da conhecida imagem do sertanejo como clamação da República, o caboclo continuava
um forte, cunhada pelo autor de Os sertões. Ou- “de cócoras, a modorrar” (idem).
tra forma de representar o tipo rural consiste Com sua retórica contundente e numa crí-
na versão satírica esboçada mais fortemente tica à literatura romântica, Monteiro Lobato a-
pelo modernismo. Leopoldo Bernucci observa firma: Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no ro-
que “estas três maneiras de representar o tipo mance e feio na realidade! Para Lobato, a ciên-
rural eqüivalem a três tendências estéticas em cia e as viagens ao interior do Brasil teriam re-
nossa literatura: a romântica, a (neo)natura- velado um outro indígena e um outro sertane-
lista e a modernista” (Bernucci, 1995). Para os jo muito distantes dos idealizados pela escrita
autores românticos, elementos como autenti- de José de Alencar. Morrera Peri: Esboroou-se
cidade e proximidade da natureza consistem o balsâmico indianismo de Alencar ao advento
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Lima, N. T. & Hochman, G.

dos Rondons que, ao invés de imaginarem ín- nitário que transmitia a seus empregados todos
dios num gabinete, com reminiscências de Cha- os conhecimentos que aprendera. Morreu mui-
teaubriand [...] metem-se a palmilhar os ser- to idoso, sem glórias, mas consciente de que
tões de Winchester em punho (idem). havia cumprido sua missão (Lobato, 1957b).
Uma frase preciosa resume a imagem que o Muitos elementos poderiam ser destaca-
escritor faz de Jeca: “Não paga a pena”. Segun- dos da narrativa de Lobato, entre eles, a com-
do Lobato, todo o inconsciente filosofar do cabo- paração da produtividade do trabalhador na-
clo grulha nessa palavra atravessada de fatalis- cional sadio com a do imigrante italiano; a de-
mo e modorra. Nada paga a pena. Nem cultu- fesa enfática da modernização da agricultura
ras, nem comodidades. De qualquer jeito se vi- como alternativa para o país; o fazendeiro nor-
ve (idem). te-americano como modelo e a atribuição de
A idéia de que o caboclo indolente e para- uma responsabilidade social ao novo “empre-
sitário poderia sofrer profunda transforma- sário rural”. De particular importância é o fa-
ção e tornar-se um agente de mudança social to de a ressurreição do Jeca Tatu implicar a su-
e modernização passa a ser defendida por Mon- peração da mentalidade tradicional do cabo-
teiro Lobato após o contato com as propostas clo, que não se interessava mais em trabalhar
e os intelectuais que participaram da campa- apenas para viver.
nha em prol do saneamento do Brasil, no pe- A força de Jeca Tatu encontra-se precisa-
ríodo que se estende de 1916 a 1920. No mes- mente na perda de sua referência específica ao
mo ano de 1918 em que Belisário Penna publi- agregado ou trabalhador rural improdutivo,
cou Saneamento do Brasil, Monteiro Lobato quando ganha a dimensão de símbolo nacio-
lançou Problema vital, que reúne série de ar- nal. Percebe-se em textos de Lobato e de ou-
tigos sobre o tema do saneamento divulgados tros intelectuais a auto-identificação com o
originalmente em O Estado de São Paulo, entre personagem que passa a ser visto como expres-
os quais um dedicado à ressurreição do Jeca são de autenticidade e representação simbóli-
Tatu. ca da nação. Daí a denúncia de Oswald de An-
A regeneração ou ressurreição do Jeca Ta- drade (1981) contra os que queriam “liquidar
tu inscreve-se numa nova perspectiva do au- com o Jeca Tatu”. Há alguma coisa de Jeca nes-
tor de Urupês olhar para o problema da inte- se intelectual que se sente à semelhança do ser-
gração do homem do interior. O diagnóstico tanejo de Euclides, um “estrangeiro na própria
sobre a preguiça do caboclo mudara; às doen- terra”.
ças, reveladas à nação através dos relatórios Intenso debate envolveu a figura de Jeca Ta-
das viagens dos cientistas do Instituto Oswal- tu, desde os primeiros textos escritos por Mon-
do Cruz ao interior, cabia a responsabilidade teiro Lobato. Como observa André Campos
pela situação de miséria e indigência em que (1986), o que se discutia fundamentalmente
se encontrava o caboclo. A frase que sintetiza era o papel da questão racial na construção da
essa espécie de “conversão” de Lobato ao ideá- nacionalidade e as possibilidades de moderni-
rio sanitarista é bastante conhecida e serve de zação do país. O artigo “Velha praga” foi trans-
epígrafe para o livro: O Jeca não é assim: está crito em sessenta jornais e provocou muita
assim.14 controvérsia (cf. Campos, 1986) que se acen-
A ressurreição do Jeca Tatu é narrada na tuou após a conferência de Rui sobre a questão
forma de uma parábola dirigida às crianças. social e política no Brasil. Se é verdade que o
Ao passar a acreditar na ciência médica e a se- intelectual baiano (Barbosa, 1981) promove-
guir suas prescrições, o personagem transfor- ra a consagração do autor de Urupês, não é me-
ma-se. Livre da opilação e, como conseqüên- nos verdadeiro que seu texto questionava a re-
cia, do estado de permanente desânimo, tor- presentação do Brasil como um país de Jecas-
na-se produtivo e, em pouco tempo, um prós- Tatus. Vale a pena transcrever trecho daquela
pero fazendeiro, competindo com seu vizinho conferência: Mas, senhores, se é isso o que eles
italiano e, rapidamente, ultrapassando-o (cf. vêem, será isto, realmente, o que nós somos? Não
Lima e Hochman, 1996). Mais do que isso: seria o povo brasileiro mais do que esse espéci-
modernizou sua propriedade, introduziu no- men do caboclo mais desasnado, que não se sa-
vas lavouras e tecnologia e aprendeu a falar in- be ter de pé, nem mesmo se senta, conjunto de
glês. Ao fim da história, um ensinamento mo- todos os estigmas da calaçaria e estupidez, cujo
ral: Jeca Tatu transformara-se não apenas num voto se compre com um rolete de fumo, uma an-
homem rico, mas em incansável educador sa- daina de sarjão e uma vez de aguardente?
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Muitas vezes a contraposição de tipos hu- rói criado por Mário de Andrade, reforçava a
manos parece realçar as diferenças entre o ser- idéia de que nem toda a conquista valia esfor-
tanejo fortalecido pela hostilidade do meio e o ço que se fizesse excessivo; nem tudo “pagava
caipira paulista descrito por Monteiro Loba- a pena” (“Ter de trabucar, ele herói...”, Andra-
to. Mas o que com freqüência se faz é aproxi- de, 1988).
mar os dois brasileiros, o que fica muito bem O próprio discurso sanitarista endossado
ilustrado pelo texto de Luiz da Câmara Cas- por Lobato seria alvo da ironia de Mário de An-
cudo (1920) em que este ressalta: Não quer di- drade na célebre frase: Pouca saúde e muita saú-
zer que o sertanejo, lutando contra os elemen- va..., expressando a intensa propaganda em tor-
tos, arrostando as longas caminhadas sob um no de dois temas – campanhas sanitárias e com-
sol de fogo, entrando destemido nas matas ama- bate à praga representada pelas formigas – que
zônicas, seja literalmente um Jeca-Tatu. Porém, mereceram, como se sabe, espaço privilegia-
quem viaja e quem vê pelo sertão o fatalismo do do em artigos e contos de Monteiro de Loba-
sertanejo, a limitação de sua agricultura, a ins- to. Para Macunaíma, o herói “sem nenhum ca-
tintiva desconfiança pela civilização, a sua ha- ráter”, a frase aparecia como um dístico das
bitual indolência que o faz esquecer a rude li- campanhas a serem realizadas pela “gente útil
ção das secas e nada (enceleirar) nos anos de in- do país”, os paulistas. O personagem a explica
verno, a sua palestra, a sua ignorância política, como reação à possibilidade de um retorno do
enfim, os remédios populares, a ingênua crendi- Brasil à situação colonial, tal como ressalta na
ce dos curandeiros e das mezinhas verá a imen- carta dirigida às amazonas “Icamiabas”: Porém,
sa verdade das páginas vivas do Urupês. senhoras minhas! Inda tanto nos sobra, por es-
Um debate implícito com Lobato, em torno te grandioso país, de doenças e insetos, por cui-
da fábula da preguiça, pode ser visto na abor- dar!... Tudo vai num descalabro sem comedi-
dagem dos modernistas paulistas. As relações mento, estamos corroídos pelo morbo e pelos mi-
entre eles e Monteiro Lobato foram, como se riápodes! Em breve seremos novamente uma co-
sabe, bastante tensas e, por vezes, inamistosas, lônia da Inglaterra ou da América do Norte!...
e marcadas originalmente pela crítica à expo- Por isso e para eterna lembrança destes paulis-
sição de Anita Malfatti, em 1917, e à Semana tas, que são a única gente útil do país, e por is-
de Arte Moderna de 1922. Não seria possível so chamados de Locomotivas, nos demos ao tra-
reconstituir a totalidade das divergências que balho de metrificarmos um dístico, em que se
envolveram o autor de Urupês e os intelectuais encerram os segredos de tanta desgraça: “Pou-
participantes da Semana de 1922. O anti-mo- ca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.
dernismo de Lobato foi, por exemplo, dura- Este dístico é que houvemos por bem escre-
mente criticado por Sérgio Milliet (1981). Já ver no livro de Visitantes Ilustres do Instituto
Oswald de Andrade (1981), em artigo publi- Butantã, quando foi da nossa visita a esse esta-
cado na década de 1940, lastimava que o escri- belecimento famoso na Europa (idem, 1988).
tor, em virtude de suas atitudes, não fosse reco- O tema se repete ao fim da narrativa de Má-
nhecido como uma das expressões do moder- rio de Andrade, onde se acentua a aproximação
nismo. Ao falar desse movimento, por seu tur- entre Macunaíma e o ideal dos reformadores;
no, Lobato (1957c) abrigava-se na identidade também o herói teria desistido de brincar no
de Jeca Tatu, um intelectual Jeca, crítico dian- país de pouca saúde e muita saúva e decidido
te do que apontava como “macaquices” dos mo- virar constelação: Diziam que um professor na-
dernistas. turalmente alemão andou falando por aí por
Não pretendo tratar especificamente dessas causa da perna só da Ursa maior que ela é o sa-
polêmicas que envolveram os intelectuais pau- ci... não é não ! Saci inda pára neste mundo es-
listas. O ponto que quero observar aqui, no que palhando fogueira e traçando crina de bagual....
concerne aos modernistas, consiste no fato de A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói
Macunaíma poder ser lido como uma crítica capenga que de tanto penar na terra sem saúde
na forma de sátira, à condenação do homem e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se
brasileiro por sua miscigenação e indolência. embora e banza solitário no campo vasto do céu.
A sensualidade e o aspecto lúdico, que inclusi- Não há, nesse caso, qualquer compromis-
ve encontram expressão numa palavra comum so em retratar com fidelidade um tipo social
– brincar – figuram entre as principais quali- específico, como Lobato afirma tentar fazer
dades realçadas na narrativa. O brado “Ai, que com o seu Jeca Tatu. Em Macunaíma, também
preguiça” proferido a todo momento pelo he- não há intenção de delimitar espaço geográfi-
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Lima, N. T. & Hochman, G.

co ou tempo em que se desenvolve a narrati- Prosseguindo pela reta encontram-se, já bem


va; trata-se de uma alegoria sobre a identida- mais distante do ponto de partida, populações
de nacional, em que a fábula da preguiça al- caboclas cuja vida parece decorrer em um mun-
cança expressão positiva e heróica. do diferente do nosso. Pouco ou nada as liga ao
Para Mário de Andrade, não se tratava tam- mercado urbano. Não dependem dele e o uso que
bém de transformar o herói, de lhe atribuir fazem do dinheiro é muito restrito [...]. Geral-
um caráter específico, de alterar suas caracte- mente se é impiedoso com essas populações; apli-
rísticas básicas. Mesmo com mentalidade pri- cam-se-lhes epítetos como “atrasados”, “indo-
mitiva era possível a Macunaíma lidar com a lentes” [...]. Se se perguntar a um de seus indi-
máquina e com os demais artefatos da socie- víduos se conhece o nome do presidente da Re-
dade moderna; transitar pela floresta, pela ma- pública, ele não entenderá bem o sentido da nos-
ta e pela cidade. sa pergunta. Pouco ou nada se incomodarão com
Em sua dimensão simbólica representati- o nosso conselho de curar ou evitar a anquilos-
va do homem brasileiro, ou em sua feição mais tomíase. Embora falem português não parece fá-
concreta de caricatura do caipira, o Jeca não cil entender-se com eles (Willems, 1944).
morreria nos anos seguintes à publicação de Um dos pontos centrais destacados por
Macunaíma. De retrato bucólico, de paciente Emílio Willems é a ausência de um sistema de
de ações médico-sanitárias, de objeto de ad- entendimentos comuns que possa servir de ba-
miração, identidade ou repulsa pelos intelec- se à civilização urbana e à multiplicidade das
tuais, de personagem de filmes humorísticos, culturas sertanejas. O tema da distância cul-
ele se transformaria em objeto de pesquisa das tural é enfatizado pelo autor que caracteriza o
novas perspectivas do trabalho sociológico. O Brasil como um aglomerado de culturas diver-
ideal de ressurreição de Jeca Tatu será trans- sas que se localizam na mesma fronteira políti-
formado, pelos trabalhos sociológicos que se ca. Permanece, assim, em cena o tema recor-
desenvolvem sob a égide da Escola Livre de So- rente dos obstáculos à construção da naciona-
ciologia e Política e Faculdade de Filosofia e lidade no país.15
Letras da Universidade de São Paulo (USP), Um texto chave para compreendermos a
em projeto de assimilação do trabalhador ru- posição de Willems é “o problema rural brasi-
ral, de superação das resistências culturais ao leiro do ponto de vista antropológico” em que
processo de mudança social então em curso. o sociólogo defende programa de intervenção
política nas “culturas sertanejas”, baseado em
especialistas de diferentes áreas e com forte pe-
Jeca Tatu revisitado so das ciências sociais. O trabalho foi publi-
pela sociologia acadêmica cado pela Secretaria da Agricultura, Indústria
e Comércio do Estado de São Paulo e, ao lon-
É com base no conceito de cultura rústica, pro- go da argumentação apresentada, é inegável a
posto pelo sociólogo Emílio Willems, que Je- defesa do sentido político dos estudos de co-
ca Tatu será revisitado por toda uma linha de munidades rurais, quer de imigrantes, quer as
investigações que tem lugar nos primeiros cur- comunidades de “caboclos” ou “sertanejos”.
sos de ciências sociais criados na década de A idéia de cultura sertaneja, cultura cabo-
1930, em São Paulo. A passagem a seguir sin- cla ou cultura rústica, termos que se alternam
tetiza a continuidade da compreensão sobre nos textos de Emílio Willems, apresenta dife-
as dificuldades de projetos de modernização renças em relação ao de cultura de folk. No con-
como conseqüência das resistências das popu- ceito de cultura cabocla, o contato interétnico
lações afastadas dos centros urbanos civiliza- representa importante papel, como podemos
dos: Se for traçada uma reta, no mapa do Bra- ver no seguinte trecho: Quase todos os países
sil, ligando a cidade de São Paulo às cabeceiras latino-americanos têm suas culturas caboclas.
do Xingu, no planalto matogrossense, encontra- Na África e na Oceania se encontram culturas
se, ladeando essa linha, uma série de agrupa- primitivas ou semi-primitivas e os contatos que
mentos humanos culturalmente muito hetero- se estabelecem entre elas e os civilizadores bran-
gêneos. Numa extremidade está a metrópole mo- cos podem ser comparados – mutatis mutandis
derna representando um tipo de civilização ur- – aos contatos que ligam a civilização litorânea
bana que se está rapidamente difundindo em no Brasil às culturas sertanejas (Willems, 1944).
todas as zonas da Terra onde entrou a cultura A definição de cultura cabocla e suas dife-
ocidental [...]. renças em relação às tradicionais culturas cam-
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ponesas européias referiam-se também ao no- pre associado a concepções do tempo, à ali-
madismo e à idéia do uso predatório da terra mentação, à organização da família, à religião
e dos recursos naturais: O esgotamento das ter- e às atividades recreativas. Defende, por fim,
ras, associado a técnicas extensivas e a uma pres- a presença de cientistas sociais nos processos
são demográfica relativa leva necessariamente de mudança dirigida, além dos tradicionais es-
ao semi-nomadismo e desapego à gleba, traço pecialistas envolvidos em projetos para as po-
cultural esse que contrasta com a sedentarieda- pulações caboclas: médicos sanitaristas, agrô-
de absoluta dos camponeses europeus (idem). nomos, educadores e economistas: [...] os ob-
O caboclo – designação que, de início, indi- servadores são quase sempre especialistas interes-
caria predominantemente o contato interétni- sados, por exemplo, em curar a maleita, em di-
co do branco português com o indígena – pas- fundir o cultivo da batatinha, em implantar há-
sa a se referir a um modo de vida: o “modo de bitos profiláticos contra a ancilostomíase, em
vida caipira”. A organização econômica do ca- estudar as possibilidades do crédito ou da orga-
boclo típico é pré-capitalista e, segundo o so- nização de cooperativas, os processos básicos pas-
ciólogo, a única possível em determinadas cir- sam despercebidos.
cunstâncias. E, em outra passagem: Para os médicos, o
O problema das populações sertanejas en- caboclo é um doente e um subalimentado; para
contrava-se no estágio pré-capitalista em que o educador todo “mal” reside no analfabetismo;
viviam, nas palavras de Willems, uma “exis- o agrônomo verifica a inexistência de conheci-
tência vegetativa e autosuficiente”. Tratava-se mentos “racionais” de agricultura; os economis-
de propor intervenção em suas formas de vida tas dão pela falta de crédito, de mercados e meios
que suscitasse novas necessidades e as inte- de comunicação; os moralistas desejam erradi-
grasse à economia de mercado. Apenas o co- car certos vícios e assim por diante.
nhecimento oriundo das ciências sociais per- Esses especialistas não poderiam ignorar o
mitiria uma ação orientada no sentido de alte- papel das ciências sociais, especialmente da so-
rar práticas culturais de forma congruente com ciologia e da antropologia, às quais se pode-
o meio em que se inseriam. A desconsideração riam associar a ecologia, a demografia e a psi-
face a esse universo cultural mais amplo po- cologia social, na elaboração de planos cientí-
deria, no limite, gerar situações de miséria dian- ficos voltados à análise cultural e à organiza-
te das quais seria “mil vezes preferível” a “exis- ção do processo de transição para uma socieda-
tência vegetativa” das populações sertanejas, de moderna.
por mais que elas afrontassem o “espírito capi- Dois deveriam ser os parâmetros nos pro-
talista” (Willems, 1944).16 cessos de mudança dirigida entre essas popu-
Muitos dos erros cometidos na tentativa lações: a “interrupção do processo multisse-
de desenvolver ações pedagógicas junto a po- cular de transmissão tradicional”, seguida da
pulações sertanejas são atribuídos a medidas substituição do antigo patrimônio por um no-
que consideravam inadequadamente seu con- vo, ajustado ao sistema econômico moderno;
texto cultural. Retoma o tema da “escola de al- e a articulação do patrimônio cultural assim
fabetização” como um exemplo do que não se construído ao meio a que se deveria ajustar.
deveria fazer; apesar de o sociólogo não utili- Eles deveriam orientar ações de que constitui-
zar o termo, a idéia é que sua introdução pro- ria exemplo um plano de criação de interna-
vocaria um efeito anômico, pouco contribuin- to agrícola, que estava em vias de ser fundado
do para integrar a cultura sertaneja numa eco- em São Paulo, e merece destaque no texto. Do
nomia competitiva e em padrões de consumo ponto de vista de Emílio Willems, a proposta
e de vida considerados civilizados. O reforma- tinha aspectos positivos, mas deveria ser acom-
dor sempre seria colocado diante de proble- panhada de outras medidas que de fato garan-
mas extremamente complexos e os especialis- tissem uma mudança de mentalidade através
tas, que geralmente desenvolviam ações jun- da interrupção do processo “multissecular de
to a essas populações, focalizavam um traço transmissão tradicional”. A idéia era afastar o
cultural ou o enxerto de uma inovação, não educando de seu meio original, garantindo as-
observando que o êxito dependeria da propor- sim o corte com a experiência anterior. O re-
ção em que outros elementos culturais pudes- torno à comunidade poderia trazer, todavia,
sem ser substituídos (Willems, 1944). os antigos constrangimentos da cultura tradi-
Willems considera que um dos elementos cional, muito reforçados pela família e pelas
básicos, o regime de trabalho, está quase sem- relações vicinais.
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O imigrante representava o tipo social que cadas por inegável etnocentrismo. E numa fra-
mais facilmente assimilaria os elementos con- se de forte apelo simbólico, Florestan afirma
siderados necessários à adaptação ao “sistema que a realidade cultural do Brasil é e será ainda
econômico moderno”, pois o que se desejava durante alguns anos a descrita por Euclides da
evitar eram retrocessos após o retorno do edu- Cunha em Os sertões (Fernandes, 1979).
cando a seu meio de origem. Tratava-se de im- Falar em sertão e em antagonismo entre li-
pedir o “acaboclamento cultural desse novo toral e interior implica, na perspectiva de Flo-
tipo de povoador-modelo”, o que só seria pos- restan Fernandes, perceber as resistências à
sível aliando à ação educacional outras formas modernização e a necessidade de um papel ati-
de intervenção organizada”. Estudos socioló- vo do cientista social no processo de “mudan-
gicos e antropológicos cumpririam nesse as- ça dirigida” reclamado. Tratava-se, em síntese,
pecto importante papel e se poderia seguir o de defender a adoção pelo governo e pelas ad-
exemplo dos Estados Unidos, onde especialis- ministrações locais de técnicas sociais, infor-
tas em sociologia rural cooperavam com de- madas por trabalhos de especialistas da área
partamentos técnicos e administrativos do go- de ciências sociais, capazes de subsidiar uma
verno federal e dos governos estaduais na bus- política de controle e orientação, na medida do
ca de solução para os problemas rurais. possível, dos processos sociais. O sociólogo afir-
O debate sobre processos de mudança so- ma que o problema da intervenção e do con-
ciocultural e o enfoque de possibilidades de trole sobre processos sociais era constitutivo
manifestação de anomia entre as populações das ciências sociais que, em suas palavras, nas-
sertanejas acompanham outros estudos que se ceram e desenvolveram-se, sob o signo de Au-
desenvolveram, ao menos em parte, sob ins- gusto Comte ou sob o signo de Karl Marx – com
piração dos trabalhos de Emílio Willems. Es- o duplo propósito do conhecimento exato da rea-
te é o caso das posições de Florestan Fernandes lidade social; e de seu domínio pelo homem.
em torno do dualismo litoral/interior aborda- Enfoque distinto para a abordagem dos te-
do especialmente na análise crítica do relató- mas dos contrastes culturais e da moderniza-
rio da viagem empreendida por um médico ao ção da sociedade brasileira nos é apresentado
vale do Tocantins, entre 1934 e 1938. Trata-se por Antônio Cândido (1971). Em Os parcei-
da viagem de Júlio Paternostro, médico do Ser- ros do Rio Bonito, esse autor discute as trans-
viço de Febre Amarela da Fundação Rockefel- formações nos meios de vida e padrões de so-
ler, a regiões percorridas pela expedição Pen- ciabilidade do caipira paulista tradicional, re-
na e Neiva em 1912. A viagem de Paternostro lacionando-as às mudanças socioculturais que
fora apresentada, e assim figurava na Coleção acompanharam os processos de urbanização
Brasiliana, como mais um momento de “re- e industrialização no estado de São Paulo.
descoberta do Brasil” e de denúncia das pre- Abandonando a intenção original de investi-
cárias condições de vida no interior. gar o impacto do processo de mudança nas
Em Um retrato do Brasil, Florestan Fernan- manifestações folclóricas, mais precisamente
des (1979) apoia-se naquele documento para no cururu, dança típica da região pesquisa-
discutir o significado da oposição entre lito- da, o sociólogo acabou desenhando um novo
ral e sertão e indicar a necessidade de pesqui- retrato de nosso conhecido personagem Jeca
sas feitas por especialistas sobre as populações Tatu. 17
e relações sociais no interior do país. Ressalta O conceito de cultura rústica baliza a aná-
o fato de o trabalho de Paternostro ser um tra- lise do autor, que acentua a necessidade de dis-
balho “interessado”, motivado pelas convic- tingui-lo de folk-culture, pois, se em ambos tra-
ções socialistas do médico, o que conferia um ta-se do tema do isolamento relativo e da in-
caráter de denúncia ao livro, que via como as- corporação e reinterpretação de traços cultu-
pecto positivo, a despeito de apontar simpli- rais, que vão se alterando ao longo do contí-
ficações, omissões e superficialidade no trata- nuo rural-urbano, cultura rústica indica um
mento de algumas questões. padrão específico de contato interétnico e cul-
Conformados pela tradição, milhares de tural. Entende, dessa forma, que: No caso bra-
indivíduos viviam a vida dos séculos XVIII ou sileiro, rústico se traduz praticamente por cabo-
XIX e, no contato entre o civilizado do litoral clo no uso dos estudiosos, sendo provavelmente
e o homem sertanejo, o “pária da civilização”, Emílio Willems o primeiro a utilizar de modo
como o chamou Paternostro, as atitudes va- coerente a expressão cultura cabocla; e com efei-
riavam da simpatia à rejeição, mas eram mar- to aquele termo exprime as modalidades étni-
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cas e culturais do referido contato do português pira ou cabocla – caracterizada por relativa in-
com o novo meio (Cândido, 1971). dependência em relação aos núcleos urbanos,
Assim como nos trabalhos de Emílio Wil- disponibilidade de terras, trabalho domésti-
lems, a análise de Antônio Cândido aproxima co, auxílio vicinal e acentuado tempo dispo-
a cultura cabocla do caipira à existência nô- nível para as atividades de lazer – representa-
made ou semi-nômade, associada ao proces- va um padrão adaptativo às condições do
so de conquista dos sertões. O fato teria suas meio: Tendo conseguido elaborar formas de
raízes históricas no fenômeno das entradas e equilíbrio ecológico e social, o caipira se apegou
bandeiras pois a expansão geográfica dos pau- a elas como expressão da sua própria razão de
listas, nos séculos XVI, XVII e XVIII, teria re- ser, enquanto tipo de cultura e sociabilidade.
sultado não apenas na incorporação do territó- Daí o atraso que feriu a atenção de Saint-Hi-
rio às terras da Coroa portuguesa na América, laire e criou tantos estereótipos, fixados sinteti-
mas na definição de certos tipos de cultura e camente de maneira injusta, brilhante e carica-
vida social, condicionados em grande parte tural, já neste século, no Jeca Tatu de Monteiro
por aquele grande fenômeno de mobilidade Lobato (idem).
(Cândido, 1944). O estereótipo da indolência explicava-se
Segundo esse argumento, o homem rústi- pela organização da cultura, tanto em termos
co do interior paulista teria herdado do ban- biológicos, e daí a importância dos estudos da
deirante a esquivança, o laconismo, a rustici- alimentação, como sociais, em torno de padrões
dade e, como corolário da grande mobilidade mínimos, daí resultando uma margem de la-
e dos padrões mínimos de vida, o espírito de zer maior.18 Esses padrões trariam dificuldades
aventura: [...] na habitação, na dieta, no caráter para a adaptação posterior a novos ritmos de
do caipira, gravou-se para sempre o provisório trabalho e a eles também se somavam carac-
da aventura (idem). A principal característica terísticas da saúde e da nutrição, apontadas
dessa cultura cabocla consistia na rusticidade, muitas vezes como causas únicas. 19 Antônio
resultado do encontro de padrões culturais eu- Cândido estabelece aqui um diálogo com a in-
ropeus com os de “sociedades primitivas”, mo- terpretação higienista que atribuía à doença
delando esses últimos, em grande parte, o mo- responsabilidade pela apatia e mesmo indo-
do de ser das populações caipiras (idem). lência do Jeca. Ao comparar as explicações do
A dieta alimentar resultaria dessa vida nô- movimento do saneamento rural, apropriadas
made e apresentava sensível semelhança com e reelaboradas por Monteiro Lobato, às defen-
a dos bandeirantes, conforme a descrição de didas pelo sociólogo é possível constatar um
Alfredo Ellis em Raça de gigantes. O leite, o tri- tom menos otimista que se acentua no trabalho
go e a carne de vaca seriam itens muito raros e de Antônio Cândido. A preguiça – que volta-
a caça, atividade caipira por excelência. Segun- va a ser percebida como um dado não contin-
do Cândido, nela se “desenvolvia a extraordi- gente, como um traço cultural do caipira – pas-
nária capacidade de ajustamento ao meio, her- saria a ser explicada pela estabilização de sua
dada do índio”. Também na habitação a pro- vida em termos biológicos e sociais em torno de
visoriedade estava gravada. A casa, um abrigo padrões mínimos (Cândido, 1971). Assiste-se,
de palha sobre paredes de pau a pique, rece- dessa forma, a uma nova inversão da célebre
bia o nome de “rancho”, indicando o caráter frase de Monteiro Lobato: o Jeca não “estava
de pouso que tinha para o morador. assim”, ele realmente “era assim”, dados os pa-
O sociólogo não se detém muito a explicar drões culturais que organizavam a sua vida so-
como uma característica cuja origem históri- cial, uma vida “mínima”.
ca remontava ao bandeirismo e a um certo pa- Apesar de Antônio Cândido não se referir
drão de povoamento se cristalizara, mais preo- à idéia de espírito ou mentalidade capitalista –
cupado que estava com o processo de mudan- algo, como vimos, presente nos trabalhos de
ça nas áreas tradicionais de São Paulo, como Willems –, creio ser possível pensar nesse te-
efeito da industrialização e da urbanização. ma como pano de fundo de seu trabalho. Ele
Tratava-se também de pensar como traços cul- cita inclusive artigo publicado em jornal, no
turais vistos como garantidores de “equilíbrio qual o autor afirma que o Jeca não é vadio, sim-
ecológico”, portanto funcionais ao modo de plesmente não é ambicioso nem previdente (Cân-
vida caipira, se comportariam nas novas con- dido, 1971). Tal condição aparece simbolica-
dições de organização social. Por conseguin- mente reforçada pelas origens históricas, reais
te, não resta dúvidas ao autor que a cultura cai- ou míticas,20 que explicariam o sentido de in-
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Lima, N. T. & Hochman, G.

dependência do caipira e que o teriam coloca- ro caipira, nas unidades fundamentais de po-
do à margem de relações escravistas ou servis. voamento, da cultura e da sociabilidade, in-
Por isso, surgiam expressões como a registra- teiramente voltados sobre si mesmos.”
da por Antônio Cândido – “sino é para italia- Esse padrão de sociabilidade sofre profun-
no” –, que procurava dar expressão étnica a da alteração no processo de transição da eco-
duas tradições culturais diversas: a do imigran- nomia de subsistência para a economia capita-
te europeu formado secularmente nos padrões lista, quando cada vez mais a vida social do
de dependência senhorial; a do caipira, herdei- caipira se fecharia no bloco familiar, implican-
ro da aventura de desbravamento e posse franca do a perda das relações vicinais e dos laços or-
dos sertões. ganizados em torno do bairro. Antônio Cândi-
As relações de trabalho e a propalada pre- do descreve-a como crise econômica, crise no
guiça não poderiam ser dissociadas da estrutu- padrão de vida e também crise sociocultural;
ra fundiária, pois expulso das posses, nunca percebendo-a como anomia, uma vez que: [...]
legalizadas, o Jeca persistia como agregado, ou a sua vida anterior comportava ritmo diverso,
“buscava sertão novo, onde tudo recomeça- que não era estritamente determinado.... pelas
ria” (Cândido, 1971). Apenas a partir das déca- necessidades econômicas mais elementares, de
das de 1940 e 1950 sua incorporação à vida das que depende a própria sobrevivência. A par do
cidades se teria tornado apreciável (idem). Em trabalho agrícola, ocupava-se também com a vi-
seu estudo, Antônio Cândido, ao procurar res- da comemorativa, a vida mágico-religiosa, a ca-
ponder à pergunta de como se comportou a ça, a pesca, a coleta, as práticas de solidarieda-
cultura caipira ante os fatores de desequilíbrio de vicinal... este conjunto de circunstâncias fa-
representados pelo latifúndio produtivo co- vorecia tanto o melhor ajustamento ecológico
mercializado, o desenvolvimento urbano e o possível a uma situação alimentar medíocre,
imigrante, chega à conclusão de que “há resis- quanto à integração social mais plena.
tência variável da cultura caipira segundo as Em face da civilização urbana, a situação
formas de ocupação da terra, regime de tra- de equilíbrio ecológico da vida tradicional do
balho e situação legal. Onde há concentração caipira teria sido desestruturada, o que se fa-
de sitiantes e ausência de latifúndio, vemos ria sentir em diversos aspectos, sendo a alimen-
permanecerem com mais integridade as rela- tação um dos mais relevantes. A monotonia da
ções vicinais e o sentimento local.” dieta – composta basicamente por feijão, ar-
Apesar da idéia corrente do isolamento das roz, farinha e pouquíssima carne (mesmo a ca-
culturas sertanejas, Antônio Cândido oferece ça era rara) – é acentuada pelo autor que des-
indícios de que tal condição seria reforçada, creve, com detalhes, o cardápio semanal de um
no caso dos parceiros do Rio Bonito, pelo grupo de parceiros.21
avanço da civilização urbana. Tradicionalmen- Os moradores do grupo estudado eram an-
te, a estrutura fundamental da sociabilidade tigos proprietários ou, na maior parte, descen-
caipira era o bairro – “agrupamento de algu- dentes de sitiantes e fazendeiros, originários,
mas ou muitas famílias, mais ou menos vin- portanto, de camadas estáveis da sociedade
culadas pelo sentimento de localidade, pela vi- caipira tradicional. Viviam, dessa forma, [...] a
vência, pelas práticas de auxílio mútuo e pe- aventura da degradação econômica motivada
las atividades lúdico-religiosas”. Poucas frases pela subdivisão da herança, a impossibilidade
seriam tão expressivas dessa realidade do que de provar legalmente os direitos territoriais, a
“o bairro é uma naçãozinha”, registrada pelo concentração do latifúndio que, na ascensão do
sociólogo no curso de sua pesquisa, indican- café, interferiu por bem e por mal na economia
do a consciência de pertencimento e identida- dos sítios e na estrutura dos bairros.
de dos moradores. Dividindo com outros cientistas sociais a
No bairro caipira é que se deveria buscar, preocupação de não fazer estudos por diletan-
de acordo com o autor, o sentido de autono- tismo, Antônio Cândido conclui seu trabalho
mia atribuído por Oliveira Vianna ao poder com enfática defesa da reforma agrária, enten-
centralizador do grande domínio rural e à in- dendo que em regiões relativamente populosas
dependência do fazendeiro. O sentido socio- como São Paulo, o latifúndio improdutivo re-
lógico da autarquia econômico-social não de- presentaria sério obstáculo ao “progresso eco-
veria ser buscado no latifúndio, “largamente nômico e à estabilização da população rural.”
aberto às influências externas, graças à sua pró- A leitura de Os parceiros do Rio Bonito traz,
pria situação de estrutura líder, e sim no bair- entre outras contribuições, a possibilidade de
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explicações alternativas ao assinalado nos tra- na produção sociológica sobre o Brasil. É pos-
balhos de Emílio Willems e Florestan Fernan- sível também verificar a importância de regis-
des como “resistências à mudança sociocultu- tros médico-sanitários como fontes de pesqui-
ral”. Percebe-se claramente uma atenção mais sa, o que pode ser exemplificado pelo recurso
acentuada aos problemas decorrentes do pro- de Florestan Fernandes ao relatório de viagem
cesso de transformações econômicas porque do médico Júlio Paternostro e pela importân-
passava o estado de São Paulo e às contradições cia da obra Problemas brasileiros de higiene ru-
subjacentes a um desenvolvimento econômi- ral, de Samuel Pessoa, na pesquisa que resul-
co que não estaria alterando de forma signifi- tou em Os parceiros do Rio Bonito.
cativa o problema do acesso à terra. As ciências sociais em sua fase de institu-
Poderiam ser citados outros trabalhos con- cionalização universitária, no período que se
temporâneos a essa investigação, que também estende aproximadamente de 1933 a 1964,
se dedicaram a analisar aspectos das chamadas mantiveram uma agenda de pesquisa em que o
sociedades rústicas naquele estado, com des- tema dos contrastes sociais e culturais da socie-
taque para o livro de Maria Sylvia Carvalho dade brasileira – os dois ou os muitos Brasis
Franco (1974) e a linha de investigações sobre – continuaram em destaque. Da mesma for-
campesinato e messianismo desenvolvidas por ma, continuou em pauta o tema das possibi-
Maria Isaura Pereira de Queiroz (1965; 1973). lidades e das resistências à modernização, em
Desse conjunto de trabalhos, pode-se con- uma nova versão do debate intelectual sobre
cluir a continuidade do debate em torno de Je- progresso e civilização que envolveu os inte-
ca Tatu, visto agora a partir do conceito de cul- lectuais de fins do século XIX e três primeiras
tura rústica e de importantes reflexões sobre décadas do século XX. Refletindo sobre os con-
a camada social intermediária, constituída por ceitos de cultura rústica e de resistências cul-
trabalhadores pobres e livres, em relação aos turais à mudança social, verificamos a conti-
pólos clássicos de dominação e subordinação. nuidade do estranhamento dos intelectuais
Os “homens de saco e botija”, como sugestiva- diante de tantos Jecas-Tatus, resistentes aos
mente Oliveira Vianna os havia denominado conselhos dos diferentes especialistas para tra-
na década de 1920. tar a ancilostomose, racionalizar o trabalho e
O diálogo, muitas vezes implícito, com as mudar seus hábitos mais arraigados e que, em-
interpretações oferecidas pelo movimento sa- bora falando português, pareciam viver em
nitarista da Primeira República está presente uma outra sociedade.

Notas
1 Existem vários exemplos internacionais. Um dos e- 3 Para o debate em torno das Forças Armadas e do ser-
xemplos mais citados foi o impacto causado pela mo- viço militar obrigatório no Brasil, no contexto da Pri-
bilização e fracasso das tropas britânicas na Guerra dos meira Guerra Mundial, ver Carvalho (1985) e Oliveira
Boers, no grande debate da Inglaterra eduardiana sobre (1990).
as condições físicas da raça, que iria culminar com o
National Health Insurance Act de 1911. Ver Porter (1991, 4 Percorrendo o Brasil nas duas primeiras décadas do
1993). século XX, as expedições científicas do Instituto Oswal-
do Cruz destacaram-se na produção de conhecimentos
2 O Instituto Oswaldo Cruz sucedeu o Instituto Soro- sobre a incidência de doenças, alimentando de infor-
terápico, criado em 1900, na Capital Federal, durante a mações o debate dos problemas nacionais. Estiveram
epidemia de peste bubônica. Na gestão do cientista Os- intimamente associadas à construção de ferrovias, às
waldo Cruz (1903-1917), tornou-se um importante cen- avaliações da viabilidade de utilização de potencial eco-
tro de pesquisas e de formação de profissionais especia- nômico de rios, como o São Francisco, e aos trabalhos
lizados em saúde pública. Foi dirigido até 1917 por Os- da Inspetoria de Obras contra as Secas (Albuquerque et
waldo Cruz, e por Carlos Chagas até 1934. Sobre o papel al., 1991; Lima, 1999).
desse instituto na ciência brasileira, ver Benchimol
(1990); Benchimol e Teixeira (1993); Chagas Filho (1993); 5 A referência e grande influência foi a obra de Euclides
Luz (1982); Schwartzman (1979); e Stepan (1976). da Cunha, Os sertões, de 1902. Nela, sobressaem-se ele-
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Lima, N. T. & Hochman, G.

mentos de força e de fragilidade – o sertanejo é um for- 12 Sobre a centralidade da questão racial no pensamen-
te, mas é também rude e carente de civilização. Os sertões to social brasileiro conferir livro organizado por Maio
também destaca a importância do conhecimento empí- & Santos (1996).
rico do país, fundamental nos textos e reflexões do mo-
vimento sanitarista. Ver Castro Santos (1985; 1987); Li- 13 Manoel Bonfim e Alberto Torres foram dois autores
ma e Hochman (1996) e Lima (1999). que, no início do século XX, representaram posição dis-
sonante desse tom fatalista e de condenação da nacio-
6 A sensação de alívio oferecida pela ciência médica foi nalidade pelas características étnicas do povo brasileiro.
bem destacada por um dos que melhor expressou as an- Ambos enfatizaram dimensões culturais e políticas do
gústias dessa geração de intelectuais: Respiramos hoje passado nacional e de organização da sociedade. Também
com mais desafogo. O laboratório dá-nos o argumento por apontaram alternativas para o país: no caso de Alberto
que ansiamos. Firmados nele contraporemos à condena- Torres (1933; 1982), a revisão do princípio federalista e
ção sociológica de Le Bon a voz mais alta da biologia (Lo- o incentivo à pequena propriedade rural, e de Manuel
bato, 1957b). Para mais detalhes, ver Lima e Hochman Bonfim (1995 [1905]), um amplo projeto educacional.
(1996).
14 Na 2a edição de Urupês, Monteiro Lobato incluiu no-
7 Apesar de não fazer menção às relações entre sertões e ta explicativa em que pedia desculpas ao Jeca Tatu: E aqui
saúde pública, desenvolvidas nos anos de 1910, utiliza- aproveito o lance para implorar perdão ao pobre Jeca. Eu
mos como referência a revisão sobre as diferenças exis- ignorava que eras assim, meu Tatu, por motivos de doença.
tentes na categoria sertões em Amado (1995). Hoje é com piedade infinita que te encara quem, naquele
tempo, só via em ti um mamparreiro de marca. Perdoas?
8 O texto de Peixoto é o seguinte: [...] Se raros escapam
à doença, muitos têm duas ou mais infestações [...]Vêem- 15 Cultura é definida por Willems como “sistema de en-
se, muitas vezes, confrangido e alarmado, nas nossas es- tendimentos comuns” (Willems, 1944).
colas públicas crianças a bater os dentes com o calafrio das
sezões [...] E isto, não nos “confins do Brasil”, aqui no Dis- 16 De acordo com Willems (1944), a condição das po-
trito Federal, em Guaratiba, Jacarepaguá, na Tijuca [...] pulações sertanejas seria preferível “à verdadeira misé-
Porque, não nos iludamos, o “nosso sertão” começa para ria, por exemplo, daqueles 300.000 lavradores norte-
os lados da Avenida. (Peixoto, 1922, ênfases nossas). Não americanos cuja sorte nos descreveu John Steinbeck em
coincidentemente, essa citação, que teve enorme reper- As vinhas da ira.
cussão, é parte de um discurso de Afrânio Peixoto em
homenagem a Miguel Pereira em 19/5/1918. De forma 17 Em Os parceiros do Rio Bonito, Antônio Cândido ana-
semelhante, um importante divulgador da campanha, lisa os dados coligidos em estudo de campo realizado
Monteiro Lobato, enfatizava mais a periferia dos nú- no município de Bofete, durante o ano de 1948. O so-
cleos urbanos como alvo prioritário de uma campanha ciólogo retornou à localidade em 1954, confrontando
de saneamento (Lobato, 1957b). os novos dados com os obtidos no primeiro momento
da pesquisa (cf. Cândido, 1971).
9 Não é nosso objetivo discutir as diversas representa-
ções da natureza brasileira no período em questão. Cer- 18 Devemos compreender a falada indolência do caipi-
tamente a visão de uma natureza maravilhosa é uma das ra como recurso de adaptação a um nível biótico precá-
mais expressivas na literatura nacional e remonta às pri- rio, no qual as carências de dieta e higidez impediam ati-
meiras visões do “paraíso”, para utilizar a imagem cu- vidade mais intensa, mas que se ajustavam ao ritmo eco-
nhada por Sérgio Buarque de Holanda. nômico e eram corrigidas em parte pela organização so-
cial (Cândido, 1971).
10 Não queremos com isto dizer que os debates cientí-
ficos atuais no campo da genética não tenham implica- 19 Entre as fontes utilizadas por Cândido referidas às
ções, ou sofram influência de perspectivas ideológicas. condições de higiene rural e nutrição, destacam-se, res-
Apenas, num contexto em que é mais difícil se legitimar pectivamente os estudos de Castro (1936) e Pessoa
propostas calcadas em idéias de inferioridade racial, cer- (1949). Deve-se ainda notar que o papel da nutrição no
tamente o debate se torna mais complexo. Além disso, desenvolvimento social brasileiro adquiria sensível im-
merece destaque a mobilização de certos grupos étni- portância, no contexto em que Antônio Cândido escre-
cos demandando políticas e pesquisas em doenças que os veu seu trabalho, em grande parte devido à repercussão
afetam com mais intensidade. Sobre o debate científico dos trabalhos de Josué de Castro, sobretudo Geografia
contemporâneo em torno do conceito de raça ver o ar- da fome, publicado em 1956.
tigo de Santos (1996).
20 O argumento de natureza histórica desenvolvido por
11 Isto não significa dizer que estivessem ausentes dis- Antônio Cândido associa bandeirismo e cultura cabo-
cussões sobre a base racial de algumas doenças e mes- cla ou caipira. Em nenhum momento ele se refere ao ca-
mo preconceitos raciais na discussão sobre os focos ráter mítico de tal explicação. Tal referência é, portanto,
de origem das epidemias. Durante a epidemia de gripe de nossa inteira responsabilidade (cf. Lima, 1999).
espanhola, por exemplo, Fontenelle (1919) discutia a
“verdadeira “ origem geográfica da doença e, ao atribui- 21 Sobre alimentação em áreas rurais brasileiras, ver Sa-
la à Ásia, chegava a afirmar: Nada de bom nos vem do muel Pessoa (1949), utilizado como fonte em Cândido
Oriente. (1971).
331

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